A ostentação do ódio político é a mais desanimadora enfermidade de um povoAureliano Tavares Bastos (1839 - 1875)
quarta-feira, 15 de agosto de 2018
Pais doente
Conto do vigário
Fizeram uma Constituição com 250 artigos e mais de 100 emendas ─ sendo que boa parte dessa maçaroca não foi regulamentada até hoje, de maneira que não dá para saber direito o que vale e o que não vale. Escreveram mais leis do que qualquer outro país do planeta. Criaram uma espécie de Espírito Santo chamado “instituições”, ente invisível que flutua em cima de tudo e de todos, embora muito pouca gente saiba realmente o que vem a ser isso.
O tempo e os fatos mostraram que esse esforço para montar um Brasil civilizado se transformou numa piada ─ na verdade, a democracia moderna que se pretendia criar foi sendo desmanchada, na prática, a cada artigo da Constituição que ia sendo escrito.
A ofensiva, agora, é para desmontar de vez o princípio básico segundo o qual a lei tem de ser obedecida por todos. É isso, e apenas isso, que quer dizer a campanha para soltar o ex-presidente Lula da cadeia, achar um jeito para ele concorrer à próxima eleição presidencial e garantir que volte ao Palácio do Planalto.
Trata-se de um conto do vigário de tamanho inédito, a começar pela ambição da mentira contada ao público.
Nada do que o sistema de apoio a Lula pretende, e que a mídia divulga diariamente como a coisa mais normal do mundo, pode ser feito sem desrespeitar a lei.
É como se alguém quisesse participar de um concurso popular para ser escolhido imperador vitalício do Brasil, ou algo parecido ─ não dá para fazer uma coisa dessas, não é mesmo?
Mas é este o tema número 1 do debate político do momento. Lula, como se sabe, está no xadrez, condenado a doze anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. Recebeu sua sentença de condenação na 13ª. Vara Criminal da Justiça Federal em Curitiba, no dia 12 de julho de 2017, e de acordo com a lei, recorreu em liberdade da decisão.
Essa sentença foi confirmada e aumentada seis meses depois, em 24 de janeiro de 2018, por unanimidade de votos, por três desembargadores do TRF-4 de Porto Alegre, o tribunal superior encarregado de julgar o caso. No último dia 7 de abril, enfim, não havendo mais nada a se fazer, Lula foi preso.
Ao longo dessa história, seus advogados entraram com mais de 70 recursos; não dá para dizer, em nenhum momento, que qualquer dos direitos do réu para se defender foi violado.
O ex-presidente está na cadeia porque não poderia, muito simplesmente, estar em nenhum outro lugar ─ é para lá que a lei penal manda os criminosos depois de condenados em segunda instância.
Fazer o quê?
Muita gente pode achar que a sentença foi injusta, assim como há muita gente achando que foi justíssima. Mas achar uma coisa ou a outra não muda nada. Só a Justiça, e ninguém mais, tem autorização para resolver, no fim de todas as contas, se alguém é culpado ou não.
Em algum momento, mais cedo ou mais tarde, o sistema judiciário precisa dizer se as provas apresentadas contra o réu são válidas ou não; se forem consideradas válidas, o sujeito vai para a penitenciária. Isso não depende da opinião de quem gosta de Lula ou de quem não gosta.
É a lei que decide ─ e ela é igual para todos.
Ou se faz assim ou ninguém é condenado nunca, porque os advogados vão continuar dizendo até o fim da vida que seus clientes não fizeram nada de errado.
Muito bem: só que Lula e os seus fiéis não aceitam isso. Obviamente, um indivíduo que está preso não pode, ao mesmo tempo, ser presidente da República.
A saída da esquerda, então, tem sido manter de pé uma fake news monumental ─ Lula é um “preso político” que tem de ser solto para candidatar-se à Presidência, ganhar a eleição e recomeçar os seus “programas sociais” em favor dos pobres.
Além do mais, “todas as pesquisas” dizem que o presidente tem de ser ele. Onde já se viu uma bobagenzinha como a aplicação da lei penal, mais a Lei da Ficha Suja, ficarem atrapalhando tamanho portento?
É essa novena que vem sendo pregada todos os dias pelo Brasil pró-Lula ─ artistas, “intelectuais”, “celebridades”, a maior parte da mídia, a Rede Globo, os empreiteiros de obras, os fornecedores de lixo enferrujado para a Petrobras e todos os que estão impacientes para voltarem a roubar em paz.
Não há nem sequer uma sombra de presença do povo brasileiro, não do povo de verdade, em nada disso aí.
É pura sabotagem contra o que ainda sobra de nossa escassa legalidade.
A ficção conveniente
Lula diz que “forças de direita tomaram o poder no Brasil”. Deixou de dizer contudo que governou com essas mesmas forças e que o atual mandatário foi vice-presidente da chapa na qual sua sucessora ganhou duas vezes as eleições.
O artigo de Lula publicado pelo jornal americano começa dizendo que há 16 anos o Brasil estava em crise, com seus sonhos em perigo, e o PT trouxe a esperança. Há 16 anos o Brasil tinha, na verdade, vencido a mais difícil das mazelas econômicas, a hiperinflação, tinha feito uma série de reformas e implantado uma política econômica que estabilizou a economia. A volatilidade do dólar na época foi causada pelo temor de que Lula implantasse o programa que o partido sempre defendera. Foi o compromisso, cumprido no primeiro mandato, de seguir com a mesma política econômica do governo anterior, que permitiu superar a onda de desconfiança e colher os frutos dos avanços conquistados no governo anterior.
Seu governo trouxe de fato prosperidade e algumas de suas políticas foram fundamentais para reduzir a pobreza e a extrema pobreza no Brasil. Mas parte desse legado foi destruído pela administração desastrosa da economia, iniciada em seu segundo mandato e mantida nos governos da sua sucessora, que deixou o Planalto com o país em recessão, escalada de desemprego e ruína fiscal.
Lula defende a tese de que o país vive um “golpe de Estado em câmera lenta”, no qual a sua prisão é a última fase. Diz que sua condenação se baseia apenas no depoimento de uma testemunha que recebeu redução da pena pelo que disse sobre ele. Foram vários os que falaram das vantagens oferecidas e aceitas por ele, pelo partido e por sua base. A lista é longa, mas nela estão empreiteiros que privavam da intimidade do ex-presidente como Léo Pinheiro, Marcelo e Emílio Odebrecht.
Segundo Lula, o juiz Sérgio Moro se tornou um intocável graças à blindagem da imprensa de direita. Esqueceu de dizer que as decisões de Moro foram confirmadas por um tribunal de segunda instância e têm sido mantidas em todos os recursos à terceira instância e à Suprema Corte. E que no Supremo a maioria dos ministros foi indicada em governos do PT, e inclusive um deles foi advogado do partido.
Essa divisão do mundo entre esquerda que quer combater as desigualdades e direita que conspira contra o progresso social, e por isso está dando um golpe, é uma simplificação que convence estrangeiros. Confirma o estereótipo que se tem das repúblicas latino-americanas. Mas a verdade é um pouco mais complexa. Nos governos de Lula e Dilma subiu de 3% para 4,5% do PIB as transferências de recursos públicos para os grupos empresariais. O BNDES escolheu setores e empresas nos quais despejou dinheiro subsidiado. O custo dos repasses para os ricos foi 10 vezes maior do que o Bolsa Família.
Lula e Dilma governaram com a maioria das forças que estão no poder agora. O atual presidente também está sendo investigado pela mesma Polícia Federal que conduziu Lula à prisão. No primeiro escândalo, o mensalão, pessoas fortes no seu governo foram presas. No segundo, a Lava-Jato descobriu um vasto esquema, montado em seu mandato, de saque à maior empresa estatal do país, e parte do dinheiro desviado por antigos dirigentes da empresa, escolhidos por Lula e Dilma, está sendo devolvido à Petrobras.
Há muito que não foi dito no artigo, inclusive alguns detalhes que favoreceriam, em outras circunstâncias, a administração de Lula, como a de que a Lei da Ficha Limpa, que torna inelegíveis condenados em segunda instância, foi defendida pelo seu partido e em seu governo foi promulgada. Para seu próprio futuro, o PT precisa encarar a realidade da corrupção que houve em seus governos. Tem sido mais fácil contar a ficção conveniente. Míriam Leitão
Seis em cada dez crianças vivem em situação precária no Brasil
Isto corresponde a cerca de 32,7 milhões de pessoas com até 17 anos expostas a vulnerabilidades, ou seis em cada dez crianças no país.
Em relatório divulgado nesta terça-feira, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) adota um critério inédito no tratamento à pobreza entre crianças brasileiras: inclui não somente indicadores de renda per capita, mas também o cumprimento de direitos fundamentais garantidos na lei.
O documento mostra que a pobreza "apenas" monetária foi reduzida na última década, mas privações de um ou mais direitos não diminuíram na mesma proporção. Ainda assim, segundo o relatório, 18 milhões de crianças e adolescentes (34% do total) vivem em famílias com renda insuficiente para a compra de uma cesta básica (menos de R$ 346 mensais nas áreas urbanas e R$ 269 nas rurais).
Quando são consideradas somente as privações de direitos (em seis categorias: educação, informação, trabalho infantil, moradia, água e saneamento), 26,7 milhões de crianças e adolescentes (49,7% do total) têm um ou mais direitos negados.
O relatório tem como base dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2015.
O Unicef alerta: além de considerar nuances como a influência da raça e da região do país, o desenho de políticas públicas para lidar com a pobreza na infância deve considerar também a assistência a mães, pais e responsáveis delas.
Confira abaixo alguns pontos revelados pelo relatório.
1. O acesso a sistema de esgoto é o direito 'mais negado' aos pequenos
Considerando a lei, o estudo mapeou onde o Brasil está falhando em garantir os direitos de crianças e adolescentes.
Somando tanto privações consideradas "intermediárias" e "extremas", é o saneamento (com indicadores como a presença de banheiros e rede coletora de esgoto) que prejudica o maior número de crianças e adolescentes (13,3 milhões), seguido por educação (8,8 milhões) e água (7,6 milhões).
O maior problema está no descarte dos resíduos humanos, uma vez que 22% dos menores de 18 anos vivem em casas com fossas rudimentares ou ao lado de valões.
O quadro geral mais grave está no Norte e Nordeste do país, em que 44,6% e 39,4%, respectivamente, dos pequenos têm ao menos uma privação no que diz respeito ao saneamento.
Somando tanto privações consideradas "intermediárias" e "extremas", é o saneamento (com indicadores como a presença de banheiros e rede coletora de esgoto) que prejudica o maior número de crianças e adolescentes (13,3 milhões), seguido por educação (8,8 milhões) e água (7,6 milhões).
O maior problema está no descarte dos resíduos humanos, uma vez que 22% dos menores de 18 anos vivem em casas com fossas rudimentares ou ao lado de valões.
O quadro geral mais grave está no Norte e Nordeste do país, em que 44,6% e 39,4%, respectivamente, dos pequenos têm ao menos uma privação no que diz respeito ao saneamento.
2. Entre meninos e meninas negras, 'taxa de privação de direitos' supera média nacional e passa dos 50%
O próprio saneamento reflete diferenças observadas em outros quesitos: entre crianças e adolescentes privados de saneamento, 70% são negros.
Considerando todas as categorias de privações envolvidas no estudo, meninos e meninas negras têm uma "taxa de privação de direitos" de 58%, versus 38% dos brancos (no Brasil, a taxa é de 49,7%).
No que diz respeito às privações extremas - ou seja, em que não há acesso algum ao direito em questão -, a desigualdade entre negros e brancos é intensificada: atinge 23,6% dos negros e 12,8% dos brancos com menos de 18 anos.
No quesito educação, por exemplo, há 545 mil meninos e meninas negras de 8 a 17 anos analfabetos, versus 207 mil brancos.
Indígenas e amarelos não foram incluídos no relatório por questões metodológicas.
3. O Sudeste urbano versus o Norte rural
Em geral, crianças e adolescentes que moram em áreas rurais têm mais direitos negados que os das zonas urbanas; e moradores das regiões Norte e Nordeste encaram mais privações que aquelas do Sul e Sudeste.
Mas há exceções: no quesito moradia (número adequado de pessoas por dormitório, materiais apropriados nos tetos e paredes e etc.), o Norte está na lanterna, seguido do Sudeste e Nordeste.
Enquanto isso, o percentual de meninos e meninas que têm seus direitos violados é o dobro no campo (87,5%) em comparação com as cidades (41,6%).
4. Entre a escola e o trabalho: antigos desafios
Um quinto dos brasileiros de 4 a 17 anos de idade tem o direito à educação violado - isto considerando privações intermediárias, como atraso escolar ou analfabetismo após os 7 anos, e privações extremas, como crianças que simplesmente não estão na escola.
Enquanto isso, 6,2% das crianças e adolescentes do país exercem trabalho infantil doméstico ou remunerado. Isto, inclusive, quando este tipo de atividade é ilegal, como na faixa de 5 a 9 anos (3%, ou 425 mil meninos e meninas neste segmento trabalham) e de 10 a 13 anos (7,4%).
A carga de trabalho é maior para as meninas, com exceção do trabalho remunerado entre adolescentes - este maior entre os garotos.
Ser negro ou morar no Norte ou Nordeste implica em uma incidência mais alta do trabalho infantil.
Honestidade virou plataforma
Falávamos como homens honestos. Mas usávamos expressões emprestadas que eram uma forma de não pensar, de fugir daquela realidade a qual queríamos que as pessoas vissem mas que nós mesmos agora mal conseguíamos encarar. Nós entronizamos a indignidade e a angústia. Não fomos mais longe do que issoV. S. Naipaul
Em quem e como votar?
A impessoalidade nos ofende porque somos obrigados a saber com quem falamos. Quando saímos de nosso segmento, sofremos o desconforto de viver o mal-estar imposto por um individualismo tocado a liberdade com igualdade. Entre nós, a democracia é desejada, mas a sua alma igualitária é um problema. Como viver num lugar no qual o não saber o seu lugar é um direito?
Como e em quem votar sem o rumo das segmentações tradicionais? Não seria um absurdo permitir tantos presidenciáveis? Se o presidente é o “supremo mandatário da nação”, e não a encarnação republicana no seu desejo cívico, e se ele reina e fica acima das leis, como votar em sujeitos sem linhagem?
Vivemos desilusões. O que tipifica a maioria das promessas eleitorais é o milagre de dissolver a calamidade promovida pelo governo com o uso do seu outro lado: o Estado. Essa é a matriz que o centrão, o esquerdão e o direitão oferecem ao eleitorado. As “esquerdas” e o “centro” vão da receita razoável às utopias sem as quais nem os governados por Donald Trump conseguiriam tocar a vida. No lado da “direita” — esse setor que os cientistas políticos garantiam ser básico numa democracia —, entretanto, há promessas de retornos indesejáveis porque nenhuma ordem democrática pode se realizar pregando o preconceito de raça e de gênero e o cerceamento de adversários rotulados como “comunistas”. Politica é ponte. Não pode voltar a ser o caminho da censura, do medo e do patíbulo. A mentira, a hipocrisia, o compadrio ladravaz (de sangue, partido ou ideologia) — esses irmãos da corrupção e do radicalismo — são, vale lembrar Durkheim, inexoráveis desde (nota bene) que jamais sejam transformados em ideais ou valores. Todos morreremos, mas não transformamos a morte em programa. Todos mentimos, mas não escolhemos a mentira com tamanha determinação, como fazemos neste Brasil adormecido por ilusões ideológicas.
Tenho sido chamado de conservador e, mais recentemente, de homofóbico e golpista, simplesmente porque na minha obra tenho desmistificado a idealização do Estado como um instrumento fundamental e, para muitos, exclusivo de bem-estar social. Nosso salvacionismo está obviamente acasalado a pessoas (Pedros, Getúlio, Jânio, JK e Lula) mas, embora pessoal, ele exige a posse do aparelho estatal. A chamada revolução por dentro produz um resultado bem conhecido: ela dissolve as fronteiras entre Estado e governo. Se o Estado tem permanência, os governos passam, mas é precisamente a ausência desta dinâmica que as ideologias embaralham no Brasil. Quando governo e Estado culpam-se e liquidam-se entre si, entramos nesse buraco da fechadura sem a chave. Mas, mesmo assim, aprendemos muito sobre os limites das ideologias.
Hoje sabemos que quanto mais impessoal, rígido e distante é o Estado, mais personalista e complacente será o governo. A malandragem, o jeitinho e o “sabe com quem está falando” não têm, como querem os ignorantes, origem étnica. São, isso sim, o fruto de um Estado patologicamente fiscalizado acima de tudo com seus inimigos, mas leniente e corrupto com seus aliados.
Um Estado rigidamente ideológico leva à ironia das práticas pessoais e ao culto de personalidade. Seu velho axioma d a lei para os inimigos e tudo para os amigos esgotou-se. Num mundo digital e dotado de tecnologias de transparência, é muito difícil mentir, ocultar e operar dissimuladamente, por meio de múltiplas éticas. O que hoje se demanda é um dialogo menos antagônico e mais confiável entre Estado e sociedade. É exatamente isso que vai permitir votar sabendo em quem se está votando.
Como e em quem votar sem o rumo das segmentações tradicionais? Não seria um absurdo permitir tantos presidenciáveis? Se o presidente é o “supremo mandatário da nação”, e não a encarnação republicana no seu desejo cívico, e se ele reina e fica acima das leis, como votar em sujeitos sem linhagem?
Vivemos desilusões. O que tipifica a maioria das promessas eleitorais é o milagre de dissolver a calamidade promovida pelo governo com o uso do seu outro lado: o Estado. Essa é a matriz que o centrão, o esquerdão e o direitão oferecem ao eleitorado. As “esquerdas” e o “centro” vão da receita razoável às utopias sem as quais nem os governados por Donald Trump conseguiriam tocar a vida. No lado da “direita” — esse setor que os cientistas políticos garantiam ser básico numa democracia —, entretanto, há promessas de retornos indesejáveis porque nenhuma ordem democrática pode se realizar pregando o preconceito de raça e de gênero e o cerceamento de adversários rotulados como “comunistas”. Politica é ponte. Não pode voltar a ser o caminho da censura, do medo e do patíbulo. A mentira, a hipocrisia, o compadrio ladravaz (de sangue, partido ou ideologia) — esses irmãos da corrupção e do radicalismo — são, vale lembrar Durkheim, inexoráveis desde (nota bene) que jamais sejam transformados em ideais ou valores. Todos morreremos, mas não transformamos a morte em programa. Todos mentimos, mas não escolhemos a mentira com tamanha determinação, como fazemos neste Brasil adormecido por ilusões ideológicas.
Tenho sido chamado de conservador e, mais recentemente, de homofóbico e golpista, simplesmente porque na minha obra tenho desmistificado a idealização do Estado como um instrumento fundamental e, para muitos, exclusivo de bem-estar social. Nosso salvacionismo está obviamente acasalado a pessoas (Pedros, Getúlio, Jânio, JK e Lula) mas, embora pessoal, ele exige a posse do aparelho estatal. A chamada revolução por dentro produz um resultado bem conhecido: ela dissolve as fronteiras entre Estado e governo. Se o Estado tem permanência, os governos passam, mas é precisamente a ausência desta dinâmica que as ideologias embaralham no Brasil. Quando governo e Estado culpam-se e liquidam-se entre si, entramos nesse buraco da fechadura sem a chave. Mas, mesmo assim, aprendemos muito sobre os limites das ideologias.
Hoje sabemos que quanto mais impessoal, rígido e distante é o Estado, mais personalista e complacente será o governo. A malandragem, o jeitinho e o “sabe com quem está falando” não têm, como querem os ignorantes, origem étnica. São, isso sim, o fruto de um Estado patologicamente fiscalizado acima de tudo com seus inimigos, mas leniente e corrupto com seus aliados.
Um Estado rigidamente ideológico leva à ironia das práticas pessoais e ao culto de personalidade. Seu velho axioma d a lei para os inimigos e tudo para os amigos esgotou-se. Num mundo digital e dotado de tecnologias de transparência, é muito difícil mentir, ocultar e operar dissimuladamente, por meio de múltiplas éticas. O que hoje se demanda é um dialogo menos antagônico e mais confiável entre Estado e sociedade. É exatamente isso que vai permitir votar sabendo em quem se está votando.
A farra dos guardanapos
As redes sociais são uma ferramenta extraordinária da cidadania, um magnífico espaço de mobilização. Mas não são uma garantia de segurança informativa e de credibilidade. Sobra opinião superficial e radicalizada. Faltam apuração, análise, matiz. Falta reportagem.
Jornalismo é a busca do essencial, sem adereços, qualificativos ou adornos. O jornalismo transformador é substantivo. Sua força não está na militância ideológica ou partidária, mas no vigor persuasivo da verdade factual e na integridade de uma opinião fundamentada. A credibilidade não é fruto de um momento. É o somatório de uma longa e transparente coerência.
A ferramenta de trabalho dos jornalistas é a curiosidade. A dúvida. A interrogação. Há um ceticismo ético, base da boa reportagem investigativa. É a saudável desconfiança que se alimenta de uma paixão: o desejo dominante de descobrir e contar a verdade.
Pois bem, amigo leitor, acabo de topar com um exemplo de reportagem de qualidade. Refiro-me ao livro do jornalista Sílvio Barsetti A Farra dos Guardanapos – O último baile da Era Cabral. A história que nunca foi contada (Editora Máquina de livros, Rio de Janeiro).
O texto, agradável e leve, é uma reconstituição da festa em Paris que marcou a ascensão e queda do governo de Sérgio Cabral.
Uma mansão na emblemática Champs-Elysées foi o cenário da suntuosa festa da corrupção impune e sem limites. Quem eram os convidados? Quais pratos e vinhos caríssimos foram servidos no banquete? O que realmente aconteceu naquela noite de ostentação? O leitor é introduzido no clima da lambança, num relato jornalístico detalhado sobre os personagens que comandaram o assalto ao dinheiro púbico do Rio de Janeiro. Criminosos responsáveis pela dramática situação das finanças, da saúde e da segurança pública do Estado, protegidos com as máscaras de gestores eficientes, comemoravam o triunfo do chefe da quadrilha. Barsetti conseguiu reconstituir em detalhes a festa que marcou o apogeu e a derrocada do governo Cabral.
O livro é um magnífico registro histórico. Mas também cumpre importante papel preventivo. A candura, num país marcado pela tradição da impunidade, acaba sendo um desserviço à sociedade. É indispensável o exercício da denúncia fundamentada.
A política brasileira está podre. Ela é movida a dinheiro e poder. Dinheiro compra poder e poder é uma ferramenta poderosa para obter dinheiro. É disso que se trata. E é exatamente isso que você, cidadão e eleitor, deve questionar nas próximas eleições.
Precisamos, independentemente do escárnio e do fôlego das máfias corruptas e corruptoras, perseverar num verdadeiro jornalismo de buldogues. Um dia a coisa vai mudar. E vai mudar graças também ao esforço investigativo dos bons jornalistas. O repórter, observador diário da corrupção e da miséria moral, não pode deixar que a alma envelheça. Convém renovar a rebeldia sonhadora do começo da carreira. O coração do repórter deve pulsar em cada matéria.
O poder público tem notável capacidade de pautar jornais. Fonte de governo é importante, mas não é a única. O jornalismo de registro, pobre e simplificador, repercute o Brasil oficial, mas oculta a verdadeira dimensão do País real. Muitas pautas estão quicando na nossa frente. Muitas histórias interessantes estão para ser contadas. Precisamos fugir do show político e fazer a opção pela informação que realmente conta. Só assim, com didatismo e equilíbrio, conseguiremos separar a notícia do lixo declaratório.
O culto à frivolidade e a submissão à ditadura dos modismos estão na outra ponta do problema. Vivemos sob o domínio do politicamente correto. Trata-se de um dogma que não deixa saída: de um lado, só há vilões; de outro, só se captam perfis de mocinhos. E sabemos que não é assim. A vida tem matizes. O verdadeiro jornalismo não busca apenas argumentos que reforcem a bola da vez, mas também, com a mesma vontade, os argumentos opostos. Estamos carentes de informação e faltos da boa dialética. Sente-se o leitor conduzido pela força de nossas idiossincrasias.
Mas o esforço de isenção não se confunde com a omissão. O leitor espera uma imprensa combativa, disposta a exercer o seu intransferível dever de denúncia. Menos registro e mais apuração. Menos fofoca e mais seriedade. Menos espetáculo de marketing político e mais consistência.
Inúmeras foram as reflexões suscitadas pelo excelente texto de Sílvio Barsetti. Reportagem na veia. O leitor, em qualquer plataforma, evita os produtos sem alma. Quer matérias interessantes, pautas próprias. Quer menos jornalismo de registro e mais reportagem de qualidade. Quer um jornalismo rigoroso, mas produzido com paixão.
A força de uma publicação não é fruto do acaso. É uma conquista diária. A credibilidade não combina com a leviandade. Só há uma receita duradoura: ética, profissionalismo e talento. O leitor, cada vez mais crítico e exigente, quer notícia. Quer informação substantiva. A farra dos guardanapos é um bom exemplo.
Lula monta no TSE um puxadinho do seu teatro
O Brasil já conviveu com muitas anomalias políticas. Mas nunca um candidato cenográfico havia se apresentado formalmente como pretendente ao Planalto. Lula rompeu todos os paradigmas. Tornou-se um personagem curioso. Com o pedido de registro de sua candidatura no TSE ele dá sequência à representação da pior encenação de si mesmo.
Lula nunca prestou depoimentos, sempre deu espetáculos. Ele jamais se explicou, apenas desconversou. Ainda hoje, Lula não se defende, ataca. O personagem imaginava-se invulnerável. Achava que não seria denunciado. Foi. As denúncias não virariam ações penais. Viraram. Não seria condenado. Foi, em duas instância. Não teriam a coragem de prendê-lo. Está em cana.
O pedido de registro do candidato ficcional do PT monta no TSE um puxadinho do teatro. Ali, Lula joga um jogo que considera jogado. A encenação dentro do tribunal é apenas parte de um espetáculo maior. Indeferido o registro da candidatura, Lula vestirá o figurino de mártir e escreverá na cadeia uma carta de lançamento do seu novo poste: Fernando Haddad. Considerando-se o que aconteceu com o poste anterior, Dilma Rousseff, verifica-se que a cadeia inspirou em Lula apenas o ímpeto da reincidência.
Lula nunca prestou depoimentos, sempre deu espetáculos. Ele jamais se explicou, apenas desconversou. Ainda hoje, Lula não se defende, ataca. O personagem imaginava-se invulnerável. Achava que não seria denunciado. Foi. As denúncias não virariam ações penais. Viraram. Não seria condenado. Foi, em duas instância. Não teriam a coragem de prendê-lo. Está em cana.
O pedido de registro do candidato ficcional do PT monta no TSE um puxadinho do teatro. Ali, Lula joga um jogo que considera jogado. A encenação dentro do tribunal é apenas parte de um espetáculo maior. Indeferido o registro da candidatura, Lula vestirá o figurino de mártir e escreverá na cadeia uma carta de lançamento do seu novo poste: Fernando Haddad. Considerando-se o que aconteceu com o poste anterior, Dilma Rousseff, verifica-se que a cadeia inspirou em Lula apenas o ímpeto da reincidência.
Dinheiro público não financia preso candidato
A lei das inelegibilidades deve ser assegurada para que só os elegíveis concorram e os inelegíveis não financiem suas pretensões com recursos públicosRachel Dodge procuradora-geral da República
Bem-vindos à Era da Confusão
Na semana passada, uma eleição presidencial que deveria ter como marca a volta da democracia ao Zimbábue terminou em confusão quando contas falsas no Twitter, no Facebook e no WhatsApp disseminaram resultados contraditórios. O país inteiro chegou a presenciar comemorações espontâneas pela vitória dos dois candidatos, o que resultou em confrontos violentos. Em um clima geral de desconfiança, até observadores internacionais não sabiam onde obter informações confiáveis. Toda essa situação permite prever que o próximo governo enfrentará uma crise de legitimidade desde seu primeiro dia.
Na Índia, o governo empreende verdadeira batalha contra uma onda de linchamentos depois que rumores falsos viralizaram no WhatsApp sobre supostos sequestradores de crianças. Nacionalistas interessados em atiçar o ódio religioso usam a plataforma para aprofundar a polarização, que também tem resultado em linchamentos. Em resposta, o WhatsApp limitou a 20 pessoas por vez, o número de contatos para os quais cada usuário pode encaminhar mensagens, buscando, assim, atrasar a viralização das notícias. A medida é mero paliativo, uma vez que as pessoas tenderão a buscar outros aplicativos sem essa limitação.
Nos Estados Unidos, em vista das eleições legislativas de novembro, o Facebook tem se esforçado para reagir a um amplo ataque de fake news. Estima-se que 40% dos eleitores dos EUA foram expostos a notícias falsas durante a eleição presidencial de 2016. Em uma reviravolta inesperada, agora elas se voltam contra o presidente Donald Trump. O objetivo dos propagadores de fake news, muitos dos quais vivem na Rússia, não é apoiar um candidato ou outro, mas gerar confusão generalizada, polarização e desconfiança na própria democracia. Assim como muitos democratas questionam a legitimidade do presidente, muitos republicanos poderão vir a questionar a legitimidade do Congresso dos EUA - que, agravando ainda a mais a situação, poderia dar início a um processo de impeachment contra Trump. Nunca antes a democracia dos EUA enfrentou ameaça tão séria.
Na Grã-Bretanha, 52% dos eleitores votaram por deixar a União Europeia em 2016, atraídos por uma enxurrada de informações falsas disseminadas por nacionalistas oportunistas. Em uma pesquisa recente, uma porcentagem semelhante dos britânicos disse acreditar que os desembarques na Lua de 1969 a 1972 eram falsos. A triste ironia é que, pela primeira vez na história, a maioria dos cidadãos pode carregar no bolso todo o conhecimento do mundo, mas, ao mesmo tempo, nunca esteve tão vulnerável a informações falsas.
Engana-se quem pensa que algumas mudanças nas leis e ajustes técnicos podem resolver a situação e permitir que tudo volte a ser como antes. A humanidade testemunha os primeiros momentos de uma nova era em que todo o relacionamento com a informação - e a realidade como um todo - mudará de maneira hoje inimaginável. A democracia, tal como se concebe hoje, dificilmente sobreviverá a essa transformação.
Basta considerar duas grandes tendências. A primeira: apenas cerca de 50% da população mundial tem acesso à internet hoje. Nos próximos anos, a outra metade, potencialmente ainda mais vulnerável a notícias falsas, também poderá participar do debate online. Por exemplo, muitos aplicativos populares no mundo em desenvolvimento concentram-se apenas em mensagens de voz, já que parcela considerável de seus usuários não sabe ler nem escrever, dificultando ainda mais a identificação de informações falsas.
A segunda: o desenvolvimento de ferramentas baseadas em inteligência artificial, capazes de manipular ou fabricar vídeos, arquivos de áudio e fotos falsas - as chamadas deep fakes - ampliará consideravelmente a dificuldade de separar fato de ficção, o que fará as fake news de hoje parecerem brincadeira de criança.
Daqui a alguns anos, um smartphone será suficiente para simular uma sequência de notícias, como as da CNN, por exemplo, na qual a perfeita imitação da voz de um apresentador famoso reportaria um golpe militar em Washington ou um anúncio da Casa Branca sobre uma guerra iminente, sem meio técnico para confirmar ou negar sua veracidade. Em uma futura eleição presidencial no Brasil, não será mais necessário atacar os concorrentes - pode-se simplesmente produzir um vídeo em que o rival promete que, se eleito, encerrar o programa Bolsa Família, eliminar a propriedade privada ou qualquer absurdo que o faça perder apoio. Confusos e desconfiados, os cidadãos se refugiarão ainda mais em suas bolhas aparentemente seguras, isolados em relação a qualquer tipo de debate público.
Heather Bryant, jornalista afiliada à Universidade Stanford, escreveu recentemente que jornalistas, mesmo nos melhores jornais do mundo, estão totalmente despreparados para distinguir fato de ficção ao analisar deep fakes. Para complicar ainda mais a situação, há evidências crescentes de que internautas parecem realmente preferir notícias falsas: em um estudo recente de Soroush Vosoughi, um pesquisador do MIT, conclui que as informações falsas têm 70% mais chances de serem retuitadas do que notícias verdadeiras.
O impacto na política externa será igualmente expressivo. O interminável ciclo de notícias falsas e a rápida disseminação de opiniões extremas (ou, por exemplo, falsos vídeos de atrocidades cometidas por outro país) reduzirão o espaço de negociações tranquilas para se chegar a compromissos aceitáveis para todos os envolvidos. Em 1945, delegados de 50 países se reuniram em São Francisco para desenhar a ordem global pós-Guerra. Foram oito semanas de negociação, com poucas interrupções. Hoje, o mesmo seria praticamente impossível. A necessidade de adotar posições em minutos, instantaneamente acessíveis em todo o mundo, afeta a capacidade da diplomacia de reduzir o risco de conflitos.
O debate sobre como salvar a democracia acabou de começar. Não existem soluções fáceis, e há anos de tentativas e erros dolorosos adiante - como testemunhado hoje no Zimbábue, na Índia, nos Estados Unidos, no Reino Unido e em tantos outros países. O único erro que não se pode cometer é fingir ser possível, de alguma forma, voltar aos velhos tempos.
Na Índia, o governo empreende verdadeira batalha contra uma onda de linchamentos depois que rumores falsos viralizaram no WhatsApp sobre supostos sequestradores de crianças. Nacionalistas interessados em atiçar o ódio religioso usam a plataforma para aprofundar a polarização, que também tem resultado em linchamentos. Em resposta, o WhatsApp limitou a 20 pessoas por vez, o número de contatos para os quais cada usuário pode encaminhar mensagens, buscando, assim, atrasar a viralização das notícias. A medida é mero paliativo, uma vez que as pessoas tenderão a buscar outros aplicativos sem essa limitação.
Nos Estados Unidos, em vista das eleições legislativas de novembro, o Facebook tem se esforçado para reagir a um amplo ataque de fake news. Estima-se que 40% dos eleitores dos EUA foram expostos a notícias falsas durante a eleição presidencial de 2016. Em uma reviravolta inesperada, agora elas se voltam contra o presidente Donald Trump. O objetivo dos propagadores de fake news, muitos dos quais vivem na Rússia, não é apoiar um candidato ou outro, mas gerar confusão generalizada, polarização e desconfiança na própria democracia. Assim como muitos democratas questionam a legitimidade do presidente, muitos republicanos poderão vir a questionar a legitimidade do Congresso dos EUA - que, agravando ainda a mais a situação, poderia dar início a um processo de impeachment contra Trump. Nunca antes a democracia dos EUA enfrentou ameaça tão séria.
Na Grã-Bretanha, 52% dos eleitores votaram por deixar a União Europeia em 2016, atraídos por uma enxurrada de informações falsas disseminadas por nacionalistas oportunistas. Em uma pesquisa recente, uma porcentagem semelhante dos britânicos disse acreditar que os desembarques na Lua de 1969 a 1972 eram falsos. A triste ironia é que, pela primeira vez na história, a maioria dos cidadãos pode carregar no bolso todo o conhecimento do mundo, mas, ao mesmo tempo, nunca esteve tão vulnerável a informações falsas.
Engana-se quem pensa que algumas mudanças nas leis e ajustes técnicos podem resolver a situação e permitir que tudo volte a ser como antes. A humanidade testemunha os primeiros momentos de uma nova era em que todo o relacionamento com a informação - e a realidade como um todo - mudará de maneira hoje inimaginável. A democracia, tal como se concebe hoje, dificilmente sobreviverá a essa transformação.
Basta considerar duas grandes tendências. A primeira: apenas cerca de 50% da população mundial tem acesso à internet hoje. Nos próximos anos, a outra metade, potencialmente ainda mais vulnerável a notícias falsas, também poderá participar do debate online. Por exemplo, muitos aplicativos populares no mundo em desenvolvimento concentram-se apenas em mensagens de voz, já que parcela considerável de seus usuários não sabe ler nem escrever, dificultando ainda mais a identificação de informações falsas.
A segunda: o desenvolvimento de ferramentas baseadas em inteligência artificial, capazes de manipular ou fabricar vídeos, arquivos de áudio e fotos falsas - as chamadas deep fakes - ampliará consideravelmente a dificuldade de separar fato de ficção, o que fará as fake news de hoje parecerem brincadeira de criança.
Daqui a alguns anos, um smartphone será suficiente para simular uma sequência de notícias, como as da CNN, por exemplo, na qual a perfeita imitação da voz de um apresentador famoso reportaria um golpe militar em Washington ou um anúncio da Casa Branca sobre uma guerra iminente, sem meio técnico para confirmar ou negar sua veracidade. Em uma futura eleição presidencial no Brasil, não será mais necessário atacar os concorrentes - pode-se simplesmente produzir um vídeo em que o rival promete que, se eleito, encerrar o programa Bolsa Família, eliminar a propriedade privada ou qualquer absurdo que o faça perder apoio. Confusos e desconfiados, os cidadãos se refugiarão ainda mais em suas bolhas aparentemente seguras, isolados em relação a qualquer tipo de debate público.
Heather Bryant, jornalista afiliada à Universidade Stanford, escreveu recentemente que jornalistas, mesmo nos melhores jornais do mundo, estão totalmente despreparados para distinguir fato de ficção ao analisar deep fakes. Para complicar ainda mais a situação, há evidências crescentes de que internautas parecem realmente preferir notícias falsas: em um estudo recente de Soroush Vosoughi, um pesquisador do MIT, conclui que as informações falsas têm 70% mais chances de serem retuitadas do que notícias verdadeiras.
O impacto na política externa será igualmente expressivo. O interminável ciclo de notícias falsas e a rápida disseminação de opiniões extremas (ou, por exemplo, falsos vídeos de atrocidades cometidas por outro país) reduzirão o espaço de negociações tranquilas para se chegar a compromissos aceitáveis para todos os envolvidos. Em 1945, delegados de 50 países se reuniram em São Francisco para desenhar a ordem global pós-Guerra. Foram oito semanas de negociação, com poucas interrupções. Hoje, o mesmo seria praticamente impossível. A necessidade de adotar posições em minutos, instantaneamente acessíveis em todo o mundo, afeta a capacidade da diplomacia de reduzir o risco de conflitos.
O debate sobre como salvar a democracia acabou de começar. Não existem soluções fáceis, e há anos de tentativas e erros dolorosos adiante - como testemunhado hoje no Zimbábue, na Índia, nos Estados Unidos, no Reino Unido e em tantos outros países. O único erro que não se pode cometer é fingir ser possível, de alguma forma, voltar aos velhos tempos.
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