quarta-feira, 31 de julho de 2019

Brasil e o clã do terror


O que $e poderá ganhar com i$$o

Não será por medo, nem por alinhamento ideológico apenas que o Senado aprovará em breve o nome do garoto Eduardo Bolsonaro para embaixador do Brasil em Washington como quer o pai dele.

Terá um peso especial na decisão as vantagens que, sem alarde, serão oferecidas pelo governo aos senadores. Foi assim com os deputados quando a Câmara aprovou a reforma da Previdência.

Nem o ex-presidente Temer pagaria pela aprovação da reforma o preço que o presidente Jair Bolsonaro pagou sem chiar. Em troca, ele exigiu dos deputados o máximo de silêncio sobre a transação.
Ricardo Noblat

Não se governa com o verbo

Governa-se, ou deveria ser assim, com ações. As palavras servem para explicar e justificar as condutas. Ambas, ações e palavras, devem ser precedidas de reflexões, análises e ponderações. A palavra pode preceder a ação, mas se esta não for efetivada ou se não estiver consentânea com o que foi dito e anunciado, a palavra será desvalorizada, e o seu autor ficará desacreditado.

Ademais, pensamentos e ideias devem estar previamente alinhados com projetos de interesse coletivo, e não representar desejos pessoais, desalinhados dos anseios da sociedade. Não havendo esse alinhamento, melhor seria o silêncio.

No entanto, como não se tem silenciado, ao menos em respeito ao dia que começa, as entrevistas nos cafés da manhã deveriam ser transferidas para os chás da tarde. Em vez de permanecerem vivas na lembrança dos interlocutores durante todo o dia, essas entrevistas dadas no final da tarde só maltratariam a memória por poucas horas.

Por vezes o conteúdo dos pronunciamentos não é confirmado no dia seguinte, a pretexto de terem sido mal interpretados, ou de terem sido deturpados pela imprensa. Quando a matéria escapa de seu entendimento, ele cria polêmicas por meio de questionamentos incabíveis e inadequados, ou a substitui por questões menores e sem interesse. Em ambas as hipóteses todos os que tomaram conhecimento de sua fala ficam perplexos e confusos.

Uma marca desses pronunciamentos é a capacidade que têm criar desavenças e desarmonias. Em regra contêm um caráter negativo, contestatório de conceitos e opiniões que já estão sedimentados na cultura social.

Temas os mais variados, alguns singelos e de fácil compreensão, outros complexos, passaram a ser alvo de contestação desprovida de explicação racional, que acaba provocando acirradas polêmicas e um grande desconforto, que atinge até mesmo os seus mais próximos colaboradores.

Em lúcido, oportuno e esclarecedor editorial, O esgarçamento do tecido social (21/7, A3) O Estado de S. Paulo retratou com exatidão as consequências desse comportamento que utiliza a palavra a esmo, sem base fática ou sem uma exata correspondência com a realidade. A primeira delas é a disseminação de um clima de intolerância, polarização, discriminação, “diminuição das liberdades e tantos outros retrocessos civilizatórios”. Esses efeitos atingem de maneira frontal, conforme com razão afirma o jornal, um dos objetivos da República, que é “construir uma sociedade livre, justa e solidária” (artigo 3.º, I, da Constituição). Após ponderar que o estímulo à dissidência e à divisão do País não é iniciativa atual, pois governos anteriores já dele se utilizaram, o editorial realça que tal fato não autoriza a sua repetição, ao contrário, obriga à sua extirpação como política e método de atuação.

Qual misterioso motivo o leva a contrariar o bom senso, o senso comum, enfim, a racionalidade, e a transformar suas ideias e palavras em manifestações de absoluto nonsense.

Assim, o fim do controle da velocidade nas estradas, a desnecessidade de cadeiras para as crianças nos automóveis, o apoio ao trabalho infantil, o seu desejo de substituir as tomadas trifásicas, a não cobrança de taxas em Fernão de Noronha (todos os países do mundo cobram em lugares turísticos), a pouca ou nenhuma preocupação com o meio ambiente, com a educação e com a saúde colocam-no como se observa, na contra mão do querer da sociedade. Ademais, parece que tudo o que lembra democracia, liberdade e aprimoramento das instituições e da sociedade não é do seu agrado: participação popular nos conselhos, existência de conselhos de controle profissional, existência do Exame de Ordem, sua aversão pelas ONGs, ataque à imprensa e a certos jornalistas, indisposição com governadores de regiões do País, pregação contra o “perigo do comunismo”, que não passa de mera invencionice, desapreço pela cultura e pela liberdade de criação artística.

Existem muitas outras manifestações que se colocam contra o bom senso, contra a lógica e contra a vontade popular. A lista é interminável, pois diariamente é acrescida de afirmações, comentários, conclusões, ataques impensados e improcedentes, lançados sem nenhuma objetividade e finalidade. As palavras utilizadas, desprovidas de reflexão, são jogadas ao léu. No entanto, preocupam, pois, embora por vezes desprovidas de lógica e de racionalidade, elas acarretam consequências, pela relevância do cargo ocupado por quem as pronuncia. Causam apreensão, discórdia, insegurança e por vezes temor.

Saliente-se que a sua intensa atividade verbal se mantém sempre distante das reais necessidades, dos anseios e das aspirações do povo brasileiro.

Estava me esquecendo das armas. O mundo quer o desarmamento. Em pesquisa recente a sociedade brasileira mostrou igualmente ser contra as armas. No entanto, promessa de campanha e conteúdo de discursos, a apologia da sociedade armada transformou-se num dos principais acordes da orquestra governamental. O maestro e seus músicos pregam que a sociedade estará mais segura se os seus integrantes, da criança ao idoso, estiverem bem municiados e treinados.

Alardeiam que armados nos poderíamos defender. Talvez, se os assaltantes nos avisassem com antecedência do assalto e pudéssemos nos entrincheirar... E aí teríamos no País intermináveis e emocionantes tiroteios. Como eles não nos comunicam do ataque, continuaremos a ficar impotentes, ou seremos mortos caso reajamos.

Aliás, se pudéssemos ouvir o grande e inesquecível Garrinha, ele diria do alto de sua sabedoria de homem primário e tosco, mas intuitivo e de bom senso: “Andar armado, só se combinarmos com os russos antes”.

Há um ditado, verdadeira máxima, reflexo da sabedoria mineira, que diz: “Quem fala muito dá bom dia a cavalo”. Significa que o excesso no falar transforma a fala em nonada, pois de tanto se falar ninguém mais dá valor à palavra falada.

Há presidente?

O Brasil segue sem presidente. Quem está no poder sabe tanto disto que sequer finge governar para a maioria do povo brasileiro. O sr. Bolsonaro governa para os porões da caserna de onde saiu, além de governar para consolidar a mobilização dos 30% da população brasileira que seguirão lhe apoiando. Ele sabe que este é seu teto
Vladimir Safatle

UE adverte que acordo com Mercosul exige proteção de indígenas

A União Europeia afirmou nesta terça-feira que a proteção dos direitos de povos indígenas é um dos "elementos essenciais" do acordo de livre comércio fechado há um mês entre o bloco e o Mercosul, ainda a ser ratificado por ambas as partes.

"A proteção dos direitos dos povos indígenas é subordinada aos princípios gerais" do acordo, afirmou um porta-voz da União Europeia em reação às recentes denúncias de uma invasão de garimpeiros na Terra Indígena Wajãpi, no oeste do Amapá, e à investigação da morte de um líder da tribo. A declaração foi feita após questionamentos da BBC News Brasil à União Europeia sobre o eventual impacto do episódio no fechamento do acordo entre os dois blocos.

O aumento da tensão entre indígenas e garimpeiros ocorre em um momento em que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) defende liberar a exploração mineral em reservas brasileiras e em meio à expansão do garimpo ilegal por vários desses territórios indígenas, conforme mostrado por uma reportagem da BBC News Brasil na última quinta-feira (25/7).

"É intenção minha regulamentar o garimpo, legalizar o garimpo, inclusive para índio. Tem que ter o direito de explorar o garimpo na sua propriedade", disse Bolsonaro.

Em comunicado, o porta-voz europeu ressaltou que o tratado com o Mercosul exige a seus signatários "o respeito e a promoção dos princípios democráticos, direitos humanos e liberdades fundamentais, de acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos e outros instrumentos internacionais".

Entre eles se inclui a Declaração da Assembleia Geral da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, de 2007, "votada pelos quatro países do Mercosul", destacou.

"A cláusula sobre 'Cooperação em princípios democráticos, direitos humanos e estado de direito' é um elemento essencial do tratado."

Bolsonaro acusa ONGs estrangeiras, motivadas por interesses econômicos, de manter os índios brasileiros "como animais pré-históricos" em reservas em "excesso", que estão também "inviabilizando o agronegócio".

A legalização do garimpo em terras indígenas pode colocar em risco a ratificação do pacto comercial entre a União Europeia e o Mercosul, alcançado depois de 20 anos de negociações.

Na reta final, França e Alemanha ameaçaram bloquear o tratado caso o Brasil não se comprometesse com o combate ao aquecimento global e a preservação da Floresta Amazônica, onde fica a maior parte das reservas indígenas brasileiras.

Apesar dos governos de ambos países terem cedido às garantias oferecidas por Bolsonaro, ministros franceses já avisaram que estarão atentos a que as promessas sejam cumpridas.

"O acordo só será ratificado se o Brasil respeitar seus compromissos", afirmou François de Rugy, titular da pasta de Transição Ecológica.

Para entrar em vigor, o texto deve ser ratificado tanto pelo Parlamento Europeu e os legislativos nacionais dos 28 países do bloco quanto pelos legislativos de Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.

Em Bruxelas, alguns deputados europeus exigem a criação de um mecanismo para suspender a liberalização comercial em caso de desmatamento flagrante.

"Faremos tudo possível para convencer o Parlamento Europeu a não apoiar (o pacto) até que haja proteções legalmente aplicáveis para a Amazônia e sua população nativa, até que tenhamos sanções legalmente executáveis", disse Molly Scott Cato, deputada europeia britânica membro da delegação da UE para o Mercosul, em uma recente entrevista à BBC News Brasil.

O Ministério da Economia brasileiro estima que o acordo comercial entre os blocos europeu e sul-americano fará as exportações brasileiras para a UE aumentarem em cerca de R$ 384 bilhões até 2035.

Também espera um incremento no PIB do país equivalente a R$ 336 bilhões em 15 anos, com potencial de chegar a R$ 480 bilhões, se forem levados em conta aspectos como a redução de barreiras não tarifárias.

Pensamento do Dia


A política da raiva

O destampatório de Jair Bolsonaro nos últimos dias – especialmente virulento mesmo para os padrões do presidente – contribui para ampliar o seu isolamento político. Afinal, grande parte do eleitorado que sufragou o nome de Bolsonaro nas urnas no ano passado não o fez para que ele, uma vez na Presidência, passasse seus dias a alimentar violentos antagonismos com diversos setores da sociedade, dificultando consideravelmente a governabilidade. Mesmo entre os políticos que se elegeram na onda do bolsonarismo já há os que procuram manter uma distância prudente do presidente, pois temem ser identificados com a irresponsabilidade que tem caracterizado o comportamento de Bolsonaro.

Se entusiasmam os devotos mais fiéis da seita bolsonarista, as diatribes do presidente colaboram para anuviar ainda mais o sombrio horizonte político e econômico do País. O homem encarregado pelas urnas de dirigir os destinos nacionais choca diariamente a maioria dos brasileiros com declarações absurdas, baseadas em nada além de devaneios e despejadas sem qualquer respeito pelas normas da democracia e mesmo da civilidade. Tal comportamento irrefletido torna imprevisível tudo o que emana do gabinete presidencial. Hoje, sob esse comando irracional, é impossível dizer para onde vai o País.


Não à toa, as forças políticas no Congresso há algum tempo parecem se organizar para fazer avançar as reformas das quais o Brasil depende para evitar o colapso fiscal e ter alguma chance de retomar o crescimento econômico. Para o setor produtivo, o mais importante no momento é que o País reencontre o caminho da recuperação, colocando em segundo plano o destempero do presidente Bolsonaro, por mais infame que seja em algumas ocasiões.

Não é possível conceber, contudo, que um governo possa continuar indefinidamente na dependência dos humores do Congresso e, muito menos, da instabilidade emocional do presidente, que a cada dia se mostra menos preparado para o cargo que exerce. E esse despreparo não se manifesta apenas por sua patente e muitas vezes assumida ignorância a respeito dos principais desafios da administração do País. O maior sinal de que Bolsonaro não é vocacionado para a Presidência da República é sua incapacidade de aceitar os limites institucionais do regime democrático.

Em mais de uma ocasião, Bolsonaro agiu como se sua vontade pessoal fosse superior à Constituição, assinando decretos e medidas provisórias eivadas de ilegalidades. O presidente parece considerar que sua eleição transformou automaticamente em lei suas promessas de campanha e seus arroubos retóricos, bastando somente traduzi-los em linguagem jurídica.

Os bolsonaristas mais radicais, contudo, acreditam que Bolsonaro foi eleito justamente para questionar os pilares do sistema democrático, que para eles está inteiramente corrompido. Nessa campanha de saneamento nacional vale tudo, inclusive fraudar o passado, como fez recentemente o presidente ao atribuir a morte de Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, um dissidente do regime militar, ao grupo de esquerda do qual ele fazia parte, embora o próprio Estado brasileiro admita, em documentos oficiais, que esse dissidente desapareceu depois de ter sido preso pela polícia política.

Para Bolsonaro, contudo, esses documentos são, simplesmente, “balela”. O presidente segue assim o padrão de duvidar de tudo o que contraria sua visão de mundo, mesmo que tenha sido produzido por autoridades de dentro de seu próprio governo ou por especialistas sem qualquer vinculação partidária.

Assim, o presidente Bolsonaro tenta usar sua autoridade de chefe de Estado para transformar em letra morta a base factual da história brasileira, o que tornaria legítima qualquer opinião acerca do passado, mesmo as mais estapafúrdias e aquelas que se prestam a alimentar laivos liberticidas. Esse lamentável episódio não foi apenas um ataque isolado à memória de um dissidente político, mas uma demonstração cabal de que Bolsonaro não se sente constrangido por nenhuma das normas de convivência democrática. Um governo com esse espírito, que não respeita o passado, não anuncia um bom futuro.

Um presidente detestável

Já tivemos ditadores como Getúlio Vargas, Médici e Geisel, que ordenaram ou pelo menos toleraram crimes muito mais graves do que Jair Bolsonaro jamais cometerá, mas nenhum deles se revelou um ser humano tão destestável quanto o atual presidente. Falta ao chefe do Executivo aquela decência mínima, que nos faz reconhecer o próximo como um semelhante.

Não ignoro que, na política, é preciso às vezes levantar bandeiras polêmicas e antagonizar adversários. Só que existem modos e modos de fazê-lo. Se o presidente insiste em defender o golpe de 64, não precisaria enaltecer a tortura institucionalizada, que representa a forma mais covarde de violência que o Estado pode infligir contra o indivíduo. Se acha que as políticas identitárias foram longe demais, poderia apenas dizê-lo, sem necessidade de disparar ofensas contra minorias.

De modo análogo, se Bolsonaro deseja criticar um jornalista, o que é pleno direito seu, poderia questionar aspectos técnicos de seu trabalho ou mesmo seus pressupostos filosóficos. Quando opta por atacar sua vida pessoal, dá mostras de que ou não entendeu a dinâmica da liberdade de imprensa ou tem problemas de caráter mesmo.

Se nutre uma desavença com alguém, deveria circunscrever sua animosidade contra o adversário. Ao insultar seus familiares, que já não podem defender-se, exibe uma faceta cruel e desumana. Traduzindo isso para uma linguagem que o presidente talvez seja capaz de alcançar: "a mãe não, pô!".

A principal missão de um governante é produzir bem-estar e distribuí-lo de forma tão equânime quanto possível. Historicamente, porém, alguns dirigentes se destacaram por atuar como reserva moral da nação, equilibrando sabedoria e compaixão para levantar e arbitrar questões decisivas. Ainda é cedo para dizer se Bolsonaro conseguirá cumprir o primeiro objetivo, mas no segundo ele já fracassou —como líder e como ser humano.
Hélio Schwartsman

Até o amargo fim

Jair Bolsonaro caminhou rapidamente, em apenas seis meses, para a beira do precipício e, lá chegando, fez o previsível para pessoas do seu tipo: se atirou. Não satisfeito, começou a cavar sofregamente mais fundo, para continuar a deliciosa vertigem rumo ao nada.

Seu desempenho está mil vezes pior do que quando era um deputado apenas fanfarrão. Ali ninguém era obrigado a ficar ouvindo. Agora é o presidente da República em um país onde o governo invadiu de forma direta e inexorável a vida cotidiana do cidadão. Não dá para ignorar. São declarações absurdas, uma após a outra, e se escora na ala terrível de seu eleitorado, a escória que defende a tortura, dispensando conselhos de outros grupos de apoiadores, gente séria que também integra seu eleitorado. A preferência é do caráter.

As suas intervenções sobre qualquer assunto de qualquer área vão esvaziando sua autoridade. São propostas equivocadas, conceitos estapafúrdios, opiniões draconianas ditas de forma agressiva. É possível ter um presidente impopular em alguns momentos, mas cheio de razão e legitimidade, exercendo com dignidade sua função. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso viveu períodos assim. É difícil, porém, exercer o cargo quando se tem popularidade mas é olhado com desprezo. Quando o presidente passa a ficar no cargo porque não tem outro jeito, já perdeu a autoridade. Assim está o Brasil, com um presidente sem condições políticas, psicológicas, sociais e morais de governar e liderar sequer seu público votante, quanto mais exercer o governo de todos, como a praxe exige. Qual a solução para o vácuo de poder, de credibilidade e equilíbrio necessários a manter os cidadãos livres e bem de saúde mental?

A pergunta é insistentemente feita no Executivo, Legislativo e Judiciário, três Poderes perplexos: não seria o caso de impeachment por falta de decoro? E a resposta é também consensual: não.


Se essa for a única saída dos cidadãos para abreviar a agonia de um desgoverno num país das dimensões deste, prepararem-se para navegar em tormenta até 2022. E, se a economia reagir ao efeito do gás paralisante que inalou, melhor contar com solução só em 2026, depois do segundo mandato. Presidente popular não perde disputa de reeleição, mesmo que tenha feito pacto com o diabo.

Se lá na frente vai surgir ou não uma alternativa que não existe agora nem existiu em 2018 é uma incógnita. Enquanto isso pode-se alimentar expectativa para fugir da solução rápida, porém inviável.

O impeachment está descartado, nas condições do momento atual, como solução para o fim do pesadelo vivido pela sociedade brasileira. Começa por não ter quem colocar no lugar de Jair Bolsonaro. Quando Michel Temer reagiu ao governo Dilma Rousseff, já estava preparado: contava com o apoio do Centrão, tinha um plano de trabalho, a adesão de vários ministros do governo a ser deposto e a condição constitucional de ser o vice-presidente eleito.

Hoje não há nada disso. O general Hamilton Mourão, vice-presidente eleito, tem apenas essa condição legal. É pouco. Diante da atuação e do comportamento presidencial, o Congresso, com Centrão à frente e mais direita ou esquerda, recolheu-se à sua própria agenda, mais útil ao país do que ficar respondendo a insultos e divagações presidenciais. Os ministros agarram-se aos galhos, alguns podres, da árvore do governo para não cair, e em maioria agem à semelhança do chefe, dele dependendo para sobreviver na política. Quando uma celebridade da ética como Sergio Moro amarra seu destino ao de Jair Bolsonaro e dele passa a depender para livrar-se de problemas, se o mundo da política não acabou, está acabando.

Mourão está contido pela intimidação e não tem apoio de ministros, nem mesmo dos generais do Planalto, divididos entre si. Os militares que povoam o governo não vão evitar mas também não vão precipitar um desfecho. Estão, como Mourão, fracos, distanciados do presidente e com muitas razões para não tentar consertar o que está torto. Bolsonaro os trata muito mal, não são eles que tutelam o presidente mas são por ele tutelados. Bolsonaro os demite, quanto mais laureados, melhor, saboreando o prazer indescritível que deve ser um capitão dominar um general. Bolsonaro disputa com eles a liderança das tropas: não perde uma formatura, um dia do paraquedista, da infantaria, da cavalaria, da engenharia, do aviador, do fuzileiro, uma só das milhares de solenidades que dão movimento aos quartéis.

Os militares, também, não podem sair do governo. Para fazer o quê? Além do atestado de fracasso e do erro da aposta, ainda seriam responsáveis por deixar o governo vagando sem equipe. E, para o presidente, qualquer um é alvo. Não tem Santos Cruz, com seu currículo internacional. Tem um capitão ressentido indo à desforra. O general Villas Bôas está mudo, recolhido. O general Augusto Heleno, outrora poderoso, está precisando gritar para se fazer notar.

O sentimento de disciplina impede a revolta, fora o fato de que temem duas armas realmente letais de Bolsonaro: os filhos, boquirrotos como o pai, que dizem qualquer coisa e fazem qualquer coisa, e o nicho mais violento de seus apoiadores na Internet, que não observam limites de nenhuma espécie.

Se o Congresso está tocando seu próprio plano, o vice-presidente sem condições de liderança e os militares falsamente abúlicos para não tomar uma iniciativa que represente solução, a marcha segue no ritmo da insensatez atual.

Se a economia, ainda que pareça pálida, vagarosa e insuficiente, começar a fazer o movimento inverso daquele de Bolsonaro e procurar a superfície, será possível encontrar um lenitivo. Ainda que mínimo. Podem surgir novas razões para crença de que será mantido, para o segundo mandato, o eleitorado sem alternativa do primeiro. Também uma massa social menos insegura e um Congresso menos perplexo como efeito do bem estar econômico. A solução por essa via, porém, é incerta e demorada. Pode ser facilmente contaminada, no governo, pelo método, ideologia e conceitos peculiares do presidente.

Paisagem brasileira


O presidente Júlio

Todos nós conhecemos ao menos um Bolsonaro na escola. Aquele garoto que, quando aparecia no pátio, tocava o terror. O meu Bolsonaro chamava-se Júlio. Convivemos do primeiro ano primário ao último do colegial, sempre a uma distância que tentei manter segura para não apanhar.

Acompanhei a evolução da carreira de agressor contumaz do Júlio por onze anos. Ele era forte, cara de mau e estava sempre acompanhado de dois ou três comparsas. Covardes que imaginavam que, estando a seu lado, não seriam agredidos.

Júlio era um horror. Assustava até os funcionários da escola. Nem os bedéis, nem os professores mexiam com ele. Hoje em dia diriam que ele praticava bullying. Acho bullying pouco para suas atitudes.

Ele batia, xingava e amedrontava. Agarrava os garotos mais frágeis, os nerds, os gordinhos, os gays e cuspia na cara, socava ou esfregava suas costas no cimento chapiscado do muro da escola.

O que Júlio fazia beirava o crime, numa época em que xingar gays e bater em nerds nem de longe parecia crime, mas era detestável.

Seus parceiros riam e incentivavam. Davam tapas na cara, humilhavam e ofendiam. As vítimas saíam com a camisa rasgada e o ego despedaçado. As costas cheias de risquinhos de sangue.

Júlio lutava caratê. O sujeito só não era faixa preta porque tinha apenas uns dez anos de idade. Já no caratê era disciplinado como um militar profissional. Mas no resto das matérias era limitado, coitado. Burrinho mesmo. Só ia bem em educação física.

Quem sabe o contexto que criou nosso Bolsonaro seja parecido com o que criou o Júlio, lá da minha infância. No livro “O Cadete e o Capitão”, o jornalista Luiz Maklouf Carvalho estudou a fundo o julgamento de Bolsonaro pelo Superior Tribunal Militar (STM), quando este foi acusado de ter desenhado um croqui indicando onde colocar bombas na adutora do Guandu — que abastece de água boa parte da população metropolitana do Rio.

Maklouf concluiu que o plano foi mesmo de Bolsonaro, que se queixava na época de baixos salários. Talvez venha daí o Bolsonaro agressivo de hoje.

Um militar que se imaginava injustiçado. Esse desequilíbrio entre força e respeito talvez seja a gênese da violência de Júlio e de Bolsonaro. Usar a força para não ser julgado fraco.

Nesse conflito, estão em oposição, de um lado, a hierarquia e a disciplina militar, do outro, a insignificância de quem, mesmo eleito para o Congresso, não apitava nada, relegado à irrelevância do baixo clero por décadas de mandatos. Gritar e ofender para ganhar a atenção que, no íntimo, imaginava merecer.

Assim, com os mesmos olhos de predador de Júlio no pátio da escola, Bolsonaro escaneia as pradarias de Brasília à procura de sua próxima presa. Uma hora é um deputado gay, depois, um governador “paraíba”. Miriam Leitão foi alvo fácil de Bolsonaro, como os nerds de Júlio.

Ela é mulher, crítica, inteligente, jornalista e foi ativa na esquerda. Quanta ira e covardia são necessárias para afirmar que Miriam Leitão não foi torturada quando tinha 19 anos e estava grávida? Um fato que foi devidamente comprovado pela Justiça brasileira.

É o tipo de atitude que faria Júlio vibrar de prazer. Falta apenas explicar por qual razão elegemos um Júlio para presidente. Quem sabe foi por que boa parte do País, despreparado e ignorante politicamente, pensa como os comparsas do meu algoz de infância: “Melhor ficar ao lado de quem bate do que de quem apanha.” Ficando ao lado do agressor, imaginam que estarão a salvo, protegidos. Quem apoiava o Júlio imaginava que ele lutaria pelos interesses de sua turminha — ou os deixaria em paz.Infelizmente, não era o que acontecia. Júlio só pensava em Júlio e, mais dia, menos dia, espancava a gangue toda só para mostrar quem mandava.

Quem semeia...

Sou assim mesmo. Não tem estratégia. Se eu estivesse preocupado com 2022 não dava essas declarações
Jair Bolsonaro

Governo despreza corpos e fronteiras de quem não é do 'povo'

Um cacique foi morto na terra dos Waiãpi, no Amapá. Segundo relatos de indígenas, a facadas.

Ao menos 57 detentos foram mortos no Centro de Recuperação de Altamira, no Pará. Houve 16 decapitações , e as cabeças foram exibidas juntas, evocando o que as forças policiais fizeram com Lampião e seus cangaceiros.

Jair Bolsonaro disse, em tom de ameaça ao filho de um homem morto há 45 anos , que poderia contar como se deu o assassinato. Mais tarde, embora documentos produzidos pelo Estado brasileiro confirmem que Fernando Santa Cruz morreu após ser preso (tendo o corpo incinerado, segundo relato de um coronel), o presidente afirmou que o servidor público fora justiçado por companheiros de militância.


Esses fatos dos últimos dias têm algo em comum: corpos. Ampliando a resposta, corpos destruídos barbaramente. Acrescente-se que são corpos desprezados pelos que governam o país – e, possivelmente, por parcela significativa da população, já que o atual presidente foi eleito com mais de 57 milhões de votos.

Por desprezados entenda-se que são alvos de ataques à sua existência, à sua liberdade, à sua dignidade, à sua história e à sua memória: indígenas, “bandidos”, inconformados. Sempre foi assim neste Brasil de extrema violência, jamais pacífico. Mas causa espanto que isso esteja tão forte em plena democracia – ou “democradura”, como intelectuais têm definido.

Bolsonaro insiste que as terras indígenas precisam ser abertas para mineradoras e garimpeiros. Não reconhece as fronteiras protegidas pela Constituição e que demarcam o resto do muito que os chamados povos originários já tiveram. Por outro lado, estimula que fazendeiros atirem em quem tente invadir suas propriedades. Uns têm espaços que devem defender, outros têm espaços que devem desocupar. Uns têm direito ao próprio negócio, outros estão “inviabilizando nosso negócio” – o de um Brasil onde não há espaço para o modo de vida dos indígenas.

Brasil é o quarto país mais perigoso para defensores do meio ambiente

Depois de anos no topo do ranking, o Brasil apareceu em 2018 como quarto país do mundo com maior número de assassinatos de ativistas e lideranças que defendem o meio ambiente. O relatório foi divulgado nesta terça-feira (30/07) pela ONG Global Witness, sediada no Reino Unido.

Ao todo, 164 pessoas foram assassinadas pelo mundo no ano passado por atuarem na proteção de terras, florestas e rios e contra a ação de mineradoras, de madeireiras e de empresas do setor de alimentos. Vinte desses assassinatos foram registrados no Brasil. No ranking global, as Filipinas aparecem em primeiro lugar, com 30 assassinatos, seguida por Colômbia (24) e Índia (23).

Em 2017, o Brasil registrou 57 mortes para defensores do meio ambiente. No mesmo ano, a ONG contabilizou 201 mortes pelo mundo.

Desde que Global Witness começou a documentar e divulgar esses crimes, em 2012, é a primeira vez que o Brasil ficou de fora da "liderança” do ranking. Segundo a ONG, os números registrados estão de acordo com a queda geral no número de homicídios no país em 2018.


A América Latina mostrou-se a região mais perigosa do mundo, segundo a avaliação feita pela Global Witness. Numa comparação proporcional, a Guatemala, onde as mortes do tipo saltaram de sete, em 2017, para 16 no ano passado, é o país mais perigoso para ativistas.

Alice Harrison, da Global Witness, lamenta os ataques violentos contra os defensores da terra e do meio ambiente, apesar da força crescente dos movimentos ambientalistas em todo o mundo.

"Nunca foi tão importante ficar ao lado daqueles que estão tentando defender suas terras e o nosso planeta contra a destruição imprudente cometida pelos ricos e poderosos", comenta Harrison, ressaltando a importância de se proteger o meio ambiente diante do "caos climático" trazido pelo aquecimento global.

O relatório aponta que conflitos ligados ao setor da mineração foram os mais letais no globo. Pelo menos 41 pessoas morreram por se posicionarem contra a extração de minérios.

No Brasil, a principal fonte de dados para o relatório da Global Witness é a Comissão Pastoral da Terra (CPT). Os números divulgados por ambas as entidades, no entanto, apresentam diferenças. Enquanto a CPT também contabiliza assassinatos de trabalhadores rurais, sem-terra e indígenas, a Global Witness se restringe aos casos de defensores da terra e do meio ambiente, que ela classifica como indivíduos que tomam medidas pacíficas para proteger terras ou direitos ambientais.

Isso explica o fato de o número final de 2018 divulgado pela CPT ser maior. Naquele ano, a comissão contabilizou 28 assassinatos no campo - a maioria, 24, na Amazônia Legal. Do total, 15 foram contra pessoas consideradas lideranças em suas comunidades e territórios.

"A violência no Brasil é estrutural e, nesse momento, tem um incentivo propulsor do Estado, do próprio governo federal", analisa Paulo César Moreira, da CPT.

Embora o número de mortes tenha sido menor no ano passado, Moreira afirma que não há o que celebrar. "Ainda que o Brasil tenha diminuído os assassinatos em 2018, isso não significa que a violência tenha diminuído. O governo Bolsonaro faz um papel cruel com os povos do campo, é antidemocrático”, disse, em conversa com a DW Brasil.

A tendência para 2019 não é otimista, apontam os dados parciais coletados pela CPT. Até o momento, foram registrados 16 assassinatos em conflitos no campo no Brasil. Segundo a comissão, o discurso do presidente, que vem se radicalizando desde a campanha eleitoral é visto como um incentivo à violência.

"Bolsonaro promove um ‘salvo-conduto' às situações de milícia no campo, violência do fazendeiro, de grilagem, violência contra natureza, desmatamento. É um discurso que leva à perseguição, ao assassinato, ao extermínio desses povos", afirma Moreira, citando como exemplo o assassinato do líder indígena Emyra Wajãpi, no Amapá, que provavelmente deve entrar para as estatísticas da Global Witness no ano que vem.

Segundo relatos dos indígenas, Emyra foi morto por garimpeiros ilegais. Na segunda-feira, o presidente Bolsonaro pôs em dúvida o relato do assassinato. Ele também expressou a jornalistas que tem a intenção de regulamentar o garimpo no Brasil.