Crises às vezes transformam governantes medíocres em líderes. Em outras ocasiões, trituram aqueles que, por falta de sorte, noção ou sei lá o quê, vão parar no lugar errado na hora errada. Já deu para perceber que estamos mais próximos do segundo caso. Há uma inquietação geral, no governo, Congresso e arredores, em relação ao comportamento de Jair Bolsonaro nos próximos dias, quando o pior pode acontecer e o país entrar em colapso sanitário total, virando uma grande Manaus.
A situação já é, por si só, dramática. E chegamos a ela com uma considerável colaboração do presidente da República, que contagiou parte da população com seu negacionismo, rejeitando medidas de isolamento e até máscaras, ignorando a dor dos que perdem parentes e amigos, negligenciando nas providências mais óbvias de prevenção e atendimento, inclusive a compra de vacinas – que teria que ter começado a ser negociada muitos meses antes do que foi. Mas, mesmo quando achamos que as coisas não podem mais piorar, que mais de 1.800 mortos num dia só é o limite, elas pioram.
As próximas semanas serão, segundo os especialistas, as piores da pandemia. Rezemos para que estejam errados, mas até agora eles têm acertado. O que nos leva a temer não só por nossas vidas e as daqueles que amamos, mas também pelo país, presidido nesse momento pelo sujeito mais inadequado que se poderia imaginar, alguém absolutamente incapaz de ter empatia com o sofrimento, uma figura saída do pior dos pesadelos. O que fará Jair Bolsonaro?
O agravamento das últimas semanas, com alta galopante no número de mortes e contaminações, falta de UTIs, lentidão na vacinação, entre outros problemas, foi recebido pelo presidente da República com a aparente insensibilidade de sempre. Mas Bolsonaro, como aquele sujeito que briga com a mulher e sai chutando o cachorro, passou a um ativismo tresloucado, talvez na esperança de desviar o foco – como se alguém em sã consciência pudesse desviar o foco da morte. Além de culpar a mídia pelo “pânico”, o presidente acirrou o conflito com os governadores, demitiu o presidente da Petrobras, zerou os impostos sobre o diesel, aumentou os impostos dos bancos, resolveu privatizar de supetão a Eletrobras e os Correios.
O que mais fará Jair Bolsonaro, que investiu com um discurso pesado contra os governadores que retomaram medidas de isolamento e lockdown? Sentindo-se acuado e atropelado, recorrerá a algum drible na Constituição e na lei, como a decretação imotivada de estado de emergência ou de sítio? Vai pedir aos caminhoneiros amigos para que, sim, façam greve para acirrar os ânimos ou atrapalhar a vida de governadores adversários? Vai chamar os militares para cercar alguém? Eles provavelmente não irão, se a missão os afastar da Carta. Mas, e se?
Não conseguimos imaginar como ele, candidato à reeleição, vendo sua popularidade sangrar, irá reagir. Mas o presidente já entrou claramente no modo desespero. Sabe-se que há uma turma, no Planalto, tentando acalmá-lo. Vai? O que não se pode esquecer é que um chefe de Estado e de governo, no presidencialismo, tem poderes imensos, uma caneta que, tresloucada, pode trazer muitos prejuízos à política, à economia, à democracia.
Atravessando a rua, chega-se ao Congresso, que, mesmo sob nova direção, tem um papel a cumprir nesse roteiro. É possível que, como ocorreu na fase 1 da pandemia, com a Câmara de Rodrigo Maia e o Senado de Davi Alcolumbre, o Legislativo torne-se o protagonista de medidas importantes no combate à pandemia. No outro canto da Praça, também o STF, com decisões sobre vacinas, ações do Ministério da Saúde e isolamento, deve seguir na mesma toada.
O importante agora, porém, é que, diante do modo desespero, Legislativo e STF, vigilantes, estejam prontos a exercer com firmeza aquele papel constitucional que lhes cabe no sistema de “freios e contrapesos” da democracia representativa.