sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Depois da festa

Critiquei a Olimpíada porque achava que fora decidida num período de crescimento econômico e acabou sendo realizada no auge de uma crise. No entanto, uma vez que a decisão era irreversível, o melhor seria desejar que os Jogos Olímpicos transcorressem sem grandes incidentes e as pessoas, satisfeitas, ganhassem mais energia para enfrentar os desafios que temos pela frente.

Creio que o sucesso do evento confirma as previsões daqueles que achavam que hospedar a Olimpíada era o máximo. Eu não achava isso. Apenas desejava o êxito, sobretudo neste momento histórico.

Spirit: Fevereiro 2010:
Mas os críticos que partiram de um mesmo patamar, acentuando problemas ambientais e de segurança, dificuldades econômicas, não ficaram de mãos vazias. Para começar, o próprio Comitê Olímpico Internacional (COI) reavaliou o sistema de escolha de cidades sede, reconhecendo que as Olimpíadas sobrecarregam a economia local e o meio ambiente.

A partir de agora, a tendência é realizar os jogos nas estruturas já existentes, respeitando o momento de austeridade e mudança de estilo de vida que a realidade impõe. O Brasil acabou, por vias tortas, contribuindo para as Olimpíadas, em escala global, com um legado de austeridade.

O saneamento básico ganhou nova dimensão quando apareceu na imprensa internacional como um fator negativo do País. E o governo se moveu, iniciando um processo de privatização ainda no curso dos próprios jogos.

A privatização do setor não significa uma saída mágica. Existem inúmeras cidades do mundo que realizam os serviços com recursos públicos.

O problema é que estamos muito atrasados e o Estado não pode responder à demanda. Nem a um bom socialista seria razoável pedir que espere uns dez anos para que o serviço não caia nas mãos da iniciativa privada.

Cruzada com a história da Operação Lava Jato, a trajetória do saneamento básico no Brasil pode viver, como outros aspectos da infraestrutura, uma importante mudança. Com tudo o que se conhece hoje sobre a relação das empreiteiras com os governos, é razoável duvidar se o País tem mesmo um planejamento ou apenas segue o ritmo de negócios lucrativos para empresários e políticos. Liberto dessa relação de dependência, o governo teria condições de pensar um planejamento de acordo com as necessidades reais do Brasil.

É apenas uma possibilidade, um legado da Lava Jato. O legado dos críticos da Olimpíada foi contribuir para que o tema entrasse na agenda. A repercussão internacional acabou enfatizando uma realidade que muitos consideram um dado da natureza. Agora despertam para essa lacuna na nossa trajetória.

Nem todos. Alguns comentários nas redes diziam que a prova de que a Baía Guanabara era limpa foi o mergulho dos atletas nas suas águas após a vitória.

Mas o ufanismo pode ser tratado à parte. Minhas dúvidas sobre ele é que é visto como um antídoto ao famoso complexo de vira-lata. Será mesmo?

Acabou a Olimpíada. Deve acabar oficialmente a longa passagem do PT pelo governo, deixando os antigos aliados em seu lugar. E também terminar a cinematográfica carreira política de Eduardo Cunha, que resultou em milhões de dólares nos bancos suíços.

Cunha passeava com a família pelos lugares mais caros do mundo e se elegia fazendo piedosos sermões religiosos numa rádio evangélica. Com os sermões e muita grana.

Não entendo por que governo e oposição não se unem para resolver esse caso o mais rápido possível, entregar Cunha a Sergio Moro e deixá-lo cuidar da tonelada de petições e recursos que escreverá na cadeia.

A política é feita muito de conflitos entre objetivos diferentes. Desprezar objetivos comuns apenas para manter os conflitos não é, a rigor, fazer política, mas, de uma certa forma, ser viciado em política.

Não há sentido de urgência para atender a uma demanda clara não só da sociedade, como da própria Justiça. Mesmo na remota data que escolheram, ainda transmitem insegurança sobre o quórum da sessão que cassará Cunha. Todas as pessoas informadas, contudo, jamais esquecerão o nome dos faltosos, que com sua ausência darão um abraço de afogados no ex-presidente da Câmara.

Resolvida essas questões, a Olimpíada ainda nos deve ocupar. Como foram gastos os recursos públicos, isso é algo que só virá com a transparência das contas. Nos últimos momentos, o governo injetou R$ 250 milhões na Paralimpíada.

O que está em jogo é o seguinte: quando as contas forem abertas, mesmo os mais entusiasmados com os Jogos Olímpicos vão reprovar os desvios e os equívocos, se forem demonstrados pelos números. Caso contrário, a realização da Olimpíada terá superado dois males numa só tacada: a incompetência e a corrupção.

Com todos os pequenos incidentes, o Brasil mostrou competência e alguns atores políticos, como o prefeito Eduardo Paes, devem se beneficiar. Lula, Sérgio Cabral e Dilma, a quem critiquei pela megalomania, também conseguiram realizar seu sonho.

São adversários. Mas tomados pelo espírito olímpico, podemos festejar também o impulso do governo no sentido de sair do marasmo nas obras de saneamento.

E festejar, sobretudo, a conclusão do COI ao decidir mudar o processo de escolha das cidades-sede, ajustando-se à realidade do mundo contemporâneo, que já emergiu, simbolicamente, na presença de uma delegação de atletas refugiados. Como dizem as plaquinhas em banheiro de hotel, o planeta agradece.

Enfatizo essa decisão do COI porque sempre foi muito próxima das minhas expectativas. Foi um grande risco ter trazido a Olimpíada para o Rio de Janeiro.

Decisão irreversível, o certo era desejar que tudo ou quase tudo desse certo. Vivemos intensamente o nosso espírito de cigarra. Agora é hora de baixar o espírito da formiga.

Muito além do impeachment

“Não celebramos, hoje, uma vitória política. Esta solenidade não é a do júbilo de uma facção que tenha submetido a outra, mas festa da conciliação nacional, em torno de um programa político amplo, destinado a abrir novo e fecundo tempo ao nosso país.” Três décadas atrás, em março de 1985, estas frases, escritas pelo presidente Tancredo Neves para seu discurso de posse, foram lidas pelo vice José Sarney, que subia a rampa do Planalto e proclamava o ano zero da “Nova República”.

Michel Temer, o sapo transformado em príncipe, logo as ecoará, com alguma variação retórica, marcando a conclusão do impeachment de Dilma Rousseff. Como quem sacode o paletó, expurgando-o de impurezas, o presidente se libertará do rótulo de “interino” invocando a “conciliação nacional” e anunciado a aurora de um “novo tempo”. A história se repetirá, mas como farsa. De fato, isso é um epílogo, não uma introdução.


O Brasil já teve uma República Nova, proclamada por Getúlio Vargas em 1930, e uma República Velha, o nome pouco lisonjeiro com o qual os vencedores da Revolução de 1930 batizaram o período republicano inicial, inaugurado em 1889. Naquela estranha transição de 1985, pela voz inesperada de Sarney, antigo líder da Arena, o partido de sustentação do regime militar, Tancredo inventou a “Nova República”. A expressão evocava a ideia ilusória de uma ruptura radical.

Na prática, a nítida cisão consumou-se mais tarde, pela Constituição de 1988. Hoje, a ascensão de Temer, o terceiro vice afortunado numa linhagem que abrange Itamar Franco, não assinala um novo começo, mas um desfalecimento. A “Nova República” morre junto com o fim do ciclo de poder lulopetista. A “Constituição Cidadã” de Ulysses Guimarães inaugurou uma época de ampliação dos direitos sociais, demarcando o terreno para a expansão das despesas públicas da União, dos estados e dos municípios.

Aquele contrato constitucional tornou-se elemento central na estabilidade da “Nova República”. A elite política civil legitimava-se pelo compromisso de reduzir a pobreza e as desigualdades, por meio da ação estatal. Na sua dimensão econômica, o colapso da “Nova República” reflete o esgotamento da capacidade do Estado de continuar a promover a elevação dos gastos públicos em ritmo superior ao do crescimento do PIB. A encruzilhada emerge pela terceira vez.

No governo Sarney (1985-1990), a expansão das despesas públicas foi financiada pela emissão monetária, gerando uma crise de hiperinflação que consumiu o governo Collor (1990-1992) e só foi resolvida pelo Plano Real, em 1994. Na “era FHC” (1995-2002), sem o recurso à emissão monetária, o governo apelou ao aumento da carga tributária, até ceder ao imperativo do realismo e brecar a marcha dos gastos públicos. A vertiginosa queda de popularidade resultante propeliu a quarta candidatura presidencial de Lula, alçando o PT ao poder.

Na “era lulopetista” (2003-2016), surfando a onda da “globalização chinesa”, o governo acelerou os motores do gasto público. A expansão dos programas sociais, os subsídios ao consumo e os generosos financiamentos ao empresariado soldaram um extenso arco de poder, gerando triunfos eleitorais sucessivos. Contudo, sob Dilma, enfrentando a reversão do ciclo internacional, o governo insurgiu-se contra as limitações impostas pela realidade, financiando seus gastos por meio da elevação do déficit e da dívida.

Do voluntarismo dilmista seguiu-se o “estelionato eleitoral” de 2014, uma depressão histórica e, no final, o impeachment. O colapso da “Nova República” deriva da impossibilidade de continuar a financiar despesas públicas crescentes sem reacender a fogueira inflacionária ou recorrer a um aumento brutal da já exagerada carga tributária. À encruzilhada econômica, soma-se um impasse político-institucional.

O sistema de regulação política fundado em 1988 degenerou no “presidencialismo de coalizão”, uma expressão cínica sob a qual se ocultam os intercâmbios criminosos entre o Executivo e o Congresso que asseguram a governabilidade. Sob a égide de Lula, os mecanismos da corrupção sistêmica atingiram um ápice, propiciado pelas complexas teias de negócios do capitalismo de estado. As Jornadas de Junho de 2013 e, depois, as manifestações de rua do impeachment evidenciaram a desmoralização generalizada da elite política.

A Operação Lava-Jato descerrou o véu que cobria a captura da administração pública e das estatais pelas máfias políticas. Descosturou-se o tecido do contrato de legitimidade da “Nova República”. O sistema político-partidário da “Nova República” evoluiu rumo a uma geometria triangular, baseada tanto na polaridade PSDB-PT quanto na oscilação pendular do PMDB. Sob as coalizões lideradas pelo PSDB e pelo PT, o equilíbrio político durou duas décadas, até a crise aberta em 2013, que destruiu as engrenagens do sistema.

A agonia do lulopetismo não significará nem a morte do PT nem uma simples troca de guarda no Planalto. Corroído pelas disputas internas entre seus três caciques provincianos e ameaçado pela dela- ção da Odebrecht, o PSDB não tem candidatos presidenciais viáveis. Já o PMDB, eterno partido governista, carece de lideranças nacionais com densidade eleitoral e aparece como alvo destacado da Lava-Jato. Há, na renúncia antecipada de Temer à candidatura presidencial em 2018, bem mais que uma vulgar manobra tática.

Na Itália, a Operação Mãos Limpas, destruiu a Democracia Cristã e o Partido Socialista. No Brasil, o que sobrará intacto até as eleições de 2018? A “Nova República” apaga-se na bruma do passado — mas nenhum sistema político alternativo surgiu para substituí-la. Temer não é Tancredo e não tem o direito de proclamar um “novo e fecundo tempo”. O terceiro vice afortunado é um gerente de ruínas. Quando, finalmente, Ricardo Lewandowski declarar o impeachment de Dilma, sugiro apenas um brinde discreto.

Demétrio Magnoli

Começar sem eles

Magalhães Pinto era presidente do Senado Federal, quando o regime militar já havia perdido o frágil apoio que recebera da opinião pública em 1964. De repente, os generais foram surpreendidos pelo fenômeno da fadiga dos metais. “Um avião ficou anos transportando passageiros de uma cidade para outra sem o menor acidente ou dificuldade técnica. Só que um dia explodiu. Não houve erro do piloto, nem tempestade, sequer gasolina adulterada ou sabotagem. Simplesmente, explodiu. A causa foi afinal detectada: fadiga dos metais, que se recusaram, não aguentaram mais voar.”

Isso aconteceu com a ditadura que nos assolava, hoje acontece com o sistema de governo estabelecido desde a ascensão do PT ao governo. O clímax da exaustão do regime chegou em meio ao processo de impeachment de Dilma Rousseff. A performance do modelo incinerado por Madame agora chega ao limite, com seus últimos defensores, ao encenar uma pantomima sem graça, sustentam que o Senado não tinha moral para julgá-la, nem o Supremo Tribunal Federal, muito menos as instituições pelas quais somos regidos.

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Explodiram a ex-presidente e junto com ela tudo o que restou da aventura da Nova República. Nem se fala do papelão das três senadoras e do senador que compõem o quarteto funerário. Foram apenas os coveiros, mostrando até onde pode ir a ignorância humana.
Gleisi, Vanessa, Fátima e Lindbergh, acolitados por mais um monte de obstinados, conseguiram botar o país em frangalhos, com a colaboração de seus adversários. Por quase três horas impediram o desenvolvimento de um processo constitucional que poderia encerrar uma sequela banal.

Entre procrastinações e agressões, contribuíram para demonstrar à população que tudo deve começar de novo. Mesmo sem eles, seus partidos políticos, suas leis, seus poderes e até seus eleitores.

Dilma já estava condenada, semanas atrás. A sentença sairá em alguns dias, caso o processo no Senado se estenda mais um pouco. Como recomeçar parece cada dia mais difícil.

Um 25 cheio de história

Data do suicídio de Getúlio Vargas e da renúncia de Jânio Quadros, 25 de agosto (também Dia do Soldado) parece ter sido o dia mais adequado para começar o julgamento do impeachment de madame Dilma no Senado. A presidente afastada entra assim para a História, ao menos, pela coincidência de datas. O quadro na parede que continua nas repartições federais está há bom tempo apenas como espanta-moscas a assombrar os prédios como sua sombra passeia fantasmagoricamente pelos corredores do Alvorada.

Afora a coincidência de datas, Dilma é apenas um vulto maléfico na História como seu comparsa criador Lula. Não tem a mínima chance de concorrer com Vargas em dignidade de um homem que deixou verdadeiramente um legado. Por coincidência, uma estatal que Dilma e sua companheirada jogou no lixo com roubalheiras. 


Quanto a Jânio, pode se comparar em figura histriônica. Ainda assim perde longe para o ex-presidente. Por mais que se queira criticar, ninguém pode imputar qualquer pedalada janista. Mesmo que tenha feito tão mal ao país com sua renúncia extemporânea, sua curta gestão foi um tropeção.

Dilma vai deixar um rastro histórico de má administração com recordes negativos nunca vistos. Alguns até dignos de entrar para o Guiness. A presidente afastada, a quem nem as ruas se movimentam mais em sua defesa, está prestes a entrar para o limbo. Servirá apenas ao próprio PT, se não feder muito, como o fantasma de uma heroína, a ser usada e abusada para manter seus discursos demagógicos. Depois será jogada na lata do lixo para não infectar o partido. Uma triste carreira política para uma faxineira que chegou ao Planalto como gerentona e termina como acusada de crimes fiscais.

Imagem do Dia

Grzegorz Wróbel, aquarela

O problema básico da democracia

Superado o autoritarismo redentorista que permeou o século 20, a democracia está em evidência hoje. Como ela vem funcionando no Brasil? Tranquila e eficiente? Ou tumultuada e em déficit de resultados? As perguntas remetem a assunto frequente na mídia: a configuração de nossas vanguardas políticas – no plural porque o tema se estende aos três níveis da Federação.

O “governo do povo, pelo povo e para o povo” (Abrahan Lincoln) é um slogan simpático, mas não existiram na História regimes políticos, das ditaduras totalitárias aos governos pautados pelo respeito à metodologia democrática, que não tenham sido conduzidos por lideranças - hereditárias, religiosas, impostas pela força ou escolhidas pelo povo. A democracia direta é um ideal relativo. Nas sociedades de massa ela se aplica aos problemas limitados e locais, ao alcance do discernimento das comunidades, raramente aos complexos e nacionais. A Grã-Bretanha submeteu o Brexit a plebiscito. Mas nosso eleitorado estaria apto a opinar sobre a saída do Brasil do Mercosul...?

O problema básico da democracia consiste, portanto, na escolha pelo eleitorado das lideranças que realmente exercerão o poder no “governo do povo, pelo povo e para o povo” e que, sempre se afirmando democráticas, o exercerão balizadas por esquemas político-ideológicos e procedimentos que se estendem da farsa democrático-autoritária da Venezuela chavista às democracias bem-sucedidas da Europa Ocidental.

David Alfaro Siqueiros (1896‑1974).
Esse problema não vem tendo solução feliz no Brasil. A modernização da economia nos últimos 80 / 90 anos, não acompanhada por correlato aprimoramento político-cultural do eleitorado, que quadruplicou e passou a ser maciçamente de classe média baixa e proletariado urbanos, tem facilitado a eleição de Executivos e Legislativos aquém do ideal no tocante ao rigor democrático, à competência funcional e à ética – áreas em que nosso Estado gigante é naturalmente vulnerável. Em décadas recentes parcela dessas lideranças tem praticado, com sucesso na grande massa, a ilusão populista que camufla sua opinião e vontade de opinião e vontade do povo – malabarismo útil ao messianismo populista, pretendido como sancionado pelo número.

No exercício do poder as lideranças formatadas democraticamente na moldura desse quadro vêm sendo marcadas por episódios frequentes de corrupção generalizada. E tendem à prática de políticas e procedimentos ilusoriamente simpáticos à grande massa, ou benéficos a segmentos influentes – mundo político, serviço público, setores do grande capital e sindicatos fortes –, mas prejudiciais ao País no tempo imediato e no maior prazo. Exemplos emblemáticos dessa insensatez consciente: as marchas à ré no macroajuste fiscal salvacionista pretendido pelo governo de Michel Temer, a resistência de matiz suicida à reforma da Previdência, a relutância à correção de anacronismos da CLT e ao teto para os gastos públicos.

Embora o regime de 1964 a tenha reduzido temporariamente, não abalou decididamente a essência do problema. Não facilitou a renovação política porque, sem ser essa a intenção, sua natureza não estimulava a emersão expressiva de homens públicos capazes e descomprometidos com os esquemas viciados e que, provavelmente, pretenderiam apressar a volta à democracia. Mas já são decorridos 31 anos de restabelecimento da democracia e o problema está aí em força, menos intensa nos anos 1990, ainda que não nula.

A solução desse imbróglio, histórico e particularmente forte nas duas primeiras décadas do século 21, é difícil e complexa. Para ser completa passa necessariamente pela melhora político-cultural do eleitorado, que escolhe os reais mandatários do “poder soberano do povo” – evolução inviável de um dia para o outro e que, se acontecer, se estenderá por muitos anos, por gerações. Seu sucesso só estará seguro quando o voto ponderado superar a inércia mental mal informada e tolerante, que comumente elege (ou reelege) candidaturas não rigorosamente pautadas pelos parâmetros da democracia.

Mas não podemos esperar o ideal: no curto prazo é preciso que os partidos ofereçam ao eleitorado maiscandidaturas criteriosamente avaliadas como competentes e éticas e as prestigiem nas campanhas (elas já existem, em número insuficiente e nem sempre prestigiadas). Esse deslanchar do processo é difícil e mesmo improvável enquanto o quadro partidário continuar à mercê de interesses atendidos pela fragmentação caótica, sem consistência doutrinária e programática, com seu apêndice, os conchavos de conveniência fundamentados no escambo envolvendo vantagens, cargos públicos e medidas pretendidas pelo governo. Outro tema prejudicial à formação de produto eleitoral competente e ético: a coligação partidária nas eleições proporcionais, que, felizmente, parece estar a caminho de extinção.

Os atores políticos que se propuserem ao aperfeiçoamento (à correção) de nossa democracia precisarão de coragem política para adotar medidas que, além de não despertarem o apoio entusiasmado da grande massa, que provavelmente até mesmo nem sempre as compreenda, desagradarão a setores econômicos e sociais fortes, do serviço público e do funcionalismo das empresas estatais. Mas há que enfrentar o dissabor, transitório porque os efeitos positivos logo surgirão. A História haverá de fazer justiça.

Não existe indicação convincente de mudança significativa no curto prazo, pelo menos é o que se depreende da resistência à correção dos males do passado e recentes. Mas já se começam a notar alguns sintomas de que a crise que estamos vivendo, em que incidem fortes no povo a recessão e o desemprego, aluindo a conformidade popular passiva, venha a ensejar reflexos positivos. Talvez já nas próximas eleições municipais. Há sentido na esperança?

Irresponsabilidade santificada

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Se ela não tiver responsabilidade sobre o decreto, não tem responsabilidade por mais nada. O dolo grita nos autos
Procurador do Tribunal de Contas da União, Júlio Marcelo de Oliveira

Agora que falta pouco

Você já foi a Brasília? Se foi, naturalmente, não perdeu a oportunidade de visitar os belos edifícios que fazem da cidade uma Capital da Arquitetura. Da emocionante Catedral que nos remete à imagem de mãos postadas em oração, aos palácios do Itamaraty, do Planalto, da Alvorada e tantos outros.

Brasília é obra de dois gigantes da Arquitetura: Lúcio Costa e Oscar Niemeyer.

Eis as palavras que Lúcio Costa usou para apresentar seu Plano Piloto que tiraria do barro a nova Capital Federal: “Nasceu do gesto primário de quem assinala um lugar ou dele toma posse: dois eixos cruzando-se em ângulo reto, ou seja, o próprio sinal da cruz”.

Oscar Niemeyer, além de desenhar a Catedral, desenhou duas das mais belas obras que podemos visitar em Brasília: a Igreja de Nossa Senhora de Fátima e a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, duas capelinhas que representam muito bem o gênio do imenso arquiteto.

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A dedicada a Nossa Senhora de Fátima é inspirada no chapéu engomado de algumas congregações de freiras. A de Nossa Senhora da Conceição, nos jardins do Alvorada, que compete em beleza e engenhosidade com as célebres colunas daquele palácio, é um exemplo extraordinário do domínio que Niemeyer tinha do concreto armado: parece um objeto feito em cartolina por uma criança talentosa. Ambas tombadas pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).

O arquiteto não contava, é claro, com a presença em palácio de uma presidente que despreza quem pensa diferente dela e que não respeita quem tem Fé. E que também demonstrou que desconsidera a cultura brasileira, assim como a lei que tomba nossas obras mais valiosas.

Não se trata aqui de chamar a atenção para o fato de Dilma não aparentar ser religiosa. Isso é da alçada íntima de cada um. O que choca é o desacato à nossa História e à nossa Cultura.

O leitor há de pensar: que importância tem isso diante do total desrespeito que o governo de Dilma Rousseff demonstrou pelo Brasil, ao passar por cima de nossas leis a ponto de deixar o Brasil na terrível situação em que nos encontramos? De uma presidente que desconsidera os representantes do povo no Congresso Nacional ao esbravejar por aí que está sofrendo um golpe? (Ela insiste em que é vítima de um golpe e que vai ao Senado não para se defender, mas para defender a democracia. Dilma, desculpa lá: mas golpe dentro do Senado e sob a presidência do Supremo Tribunal Federal, e televisionado, é um engodo difícil de engolir...).

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Tem importância, sim, leitor do Blog do Noblat. Transformar a capelinha de Nossa Senhora da Conceição em escritório para seus aspones foi o cúmulo da desconsideração pelos brasileiros. E foi o que Dilma, a Afastada, fez. (Cláudio Humberto, Diário do Poder, 19/8/2016).

Agora que falta pouco para sua saída definitiva e antes que seja tarde, peço ao IPHAN que examine a capelinha e a devolva à sua qualidade precípua.

Que julgue se houve algum dano à belíssima decoração de seu interior e de seu portal, trabalho magnífico do maior artista plástico de Brasília, Athos Bulcão.

Que examine com lupa o estado da pintura original que reveste o interior do teto, composta por quatro figuras - a cruz, o peixe, o sol e a lua. Assim como aos lambris em jacarandá revestidos em ouro que forram as paredes internas.

Que veja o que foi feito da mesa de seu altar-mor e dos genuflexórios. Imagino que tenham sido retirados do interior da capelinha, já que não posso acreditar que os aspones usassem essas peças para apoiar seus smartphones e tablets. Onde estarão?

E que, ao fim desse exame, o IPHAN puna os responsáveis se porventura encontrar algum dano.

Quem sabe, assim, quando setembro vier, com a capelinha de novo um templo dedicado à Nossa Senhora da Conceição, a Iemanjá de muitos brasileiros, não poderemos recomeçar a reerguer o Brasil?

Vamos acabar com esta folga

O negócio aconteceu num café. Tinha uma porção de sujeitos, sentados nesse café, tomando umas e outras. Havia brasileiros, portugueses, franceses, argelinos, alemães, o diabo.

De repente, um alemão forte pra cachorro levantou e gritou que não via homem pra ele ali dentro. Houve a surpresa inicial, motivada pela provocação e logo um turco, tão forte como o alemão, levantou-se de lá e perguntou:

— Isso é comigo?

— Pode ser com você também — respondeu o alemão.

Aí então o turco avançou para o alemão e levou uma traulitada tão segura que caiu no chão. Vai daí o alemão repetiu que não havia homem ali dentro pra ele. Queimou-se então um português que era maior ainda do que o turco. Queimou-se e não conversou. Partiu para cima do alemão e não teve outra sorte. Levou um murro debaixo dos queixos e caiu sem sentidos.

O alemão limpou as mãos, deu mais um gole no chope e fez ver aos presentes que o que dizia era certo. Não havia homem para ele ali naquele café. Levantou-se então um inglês troncudo pra cachorro e também entrou bem. E depois do inglês foi a vez de um francês, depois de um norueguês etc. etc. Até que, lá do canto do café levantou-se um brasileiro magrinho, cheio de picardia para perguntar, como os outros:

— Isso é comigo?

O alemão voltou a dizer que podia ser. Então o brasileiro deu um sorriso cheio de bossa e veio vindo gingando assim pro lado do alemão. Parou perto, balançou o corpo e... pimba! O alemão deu-lhe uma porrada na cabeça com tanta força que quase desmonta o brasileiro.

Como, minha senhora? Qual é o fim da história? Pois a história termina aí, madame. Termina aí que é pros brasileiros perderem essa mania de pisar macio e pensar que são mais malandros do que os outros.

Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto)

Lula vai a Brasília para aparecer em documentário, não para acudir Dilma

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Lula voará para Brasília no final de semana. O petismo informa que se trata de um derradeiro esforço do criador para socorrer sua criatura. É lorota. Lula, de fato, vai à Capital em missão de resgate. Nada a ver, porém, com o mandato de Dilma Rousseff, já triturado. O morubixaba do PT tenta salvar o que restou de sua imagem.

Lula colocará o seu melhor terno, a sua gravata mais vistosa e as suas mais expressivas caretas para a equipe de filmagem do documentário ‘Impeachment’, coordenado pela cineasta Petra Costa. Ele planeja uma incursão ao Senado na segunda-feira. Nesse dia, Dilma encenará o seu epílogo no papel de ré.

Após fazer sua autodefesa, Dilma se submeterá à inquirição dos senadores. Apresentada no libelo acusatório como uma espécie de vampira das contas públicas, madame fará para as lentes do documentário uma pose de bebedora de groselha. De pose em pose, o PT espera assumir seu papel preferido —o papel de vítima.

Para Lula, a vitimização é um grande negócio. É mais fácil colocar a culpa nos outros do que reconhecer que suas digitais estão na origem da ruína moral e econômica que corroeu a presidência de Dilma. O mensalão e o petrolão tiveram origem na gestão Lula. O mito da supergerente infalível foi criado por ele.

Cabe agora ao presidente Temer interpretar o que o povo deseja

Já se disse, em países do Primeiro Mundo, que a capital do Brasil é Buenos Aires e que aqui se fala espanhol. O ex-presidente Ronald Reagan já confundiu o Brasil com a Bolívia (não há na lembrança nenhuma alusão pejorativa ao país vizinho). Charles de Gaulle foi mais longe: não o considerava um país sério. Por essas e outras, o escritor Nelson Rodrigues, ao afirmar que o brasileiro não tem autoestima, criou a expressão “complexo de vira-lata”: “Por complexo de vira-lata entendo eu” – disse Nelson – “a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. O brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a autoestima”.

Se há ausência de autoestima no brasileiro, a causa maior não está, obviamente, na falta de pretextos pessoais ou históricos. Tivemos e temos, em vários setores (vimos isso nas Olimpíadas), grandes ídolos e tivemos e temos, igualmente, alguns bons pretextos históricos.

Digo que tanto o processo de impeachment de Fernando Collor de Mello, há mais de 23 anos, quanto o de Dilma (que será decidido a partir de hoje, no Senado Federal, e que, certamente, porá fim a um período de equívocos desastrosos) são exemplos recentes (e bons) de que nem sempre erramos. Existem, e sabemos disso, episódios em nossa história que nos orgulham. Nelson era um dramaturgo apaixonado.

A festa das Olimpíadas 2016 é mais uma prova de que o brasileiro tem autoestima. Não chegaria nunca ao ponto de admitir, como o escritor Alberto Torres (26.11.1865-29.3.1917), que “somos o povo mais inteligente e sensato do mundo”. Sensatez, aliás, é o que mais nos falta. E olhe que o homem foi um respeitado jurista, além de ministro do STF; foi jornalista, político e, como tal, deputado estadual e federal e, também, ministro da Justiça, abolicionista, republicano e nacionalista.

Todavia, podemos dizer, sem nenhum complexo, alto e bom som, agora e sempre, que as Olimpíadas 2016 (fruto, contraditoriamente, da decisão irresponsável dos governantes delirantes da época), genuinamente brasileiras, mostraram a nós e ao mundo que somos capazes (como qualquer outro povo, aliás) de planejar e executar uma belíssima festa para receber 206 nações. Cometemos erros e recebemos críticas no início, mas os elogios vieram em tempo e não só daqui, mas do exterior. Que povo, além do brasileiro (devem ter-se perguntado muitos estrangeiros), seria capaz de realizar uma edição das Olimpíadas em meio à mais grave crise de sua história – política, econômica e ética?

Respondemos ao preconceito e à desinformação (sempre maldosa) com um espetáculo de diversidade. Somos um país criativo e decidido a se tornar uma nação respeitada e que prima, principalmente, pela democracia, que tem na liberdade sua principal âncora para a construção de um país socialmente justo.

A partir de agora, nosso maior dever é não permitir que a euforia da festa sirva de biombo para esconder nossos velhos problemas. Precisamos enfrentar, com a mesma disposição de nossos atletas (incluo aqui os que não conquistaram medalha, mas cumpriram seu papel), nossos desafios – na educação, na saúde, na segurança, na criação de empregos etc.

Acabou a festa das Olimpíadas e, certamente, acabará a interinidade do presidente Michel Temer. Cabe-lhe, agora, interpretar o que quer o povo e, acredite, sob pena de não concluir seu mandato.

Mãos à obra, presidente!

Acílio Lara Resende