quarta-feira, 17 de março de 2021

Pensamento do Dia

 


Subestimar Jair Bolsonaro é um erro

Jair Messias Bolsonaro não é o primeiro presidente brasileiro cuja habilidade política é subestimada pela maioria dos analistas. Durante um bom tempo, duvidou-se da capacidade de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de governar o país. Antes do petista, era quase unânime a opinião de que Itamar Franco, o vice que assumiu o cargo em decorrência do primeiro impeachment da história do país - de Fernando Collor de Mello, em 1992 -, de tão “incompetente”, “tolo” e “turrão” acabaria de afundar a nação no caos iniciado por seu antecessor.

Bolsonaro passou 28 anos na Câmara dos Deputados com apenas uma preocupação: reeleger-se a cada quatro anos. Não foi difícil, afinal, sua bandeira, única, sempre foi defender privilégios e vantagens das corporações militares, o que, evidentemente, significou apoiar, de um modo geral, os interesses da burocracia estatal, o Estado dentro do Estado, o poder autóctone deste país, patrimonialista por definição.

O atual presidente defendeu os soldos dos militares durante o período, provavelmente, de maior arrocho salarial do funcionalismo na história _ os primeiros anos de estabilização da economia, após o lançamento do Plano Real, em 1994. Com a queda abrupta dos índices de preços de cerca de 2.800% para 50% ao ano, o enorme desequilíbrio das contas públicas apareceu instantaneamente nos orçamentos, uma vez que, antes, a inflação crônica corroía o valor real da despesa, criando a ilusão de que o setor público não gastava mais do que arrecadava.


Entre outras providências, coube ao primeiro primeiro presidente eleito no pós-Real _ Fernando Henrique Cardoso (PSDB) _ segurar a evolução dos salários do funcionalismo civil e dos militares para conter, minimamente, o déficit público. Ainda no primeiro mandato de FHC (1995-1998), o déficit nominal _ conceito que inclui todas as despesas, inclusive, os juros da dívida _ chegou a 7% do Produto Interno Bruto (PIB).

Para o deputado Jair Bolsonaro, gritar contra o arrocho salarial de FHC e conquistar votos na família militar foi mais fácil que decorar a tabuada do número 1. Isto explica o ódio devotado por militares bolsonaristas ao ex-presidente. Em entrevista ao Valor em 2019, o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), um dos mais próximos do presidente da República, disse que "Lula é terrível, mas o Fernando Henrique era pior, hein?”, uma óbvia referência ao principal alvo de Bolsonaro nos anos em que era visto apenas como uma figura folclórica da direita brasileira.

Talvez, nem em sonho Bolsonaro tivesse acreditado que, um dia, haveria a chance de sair do folclore para tornar-se o primeiro mandatário do país com a 6a. maior população do planeta, a quarta extensão territorial e a 12a. Maior economia (há poucos anos, caminhava para ser a 5a. Maior, mas esta é outra história). Mas, a tragédia inacreditável do governo da presidente Dilma Rousseff (PT) criou oportunidade única para Bolsonaro ambicionar seu salto inesperado na política nacional.

Em 2015, quando o país já ingressara no segundo ano da mais profunda e longa recessão de sua história, provocada por sucessão inacreditável de equívocos de política econômica cometidos pelo governo Dilma, Bolsonaro e seus seguidores montaram estratégia nas redes sociais para fazer do então deputado o candidato anti-PT, anti-Dilma, “anti-também-tudo-isso-daí”. Com a Operação Lava-Jato fazendo estragos nas hostes tanto do PT quanto do PSDB, a economia atolada numa recessão e o maior líder popular da história do país, Lula, encarcerado, o atual presidente tornou-se rapidamente um fenômeno nas redes sociais, ignorado por alguns, subestimado por muitos, entre os quais, o titular desta coluna.

“Quando a campanha oficial começar, em agosto de 2018, o tempo diminuto de horário eleitoral gratuito frente a outros candidatos fará de Bolsonaro o Celso Russomano da disputa presidencial _ sempre larga na frente, mas nunca chega em primeiro. Vai desidratar nas pesquisas”, dizia-se sobre as perspectivas eleitorais de Bolsonaro. A cada previsão frustrada, analistas experientes da cena política nacional faziam novas projeções, segundo as quais, o então candidato do PSL naufragaria.

Nos livros de História do Brasil, provavelmente na maioria deles, será dito que o presidente ganhara a eleição de 2018 porque, a menos de um mês, sofreu um atentado a faca que o afastou dos debates, de entrevistas e de eventos de campanha com grande potencial de desgastar a imagem do candidato. Depois de errar mais de uma vez em seus prognósticos sobre o destino político-eleitoral de Bolsonaro, o titular desta coluna acredita que atribuir sua vitória à facada é “brigar com a notícia”, como costuma dizer o nobre colega e escritor Sérgio Leo, ex-colunista do Valor.

Bolsonaro ganharia com ou sem facada. Ponto. Seu sucesso deveria ter convencido, senã0 a todos, pelo menos à maioria, de que ninguém chega à presidência de uma das maiores democracias do planeta, eleito pelo voto popular, destituído de inteligência, astúcia, sagacidade política. Para as elites pensantes do país, é mais simples manifestar o quão Bolsonaro é diferente _ para pior _ do que nós somos e desejamos para o projeto de construção de uma nação nestas plagas.

Daí, os erros de avaliação que ajudam a fortalecer o presidente e que, em alguns casos, desvalorizam avanços institucionais na área econômica, notadamente, a aprovação da independência do BC e da PEC emergencial, que criou novo marco regulatório fiscal para todos os entes da Federação, fato que na prática diminui sua compreensão e, portanto, sua legitimação na sociedade.

Na pandemia, com a ajuda do Congresso, Bolsonaro acabou por instituir o maior programa de redução de pobreza da história do país. Seu negacionismo tem cálculo político. Ele esticou a corda na negação da gravidade do vírus e os governadores foram obrigados a adotar medidas rígidas de isolamento, cujo efeito tem sido afastá-los da popularidade. No fim, o presidente virá com a solução, a vacina, que só a União tem condições de comprar em grande quantidade. Não adianta brigar com notícia, Bolsonaro será no momento agudo, aos olhos da população, o pai da vacina.

Bolsonaro fritou o bode

Quando se acha que aconteceu de tudo, o capitão consegue mais uma. Fritando o general que transformou em bode expiatório, chamou a Brasília a médica Ludhmila Hajjar para convidá-la.

Bolsonaro e Pazuello encarnam um tipo de comando primitivo, às vezes confundido com o folclore da caserna. O general entrou no Ministério da Saúde com uma tropa de ocupação. Colocou 25 oficiais da ativa e da reserva em posições de comando. Um tenente-coronel cuidava das aquisições de insumos estratégicos; outro, de sua logística. Deu no que deu. O coronel secretário-executivo usava um brochinho com uma caveira atravessada por uma faca.

Afora isso, o próprio general dirigiu-se a parlamentares como se fosse um sargento falando a recrutas: “Não falem mais em isolamento social”.

Oficiais exibicionistas ridicularizam comandados. Às vezes mandam soldado puxar carroça. Como ministro, o general Pazuello fez fama mostrando-se como um soldado do capitão ao lembrar que “um manda, e outro obedece”.

O ministro talvez pudesse ter recorrido à memória que o vice-presidente Hamilton Mourão tem da história militar americana. Em 1866, o presidente Andrew Johnson mandou o general Ulysses Grant para uma missão no México. Ele se recusou, e o presidente se enfureceu, vendo no gesto um ato de indisciplina. Grant acabara de vencer a Guerra Civil e explicou: “Eu sou um oficial do Exército e devo obedecer às suas ordens militares. No caso, trata-se de uma missão civil, puramente diplomática, e não estou obrigado a aceitá-la”.

Formação militar nada tem a ver com folclore, muito menos com incompetência administrativa. A hidrelétrica de Itaipu foi construída por um coronel da reserva que morreu sem fortuna ou encrencas. José Costa Cavalcanti havia sido deputado e não elevava o tom de voz. O mais folclórico dos generais-presidentes (João Figueiredo) foi o pior da cepa. Castello Branco não usava a linguagem que Bolsonaro usou na conversa com a médica Ludhmila Hajjar.

O estilo que Bolsonaro cultiva com seu pelotão palaciano tem folclore e falta-lhe conteúdo. O Planalto vive assombrado pelo que considera uma campanha de desinformação. Tanto é assim que uma das primeiras providências de Pazuello foi alterar o boletim estatístico de mortes pela pandemia. Produziu o memorável episódio da formação do consórcio de veículos de imprensa, que faz o serviço a custo zero.

Pazuello passará para a história do ministério como gerente de um desastre. Tornou-se bode expiatório por ter irradiado uma visão negacionista da pandemia. As vacinas de Manaus foram para Macapá, a avalanche de imunizantes não aconteceu, e a CoronaVac chinesa do governador João Doria revelou-se uma dádiva. Durante a última semana de sua gestão, o Brasil tornou-se um dos dez países com mais mortes por milhão de habitantes. Foi a consequência da “conversinha” da nova onda de contágios.

Não precisava ter sido assim. Os Estados Unidos, Reino Unido, Itália e Portugal sofreram no ano passado. Sem as “frescuras” do folclore militar, não estão mais nessa lista maldita.

Que o médico Marcelo Queiroga, nova variante da cepa de ministros de Bolsonaro, tenha sorte.

O Lampedusa da Saúde

Jair Bolsonaro sentiu necessidade de fazer algo diante da queda de sua popularidade, em decorrência de sua política negacionista, da ameaça que pode representar a CPI da Saúde no Congresso Nacional e da elegibilidade de Lula. A história lhe deu a última oportunidade de ruptura com a desastrada condução no enfrentamento da pandemia: demitir o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, e nomear alguém competente para a área. O modelo formatado pela médica Ludhmila Hajja – autonomia na montagem de uma equipe técnica, instalação de um gabinete de crise, foco no isolamento social e na vacinação em massa -  seria essa possibilidade.


Em vez da ruptura, o presidente preferiu o caminho da acomodação, na escolha do seu quarto ministro da Saúde em plena pandemia. Sua frase “Queiroga (Marcelo Queiroga, novo titular da pasta) tem tudo para fazer um bom trabalho, dando prosseguimento em tudo o que Pazuello fez até hoje” é de dar frio na espinha dos brasileiros. Ela deixa claro que não haverá mudança de rumo.

O balizamento está dado: seu governo não apoiará o isolamento social e tampouco recuará de sua política de hostilidade aos governadores, que têm arcado com o desgaste da adoção de medidas impopulares, mas necessárias.

O fato do novo ministro ser da área e haver boa vontade em relação à sua gestão não são suficientes para a reversão de um quadro dantesco que, mantida a mesma toada, poderá chegar a 600 mil mortos ao final da pandemia, conforme previu Ludhmila. Só para se ter noção do tamanho da tragédia: em dez anos de guerra na Síria morreram 300 mil pessoas. Nós poderemos ter o dobro em um horizonte curto.

A ideia de que daqui para frente vai melhorar porque haverá uma maior oferta de vacinas é doce ilusão. A corrida mundial por imunizante tende a se acelerar, principalmente agora que quase todos os países da Europa - incluídos França, Alemanha, Espanha e Itália – suspenderam o uso da AstraZenica por efeitos adversos a serem comprovados. Imagine como ficaremos se tivermos que suspender aqui também.

A única maneira de nosso país ter posição forte nessa guerra de gigantes em busca de vacinas é se houver uma união nacional envolvendo os três entes federativos, os três poderes da República, as forças políticas e a sociedade em torno de um mesmo propósito. Caberia ao presidente liderar esse processo, com seu ministro da área tendo protagonismo na aliança pela saúde.

Por aí poderíamos demonstrar que é do interesse mundial a vacinação em massa no Brasil porque, lamentavelmente, o país se transformou em um incubador a céu aberto de novas cepas do coronavirus.

Implica também em fazer a lição de casa: isolamento social, adoção de lockdown regional em casos extremos, um plano nacional e de emergência para evitar a mortes de pacientes de Covid por falta de leitos de UTI, de oxigênio e de outros insumos. Esse era o modelo Ludhmila Hajja.

O presidente não tem essa grandeza de visão. Queiroga está para a Saúde como Milton Ribeiro esteve para a Educação, quando da destituição de Abraham Weintraub. No primeiro momento há uma sensação de alívio, em seguida, uma enorme frustração. E ela apareceu já nas primeira declarações do novo ministro, dúbias tanto em relação à cloroquina quanto ao isolamento social, dizendo-se contrário ao lockdown, que só deveria ser adotado em escala regional.

Até aí “morreu Neves”. Ninguém propôs um lockdown nacional. O problema é outro. O subtexto de sua afirmação é o aval para a postura de Bolsonaro de sabotagem às medidas adotadas pelos governadores de limitar as atividades aos serviços essenciais em estados nos quais a rede de saúde – pública e privada – está colapsada.


Bolsonaro adotou a solução Lampedusa – para ficar como está é preciso que tudo mude – porque o contrário seria o reconhecimento de sua derrota. Seria negar a sua própria alma e contrariar seus brigadistas, cujo radicalismo aumentou exponencialmente desde que Lula voltou a ser elegível. Essa base fez campanha sórdida contra Ludhmila e ocupou as ruas no último domingo em protesto contra o isolamento social e em defesa da intervenção militar.

O que se pode esperar de um presidente que, quando indagado sobre as ameaças de morte à ex-futura ministra da Saúde responde “faz parte”?

O Brasil se livrou de Pazuello, mas não do pazuelismo. A submissão do ministério da Saúde a uma política negacionista continua viva. Agora, na sua versão soft.
Hubert Alquéres

Falta saúde e sobra ministro

 

Ministro demissionário e ministro em experiência

O bafo da mentira e o beijo da morte

“Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida”, disse Jesus (João, 14; 6). João Evangelista, xará de meu avô paterno, era um marqueteiro de gênio: o slogan, composto em tríduo, como convém a apelos que vão ao coração e de lá à razão, resume bem a mensagem, que, creia-se ou não nela, é a mais completa tradução da busca da civilização na demolição da barbárie: a imunidade do espírito pela união do rebanho, com a busca permanente do conhecimento para retardar o fim pela sabedoria. Em três anos de seminário menor, preparei-me em orações, meditações e leituras para encarar o destino, não com trapaças e rixas, mas com resignação e fé. Ou seja, uma mistura de coragem e prudência, preservando o medo, forma imperfeita do cuidado.

Jair Bolsonaro diz-se cristão, exalta Deus como guia, mas, como nunca se deu ao trabalho de ler coisa nenhuma, não se dá conta de que a trilha que segue é o descaminho. Capitão na ativa do Exército, planejou, juntamente com o parceiro de patente Fábio Silva, atentados a bomba em quartéis e na adutora do rio Guandu. Foi condenado por 3 a 0 por terrorismo e indisciplina, na primeira instância. O terror, arma do fundamentalismo religioso radical, seja dos inquisidores católicos medievais, seja de atuais fanáticos de Alá, é um coito de assassinos vocacionais. Ele próprio se define como artilheiro, cuja modalidade é matar. Mente ao rememorar sua participação no combate ao terror de esquerda durante a ditadura. Quando a guerrilha comunista passou pelo Vale do Ribeira, onde morava, não tinha idade para o serviço militar. Uma patranha fácil de desmascarar. Não serviu no Suez nem no Haiti. Nunca participou de uma batalha ou de uma escaramuça. Nada fez de útil em proveito de alguém que não seja ele ou parente seu.

Matar, para ele, não é ofício de soldado, mas vício de charlatão. Em 27 anos na Câmara dos Deputados, em parceria com o médico petista e sindicalista Arlindo Chinaglia, lutou, e ainda luta, pela aprovação da picaretagem médica da pílula do câncer. Vendendo cloroquina a emas no jardim do Palácio da Alvorada, faz o que sempre quis na vida toda: ser camelô de feira livre vendendo óleo de cobra para quaisquer achaques. Ao deblaterar contra o isolamento para evitar o contágio pelo contato com saliva infectada pelo novo coronavírus, não o faz por vocação para a delinquência no exercício ilegal de medicina, mas pela atração irresistível à propagação da morte. Artilheiro que nunca atirou em alvo móvel, quer se consagrar como capitão sem noção das tropas invisíveis do coronel vírus, venha ele da China ou da Martinica.

Apraz-lhe que este se propague pelo mundo e se aproveite para fazer do Brasil cova rasa. Quando definiu a praga como “gripezinha”, não quis desafiá-la, foi pelo mero prazer do engano pelo engodo. À falta de um QI que o aproxime de seres humanos normais, orgulha-se da própria limitação, por usá-la e assim se dar bem na vida. A oportunidade de voltar a mentir um ano depois, valendo-se dos rebentos irracionais que gerou, é a oportunosa ensancha de parecer superior aos outros pelo menos no cinismo sem limite. Num tribunal eclesiástico medieval seria condenado à fogueira por blasfêmia após pecar demais sem motivo justo algum. É o pleno Anticristo: o desvio, a mentira e a morte.

Seu alter ego pelo avesso, Lula, proclamou que a Terra é redonda para humilhar o inimigo, visto como terraplanista. Bobão! Bolsonaro não passa de um oportunista rastaquera que se aproveitou da onda contra a roubalheira e o petismo genérico, que a pratica, para ganhar a eleição presidencial de 2018. E exercer o trabalho que esquerda desunida e Centrão glutão não teriam coragem de realizar sem seu concurso: jogar a Lava Jato e qualquer tipo de higienização na fossa, à qual também destinou o combate à corrupção em geral.

O empresário carioca Paulo Marinho, suplente de seu primogênito sonso, lembrou no Twitter: “Essa data me fez lembrar um dia durante a campanha em que estávamos na minha casa e você disse: ‘Se nós não fizermos tudo certo, podemos sair presos’. Hoje eu entendo a sua preocupação e não tenho mais dúvidas de que você será preso, é uma questão de tempo. Sua omissão, negligência e incompetência criminosas já custaram quase 300 mil vidas brasileiras. O seu governo é o beijo da morte!”. O homem que cedeu a própria casa para quartel-general de sua campanha vitoriosa não percebeu que sua disposição de enganar elimina qualquer laivo de memória. O “cavalão de Troia”, que executa no terceiro ano de gestão o que o Centrão e a esquerda não conseguiram em 16, não perde tempo com nada que não seja o interesse pessoal e dos herdeiros, para os quais lega o sangue, o suor e o pranto dos brasileiros que o elegeram ou que não têm coragem de expulsá-lo do descaminho.

Os fanáticos que se manifestam a favor do contágio mortal da pandemia em prol de lojas, estádios e cassinos abertos são oportunistas que o veneram porque venderam a alma ao diabo, cujo pacto seduz mais do que a árdua e nada prazerosa caridade cristã. O resto são cinzas frias.

Pensamento do Dia

 


Abominável senhor dos destinos

Um encontro numa sala reservada do Palácio do Planalto, no último domingo, reuniu quatro pessoas. Em jogo na conversa, a vida de centenas de milhares de brasileiros. O resultado da reunião, inevitável pelas circunstâncias, parece indicar que esses brasileiros perderam —muitos que acompanharam o caso pelo celular ou pela televisão talvez não estejam vivos daqui a um mês. Esse desfecho terá as digitais de três dos presentes na sala: Jair Bolsonaro, o general Eduardo Pazuello e o deputado Flávio Bolsonaro. Já a quarta pessoa, a médica Ludhmila Hajjar, poderá dormir em paz.

O encontro, todos sabemos, referia-se ao convite de Bolsonaro para que ela aceitasse a suposta pasta do Ministério da Saúde no lugar do pesado, mas invertebrado, Pazuello. Para isso, teria de declarar sua sujeição às ordens do verdadeiro ministro, que é Bolsonaro, e assumir a co-autoria na chacina da população pela Covid. Co-autoria esta já garantida a Pazuello, cujos netos lerão nos livros que o vovô foi cúmplice na morte de 265 mil brasileiros pela pandemia. O que a dra. Ludhmilla recusou não foi um convite, mas uma intimação.


O tenebroso nessa reunião é como tantos destinos —o número de vidas perdidas no Brasil ameaça chegar a inacreditáveis 500 mil ou 600 mil— podem depender de tão poucos. Entende-se que Bolsonaro e Pazuello quisessem arguir a dra. Ludhmilla, para certificar-se de que ela seria um capacho à altura de Pazuello. Mas o que Flávio Bolsonaro fazia ali, mesmo em ameaçador silêncio?

Não apenas a saúde no Brasil está refém de um grupo de sujeitos abomináveis. Tudo mais está refém deles. Quando se diz que as instituições "estão funcionando", é para garantir a continuidade do desmoronamento do país.

Já não há instituição do Estado que não esteja visceralmente aparelhada. A costura da provável ditadura está sendo feita por dentro e aos nossos olhos.

Tem cretino pra tudo



Situação do Brasil é até confortável
Ricardo Barros (PP), líder do governo

Viramos jacaré?

Meu senso de antropólogo cultural antigo e de não especialista (hoje, o Brasil é a pátria desses maravilhosos profissionais) prevê que teremos múltiplas vacinas contra o competidor biológico maior, a Covid-19, com suas famílias e linhagens que o governo Bolsonaro incrementa por meio de um pueril negacionismo e por uma adulta e criminosa sabotagem.

O vírus, não custa repetir, além de ser um agente epidêmico mortal e sem intenções (exceto sobreviver), é — tal como as nossas elites, de que somos parte e parcela — um predador invisível e solerte.

Aliás, conforme escreveu um “especialista” chamado Charles Darwin, no mundo natural, além de uma perturbadora ausência de intenção (ou causa final) e de uma óbvia presença de oportunidade, quem melhor se adapta e mais se reproduz triunfa.

O significado dessa desgraçada vitória, devo logo dizer antes que me levem à guilhotina moral, é a grande questão do nosso mundo, já que, de modo claro, ela suprime um outro mundo, uma outra vida e — quem sabe? — engendra uma história alternativa...


Se levamos a sério as premissas darwinistas, cabe honrar ao menos “este mundo” de que estamos certos e onde atuamos. Pois o fato inexorável é o seguinte: se tudo ocorreu ao acaso num planeta igualmente singular, posto que ele próprio é “vivo”, o sentido final da existência não precisa ser justificado por uma outra vida. Ela tem que fazer sentido aqui e agora, como demandam o vírus, os sanitaristas e todos os inesperados. Acima de tudo, os inesperados paradoxalmente previstos (e planejados) dos abismos entre quem tem demais e os despossuídos.

Não é preciso ser um sábio para dirimir os abismos sociais do Brasil. Eles saltam aos olhos quando saímos de casa — se casa temos...

Nesta etapa antropocênica — em que a pandemia impede, entre outras dimensões, que se possam disfarçar as imensas desigualdades mundiais, os vergonhosos abismos sociointelectuais nacionais e os transtornos de um planeta agredido por “empreendedores” esquecidos de que são por ele englobados e foram por ele engendrados —, não há a menor dúvida de que a espécie triunfante, o Homo sapiens, é ao mesmo tempo Deus e algoz do mundo que habita e dele mesmo.

Diz um celebrado mestre-pensador (Claude Lévi-Strauss) que, graças à invenção da linguagem articulada e dos costumes, somos um superpredador com um trajeto semelhante ao do câncer, porque conseguimos uma multiplicação além da Bíblia. Hoje somos onipresentes. A onisciência e a onipotência que nos tornariam divinos está em nossa volta e se afirmam nos laboratórios e nas “armas de destruição em massa”, esse eufemismo para artefatos com o poder de simplesmente assassinar o planeta em nome de alguma desavença nacional!

Avaliando com minha óbvia insuficiência essas pressões, tenho, não obstante, um temor de idoso: imagino, conforme confesso ao meu filho Renato, um consumado biólogo, pesquisador e professor universitário, que o vírus pode ter vindo para ficar.

O que significa esse “ficar” quando o ideal de conforto, satisfação e dignidade depende de um rude individualismo (primeiro eu, depois os meus e em seguida quem pensa e faz como eu!) — uma consciência do mundo que convenientemente inibe reciprocidades, interdependências e só imagina o outro como adversário ou inimigo a ser eliminado (ou cancelado, como se diz atualmente)?

Não deixa de ser paradoxal que o lado mais perturbador do vírus seja sua potência de bloquear o que nos tornou humanos: a sociabilidade ancorada na presença do outro. A dialética da costumeiro e do exótico — do encontro interessado ou espontâneo. Enfim, o que originou as grandes descobertas, inclusive a desses bichos invisíveis que existem ao nosso lado e interagem conosco porque são tão antigos quanto nós.

A habitual negação e a sabotagem do vírus no Brasil — cujo maior responsável é uma atitude emocional e irracional do presidente Bolsonaro e de seus seguidores —não são só um ato de desgoverno desses que permeiam e estruturam a admiração nacional desde que nos entendemos como um coletivo; são um risco para a Humanidade.

Certo que Adão não foi criado no Brasil, mas é igualmente verdadeiro que a Humanidade pode ser radicalmente ameaçada a partir de nossa cuidadosa e precisa negligência negacionista. De nossa incapacidade de realizarmos uma leitura mais abrangente de nosso lugar na Terra.

Enfim, se não nos conscientizarmos do perigo que estamos causando a todo o planeta; se não nos dermos conta de que o vírus impede o comércio, a aliança, a troca em todos os seus níveis que nos fizeram humanos, então vamos virar jacarés.

Cumpriremos um dos mais devastadores vaticínios do mais insensível presidente da nossa história.

Gripezinha começa a apresentar ao presidentezinho conta do negacionismo

Quando o brasileiro ainda morria de Covid, o governo Bolsonaro parecia sem rumo. Agora que o brasileiro morre de falta de vacina, percebe-se que o rumo é o de uma tragédia humanitária sem precedentes. A mais recente pesquisa do Datafolha revela que a estratégia do presidente de botar a culpa em alguém não está funcionando. Assim como o número de mortos, a rejeição de Bolsonaro também bate recorde.

Para 54% dos brasileiros, o desempenho do presidentezinho na crise da gripezinha é ruim ou péssimo. Na opinião de 43%, Bolsonaro é o maior culpado pelo avanço da Covid. É bem menor a taxa dos que atribuem a culpa aos governadores (17%) e aos prefeitos (9%), chamados pejorativamente pelo capitão de "turma do fique em casa".

No geral, a avaliação negativa do presidente bateu no seu pior nível. O bom senso recomendaria uma correção de rumo. Mas Bolsonaro, além de seguir no rumo errado, despreza os inúmeros retornos que a conjuntura vai colocando na estrada.


Agora mesmo, instado pelo centrão a trocar a inépcia marcial do general Pazuello por uma marcha científica no Ministério da Saúde, Bolsonaro dividiu-se entre duas opções cardiológicas. Preferiu a "continuidade" que o doutor Marcelo Queiroga topou encarnar. Desprezou a guinada sugerida pela doutora Ludhmila Hajjar.

Os observadores mais apressados dizem que Bolsonaro se omite na crise. Engano. Alguém que trama a "continuidade" da gestão Bolzuello —híbrido de Bolsonaro e Pazuello— sabe muito bem o que não está fazendo. Na sabotagem mais ruinosa, a dupla demorou a entrar na fila das vacinas. Exercitou na plenitude máxima a prerrogativa de escolher o caminho dos brasileiros para o inferno.

Se o mandato de Bolsonaro fosse um filme, o título seria o seguinte: "Michelle, encolhi a Presidência." A gripezinha reduz a margem de manobra do presidentezinho, encurtando-lhe os horizontes. Embora ainda retenha o apoio de 30% do eleitorado, Bolsonaro vê o projeto de reeleição subir gradativamente no telhado.

Imbatíveis no faro das oportunidades políticas, os líderes do centrão começam a olhar de esguelha para Bolsonaro. Já se deram conta de que o presidente lida com duas realidades: a dele e a verdadeira. E se irrita com a constatação de que sobra cloroquina na primeira e faltam vacinas na segunda.

É como se, neurótico, Bolsonaro tivesse construído um castelo no ar. Psicótico, foi morar nele. Esqueceu que a sociedade, na pele de psiquiatra, costuma cobrar caro o aluguel. O Datafolha informa que começou a chegar a conta do negacionismo.

‘Bolsocaro’? O que explica inflação mais alta para os mais pobres durante a pandemia

Em um ano de pandemia do coronavírus, os brasileiros (alguns mais que outros) viram os preços dos alimentos subirem. A alta da inflação virou alvo de campanha de críticos ao governo do presidente Jair Bolsonaro, que espalharam cartazes em São Paulo com o termo "Bolsocaro", com reclamações sobre disparada nos preços nos mercados.


Apesar de o preço em si ser igual para todo mundo, o tamanho do impacto dos aumentos varia para cada família, de acordo com a chamada cesta de consumo — ou seja, depende dos grupos de produtos que elas costumam consumir e quanto do orçamento delas esses itens representam.

Em um ano de pandemia (março de 2020 a fevereiro de 2021), a inflação sentida pelas famílias brasileiras mais pobres foi de 6,75%.

Essa taxa representa o dobro do impacto para as famílias mais ricas, de 3,43% no mesmo período, segundo os dados do indicador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) de inflação por faixa de renda.

O indicador divide as famílias brasileiras em seis faixas de renda e avalia como a inflação afeta, mês a mês, cada um desses grupos.

A classificação da pesquisa considera como famílias de renda muito baixa as que têm ganho domiciliar menor que R$ 1.650,50. E as famílias classificadas como de renda alta são aquelas cujo ganho domiciliar é superior a R$ 16.509,66.

A economista Maria Andreia Lameiras, pesquisadora responsável pelo Indicador Ipea de Inflação por Faixa de Renda, explica que, antes da pandemia, o nível de inflação era mais parecido entre as diferentes faixas de renda, com variações mensais mais distribuídas em diferentes itens, em vez de uma pressão concentrada em um grupo de consumo específico.

"Antes, as coisas iam se contrabalanceando, era mais parecido. A pandemia explode alta de preço de alimentos e joga para baixo o preço de serviços."

E por que a alta em alimentos impacta mais os mais pobres? Porque essas famílias gastam cerca de 25% de seu orçamento com alimentos em domicílio, enquanto os mais ricos gastam menos de 10% nessa categoria, segundo Lameiras.

Outro fator que explica essa disparidade, segundo a pesquisadora, é que houve uma redução em parte dos serviços consumidos pelas famílias mais ricas.

"Eles não só sofreram menos com alta dos alimentos, como se beneficiaram da queda do preço de serviços", disse. "Os mais ricos, que tinham parte do orçamento destinada a passeios, cinema, jantares, isso tudo eles pararam de consumir. Essa parcela do orçamento dessas famílias foram preservadas. Até gastos fixos, como mensalidade escolar, muitos colégios particulares deram descontos nas mensalidades com o ensino à distância."

A alta de alimentos vista em 2020 é explicada tanto por fatores internos quanto externos.

Lameiras destaca que a pandemia levou muitas pessoas para casa, o que aumenta o consumo de supermercado, e lembra que houve um medo geral em relação às condições de abastecimento.

"Além do aumento do consumo imediato, muitos países começaram a ter medo de falta de abastecimento e o que aconteceu: países que produziam e exportavam parte da sua produção começaram a diminuir ou ficar com a produção interna. Então teve aumento da demanda e, ao mesmo tempo, a oferta não consegue dar conta."

Ela lembra que, diferente de outros itens, o alimento é um produto que você não tem como aumentar a oferta rapidamente. "Você está colhendo uma coisa que plantou um ano atrás, em outro cenário."

Se o descasamento entre oferta e demanda ocorreu no mundo todo, no Brasil também entra no cenário a grande desvalorização do real. "Aí, essa alta de alimentos no Brasil fica ainda maior, porque aquele alimento que tenho que importar fica mais caro e porque o produtor do grão, da carne, vê que é mais vantajoso exportar do que vender para o mercado interno, porque ele vai receber em dólar e acaba tendo rentabilidade muito maior".

O auxílio emergencial também entra nessa conta, na avaliação de Lameiras. "As vendas de supermercado cresceram ao longo de 2020, a indústria de alimentos foi uma das poucas que subiram em 2020. Mesmo o alimento estando mais caro na prateleira, as pessoas compraram ele porque elas tinham renda, porque veio o auxílio emergencial", diz.

Em 2020, como forma de compensar impactos da pandemia principalmente para os trabalhadores informais, o governo criou o auxílio emergencial, que inicialmente tinha parcelas de R$ 600.

No início deste ano, os beneficiários ficaram sem uma definição (e pagamentos) e, em março, o Congresso aprovou a PEC Emergencial, proposta de alteração da Constituição que cria mecanismos para conter gastos públicos e libera R$ 44 bilhões extras para custear a volta do auxílio emergencial. O início do pagamento ainda depende da publicação de uma Medida Provisória pelo governo Jair Bolsonaro com as novas regras do benefício.

A disparidade entre a taxa de inflação dos mais pobres e dos mais ricos já chegou a ser maior em 2020, considerando o acumulado de janeiro a setembro. Naquele período, o aumento para as famílias mais pobres (2,5%) foi mais de 10 vezes maior que a alta sentida pelas pessoas mais ricas (0,2%).

Junto com o desemprego, a inflação é um dos indicadores da economia com impacto mais direto (e fácil de ser percebido) na vida das pessoas.

Diferente de outros aspectos da economia, a alta inflacionária puxada por alimentos está no dia a dia da população, aponta Lameiras. "Um dia ela vai lá e a batata tá R$ 5 e, no outro dia, tá R$ 7. Isso está muito próximo. Isso traz para ela a percepção de que a economia brasileira está mal."

Quanto menor o orçamento familiar, menos margem a família tem para acomodar eventuais aumentos nos preços.

"Quando a gente fala de aumento de inflação, falamos que a situação das famílias mais pobres está piorando", diz. "Muitas vezes a alta até acontece por fatores exógenos. Não necessariamente uma alta de preços de alimentos está ligada a alguma política errada do governo. Mas, para a população mais pobre, o que ela vê é que o alimento está subindo na boca do mercado e o dinheiro dela tá cada vez valendo menos. Isso de fato gera uma insatisfação para essas famílias."

Apesar de a inflação ter subido muito mais para os mais pobres em um ano de pandemia, o resultado de fevereiro (último dado disponível) é diferente. Houve aumento de preço para as seis faixas de renda pesquisadas, mas os aumentos foram levemente maiores para as faixas de renda mais altas.

Em fevereiro, segundo o relatório, "a maior contribuição inflacionária, em todos os segmentos de renda, veio do grupo transportes, impactado pela alta de 7,1% dos combustíveis".

Para as famílias mais pobres, além do combustível, houve impacto dos reajustes de 0,33% do ônibus urbano e de 0,56% do trem. Outra contribuição à alta da inflação das famílias com menor renda veio da habitação, que inclui aumentos de 0,66% dos aluguéis, de 1% da taxa de água e esgoto e de 3% do botijão de gás.

Para as mais ricas, houve uma alta em educação, devido ao reajuste de 3,1% das mensalidades escolares. Na área de transportes, em contrapartida ao aumento do combustível, a queda de 3,0% nos preços das passagens aéreas ajudou a atenuar o aumento para este grupo.

A inflação de fevereiro para a faixa de renda mais alta foi de 0,98% e, para a de renda mais baixa, 0,67%.

Lameiras diz que "a tendência para os próximos meses é que essa diferença da inflação para ricos e pobres comece a diminuir".

Ela diz que espera uma alta menor do preço de alimentos neste ano e uma retomada de serviços. E aponta que esse cenário também depende do comportamento do câmbio.

Apesar disso, ela diz que ainda não dá pra esperar uma queda no preço dos alimentos no mercado. "Ninguém espera queda de preços de alimentos em 2021, ainda que para alguns produtos possa ter queda em um mês ou outro. Mas, no geral, estamos esperando que alimentos subam menos."

Rei do gado no Brasil

 


A semente da violência política se espalha pelo país

Um repórter do jornal O Estado de Minas foi agredido, ontem, em Belo Horizonte por manifestantes bolsonaristas que protestavam contra as medidas de isolamento, pediam o fechamento do Supremo Tribunal Federal e defendiam a ditadura militar de 64.

O cardápio, pois, era o de sempre, apresentado há um ano em Brasília diante do Quartel-General do Exército com a presença do presidente Jair Bolsonaro. O Supremo abriu inquérito para apurar quem financia manifestações hostis à democracia.

Mas, como se vê, elas voltaram a se repetir, e, agora, com o emprego de violência contra jornalistas obrigados a cobri-las. O resultado da parceria de Bolsonaro com a Covid está deixando os bolsonaristas cada vez mais nervosos, e aí mora o perigo.


O governador João Doria registrou queixa na polícia contra os que o ameaçam de morte. Em vídeo gravado no último dia 13, em São Paulo, um homem dá tiros em alvos improvisados e chama Lula de "filho da puta". Depois, vira-se para a câmera e vocifera:

“Presta atenção no recado que eu vou dar para você, seu vagabundo: se você não devolver os R$ 84 bilhões que você roubou do fundo de pensão dos trabalhadores, você vai ter problema, hein, cara? Você vai ter problema”.

A segurança de Lula será reforçada em breve. E os que no momento fazem parte dela receberão novos treinamentos. A direção nacional do PT pedirá a abertura de processo contra o homem do vídeo. Avisado, Doria tomará suas providências.

O governo federal não dá sinais de preocupação com nada disso. Pelo contrário: sempre que pode, como ocorreu na semana passada, Bolsonaro fala em Estado de Sítio, afirma que é muito fácil implantar uma ditadura no país e diz que o ditador seria ele.

Não levar a sério o que o presidente da República propaga nas redes sociais lembra o comportamento de milhões de brasileiros que apenas o viam como um candidato dado a falas exageradas. Não havia exagero. Era Bolsonaro em estado bruto tal como é.
Ricardo Noblat

As cores da loucura

“Talvez não exista luz no fim do túnel porque o túnel não tenha fim”. Não ouvi esse acerto em uma palestra desmotivacional; ouvi de um louco na rua, que murmurava sozinho enquanto brincava com o elástico da sua máscara. Imaginei se a da sociedade pode ser retirada de forma tão fácil quanto a de tecido que lhe ocultava nariz e boca, ou se a da sociedade tem chance de algum dia ser extinta.


Era louco, vocês percebem. Mas não sei se ficou louco depois de conhecer a verdade ou quando começou a propagá-la. Fato é que a loucura dele me pareceu mais sincera do que muitas sanidades por aí, quem sabe pela possibilidade de uma lógica pelos sãos inadmissível.

“Túnel, túnel, túnel, não existe luz, não existe luz, não existe luz”, repetia com obsessão. Eu caminhava atrás dele, tentando não fazer barulho para poder detectar a transparência das palavras que só na boca de um louco podem ser ditas sem censura.

Ele usava camiseta vermelha, bermuda e chinelo. Procurava desdenhar do frio ou do verde e amarelo? Para haver ordem, vocês sabem, muito túnel precisa permanecer eternamente escuro, mais que isso: para sempre em construção.

“Talvez não exista luz no fim do túnel porque o túnel não tenha fim”. Ele divagava e divagava, até que olhou para trás e me viu: foi um segundo, nossos olhos se encontraram e nossas máscaras combinaram: a minha também vermelha. Então olhei para baixo e senti meu coração batendo nos ouvidos e o sangue acumulado do nervosismo subindo às bochechas e à testa. Os loucos sempre falam comigo na rua e não seria diferente daquela vez, sobretudo porque eu estava vermelha por completo.

“Alguma vez você viu a luz no fim do túnel, moça?” O sujeito perguntou para a minha cabeça baixa, que se moveu de um lado para o outro, numa negativa que confirmava as suspeitas dele. “Então você também acha que o túnel não tem luz porque não tem fim?” Sorri. Vocês acreditam? Eu burramente sorri. De máscara. Mas mesmo louco, ou pelo exato motivo da loucura, ele inteligentemente pressentiu meu sorriso e antes que virasse as costas e continuasse externando seu mantra, ainda me disse:

“Às vezes o que chamam de ordem é uma prisão. E o progresso do mundo nem sempre é o progresso da alma”.

Em seguida caminhou mais rápido e logo se afastou de mim. Adiante, jogada no topo de uma lixeira aberta, uma máscara: metade verde, metade amarela. Com as bordas vermelhas.
Natália Sartor de Moraes

Lockdown já

O Brasil precisa parar por duas semanas. Nosso sistema hospitalar não dá mais conta de resistir a medidas paliativas ou meramente figurativas de distanciamento social nem à recusa suicida de grande parcela da sociedade em fazer o mínimo: a parte de cada um para evitar o morticínio.

A troca de guarda no Ministério da Saúde, já é possível ver, será de seis por meia dúzia. Marcelo Queiroga até conforta pela fala mansa, conciliatória, contrastante com o tom arrogante e desconectado da realidade do general Eduardo Pazuello.

Suas credenciais, que colhi em entrevistas com médicos e dirigentes de entidades médicas, são boas, de alguém zeloso da ciência e das evidências, que não aderirá facilmente a condutas criminosas como as que Pazuello chancelou batendo continência.

Só que isso não basta. Para que se mude o rumo da tragédia sanitária brasileira, que preocupa o mundo e condena o planeta a não superar a pandemia, é preciso que o Brasil pare, se tranque em casa e dê apoio muito mais intensivo e urgente aos que não têm de onde tirar o sustento a não ser na rua e a empresas que quebrarão se fecharem as portas.

Mas elas precisam fechar, sob pena de continuarmos a assistir diariamente à perda de mais de 2.000 pessoas como se isso fosse um dado da natureza.


Não há paralelo em nenhum outro país de tolerância por tanto tempo, e em números tão elevados, com a carnificina. Como se estivéssemos propositalmente jogando gente como nós, brasileiros com todos os direitos e deveres, ao mar para assegurar os poucos coletes salva-vidas restantes. Isso não é aceitável nos planos político, jurídico, ético ou moral. Tal comportamento faz de todos, governantes ou não, cúmplices de chacinas diárias e espalhadas por todo o território nacional.

Faz de nós um país de pessoas que aceitam um pacto macabro com Bolsonaro a favor da morte. Se toparmos ser parte dessa estratégia, a História cobrará não só dele, mas de cada um que viveu na década de 2020.

Parar custará muito em termos de transferência de renda às pessoas, de recursos aos entes subnacionais e de apoio na forma de crédito, isenção tributária ou subsídio a empresas, inclusive com redução de salários.

Mas não há nenhuma outra medida que, na falta criminosa de vacina em quantidade ao menos razoável, nos tire desta guerra em que estamos enfrentando o vírus desarmados.

Em vez de querer tirar uma casquinha obscena da popularidade dos governadores todos os dias, o presidente que somos condenados a ter no tempo mais grave das nossas vidas precisa ajudá-los, dar-lhes um suporte. Precisa ser obrigado a fazer isso pelo Judiciário, que até já ensaiou fazer isso, mas que precisa fazer cumprir suas decisões, senão viram letra morta.

Bolsonaro precisa ser forçado a endossar o lockdown por um Congresso que até aqui tem sido seu comparsa. Fechado com ele por interesses indizíveis, que nada têm a ver com o dos brasileiros que querem um leito e oxigênio para seus pais, avós e filhos.

O cronograma mentiroso de vacinas de Pazuello, que Queiroga endossou alegremente, fala em mais de 500 milhões de doses de imunizantes de procedência diversa até o fim do ano. Não para em pé nem sequer no que promete para março, incluindo no cômputo 8 milhões de unidades procedentes de um laboratório da Índia que nem concluiu a fase 3 de estudos. Trata-se de uma empulhação criminosa.

Ou o lockdown é assumido como política de Estado pelo Brasil, como foi com desassombro por países tão diversos quanto Nova Zelândia, Portugal, Chile e Alemanha, ou amanhã teremos de lidar com números mais sombrios. E por muito tempo, já que Bolsonaro zombou da pandemia, pisoteou cadáveres, desdenhou vacinas e nos trouxe até aqui.

Baixo nível que nos 'governa'

Você não vai fazer lockdown no Nordeste para me foder, né?

Pergunta de Bolsonaro na "sabatina" da médica Ludhmila Hajja  

Alguém acha que se Bolsonaro perder as eleições contra Lula irá passar a faixa pacificamente?

A possível foto do capitão Bolsonaro passando pacificamente a faixa presidencial ao ex-presidente Lula percorreria o mundo. E é isso que o presidente tentará evitar. Já recém-eleito em 2018 começou imediatamente a colocar em dúvida a legitimidade das urnas e exigiu o voto impresso. Chegou a dizer que se os votos não fossem manipulados ele teria vencido no primeiro turno e que tinha provas disso, mas nunca as apresentou. E desde então deixou claro que se perder o próximo pleito e ainda mais agora com a possibilidade de que Lula seja o vitorioso, não aceitará pacificamente os resultados.

Não por acaso, desde que surgiu de surpresa a possibilidade de que Lula possa disputar as eleições, Bolsonaro tem afirmado que só ele pode impor o estado de sítio no país. Falou novamente da possibilidade de um golpe, de que ele conta com “seu Exército”.

Bolsonaro nunca apareceu tão nervoso e agressivo ao mesmo tempo em que se apresentou de repente como o defensor da vacina, enquanto abre uma guerra contra os governadores aos que acusa de ser os responsáveis pela tragédia da pandemia por permitirem medidas restritivas para tentar conter o drama da covid-19 cada vez mais perigosa e agressiva.


A única coisa que preocupa o capitão desde que foi eleito é assegurar sua reeleição no ano que vem. Contra isso, o presidente é capaz de atropelar todas as liberdades e de voltar a acariciar seu sonho de implantar uma nova ditadura militar. Não é por acaso que a cada dia seu Governo aparece mais militarizado e que no boletim do Clube Militar do Rio de Janeiro tenha se defendido que a maioria dos brasileiros “tem saudade da ditadura”. Algo que todas as pesquisas nacionais desmentem mostrando que 70% dos brasileiros são favoráveis à democracia.

Bolsonaro voltou esses dias à cínica filosofia de que “a liberdade é mais importante do que a vida”. Só que ele falar de liberdade soa a sarcasmo. Pelo contrário, para ele o conceito de liberdade não existe. A primeira vez que ele falou de liberdade significou liberdade para infringir as leis restritivas contra o avanço da pandemia. Bolsonaro não entende de filosofia e não sabe o que é um silogismo e um sofismo. Seu forte não é o raciocínio e a reflexão e sim a impulsividade das armas e a exaltação da violência em todas as suas vertentes.

Quando o presidente defende que a liberdade vale mais do que a vida não está fazendo uma reflexão filosófica. Está só pensando na liberdade que suas hostes negacionistas pedem para desobedecer às normas impostas pela ciência e a medicina em meio à maior tragédia sanitária da história do Brasil.

Bolsonaro tem pavor de perder votos de suas hostes se apoiar as medidas necessárias não só para prevenir o contágio pessoal, como também para impedir o dos outros. Chega a defender que é melhor morrer e expor os outros à morte do que impedir as pessoas de burlar essas normas ao bel-prazer. Sua única obsessão é a de poder perder as eleições e por isso despreza a vida dos outros para salvar seu poder.

Bolsonaro falar da liberdade mesmo à custa de colocar em perigo a própria vida é risível e soa mais à fraude. Se há hoje no Brasil um político que despreza a liberdade é o presidente cujo vocabulário está repleto de palavras como golpe, ditadura, guerra contra a liberdade de expressão e perseguição dos direitos humanos. De guerra contra a liberdade das pessoas de escolher suas preferências sexuais e de negar que os diferentes tenham direito à sua liberdade de sê-lo.

A palavra liberdade na boca do negacionista e genocida já nasce podre e corrompida.

A única forma de liberdade para ele é justamente a de perseguir as liberdades que forjam uma sociedade verdadeiramente democrática onde não existe valor maior do que a vida.

O presidente alardeia o uso de Deus para seus planos de poder e para ganhar os votos da grande massa dos evangélicos. Ele, que gostaria de trocar a Constituição pela Bíblia, deveria se lembrar que nos textos sagrados Jesus define a si mesmo como “o caminho, a verdade e a vida” (João, 14,16).

Bolsonaro despreza exatamente esses três conceitos. Em vez de ser o caminho, ou seja, o guia de uma sociedade justa e livre, é o motor da confusão e do desgoverno. Em vez de ser o representante no país da verdade é o semeador da mentira, cultor da nova moda das fake news. E em vez de ser o defensor da vida chama de covardes os que se protegem do vírus e fazem sacrifícios para continuar vivos.

Não existe no presidente que está conduzindo o país a uma catástrofe um só instinto de vida. Seu abecedário é o da morte e da destruição como revela sua paixão pelas armas, expressão da morte e da violência. Que Bolsonaro coloque um falso conceito de liberdade como mais importante do que a vida é a melhor constatação do que já havia confessado: “Eu não nasci para ser presidente. Minha profissão é matar”.

Bolsonaro poderá um dia ser levado aos tribunais internacionais acusado de não ter impedido com sua negação da pandemia e seu desprezo pela vacina encher os cemitérios de mortos. A única verdadeira liberdade que ele pratica é a de abandonar o país a sua própria sorte para não perder o poder.

O certo e cada vez mais indiscutível é que o Brasil, desde o fim da ditadura e volta à democracia, nunca esteve tão perto de uma nova tragédia política. A espada de Dâmocles de um novo golpe militar não é algo hipotético e sim algo bem próximo. E ainda mais com a chegada inesperada de Lula e a deterioração cada dia maior das instituições que deveriam velar pelos valores democráticos como o Congresso e o Supremo onde está ocorrendo uma verdadeira guerra campal entre os magistrados que deveriam colocar todos os seus esforços na defesa da democracia ameaçada.

Por sua vez, os militares que se comprometeram abertamente com o Governo Bolsonaro e suas loucuras antidemocráticas dificilmente aceitarão aparecer como derrotados. E certamente não permitirão perder essa guerra.

As grandes tragédias dos países começam por ser consideradas como catastrofistas e acabam sempre se realizando quando já não há mais tempo de detê-las.

Cuidado Brasil!

Quem mandou matar Marielle?

Hoje, 14 de março, completam-se três anos do atroz assassinato da jovem ativista negra vinda da favela, Marielle Franco, e sobre sua tumba continua ameaçador o silêncio sobre quem foram os mandantes de sua morte. Escrevi em outra coluna que Marielle morta poderia acabar sendo mais perigosa do que viva. Talvez seja necessário uma mudança no Governo de morte de Bolsonaro para que por fim saibamos com certeza quem matou a jovem e por quê. E então o Brasil poderá, por fim, fazer justiça da bárbara execução.

Para isso será preciso que chegue um presidente não comprometido com o submundo das milícias do Rio e que chegue um Governo realmente democrático que descubra o mistério de sua morte e, por fim, faça justiça levando aos tribunais os culpados hoje escondidos nos porões sombrios do poder.