quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Não há mais governo


Novas delações premiadas complicarão o cenário. Prováveis acusados buscam mecanismos para garantir o foro privilegiado

O projeto criminoso de poder está com os dias contados. Deixa como legado escândalos e mais escândalos de corrupção, uma estrutura de Estado minada pela presença de milhares de funcionários-militantes, obras super-faturadas (e inacabadas) e um país paralisado. Sem esquecer que produziram a mais grave crise econômica do último quarto de século.

Ao longo de 12 anos, conseguiram organizar um aparato de proteção nunca visto na nossa história. Quiseram transformar as mais altas Cortes de justiça em braços do partido. Os meios de comunicação de massa foram sufocados pela propaganda oficial. Os bancos e as empresas estatais foram convertidos em correias de transmissão dos marginas do poder, como bem definiu, em um dos votos da Ação Penal 470, o ministro Celso de Mello. Não houve nenhum setor da sociedade sem que a presença do projeto criminoso de poder estivesse presente. Pelo medo, poder e omissão de muitos (empresários, jornalistas, políticos, intelectuais, entre outros), conseguiram impor a ferro e fogo sua política.

Deve ser recordado que, ao terminar seu segundo mandato, Lula era avaliado positivamente pela ampla maioria dos brasileiros. Diziam que seria candidato a secretário-geral da ONU ou a presidência do Banco Mundial. Tudo graças a sua sensibilidade social, aos êxitos econômicos e à preocupação com os mais pobres. Hoje, sabemos que no mesmo período o petrolão alcançou seu ápice e bilhões de reais foram roubados do Tesouro, no maior desvio de recursos públicos da história da humanidade. Os que denunciavam a pilhagem do Estado eram considerados enragés. Não foi nada fácil remar contra a corrente e enfrentar a violência governamental e de seus asseclas. Como em outros momentos da nossa história, já está chegando o dia de o passado ser reescrito. Muitos dos que se locupletaram vão se travestir em adversários ferrenhos do lulismo. Haja hipocrisia.

Vivemos a crise mais profunda dos últimos 60 anos. Em 1954, tudo acabou sendo resolvido em menos de três semanas, entre o atentado da Rua Tonelero (5 de agosto) e o suicídio de Getúlio Vargas (24 de agosto). No ano seguinte, em novembro, o país teve três presidentes, mas a crise foi logo solucionada. Em 1961, a renúncia de Jânio Quadros — que quase arrastou o Brasil a uma guerra civil — foi solucionada em duas semanas, com a posse de João Goulart, a 7 de setembro. Três anos depois, o mesmo se repetiu, e a 11 de abril, com a eleição de Castelo Branco pelo Congresso Nacional, foi resolvido o impasse político. Em 1992, o momento de crise mais profunda ficou restrito a três meses, entre julho a setembro, quando a Câmara autorizou a abertura do processo de impeachment do presidente Fernando Collor.

A crise atual é mais complexa — e mais longa. No tempo poderia ter uma data: a vitória de Eduardo Cunha, a 1º de fevereiro. A candidatura Arlindo Chinaglia empurrou Cunha para os braços da oposição — até então muito fragilizada, mesmo após o excelente resultado obtido no segundo turno por Aécio Neves. As revelações diárias sobre a extensão do petrolão ampliaram a crise, pois estabeleceu conexão entre o escândalo, as lideranças históricas do partido e o financiamento eleitoral, inclusive da campanha presidencial de 2014, em que propina virou doação legal.
As novas delações premiadas vão complicar ainda mais o cenário. Prováveis acusados estão, preventivamente, buscando mecanismos para garantir o foro privilegiado, temendo serem presos. E a instalação das CPIs do BNDES e dos fundos de pensão vão ter de devassar as relações do projeto criminoso de poder com a burguesia petista, aquela do capital alheio, do nosso capital, entenda-se.

O aprofundamento da crise econômica — com dados que tinham sido escondidos pelo governo, especialmente durante a última campanha eleitoral —, a divisão da base política congressual — inclusive de partidos que tem presença no governo, como a PDT e PTB —, as sucessivas derrotas em votações no Congresso relacionadas ao ajuste fiscal, a impopularidade recorde de Dilma, o desespero do PT, e o esfarelamento da liderança de Lula sinalizam claramente que não há mais governo. O que é bom e ruim. Ruim, pois este projeto de poder fará de tudo para permanecer saqueando o Estado; bom, porque os brasileiros romperam o feitiço de mais de uma década e, finalmente, entenderam o mal representado pelo lulismo.

Na última quinta-feira, era esperado que o PT reconhecesse os erros e apontasse para alguma proposta de negociação, de diálogo com a oposição. E mais, que buscasse apoio dos 71% de brasileiros que consideram o governo ruim ou péssimo. Não o fez. Satanizou a oposição. Associou 1964 a 2015. Tachou a oposição de golpista. Ironizou os protestos. Conservou a política do conflito, do nós contra eles. Isso quando estão isolados e sem nenhuma perspectiva, mesmo a curto prazo, de que poderão reconstruir sua base política.

A gravidade do momento e o autismo governamental obrigaram as oposições a se mexer. A necessidade de encontrar uma rápida saída constitucional para a crise é evidente. A sociedade civil pressiona. As manifestações do próximo dia 16 vão elevar a temperatura política. Quanto mais tempo permanecer o impasse, pior para o Brasil. Se 2015 já está perdido, corremos o sério risco de perdermos 2016 e 2017.

É inegável que Lula e o PT já estão de mudança para o museu da história brasileira. Mais precisamente para a ala dos horrores — que é vasta. Será necessário reservar um espaço considerável. Afinal, nunca na nossa história um projeto político foi tão nefasto como o do lulismo.

Marco Antonio Villa

A locomotiva de Ricardo

 Dei aulas no Middlebury College, em Vermont, Estados Unidos, e aproveitei a oportunidade para visitar Dick Moneygrand, que, como o escritor Saul Bellow, ali reside numa propriedade cercada de plátanos.

Fomos recebidos pelo velho amigo e sua mais recente esposa, a bela Claire Maranda, uma canadense francesa aparentada do meu ex-colega harvardiano Pierre Maranda. Foi de Claire que recebi a triste notícia da morte do amigo, ocorrida no dia 5 de julho. Notícia a ser sublimada por uma grave dose de uísque com a bênção de tio Silvio. Para ele, beber moderadamente era essencial na travessia deste vale de lágrimas.

— E o Brasil? — foi logo dizendo Moneygrand. — O que vocês fizeram dele?

— Triste... — respondi duplamente alvejado, pela morte e pela visão distanciada do meu país incapacitado pelo populismo e pelos conchavos movidos a incontroláveis ambições.
A crise do Brasil real tem como centro um grandioso papel (o de presidente da República) massacrado por uma péssima atriz

— Desequilíbrio em todos os setores supostamente racionais e pouco afeitos ao exercício da análise cultural. Fácil falar em remédios financeiros e fórmulas legais, pois, conforme sabemos — continuou Moneygrand. — a última barreira, o derradeiro inimigo, é sempre a cultura: o conjunto das opiniões e de modos de agir que comandam os nossos corações. Ganhamos a guerra contra a escravidão — disse. — Mas o credo igualitário até hoje tenta controlar a competição pelos mais diversos racismos. Suprima-se uma barreira, e outra logo surge, conforme dizia Lévi-Strauss.

— É impressionante como não temos a mais ínfima noção de conflito de interesse. E como ainda tentamos regular o conflito advindo da junção de igualdade e liberdade (acelerado pelas redes sociais que garantem um extraordinário anonimato e uma irresponsável agressão a quem quer que seja) por meio do “Você sabe com quem está falando?”: pelos elos pessoais, abandonando leis e instituições. É chocante como usamos óbvias manifestações de interesses ideológicos na tentativa de justificar atos lamentáveis. No Brasil, a “política” legitima o ilegítimo, dai a indignação relativa aos seus engravatados e gorduchos atores. O redesenho da esfera política passa pela consciência de direitos e deveres de todos para com todos. Liberdade + igualdade são incompatíveis com o favor, com aparelhamento do Estado, com a ignorância, com a má-fé e com as liturgias dos cargos que exprimem um viés hierárquico. Sem reflexão e cabedal, caímos nessa lamentável tentativa de infantilização do povo brasileiro.


— O velho ranço aristocrático do Brasil passou para as esquerdas no poder — disse Moneygrand. — E, hoje, o terrorismo intelectual tenta equacionar a indignação diante das épicas roubalheiras com “ódio” e “retrocesso”. Retrocesso seria não ficar indignado ao ver o Brasil ser mortalmente abatido pelo governo de um partido cuja bandeira era levá-lo, com ética, à justiça social.

— Me dá mais um uísque, Dick! — pedi para ser confortado no fosso da minha depressão.

Falamos dessas coisas desagradáveis e inevitáveis e, do fundo da minha memória, surgiu — como ocorre com os velhos — uma cristalina lembrança.

A memória do dia em que Ricardo, meu quarto irmão, ganhou uma locomotiva de presente de aniversário. O dom que o distinguiu até hoje atravessa a minha vida pela inveja intensa que despertou em nossa irmandade feita de Fernando, Romero e Renato. A nossa irmã caçula, Ana Maria, por razões de severa e preconceituosa demarcação entre o masculino e o feminino, foi poupada.

Quando Ricardo começou a brincar e vimos a locomotiva em todo o seu esplendor de símbolo, jorrava dos nossos corações uma inveja, uma inveja absolutamente pura. Como a que só surge quando um sentimento possui uma pessoa, englobando-a. Pois, como sabemos, tornar-se um adulto é um duro aprendizado de conter e disfarçar tais emoções.

Diante daquela locomotiva, nossos olhos fraternais cruzaram-se e, numa inveja bíblica, quebramos com o martelo de papai o brinquedo. Levamos uma surra, mas ela não liquidou a inveja. Tal como a democracia não acaba com o nosso gosto de opinar, estigmatizar, caluniar e roubar o bem comum.

Na peça de publicidade do PT, vi um excelente ator, José de Abreu, fazendo um pobre papel. A crise do Brasil real tem como centro um grandioso papel (o de presidente da República) massacrado por uma péssima atriz. Há teatro na política, mas política não é teatro. O que não vale é acabar também com a peça, com o teatro e com os espectadores que pagaram caro o ingresso.

Roberto DaMatta

Lágrimas de crocodilo

É verdade, sem sombra de dúvida, que as contas de luz aumentaram e, por isso, nós lastimamos
Dilma
Resultado de imagem para dilma na gargalhada

A UNE não é mais aquela...

Aqueles com mais de 50 ainda guardam a União Nacional dos Estudantes daquela época. Outros, pouquinho mais velhos, lembram do prédio no Flamengo, no Rio, da Casa do Estudante, do refeitório do Calabouço. 

UNE era sinônimo de cultura e de luta por novos conceitos sociais, defesa da liberdade. Não à toa se tornou "perigosa" para a ditadura e o radicalismo de direita - quando o mundo ainda era dividido.

O prédio incendiado era uma mordaça nos anseios da juventude daquela época. Doía sua imagem destruída como reprimenda por pensar melhor. Essa UNE ficou no tempo.

Depois veio a estudantada dos caras pintadas. Não havia mais aquela identidade da velha UNE, Foi às ruas contra Collor em seu melhor momento. E só.

Desse tempo, a estudantada acabou por gerar muitos da petralhada petista. Inclusive seu cacique Lindinho e outros basbaques ainda mais ordinários, lutadores de causas próprias e boquinhas políticas.

Agora existe uma UNE subsidiada pelo petismo, formando os petralhas do futuro, os estudantes profissionais que formarão a tropa de choque do aparelhamento estatal.

É essa UNE com ideias tão ultrapassadas para o mundo atual que promete sair às ruas para a defesa da democracia e pela legalidade (sic). Talvez devessem tais manifestantes estudaram mais, conhecerem a história da própria entidade e a do país intensamente.

Vão às ruas como marionetes, bem pagos e subsidiados, para defender apenas uma suposta democracia do PT. E como paradoxo, ainda defenderão a legalidade que estaria ameaçada por colocar seus petralhas na cadeia. Isso não é mais UNE é apenas mais um braço podre do PT, que desconhece democracia e ainda mais legalidade, quando recebe dinheiro público como cachê de participação.

Sobre patos e gansos

A expressão americana "lame duck" (pato manco) é usada para caracterizar o governante que, ainda no cargo, não vai concorrer à reeleição; perdeu a reeleição; ou, por alguma razão, tornou-se inelegível e não pode disputar a reeleição.
Esta expressão é geralmente usada nos últimos meses de um mandato. O governante já não exerce plenamente suas funções e sofre revezes no Congresso. Os políticos concentram suas atenções nos possíveis sucessores e a mídia se ocupa em esmiuçar as razões do fracasso.

image

O que surpreende na situação atual do Brasil é termos uma presidente "lame duck", nos primeiros meses do seu segundo mandato. E por que isto? Em grande parte, como consequência de uma serie de desacertos (e alguns desatinos) cometidos no seu primeiro mandato. Desafiaria a toda lógica, a presidente conseguir escapar ilesa à concepção da sua chamada "Nova Matriz Econômica".

Ela tentou reintroduzir o nacional-desenvolvimentismo, com a reinvenção do intervencionismo estatal, das proteções à indústria nacional, dos favorecimentos fiscais e da inserção artificial da produção nacional. Isto, numa economia que - querendo ou não - é mais aberta e inserida no mundo globalizado.

Ou seja, foram reintroduzidos mecanismos de "estímulo" ao desenvolvimento como se estivéssemos vivendo no contexto da economia fechada, protecionista e intervencionista.

A "Nova Matriz", ao ser leniente com a inflação, estimular o endividamento público e promover graves constrangimentos fiscais, seria uma reedição do nacional-desenvolvimentismo exacerbado do ciclo 1968-1985.

Seria uma espécie de "Síndrome de Estocolmo" - no plano da economia - justamente por parte daqueles que, na época, radicalizaram suas posições contra os governos militares. Assistimos, assim, a uma mixórdia de iniciativas e conceitos contraditórios, que acabou levando o país ao pior dos mundos. Um macabro cortejo de recessão da economia, inflação alta e fora de controle, desemprego e desajuste perigoso das contas públicas.

Claro que está no DNA de certa "esquerda" culpar sempre o mundo, especialmente a "crise internacional" pelos desatinos cometidos pelos seus próprios dirigentes. A América Latina sempre foi pródiga nesse tipo de argumentação e aí estão Venezuela e Argentina caminhando resolutamente para o abismo e que não nos deixam mentir.

Mas acontece que o mundo já se recuperou da crise de 2009, a economia norte-americana vai bem, a China desacelera - mas ninguém poderia esperar que mantivesse para sempre um ritmo alucinante - emergentes crescem e a União Europeia, apesar da crise grega, vai aos poucos se recuperando.

Atrelar o país a um comércio de tipo colonial com a China, de se manter refém de um Mercosul sem nenhuma perspectiva e de menosprezar seu parceiro comercial mais equânime, que são os Estados Unidos, é culpa exclusiva dos nossos governos. E claro que também com a colaboração de um seleto grupo de grandes empresas associadas ao governo nos negócios com os "parceiros preferenciais" da África e América Latina, beneficiadas com recursos do BNDES.

Resumindo a esta ópera de Rossini (ou seria uma peça de Shakespeare?), o país está sofrendo uma pesada crise econômica, que se enreda com uma grave crise política e gera uma crise de confiança que, por seu turno, tende a realimentar o péssimo desempenho econômico. Esse inferno astral em início de mandato acirra obviamente as expectativas quanto ao futuro da nossa "lame duck".

A verdade é que só um político experiente, com visão de estadista e cercado de pessoas de bom senso, poderia reverter o jogo. Teria envergadura para convocar as forças produtivas, politicas e intelectuais para formar um governo de união (ou salvação) nacional. Mas é exigir demais de tantos amadores, que sabemos ser muito mais afeitos à rudeza das políticas sindicais e estudantis.

Resultado de imagem para mamãe dilmacharge

Recorrendo mais uma vez à tradição anglo-americana (reunida pelo francês Charles Perrault e fins do Século XVII), a alternativa que tivemos até agora foi a da figura da "Mother Goose", ou seja, a Mamãe Ganso, autora imaginária de uma coleção de contos de fadas e canções de ninar, as famosas "Mother Goose Nursery Rhymes".

Temos alguém que, diante da crise, está tranquilizando o povo com canções de ninar e pantomimas, tão ao gosto das crianças. De qualquer forma, em apenas seis meses de um novo mandato, estamos perplexos e falando sobre patos e gansos...

Josef Barat

Por que Renan impediu que o circo pegasse fogo

A pergunta que ninguém respondia, ontem, mas presentes múltiplas respostas em todas as especulações, era por que o presidente do Senado, Renan Calheiros, trocou de camisa e passou a jogar no time da presidente Dilma. Afinal, depois de acionar baterias contra o governo, prometendo até dar seguimento a um eventual processo de impeachment contra Madame, se a Câmara assim decidisse, o senador alagoano saltou de banda. Declarou que dar prioridade ao impeachment seria botar fogo no país. E mais: apresentou um elenco de 28 propostas de recuperação nacional que fizeram a alegria do ministro Joaquim Levy. Propôs uma trégua e acrescentou que o Congresso sequer deve priorizar a análise das contas de Dilma no ano de 2014.

Patriotismo? Preocupação com os rumos da crise capaz de colocar o Brasil em frangalhos? Concordância em que o PMDB faz parte do governo e deve respaldá-lo? Interesse em participar das benesses do poder?

Ou… Ou ter recebido a promessa de que não será incluído na lista de denuncias do Procurador Geral da República contra parlamentares envolvidos no escândalo da Petrobras?


Fica difícil supor Rodrigo Janot participando desse tipo de barganha, mas é bom não esquecer que a reviravolta de Renan aconteceu logo após o palácio do Planalto haver enviado ao Senado a indicação para o procurador ser reconduzido por mais dois anos de mandato.

Acresce estarem as instituições tão próximas do colapso que todo esforço em favor da pacificação parece necessário. De uma forma ou de outra, a intervenção do presidente do Senado, nas últimas horas, trouxe um refrigério ao governo. Dilma está mais tranquila, ainda que a tempestade continue sobrevoando a Praça dos Três Poderes. Senão neutralizada, encontra-se menos aguda a guerrilha desencadeada pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que não tem duvidas de vir a ser denunciado nos próximos dias ou horas. Aparentemente, separaram-se os interesses dos dois comandantes do Legislativo. Cunha pretende botar fogo no circo, Renan veste a farda de bombeiro.

Será preciso confirmar essas ilações, mas se o Senado servir de anteparo ao caos institucional, de alguma vantagem os senadores se beneficiarão. O prestígio de seu presidente junto aos patamares do poder não livrará alguns de seus integrantes de responderem junto ao Supremo Tribunal Federal, como Fernando Collor. Prevê-se, no entanto, a aprovação de Janot na Comissão de Constituição e Justiça e, depois, no plenário. Haverá ebulição nos debates entre os senadores, mas a atuação de Renan surge decisiva, para a aprovação.

Politica é assim mesmo, cheia de ressalvas e meandros, como também de surpresas. Hoje, porém, o quadro é esse. Amanhã, só Deus sabe.

Alvorada

Amanhece...
E amanhece o desespero...
Dura condenação
Da vida humana!
Angústias a oprimir o coração,
Seguidas como os dias da semana.

Mais vinte e quatro horas
De negrura,
Que o sol nem-há de ver, na sua pressa,
Em vez dum claro apelo,
O pesadelo
Dum sonho mau, que apenas recomeça.
Miguel Torga,

Moinhos de vento e lavadoras a jato


O pior e mais frequente erro em momentos de transformação social é o de ler o futuro com os olhos do passado. As investigações de combate à corrupção mostram que está em curso no Brasil um momento de inflexão histórica.

O olhar obsoleto que boa parte dos agentes políticos insiste em lançar sobre as investigações faz com que o noticiário pareça seguir um roteiro de Miguel de Cervantes, no qual o lendário protagonista Dom Quixote perde em qualidade, bem menos simpático que o original, e ganha em quantidade, pululando por todos os lados dom-quixotes.

O Dom Quixote original viveu na Espanha em um momento de muitas conturbações históricas: Guerra Anglo-Espanhola, peste e decadência econômica. Incapaz de lidar com tais problemas, o cavaleiro decide ver o mundo com olhos do passado e tornar-se herói de uma das novelas de cavalaria que tanto lia.

Apega-se, então, a títulos nobiliárquicos inexistentes, enxerga gigantes em moinhos de vento e ganha o mundo para salvar sua donzela Dulcinea (mesmo sendo ela Aldonza, sua vizinha camponesa, capaz de bem se defender sozinha).

Parte dos investigados da Operação Lava Jato tem usado estratégias ultrapassadas: atacam injustificadamente o procurador-geral da República, classificam investigações como perseguição, cobram do ministro da Justiça a contenção das investigações, fazem sua defesa por meio de órgãos públicos, usam CPIs para pressionar colaboradores e advogados, fazem refém a economia e não pensam no interesse público.

Os investigados do Poder Legislativo são os que têm maior dificuldade de se livrar da miopia do olhar obsoleto, talvez pelo abismo que os distancia da sociedade em transformação que deveriam representar.

Neste cenário, é natural a preocupação com a nomeação do novo procurador-geral. A Constituição prevê que este seja indicado pelo presidente e aprovado pelo Senado. Desde 2003, a fim de evitar influências políticas perniciosas, criou-se o salutar costume constitucional de que seja indicado e aprovado o candidato mais votado na lista tríplice da Associação Nacional dos Procuradores da República.

Na quarta passada (5), a associação elegeu para compor a lista tríplice três nomes de inquestionável excelência: Rodrigo Janot, Mário Bonsaglia e Raquel Dodge. Primeiro colocado, com a aprovação de 81% dos membros, Janot foi indicado pela presidente da República.

Cabe agora ao Senado aprovar a sua recondução. Apesar de mais de 1/7 de seus membros –inclusive seu presidente– ser investigado na Lava Jato, espera-se que um dos gritos de indignação de junho de 2013 (contra a PEC 37) ainda ecoe pelas paredes daquela Casa.

Caso contrário, resta uma última lição de Cervantes. Ao retornar a sua vila, Dom Quixote chega a uma triste constatação: não era herói. Pior ainda, não havia mais heróis de cavalaria! Aqueles que insistirem em impor seu olhar obsoleto a uma sociedade em transformação podem chegar à mesma constatação do melancólico cavaleiro. Não há heróis. Há apenas o exercício honesto e competente de funções públicas.

O Brasil vai explodir


O grave momento político atual causa profunda desilusão e revolta na maioria silenciosa do povo brasileiro. A cada dia surgem notícias de novos escândalos, novos envolvimentos de autoridades, mentiras, violência. Os protestos nas redes sociais, na mídia e nas ruas não são considerados pelos governantes, pelos partidos e pelos políticos. O Brasil assiste, impotente e irado, o espetáculo imoral de grupelhos usando, ilegitimamente, suas posições institucionais para preservar o poder e a riqueza acumulada de forma corrupta, sem se preocuparem com o bem estar e o progresso da nação.

A solução para a crise que enfrentamos passa, necessariamente, pela solidariedade do povo ofendido para com o ideal da promoção do bem comum. No entanto Brasil está cada vez mais despossuído de sonhos, esgarçado nas suas ligações afetivas, perdidos pela desconfiança generalizada que cada cidadão nutre pelos outros. O povo só reage às freqüentes noticias de desgoverno e de corrupção ou com o deboche que a nada conduz, ou com o ódio crescente que a tudo pode vir a destruir.

Com o fracasso e o desaparecimento dos partidos políticos, restaria a esperança de lideranças esclarecedoras da situação e aglutinadoras da nação em torno de um projeto de país livre e justo, tais como fizeram os grandes nomes da nacionalidade, em um passado recente: Franco Montoro, Tancredo Neves, Juscelino Kubitheck, Getulio Vargas. Onde estão se escondendo os seus sucessores?

Na ausência de partidos, de lideranças, de idéias norteadoras de ações, estamos nos encaminhando, celeremente, para o caos.

É moralmente legitimo que um eleitorado, humilhado e enganado por um governo e um partido político, exija a imediata substituição dos que os enganaram e roubaram. Isto não é “golpe” como querem alguns – é o resultado da reflexão por parte do povo e do que resta de suas autenticas lideranças locais, dispersos no anonimato das pessoas envergonhadas e sofridas, que pretendem usar os instrumentos legítimos e legais, oferecidos pela Constituição, que prevê punição e substituição de maus governantes.


O Brasil real está parando com cada vez mais desempregados, inflação em alta, produção em baixa, investimentos insuficientes, a confiança se esvaindo pelos desvãos da nefanda prática política. Levaremos anos para recuperar a destruição praticada.

Estamos a um passo de uma explosão de revolta radical e justo protesto de uma população que, mais dia menos dia, vai reagir. Os atuais governantes e políticos que atuam na área federal, deveriam começar a correr – todos. O povo quer uma substituição radical – saiam, pois todos são, de alguma maneira, culpados pelo estado de anarquia a que chegamos.

É preciso pensar em opções para a crise, como é o caso prioritário de necessárias novas eleições gerais, comandadas pelo Supremo Tribunal Federal. 

Acossados pelo clamor popular, reunindo o que resta da dignidade que talvez ainda possuam, ou pelo medo físico de uma população furiosa, este Congresso que aí está trataria de votar, antes de se auto-extinguir, com a máxima urgência, uma decente reforma política prévia, sem financiamento privado das campanhas, com clausulas que indiquem as condições honestas para a criação de novos partidos com expressão nacional, já que os atuais deverão ser extintos.

Já se fez muitas análises, já se falou e se escreveu demais, temos as informações necessárias, possuímos mulheres e homens capacitados, patriotas, honestos, prontos para contribuírem para o soerguimento nacional – basta que lhes seja oferecida uma oportunidade. Sabemos da roubalheira, sabemos das intenções de instauração de formas de poder incompatíveis com as tradições democráticas do Brasil, sabemos dos conchavos, das meias verdades, mas poderemos conhecer, também, quem são as pessoas confiáveis, dignas e competentes, em quem se pode votar neste momento de recuperação da dignidade nacional – caras novas.

Chega de incompetência e de corrupção. Basta de canalhas dirigindo os destinos do Brasil. Não queremos e não podemos mais admitir este estado de anarquia nacional.