domingo, 4 de setembro de 2022

Pensamento do Dia

 

Mikhail Zlatkovsky (Rússia)

Bolsonaro e o cofre público que não tem dinheiro vivo

A fragilidade das instituições básicas está reconhecida na longa preocupação com um golpe e, mais recentes, nos atos que se levantam em defesa do Estado democrático.

Tal fragilidade não se efetiva só na intolerância da classe armada à prática da democracia: as próprias instituições constitucionais não funcionam. Ou, se o fazem, funcionam mal quase sempre, até quando pretendem proteger o regime.

É o que se deve observar na atual disputa pela Presidência — uma aberração monstruosa.

Bolsonaro não poderia estar em disputa eleitoral. Sua candidatura é ilegítima. Os delitos quase diários que enfileira não deixaram de ser delitos por se tornarem aceitos, à força da repetição mas, sobretudo, à falta de que as instituições determinadas pela Constituição — Congresso, Judiciário e Procuradoria-Geral da República à frente — cumpram o seu dever.

Ainda assim, quando conclui todo um mandato de liberdade criminal, Bolsonaro está diante de um obstáculo que seu privilégio ridiculariza: a Lei da Ficha Limpa. Vale para numerosos aspirantes à eleição, desde vereador. Para Bolsonaro, a fileira de delitos não faz intervalo nem na reta final da campanha pela reeleição. Quando a ideia de reeleição é em si mesma, no seu caso, delito moral contra o país.

A 30 dias da votação, dois competentes repórteres e o UOL comprovam 51 negócios imobiliários feitos a dinheiro vivo pelos Bolsonaro. A Juliana Dal Piva e Thiago Herdy segue-se um ex-servidor de Bolsonaro, Marcelo Nogueira, com informações sobre o "dinheiro por fora" na compra de uma casa pelo patrão, no Rio. Os valores declarados das compras são todos muito abaixo dos preços de mercado.


A Bolsonaro bastou um deboche: "Qual é o problema de pagar com dinheiro vivo?". Tem razão, aliás. Não é problema, é corrupção. Muito bem indicada na dinheirama que não pôde deixar rastro, como também as pegadas de quem levou o dinheiro vivo até um Bolsonaro.

E o que vem na chamada mídia, por ser Bolsonaro, é conhecido: a notícia cuidadosa passa à discrição, e logo surge algo para mudar a conversa. Se faltar, como diz Bolsonaro, não há problema. O PIB completado em junho, por exemplo, é saudado em setembro com o verbo no presente: cresce, recupera, retoma.

As compras a dinheiro já estão atribuídas à ex-mulher, ao ex-cunhado, irmão, mãe falecida. A atribuição é até novidade, porque o apoio ao garimpo ilegal, à apropriação de terras públicas e de indígenas, a relação com milicianos, cloroquina e mortes, as rachadinhas, o desmatamento e o contrabando de madeira, chegando a tramoias legislativas para mineração com aparência legal na Amazônia, tudo isso que produz muito dinheiro vivo nem precisou dos tais laranjas. Foi feito, e pronto.

A par dos seus interesses pessoais e familiares, Bolsonaro se empenhou em uma tarefa sem precedentes: desmontar o sistema de administração pública. "Menos R$ 1 bilhão para educação básica em 2023" e "Governo corta 42% da Saúde na proposta de Orçamento 2023" são títulos do Globo e da Folha na mesma sexta-feira.

Não é preciso dizer mais sobre a recusa às obrigações sociais do governo, um crime que se junta às monstruosidades durante a pandemia. Todo o dispositivo de vigilância patrimonial, a estrutura universitária, a proteção a direitos, conservação ambiental, inovação industrial, redução das várias desigualdades, enfim, toda a engrenagem que move o país foi quebrada. Sem custo algum para Bolsonaro.

Do Congresso recebeu proteção e apoios. No Judiciário, os ímpetos de um e de outro não atenuam a passividade da mais que duvidosa conveniência de não "desestabilizar" o país. Sem se indagar que estabilidade seria essa, de um país em devastação geral, nas mãos de um governo delituoso, deliberadamente delituoso.

O complemento é perfeito. Bolsonaro está em campanha diária, por todo o país, com os recursos dos cofres públicos. A cada dia um "evento oficial" dispensa de gasto. Nossos impostos custeiam o que a maioria não quer. E a essa igualdade de condições estamos forçados a chamar de eleição democrática.

A ditadura ruralista

Poderíamos também chamá-la "A Ditadura dos Latifundiários"! O fato é que uma minoria que detém privilégios medievais e representa menos de 2% da população brasileira domina o Congresso Nacional, que deveria ser do POVO, caso vivêssemos, de fato, em uma DEMOCRACIA, e determina os destinos de nossa Nação. Isso, diante dos olhos de toda população brasileira, atônita, ignorante e apática! Isso, diante dos olhos do Poder Judiciário, omisso e inoperante, e que deveria ser o baluarte do Estado de Direito e da Democracia.

Falo, é óbvio, da fragorosa derrota da inteligência contra a burrice, da aprovação de um projeto indecente que permitirá a eliminação de 50% da Floresta Amazônica, esse arremedo de código florestal que só beneficia os poderosos, escondidos covardemente em sua máscara de defensores dos pequenos agricultores do Brasil. Falo dessa excrecência legal que anistiará todos os crimes cometidos contra nossa maior riqueza, o Meio Ambiente, que agora estará exposto e vulnerável a novas investidas da motosserra contra o que resta do Cerrado e da Amazônia. Já na expectativa desse assalto, os ruralistas aumentaram, só em Mato Grosso, em 96%, a devastação do pouco que resta naquele estado do Blairo Maggi...

Quem perde nesse "negócio entre iguais" (aqueles que se acham "mais iguais do que os outros") é a Nação Brasileira, é o Povo Brasileiro, são as gerações vindouras, que não terão direito aos recursos naturais que herdamos de nossos pais e que estamos usurpando de nossos filhos! Os estúpidos ruralistas não percebem que esse "tiro no pé" os atingirá também, e muito mais breve do que se imagina... as mudanças climáticas já são evidentes em todo o planeta, e serão aceleradas agora, no momento em que as mais importantes conquistas ambientalistas são jogadas na latrina da História do Brasil.

Justamente no momento em que o Mundo toma consciência do desastre ecológico que se avizinha, no ano em que se realizará no Brasil a "RIO+20 - Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável", o Brasil dá esse terrível passo em falso e entra na contramão da História, demonstrando que não somos dignos de nos considerarmos uma Nação Contemporânea, Moderna, comprometida com a preservação da vida no planeta. Demonstramos que somos ainda subdesenvolvidos intelectualmente e não somos dignos de compartilhar da Comunidade Internacional. Todos os esforços diplomáticos para nos alçar à categoria de Nação do Primeiro Mundo, de liderança desse processo único da História, foram definitivamente perdidos.

O mais irônico é que estamos destruindo nosso maior patrimônio: os recursos naturais! Pouquíssimas são as nações que podem se comparar ao Brasil em riquezas naturais: biodiversidade, geodiversidade, solos férteis, água em abundância... e estupidamente querem esses traidores da pátria acabar com tudo e nos transformar em uma imensa terra devastada pela soja, pelo gado, pela cana de açúcar, pelas valas escavadas das montanhas, pelos rios poluídos e mortos, servindo a interesses inconfessáveis dos ruralistas, das mineradoras, das madeireiras e de toda corja de políticos corruptos, seus porta-vozes.

Pois essa ditadura é muito pior do que a ditadura miitar que esfacelou com a sociedade brasileira nos anos 60 e 70 do século passado. Aquela era ideológica, nefasta como todas as ditaduras, mas passou; e o povo brasileiro se recompôs das tragédias, das perdas de vidas humanas. Esta, a Ditadura dos Ruralistas, demonstra que somos incapazes de preservar um estado de direito, de justiça social e de respeito ao cidadão e à Natureza, e seus efeitos serão sentidos para sempre, inexoráveis, irreversíveis...

Apesar de todas as manifestações de intelectuais, ambientalistas, cientistas e especialistas em meio ambiente, o Congresso demonstrou que não é digno do povo que o elegeu, e que o povo não é digno para escolher corretamente os seus representantes. Essa é a falência de nossa parva "democracia" e a ascensão definitiva da classe abastada e ignorante ao poder. Enquanto isso, os abestalhados magnatas do gado e da agroindústria estarão festejando essa Vitória de Pirro, acreditando que o tempo lhes será favorável para usufruir do que nos foi roubado, à luz do dia e dos holofotes da imprensa nanica que temos em nosso país. Nem mesmo os jornalistas são dignos de respeito, pela sua omissão e indiferença.

Que o futuro tenha pena de nós.
João Carlos Figueiredo

Os Bolsonaros já fizeram sua independência

Nelson Rodrigues — que anda atualíssimo — dizia faltar "espanto político" ao Brasil. Com seu estilo inconfundível, deu um exemplo:

"Se baixassem um decreto mandando a gente andar de quatro —qual seria a nossa reação? Nenhuma. (...) Cada um de nós trataria de espichar as orelhas, de alongar a cauda e ferrar o sapato. No primeiro desfile cívico, o brasileiro estaria trotando na Presidente Vargas, solidamente montado por um Dragão de Pedro Américo. E seria lindo toda uma nação a modular sentidos relinchos e a escoucear em todas as direções".

A citação ao quadro "Independência ou Morte!" lembra as comemorações deste Sete de Setembro, que sob o governo Bolsonaro seguem as regras da vergonha e do assombro. Última cartada da campanha que não vê o presidente subir nas pesquisas ou mais um movimento estratégico em direção ao golpe, o desfile do bicentenário —que no Rio trocou a Presidente Vargas pela avenida Atlântica, em Copacabana— foi sequestrado politicamente, a exemplo das cores verde e amarela da bandeira e da camisa da seleção.


As Forças Armadas preparam uma programação de oito horas (!) na praia. Se fizer sol, haja protetor solar e água de coco. Salto de paraquedistas na areia, salvas de canhão no forte do Posto 6, apresentação da Esquadrilha da Fumaça, parada naval ao longo da costa. A motociata do candidato à reeleição sairá do Monumento dos Pracinhas, no Flamengo, para encontrar, no gran finale, velhas viúvas da ditadura carregando cartazes de intervenção militar e pedindo o fim do STF. Os custos da farra patriótica não foram informados.

O que menos importa a Bolsonaro é o Brasil. Sua independência e a do seu clã ele já conseguiu, influindo na compra de 107 imóveis, entre os quais a mansão de R$ 6 milhões do filho 01 e outra de R$ 3 milhões da ex-mulher. Metade do patrimônio foi adquirida com uso de dinheiro vivo. Isso sim é um espanto.

Civilização?


Suspeito que falta ainda muito para se inscrever nos dicionários o exato sentido da palavra civilização
Carlos Drummond de Andrade

O golpe do 7 de Setembro

Quis o destino, a conjunção dos planetas ou simplesmente o azar, que a comemoração do Bicentenário da Independência coincidisse com a campanha de reeleição do presidente Jair Bolsonaro, usurpador das cores nacionais. Além de roubar a maior data nacional, ele vai transformá-la em um mega-comício eleitoral pago com dinheiro público, algo nunca antes visto nos quase 133 anos de República.

Já utilizado pelo presidente para atacar as instituições, o 7 de Setembro de agora está sendo tratado pela campanha bolsonarista como definitivo para reverter a desvantagem em relação ao líder Luiz Inácio Lula da Silva. Os organizadores nem mesmo se deram ao trabalho de esconder o propósito eleitoral da festa. A convocação para ir “às ruas pela última vez” foi feita durante a convenção de lançamento oficial da candidatura, em julho, na qual Bolsonaro renovou ameaças golpistas contra “os poucos surdos de capa-preta”, em referência aos integrantes do STF. De lá para cá, incrementou-se o mix proposital entre o oficial e o eleitoral, com idas e vindas das Forças Armadas quanto ao modelito das comemorações.


Promete-se um Bolsonaro comportado. Ele evitaria discursos agressivos como os do ano passado, quando afirmou que não cumpriria decisões judiciais, disparando todo tipo de petardo contra o Supremo e seus ministros, em especial ao “canalha” Alexandre de Moraes. A ver.

O comedimento pode até prevalecer pela necessidade de arregimentar eleitores, boa parte crítica ao estilo belicoso do presidente.

No Rio, onde fez sua bem sucedida carreira política, Bolsonaro obteve 58,2% dos votos no primeiro turno de 2018, vencendo em todos os municípios do Estado, só em 10 deles com menos de 50%. Agora, está suando litros para tentar reduzir a diferença de seis pontos percentuais que o separam de Lula. Entre os fluminenses, Lula tem 41% das intenções de voto versus 35%, segundo o último Datafolha.

A comemoração oficial-eleitoral na deslumbrante Copacabana, cartão-postal do Brasil, pode ajudá-lo também em outras praças. As imagens do 7 de Setembro afanado serão insistentemente exibidas – não como uma festa do Brasil, mas de apoio ao presidente. Bolsonaristas ou não, os brasileiros na praia e as famílias que levarem seus filhos para ver o desfile de navios de guerra e os aviões soltando fumaça nos céus serão incluídos nas cenas.

Em São Paulo, onde Bolsonaro não pretende pisar neste 7 de Setembro depois dos tiros no pé de 2021, as manifestações de seus apoiadores devem ocorrer de forma mais branda. Mas, para evitar qualquer hipótese de confronto, o governador Rodrigo Garcia (PSDB), também candidato à reeleição, antecipou para o dia 6 a reinauguração do Museu da Independência, no Ipiranga.

Maior colégio eleitoral do país, com 34,6 milhões de votantes, São Paulo é tido como antipetista por natureza – uma balela que não resiste à história concreta determinada pelas mais de duas décadas de polarização com os tucanos. No estado, Bolsonaro vem conseguindo tirar pontos de Lula. Em duas semanas a diferença entre os dois caiu de 13 para 5 pontos percentuais. Isso se explica menos pelo crescimento dos candidatos Ciro e Simone, mas sim pela opção do candidato ao governo Fernando Haddad de centrar fogo no adversário Rodrigo e poupar o candidato bolsonarista Tarcísio de Freitas, com quem o petista prefere disputar o segundo turno. Com isso, Bolsonaro surfa.

À exceção do Nordeste, onde continua com uma frente avassaladora da preferência, Lula perdeu pontos, ainda que na margem de erro, em todas as regiões do país. De acordo com o Datafolha, ainda sustenta confortáveis 13 pontos de vantagem sobre Bolsonaro, um presidente rejeitado por 52%. Leva no segundo turno, mas não soma pontos para vencer em primeiro, algo que só entre os fundamentalistas do PT esteve próximo de ocorrer.

O turno único sempre foi ilusão. Lula chegou a 53% dos votos válidos há dois meses, muito antes da campanha televisiva, das sabatinas e dos debates. Sabia-se que ele iria amargar perdas, que os 3 pontinhos eram uma margem estreita demais para cantar de galo. Nesta altura, o PT já deveria estar convencido de que a pregação do voto útil, em vez de atrair eleitores, dissemina antipatias. Do contrário, corre o risco de fazer parecer uma quase derrota a vitória praticamente certa que terá na primeira fase.

Para o 7 de Setembro, a instrução da campanha lulista é para que os apoiadores do ex-presidente evitem provocações. É quase um fique em casa.

Nas ruas, o aparato de segurança jamais visto, tanto em Brasília como no Rio, escancara os riscos da festa eleitoral de Bolsonaro.

Nas urnas, os brasileiros terão a chance de reagir ao golpe do surrupio de sua data nacional, de sua bandeira e de suas cores. Uma parada que, ufa!, o país vai resolver antes da Copa do Mundo do Catar.