As redes sociais são uma ferramenta extraordinária da cidadania, um magnífico espaço de mobilização. Mas não são uma garantia de segurança informativa e de credibilidade. Sobra opinião superficial e radicalizada. Faltam apuração, análise, matiz. Falta reportagem.
Jornalismo é a busca do essencial, sem adereços, qualificativos ou adornos. O jornalismo transformador é substantivo. Sua força não está na militância ideológica ou partidária, mas no vigor persuasivo da verdade factual e na integridade de uma opinião fundamentada. A credibilidade não é fruto de um momento. É o somatório de uma longa e transparente coerência.
A ferramenta de trabalho dos jornalistas é a curiosidade. A dúvida. A interrogação. Há um ceticismo ético, base da boa reportagem investigativa. É a saudável desconfiança que se alimenta de uma paixão: o desejo dominante de descobrir e contar a verdade.
Pois bem, amigo leitor, acabo de topar com um exemplo de reportagem de qualidade. Refiro-me ao livro do jornalista Sílvio Barsetti A Farra dos Guardanapos – O último baile da Era Cabral. A história que nunca foi contada (Editora Máquina de livros, Rio de Janeiro).
O texto, agradável e leve, é uma reconstituição da festa em Paris que marcou a ascensão e queda do governo de Sérgio Cabral.
Uma mansão na emblemática Champs-Elysées foi o cenário da suntuosa festa da corrupção impune e sem limites. Quem eram os convidados? Quais pratos e vinhos caríssimos foram servidos no banquete? O que realmente aconteceu naquela noite de ostentação? O leitor é introduzido no clima da lambança, num relato jornalístico detalhado sobre os personagens que comandaram o assalto ao dinheiro púbico do Rio de Janeiro. Criminosos responsáveis pela dramática situação das finanças, da saúde e da segurança pública do Estado, protegidos com as máscaras de gestores eficientes, comemoravam o triunfo do chefe da quadrilha. Barsetti conseguiu reconstituir em detalhes a festa que marcou o apogeu e a derrocada do governo Cabral.
O livro é um magnífico registro histórico. Mas também cumpre importante papel preventivo. A candura, num país marcado pela tradição da impunidade, acaba sendo um desserviço à sociedade. É indispensável o exercício da denúncia fundamentada.
A política brasileira está podre. Ela é movida a dinheiro e poder. Dinheiro compra poder e poder é uma ferramenta poderosa para obter dinheiro. É disso que se trata. E é exatamente isso que você, cidadão e eleitor, deve questionar nas próximas eleições.
Precisamos, independentemente do escárnio e do fôlego das máfias corruptas e corruptoras, perseverar num verdadeiro jornalismo de buldogues. Um dia a coisa vai mudar. E vai mudar graças também ao esforço investigativo dos bons jornalistas. O repórter, observador diário da corrupção e da miséria moral, não pode deixar que a alma envelheça. Convém renovar a rebeldia sonhadora do começo da carreira. O coração do repórter deve pulsar em cada matéria.
O poder público tem notável capacidade de pautar jornais. Fonte de governo é importante, mas não é a única. O jornalismo de registro, pobre e simplificador, repercute o Brasil oficial, mas oculta a verdadeira dimensão do País real. Muitas pautas estão quicando na nossa frente. Muitas histórias interessantes estão para ser contadas. Precisamos fugir do show político e fazer a opção pela informação que realmente conta. Só assim, com didatismo e equilíbrio, conseguiremos separar a notícia do lixo declaratório.
O culto à frivolidade e a submissão à ditadura dos modismos estão na outra ponta do problema. Vivemos sob o domínio do politicamente correto. Trata-se de um dogma que não deixa saída: de um lado, só há vilões; de outro, só se captam perfis de mocinhos. E sabemos que não é assim. A vida tem matizes. O verdadeiro jornalismo não busca apenas argumentos que reforcem a bola da vez, mas também, com a mesma vontade, os argumentos opostos. Estamos carentes de informação e faltos da boa dialética. Sente-se o leitor conduzido pela força de nossas idiossincrasias.
Mas o esforço de isenção não se confunde com a omissão. O leitor espera uma imprensa combativa, disposta a exercer o seu intransferível dever de denúncia. Menos registro e mais apuração. Menos fofoca e mais seriedade. Menos espetáculo de marketing político e mais consistência.
Inúmeras foram as reflexões suscitadas pelo excelente texto de Sílvio Barsetti. Reportagem na veia. O leitor, em qualquer plataforma, evita os produtos sem alma. Quer matérias interessantes, pautas próprias. Quer menos jornalismo de registro e mais reportagem de qualidade. Quer um jornalismo rigoroso, mas produzido com paixão.
A força de uma publicação não é fruto do acaso. É uma conquista diária. A credibilidade não combina com a leviandade. Só há uma receita duradoura: ética, profissionalismo e talento. O leitor, cada vez mais crítico e exigente, quer notícia. Quer informação substantiva. A farra dos guardanapos é um bom exemplo.
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