sexta-feira, 14 de março de 2025
As portas para pobres e o teste da frigideira
As paredes estão revestidas a madeira escura, há sofás de veludo, uma iluminação suave e obras de arte. A porta está virada para a avenida principal e há um porteiro de dia e de noite no prédio. Mas nem todos os moradores do edifício passam por aquele lóbi que parece saído de uma revista. Nas traseiras, há uma outra entrada. Tem uma porta frágil de alumínio e vidro, um chão de cimento e lâmpadas fluorescentes. Os que entram por aí têm elevadores diferentes, não podem usar a piscina interior nem pagando e até o espaço exterior onde os filhos podem brincar está dividido por um fosso do lugar a que têm acesso as crianças dos que entram pela porta principal.
Chamam-lhes “portas para pobres”. Existem em Londres e foram proibidas em 2015 em Nova Iorque nas novas construções, mas continuam nos empreendimentos construídos até essa data. Em fevereiro, entraram nas notícias em Espanha, a propósito de um debate sobre a norma municipal, aprovada em 2018, que obriga todos os novos empreendimentos a ter 30% de habitação pública. Elena Massot, vice-presidente da Associação de Promotores de Catalunha, atirou para cima da mesa a ideia de ter “dois acessos” nestes novos edifícios “para que toda a gente possa conviver com as condições económicas que lhes sejam mais razoáveis”.
Quem paga os preços de mercado – o preço médio de um apartamento em Barcelona ronda os 700 mil euros – não quer partilhar a entrada do prédio e o elevador com quem beneficia de casas a custos controlados. E Elena Massot não tem sequer vergonha em admitir que estas pessoas lhe estragam o negócio.
Não só quem tem mais dinheiro não quer conviver com os que não estão tão bem na vida, como os promotores precisam de dar aos compradores a ilusão de que as quantidades absurdas de dinheiro que lhes pedem pelas casas fazem algum sentido. A ideia de que, afinal, podem estar só a ser vítimas da especulação tem de ser varrida para debaixo do tapete ou atirada para a porta das traseiras. Para a mascarar, transformam as entradas dos ricos em espaços com ar de lóbi de hotel e fazem o possível para tornar claro que não compensa pagar um custo mais baixo.
As “poor doors” de Londres escondem ainda outra armadilha. O The Guardian conta como os moradores dos apartamentos de custos acessíveis inseridos em blocos de luxo estão confrontados com aumentos no preço dos condomínios que tornam impossível continuarem a lá morar. John Whelan, diretor de um teatro, e o seu companheiro, Alan Crookham, contam ao jornal como já pagam 4 029 libras ao condomínio, o dobro do que pagavam quando compraram o seu T1 em 2021. “É uma injustiça total. Estamos a subsidiar os serviços dos residentes privados”, queixam-se, notando que estão a ajudar a custear os dois “concierges” que trabalham no empreendimento e a manutenção dos jardins pelos quais entram os mais endinheirados. Outro dos moradores desse prédio, um académico chamado Marco Scalvini, diz ao The Guardian que quem vive nos apartamentos de custos controlados está a gastar mais de 40% do seu rendimento só na habitação. “É preciso ganhar entre 80 mil e 90 mil libras para conseguir morar aqui. É chocante”, queixa-se. No seu caso, o aumento do custo do condomínio foi de 77% num ano. Paga agora 8 mil libras.
Num texto sobre “a vida atrás da porta dos pobres”, Kimberly Dawn Neumann, que paga 1300 dólares por um T1 em Manhattan, conta como o desleixo a que foi votada a parte do prédio a custos controlados foi ao ponto de a porta da entrada deixar de fechar, fazendo com que os moradores se cruzassem frequentemente com estranhos que usavam as partes comuns para pernoitar ou vender droga. Kimberly chama-lhe o “Wild Wild Upper West”.
Reparem que estes “pobres” são aquilo a que sempre se chamou classe média, em alguns casos até média alta, tendo em conta não só o seu nível de rendimentos, mas as suas profissões (Kimberly Dawn Neumann é escritora e artista na Broadway). É uma constatação que vai contra todas as promessas de nivelação das classes ou de ascensão social. Uma proletarização que estas classes não só ainda não interiorizaram como é contrária à imagem que têm de si próprias, tantas vezes ainda iludidas com a ideia de pertencerem a uma elite.
A moral desta história é que o mercado da habitação é agora descaradamente amoral. E tem encontrado formas, em todo o mundo, de contornar ou até subverter as poucas políticas públicas que vão sendo criadas para garantir o acesso à habitação.
Mas há outra lição a retirar daqui. Os “pobres”, esses que se querem fora da vista, não são só os mendigos que se enxotam das arcadas, os trabalhadores explorados que vivem nas barracas, as empregadas que vivem nos bairros sociais. Há muito quem ainda não tenha percebido em que classe está. Mas vi há tempos o humorista espanhol Miguel Maldonado propor um teste que me pareceu muito bem visto. “Se para usar uma frigideira tens de tirar outra de cima, é porque não és de classe alta”.
Chamam-lhes “portas para pobres”. Existem em Londres e foram proibidas em 2015 em Nova Iorque nas novas construções, mas continuam nos empreendimentos construídos até essa data. Em fevereiro, entraram nas notícias em Espanha, a propósito de um debate sobre a norma municipal, aprovada em 2018, que obriga todos os novos empreendimentos a ter 30% de habitação pública. Elena Massot, vice-presidente da Associação de Promotores de Catalunha, atirou para cima da mesa a ideia de ter “dois acessos” nestes novos edifícios “para que toda a gente possa conviver com as condições económicas que lhes sejam mais razoáveis”.
Quem paga os preços de mercado – o preço médio de um apartamento em Barcelona ronda os 700 mil euros – não quer partilhar a entrada do prédio e o elevador com quem beneficia de casas a custos controlados. E Elena Massot não tem sequer vergonha em admitir que estas pessoas lhe estragam o negócio.
Não só quem tem mais dinheiro não quer conviver com os que não estão tão bem na vida, como os promotores precisam de dar aos compradores a ilusão de que as quantidades absurdas de dinheiro que lhes pedem pelas casas fazem algum sentido. A ideia de que, afinal, podem estar só a ser vítimas da especulação tem de ser varrida para debaixo do tapete ou atirada para a porta das traseiras. Para a mascarar, transformam as entradas dos ricos em espaços com ar de lóbi de hotel e fazem o possível para tornar claro que não compensa pagar um custo mais baixo.
As “poor doors” de Londres escondem ainda outra armadilha. O The Guardian conta como os moradores dos apartamentos de custos acessíveis inseridos em blocos de luxo estão confrontados com aumentos no preço dos condomínios que tornam impossível continuarem a lá morar. John Whelan, diretor de um teatro, e o seu companheiro, Alan Crookham, contam ao jornal como já pagam 4 029 libras ao condomínio, o dobro do que pagavam quando compraram o seu T1 em 2021. “É uma injustiça total. Estamos a subsidiar os serviços dos residentes privados”, queixam-se, notando que estão a ajudar a custear os dois “concierges” que trabalham no empreendimento e a manutenção dos jardins pelos quais entram os mais endinheirados. Outro dos moradores desse prédio, um académico chamado Marco Scalvini, diz ao The Guardian que quem vive nos apartamentos de custos controlados está a gastar mais de 40% do seu rendimento só na habitação. “É preciso ganhar entre 80 mil e 90 mil libras para conseguir morar aqui. É chocante”, queixa-se. No seu caso, o aumento do custo do condomínio foi de 77% num ano. Paga agora 8 mil libras.
Num texto sobre “a vida atrás da porta dos pobres”, Kimberly Dawn Neumann, que paga 1300 dólares por um T1 em Manhattan, conta como o desleixo a que foi votada a parte do prédio a custos controlados foi ao ponto de a porta da entrada deixar de fechar, fazendo com que os moradores se cruzassem frequentemente com estranhos que usavam as partes comuns para pernoitar ou vender droga. Kimberly chama-lhe o “Wild Wild Upper West”.
Reparem que estes “pobres” são aquilo a que sempre se chamou classe média, em alguns casos até média alta, tendo em conta não só o seu nível de rendimentos, mas as suas profissões (Kimberly Dawn Neumann é escritora e artista na Broadway). É uma constatação que vai contra todas as promessas de nivelação das classes ou de ascensão social. Uma proletarização que estas classes não só ainda não interiorizaram como é contrária à imagem que têm de si próprias, tantas vezes ainda iludidas com a ideia de pertencerem a uma elite.
A moral desta história é que o mercado da habitação é agora descaradamente amoral. E tem encontrado formas, em todo o mundo, de contornar ou até subverter as poucas políticas públicas que vão sendo criadas para garantir o acesso à habitação.
Mas há outra lição a retirar daqui. Os “pobres”, esses que se querem fora da vista, não são só os mendigos que se enxotam das arcadas, os trabalhadores explorados que vivem nas barracas, as empregadas que vivem nos bairros sociais. Há muito quem ainda não tenha percebido em que classe está. Mas vi há tempos o humorista espanhol Miguel Maldonado propor um teste que me pareceu muito bem visto. “Se para usar uma frigideira tens de tirar outra de cima, é porque não és de classe alta”.
O pós-iluminismo do rei da América
É bobagem pensar que a nova agenda dos EUA refletiria apenas uma mente caótica do republicano Donald Trump. Ninguém chega ao Salão Oval pela segunda vez sendo um menino maluquinho. É natural que o presidente toque a sua gestão na mesma toada que o caracteriza como empresário. Trump tem como princípio “atacar sempre”.
Por isso, começa seu segundo mandato disparando para todo lado (as conhecidas “rajadas de advertência”), inclusive na direção de aliados históricos dos Estados Unidos. Com isso, ele avisa ao mundo que está disposto a tudo para alcançar seu America Great Egain. A Casa Branca, logo na largada, dá o tom do período 2025-2028 embaralhando de uma só vez as cartas da governança, da geopolítica e da economia mundiais.
É bem verdade que Trump e seu gabinete de assessores bilionários raciocinam com neurônios de lobo de Wall Street. Mas, isso não significa que não representem um pensamento político mais amplo e organizado, amparado por grupos econômicos inconsequentes e apoiado por um eleitorado conservador dopado pelas redes digitais alucinógenas.
Ou seja, não se tata de maluquices saídas das cabeças de lideranças (que equivocadamente insistimos em caricaturizar), como Javier Milei, Bolsonaro, Trump ou Musk. Trata-se, na verdade, de um processo sofisticado de desconstrução dos valores iluministas que têm orientado as ainda jovens democracias ocidentais – tanto de direita quanto de esquerda – há aproximadamente dois séculos. O Iluminismo impõe limites a quem quer passar boiadas.
Nesse sentido, fica fácil identificar os alvos desse movimento internacional que tem em Trump seu maior expoente: o multilateralismo, o livre comércio, o humanismo, a autodeterminação dos povos, os direitos, o bem-estar social, a ciência e o próprio Estado. As primeiras vítimas são a paz, os pobres, as minorias e o meio ambiente.
Conforme alertava o canadense Steven Pinker (O Novo Iluminismo, 2018), essas iniciativas, um tanto anárquicas à primeira vista, constituem o cardápio de soluções oferecidas por esses líderes, em consonância com o enredo fatalista disseminado por eles próprios. Para esses pós-iluministas, “as instituições da modernidade fracassaram” e, portanto, “destruir essas instituições [valores, ideais e conhecimentos] fará do mundo um lugar melhor”.
No pacote de desmontes incluem-se, por exemplo, o sistema ONU, a USAID, a OCDE, a União Europeia, a OTAN, o funcionalismo público, os gastos sociais e até mesmo a própria globalização. É o que afirma o estrategista geopolítico Peter Zeihan (O Fim do Mundo é só o Começo – Mapeando o Colapso da Globalização, 2024). Consultor da CIA e do Pentágono, Zeihan lembra que a globalização econômica perdeu utilidade para os EUA com o fim da Guerra Fria. Nesse cenário, Trump sabe que seu País detém as vantagens econômicas, militares, tecnológicas, geográficas e populacionais necessárias para reconsiderar antigas alianças (e, também, as velhas inimizades).
Não foi à toa que o governo ianque publicou uma imagem de Donald Trump usando uma coroa, com a legenda “Vida Longa ao Rei”. Nada melhor para retratar o espírito pós-iluminista do que um símbolo pré-iluminista. Não aceitando um futuro para todos, ainda creem num futuro para poucos, que resultará em um futuro para nenhuns. Resta saber se ao final o rei estará nu, caso sua estratégia traga mais perdas do que ganhos para os EUA.
Por isso, começa seu segundo mandato disparando para todo lado (as conhecidas “rajadas de advertência”), inclusive na direção de aliados históricos dos Estados Unidos. Com isso, ele avisa ao mundo que está disposto a tudo para alcançar seu America Great Egain. A Casa Branca, logo na largada, dá o tom do período 2025-2028 embaralhando de uma só vez as cartas da governança, da geopolítica e da economia mundiais.
É bem verdade que Trump e seu gabinete de assessores bilionários raciocinam com neurônios de lobo de Wall Street. Mas, isso não significa que não representem um pensamento político mais amplo e organizado, amparado por grupos econômicos inconsequentes e apoiado por um eleitorado conservador dopado pelas redes digitais alucinógenas.
Ou seja, não se tata de maluquices saídas das cabeças de lideranças (que equivocadamente insistimos em caricaturizar), como Javier Milei, Bolsonaro, Trump ou Musk. Trata-se, na verdade, de um processo sofisticado de desconstrução dos valores iluministas que têm orientado as ainda jovens democracias ocidentais – tanto de direita quanto de esquerda – há aproximadamente dois séculos. O Iluminismo impõe limites a quem quer passar boiadas.
Nesse sentido, fica fácil identificar os alvos desse movimento internacional que tem em Trump seu maior expoente: o multilateralismo, o livre comércio, o humanismo, a autodeterminação dos povos, os direitos, o bem-estar social, a ciência e o próprio Estado. As primeiras vítimas são a paz, os pobres, as minorias e o meio ambiente.
Conforme alertava o canadense Steven Pinker (O Novo Iluminismo, 2018), essas iniciativas, um tanto anárquicas à primeira vista, constituem o cardápio de soluções oferecidas por esses líderes, em consonância com o enredo fatalista disseminado por eles próprios. Para esses pós-iluministas, “as instituições da modernidade fracassaram” e, portanto, “destruir essas instituições [valores, ideais e conhecimentos] fará do mundo um lugar melhor”.
No pacote de desmontes incluem-se, por exemplo, o sistema ONU, a USAID, a OCDE, a União Europeia, a OTAN, o funcionalismo público, os gastos sociais e até mesmo a própria globalização. É o que afirma o estrategista geopolítico Peter Zeihan (O Fim do Mundo é só o Começo – Mapeando o Colapso da Globalização, 2024). Consultor da CIA e do Pentágono, Zeihan lembra que a globalização econômica perdeu utilidade para os EUA com o fim da Guerra Fria. Nesse cenário, Trump sabe que seu País detém as vantagens econômicas, militares, tecnológicas, geográficas e populacionais necessárias para reconsiderar antigas alianças (e, também, as velhas inimizades).
Não foi à toa que o governo ianque publicou uma imagem de Donald Trump usando uma coroa, com a legenda “Vida Longa ao Rei”. Nada melhor para retratar o espírito pós-iluminista do que um símbolo pré-iluminista. Não aceitando um futuro para todos, ainda creem num futuro para poucos, que resultará em um futuro para nenhuns. Resta saber se ao final o rei estará nu, caso sua estratégia traga mais perdas do que ganhos para os EUA.
Um boi vê os homens
Tão delicados (mais que um arbusto) e correm
e correm de um para outro lado, sempre esquecidos
de alguma coisa. Certamente, falta-lhes
não sei que atributo essencial, posto se apresentem nobres
e graves, por vezes. Ah, espantosamente graves,
até sinistros. Coitados, dir-se-ia não escutam
nem o canto do ar nem os segredos do feno,
como também parecem não enxergar o que é visível
e comum a cada um de nós, no espaço. E ficam tristes
e no rasto da tristeza chegam à crueldade.
Toda a expressão deles mora nos olhos — e perde-se
a um simples baixar de cílios, a uma sombra.
Nada nos pelos, nos extremos de inconcebível fragilidade,
e como neles há pouca montanha,
e que secura e que reentrâncias e que
impossibilidade de se organizarem em formas calmas,
permanentes e necessárias. Têm, talvez,
certa graça melancólica (um minuto) e com isto se fazem
perdoar a agitação incômoda e o translúcido
vazio interior que os torna tão pobres e carecidos
de emitir sons absurdos e agônicos: desejo, amor, ciúme
(que sabemos nós?), sons que se despedaçam e tombam no campo
como pedras aflitas e queimam a erva e a água,
e difícil, depois disto, é ruminarmos nossa verdade.
Carlos Drummond de Andrade, "Claro enigma"
O burguês
Tomemos, por exemplo, qualquer dessas dualidades, como o santo e o libertino, e nossa comparação se esclarecerá em seguida. O homem tem a possibilidade de entregar-se por completo ao espiritual, à tentativa de aproximar-se de Deus, ao ideal de santidade. Também tem, por outro lado, a possibilidade de entregar-se inteiramente à vida dos instintos, aos anseios da carne, e dirigir seus esforços no sentido de satisfazer seus prazeres momentâneos. Um dos caminhos conduz à santidade, ao martírio do espírito, à entrega a Deus. O outro caminho conduz à libertinagem, ao martírio da carne, à entrega, à corrupção. O burguês tentará caminhar entre ambos, no meio do caminho. Nunca se entregará nem se abandonará à embriaguez ou ao asceticismo; nunca será mártir nem consentirá em sua destruição, mas, ao contrário, seu ideal não é a entrega, mas a conservação de seu eu, seu esforço não significa nem santidade nem libertinagem, o absoluto lhe é insuportável, quer certamente servir a Deus, mas também entregar-se ao êxtase, quer ser virtuoso, mas quer igualmente passar bem e viver comodamente sobre a terra. Em resumo, tente plantar-se em meio aos dois extremos, numa zona temperada e vantajosa, sem grandes tempestades ou borrascas, e o consegue ainda que à custa daquela intensidade de vida e de sentimentos que uma existência extremada e sem reservas permite.
Viver intensamente só se consegue à custa do eu. Mas o burguês não aprecia nada tanto quanto o seu eu (um eu na verdade rudimentarmente desenvolvido). À custa da intensidade consegue, pois, a subsistência e a segurança; em lugar da posse de Deus cultiva a tranquilidade da consciência; em lugar do prazer, a satisfação; em lugar da liberdade, a comodidade; em lugar dos ardores mortais, uma temperatura agradável. O burguês é, pois, segundo sua natureza, uma criatura de impulsos vitais muito débeis e angustiosos, temerosa de qualquer entrega de si mesma, fácil de governar.
Por isso colocou em lugar do poder a maioria, em lugar da autoridade a lei, em lugar da responsabilidade as eleições. É compreensível que esta débil e angustiada criatura, embora existindo em número tão grande, não consiga manter-se, que, de acordo com suas particularidades, não possa representar outro papel no mundo senão o de rebanho de cordeiros entre lobos erradios.
Contudo, vemos que, em tempos de governos fortes, os burgueses se veem oprimidos contra a parede, mas nunca sucumbem; na verdade às vezes parecem mesmo dominar o mundo. Como será possível? Nem o numeroso rebanho, nem a virtude, nem o senso comum, nem a organização serão suficientes para salvá-lo da destruição. Não há remédio no mundo que possa sustentar uma intensidade tão débil em sua origem. E, todavia, a burguesia vive, é forte e próspera. Por quê? A resposta é a seguinte: Por causa dos lobos da estepe. Com efeito, a força vital da burguesia não se apoia de maneira alguma nas particularidades de seus membros normais, porém nas dos extraordinários e numerosos outsiders que, em consequência, a querem rodear com a vaga indecisão e a elasticidade de seus ideais.
Hermann Hesse, "O lobo da Estepe"
Hermann Hesse, "O lobo da Estepe"
Um senador francês soltou o grito entalado na garganta da democracia
Vocês já ouviram falar em Claude Malhuret? Eu confesso a minha ignorância; até outro dia, mais precisamente 4 de março, Terça-Feira Gorda, não fazia ideia de quem era. Agora virou voz de peso no mundo todo. Malhuret, 75 anos, médico, epidemiologista, antigo presidente da organização Médicos Sem Fronteiras, ex-ministro de Direitos Humanos, membro do partido de centro-direita Horizons e atual senador pelo distrito de Allier, encontrou as palavras certas sobre Trump/Musk, fez o discurso que todo mundo precisava ouvir e soltou o grito entalado na garganta universal da democracia. Viralizou, é claro. Vale a pena procurar no YouTube, há versões com legendas. Alguns trechos:
“A Europa está num momento crucial da sua História. Washington virou a Corte de Nero: um imperador incendiário, cortesãos submissos e um bufão virado na cetamina encarregado de desmontar o serviço público. Isso é uma tragédia para o mundo livre, mas é, antes de tudo, uma tragédia para os Estados Unidos.”
“Nunca na História um presidente americano se rendeu ao inimigo. Nunca nenhum apoiou um agressor contra um aliado. Nunca nenhum pisoteou a Constituição, emitiu tantos decretos ilegais ou demitiu o estado maior. Isso não é só um desvio iliberal; é o começo do sequestro da democracia. Não custa lembrar que bastaram um mês, três semanas e dois dias para derrubar a República de Weimar e sua Constituição.”
“Antes lutávamos contra um ditador; agora, lutamos contra um ditador apoiado por um traidor.”
“Há oito dias, no exato momento em que Trump dava tapinhas nas costas de Macron na Casa Branca, os EUA votavam na ONU, ao lado da Rússia e da Coreia do Norte, contra os europeus que exigiam a retirada das tropas russas. Dois dias depois, no Salão Oval, Trump — que, quando jovem, fugiu do serviço militar — não teve vergonha de dar lições de moral e de estratégia ao herói de guerra Zelensky.”
“A derrota da Ucrânia seria a derrota da Europa. Os países do Sul Global aguardam o desfecho do conflito para decidir se continuarão a respeitar a Europa ou se agora estão livres para pisoteá-la.”
“O apoio americano a Putin é o maior erro estratégico já cometido durante uma guerra. O choque é violento, mas tem uma virtude: os europeus saíram da negação. Em um único dia em Munique, entenderam que a sobrevivência da Ucrânia e o futuro da Europa estão em suas mãos.”
“A tarefa é hercúlea, mas é pelo seu sucesso ou fracasso que os livros de História julgarão os líderes da Europa democrática de hoje.”
“A Europa só pode se tornar uma potência militar novamente tornando-se novamente uma potência industrial; mas o verdadeiro rearmamento da Europa é o seu rearmamento moral. Devemos convencer a opinião pública diante do cansaço e do medo da guerra, e, sobretudo, diante dos comparsas de Putin, a extrema direita e a extrema esquerda.”
“O destino da Ucrânia será decidido nas trincheiras, mas depende também daqueles que defendem a democracia nos EUA e, aqui, da nossa capacidade de unir os europeus e encontrar os meios para nossa defesa comum, para fazer da Europa a potência que um dia ela foi e que hesita em voltar a ser.”
“Nossos pais derrotaram o fascismo e o comunismo ao custo de grandes sacrifícios. A tarefa da nossa geração é derrotar os totalitarismos do século XXI.”
“Viva a Ucrânia livre, viva a Europa democrática!”
(E aí, nesse momento, todo mundo se levanta no Rick’s Café, em Casablanca, e canta a “Marselhesa”).
“A Europa está num momento crucial da sua História. Washington virou a Corte de Nero: um imperador incendiário, cortesãos submissos e um bufão virado na cetamina encarregado de desmontar o serviço público. Isso é uma tragédia para o mundo livre, mas é, antes de tudo, uma tragédia para os Estados Unidos.”
“Nunca na História um presidente americano se rendeu ao inimigo. Nunca nenhum apoiou um agressor contra um aliado. Nunca nenhum pisoteou a Constituição, emitiu tantos decretos ilegais ou demitiu o estado maior. Isso não é só um desvio iliberal; é o começo do sequestro da democracia. Não custa lembrar que bastaram um mês, três semanas e dois dias para derrubar a República de Weimar e sua Constituição.”
“Antes lutávamos contra um ditador; agora, lutamos contra um ditador apoiado por um traidor.”
“Há oito dias, no exato momento em que Trump dava tapinhas nas costas de Macron na Casa Branca, os EUA votavam na ONU, ao lado da Rússia e da Coreia do Norte, contra os europeus que exigiam a retirada das tropas russas. Dois dias depois, no Salão Oval, Trump — que, quando jovem, fugiu do serviço militar — não teve vergonha de dar lições de moral e de estratégia ao herói de guerra Zelensky.”
“A derrota da Ucrânia seria a derrota da Europa. Os países do Sul Global aguardam o desfecho do conflito para decidir se continuarão a respeitar a Europa ou se agora estão livres para pisoteá-la.”
“O apoio americano a Putin é o maior erro estratégico já cometido durante uma guerra. O choque é violento, mas tem uma virtude: os europeus saíram da negação. Em um único dia em Munique, entenderam que a sobrevivência da Ucrânia e o futuro da Europa estão em suas mãos.”
“A tarefa é hercúlea, mas é pelo seu sucesso ou fracasso que os livros de História julgarão os líderes da Europa democrática de hoje.”
“A Europa só pode se tornar uma potência militar novamente tornando-se novamente uma potência industrial; mas o verdadeiro rearmamento da Europa é o seu rearmamento moral. Devemos convencer a opinião pública diante do cansaço e do medo da guerra, e, sobretudo, diante dos comparsas de Putin, a extrema direita e a extrema esquerda.”
“O destino da Ucrânia será decidido nas trincheiras, mas depende também daqueles que defendem a democracia nos EUA e, aqui, da nossa capacidade de unir os europeus e encontrar os meios para nossa defesa comum, para fazer da Europa a potência que um dia ela foi e que hesita em voltar a ser.”
“Nossos pais derrotaram o fascismo e o comunismo ao custo de grandes sacrifícios. A tarefa da nossa geração é derrotar os totalitarismos do século XXI.”
“Viva a Ucrânia livre, viva a Europa democrática!”
(E aí, nesse momento, todo mundo se levanta no Rick’s Café, em Casablanca, e canta a “Marselhesa”).
Gaza: 'Tudo está em crise'
Enquanto negociações indiretas entre Israel e o grupo islamista Hamas aconteciam em Doha na quarta-feira, palestinos relatavam que o cessar-fogo começa a parecer cada vez mais insignificante em Gaza.
"Não sei o que dizer – simplesmente não há vida. Não há nada com que não lutemos", disse Walaa Mahmoud, por telefone, da Cidade de Gaza.
Mahmoud, que trabalha em uma organização da sociedade civil, diz que os preços dispararam nas últimas semanas. "Não temos água potável, não há eletricidade, é difíhttp://cil obter tratamento médico, as estradas estão em más condições, os preços estão subindo, o transporte não está disponível e a segurança é inexistente. Tudo está em crise."
Relato semelhante vem de Walid Abu Daqqa, pai de quatro filhos e também morador da Cidade de Gaza. Ele teve sua casa completamente destruída durante a guerra e agora está morando com parentes. "Costumávamos suportar bombardeios e morte; agora, há pobreza, preços altos, exploração e condições adversas que dominam nossas vidas. Meus filhos não podem ir à escola e não há um sistema de saúde que funcione se eu ficar doente. E a ameaça de guerra paira no ar devido à ausência de acordos".
Abu Daqqa afirma que a situação está contribuindo para a "ganância e a corrupção" em todas as áreas, e acusou os comerciantes de "explorar a situação" depois que as passagens de fronteira foram fechadas. "Não há justiça, nem mesmo na distribuição de ajuda, e há até mesmo taxas para retirar dinheiro dos bancos. Nada está normal aqui", relata.
Israel fechou suas passagens com Gaza e cortou todos os suprimentos de ajuda após o fim formal da primeira fase do acordo de cessar-fogo, no início de março. No domingo, o ministro israelense da Energia, Eli Cohen, anunciou que havia ordenado que a Israeli Electric Corporation parasse de vender eletricidade para Gaza, embora as autoridades israelenses já tivessem cortado o fornecimento de eletricidade em outubro de 2023.
Em resposta, o Hamas, que controla a Faixa de Gaza há quase duas décadas, acusou Israel de "violação do acordo de cessar-fogo" e de "usar a ajuda como uma carta de chantagem política" ao interromper entregas e pressionar o grupo a aceitar novos termos para prorrogar a primeira fase do acordo de cessar-fogo e libertar os reféns.
O gabinete do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu acusou o Hamas de roubar suprimentos de ajuda em benefício próprio. Ele alega ter permitido a entrada de ajuda suficiente em Gaza para durar vários meses, acrescentando que não tem obrigação de continuar fornecendo assistência após o término da primeira fase do cessar-fogo.
A primeira etapa de 42 dias expirou no início de março, e as negociações sobre a segunda fase do acordo – que prevê a libertação dos 59 reféns restantes, a retirada das forças israelenses e diálogos sobre o fim da guerra – parecem não ter se concretizado.
Para muitos em Gaza, vem à tona a lembrança dos primeiros dias da guerra de 15 meses, quando Israel cortou todos os suprimentos após os ataques terroristas liderados pelo Hamas em 7 de outubro de 2023 contra comunidades no sul de Israel.
O corte de energia elétrica anunciado recentemente afeta apenas uma linha de energia ainda em funcionamento, restaurada em novembro de 2024 e que abastece uma usina de dessalinização em Deir al Balah, na região central de Gaza.
Desde o início da guerra, palestinos em Gaza não têm eletricidade alguma, dependendo principalmente de geradores movidos a diesel ou pequenos painéis solares. A infraestrutura de energia do território foi amplamente danificada pela guerra, piorando o já precário fornecimento de eletricidade.
De acordo com Gisha, uma ONG israelense que trabalha para proteger o direito de ir e vir dos palestinos em Gaza, a usina de dessalinização abastecia a região com 18 mil metros cúbicos (4,8 milhões de galões) de água por dia. Após o corte, espera-se que a usina funcione com geradores, reduzindo a produção para cerca de 2,5 mil metros cúbicos. A ONU estima que cerca de 600 mil pessoas serão afetadas pela drástica redução.
Esse é apenas mais um desafio para os trabalhadores humanitários. "Já estamos sentindo os efeitos", disse Amjad Shawa, chefe da rede de ONGs palestinas, por telefone, da Cidade de Gaza. "Você precisa de combustível para os geradores, e isso chega através das passagens. E, de acordo com diferentes organizações, temos apenas uma quantidade limitada de combustível para os próximos dias. Algumas padarias no centro e no sul de Gaza já pararam de funcionar por falta de gás de cozinha."
O Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários da ONU (Ocha, na sigla em inglês) disse na terça-feira (11/03) que "o combustível para geradores de reserva em instalações de água e saúde está acabando, os preços do combustível de cozinha estão subindo e a distribuição de farinha, produtos frescos e materiais de abrigo foi interrompida". O Ocha também informou que as agências de ajuda humanitária não conseguiram recuperar a carga que entrou na passagem de Kerem Shalom antes de ela ser fechada, há 10 dias.
"A ajuda humanitária em Gaza é uma tábua de salvação para mais de 2 milhões de palestinos que têm suportado condições inimagináveis por muitos meses. Um suprimento contínuo de ajuda é indispensável para sua sobrevivência", disse Muhannad Hadi, coordenador humanitário da ONU, em um comunicado na segunda-feira. "O direito humanitário internacional é claro: as necessidades essenciais dos civis devem ser atendidas, inclusive por meio da entrada e distribuição desimpedidas de assistência humanitária."
A alegação de uso da fome como método de guerra é central, por exemplo, na denúncia que a África do Sul apresentou à Corte Internacional de Justiça (CIJ) contra Israel por genocídio, acusação que Israel nega. Também integra o caso do Tribunal Penal Internacional (TPI) contra Netanyahu e o ex-ministro da Defesa Yoav Gallant, para os quais o TPI emitiu mandados de prisão no ano passado.
A decisão de cortar a última linha de eletricidade restante também foi criticada por famílias de reféns que solicitaram à Alta Corte de Justiça de Israel que revertesse a decisão, conforme relatado no jornal israelense Haaretz na quarta-feira. Eles citaram o testemunho de ex-reféns que disseram que qualquer decisão governamental desse tipo levaria a respostas retaliatórias e abusos por parte do Hamas.
Trabalhadores humanitários como Amja Shawa dizem que poderiam ficar horas descrevendo os muitos problemas que precisam ser resolvidos: a falta de moradia e abrigo, a escassez de água potável, o lixo empilhado por toda parte, o problema dos artefatos explosivos não detonados, os corpos de pessoas mortas em ataques aéreos ainda enterrados sob os escombros de edifícios destruídos. E ainda há a ameaça de outra guerra.
"Há também a situação psicológica das pessoas. Todos os dias recebemos um novo anúncio dos israelenses sobre o retorno à guerra. A maioria das pessoas vive agora sobre os escombros de suas casas, em condições humanitárias muito críticas. E, dia após dia, estamos perdendo a capacidade de lidar com essas grandes necessidades", disse Shawa à DW.
Nos últimos dias, Israel também intensificou seus ataques aéreos e de artilharia em Gaza. Há relatos quase diários de vítimas, o que contribui para uma situação já frágil. "O que temos hoje é diferente do que teremos amanhã, não há nada que possamos planejar", disse Shawa. "Estamos fazendo o nosso melhor e temos pessoas muito resistentes aqui, mas as necessidades são enormes."
"Não sei o que dizer – simplesmente não há vida. Não há nada com que não lutemos", disse Walaa Mahmoud, por telefone, da Cidade de Gaza.
Mahmoud, que trabalha em uma organização da sociedade civil, diz que os preços dispararam nas últimas semanas. "Não temos água potável, não há eletricidade, é difíhttp://cil obter tratamento médico, as estradas estão em más condições, os preços estão subindo, o transporte não está disponível e a segurança é inexistente. Tudo está em crise."
Relato semelhante vem de Walid Abu Daqqa, pai de quatro filhos e também morador da Cidade de Gaza. Ele teve sua casa completamente destruída durante a guerra e agora está morando com parentes. "Costumávamos suportar bombardeios e morte; agora, há pobreza, preços altos, exploração e condições adversas que dominam nossas vidas. Meus filhos não podem ir à escola e não há um sistema de saúde que funcione se eu ficar doente. E a ameaça de guerra paira no ar devido à ausência de acordos".
Abu Daqqa afirma que a situação está contribuindo para a "ganância e a corrupção" em todas as áreas, e acusou os comerciantes de "explorar a situação" depois que as passagens de fronteira foram fechadas. "Não há justiça, nem mesmo na distribuição de ajuda, e há até mesmo taxas para retirar dinheiro dos bancos. Nada está normal aqui", relata.
Israel fechou suas passagens com Gaza e cortou todos os suprimentos de ajuda após o fim formal da primeira fase do acordo de cessar-fogo, no início de março. No domingo, o ministro israelense da Energia, Eli Cohen, anunciou que havia ordenado que a Israeli Electric Corporation parasse de vender eletricidade para Gaza, embora as autoridades israelenses já tivessem cortado o fornecimento de eletricidade em outubro de 2023.
Em resposta, o Hamas, que controla a Faixa de Gaza há quase duas décadas, acusou Israel de "violação do acordo de cessar-fogo" e de "usar a ajuda como uma carta de chantagem política" ao interromper entregas e pressionar o grupo a aceitar novos termos para prorrogar a primeira fase do acordo de cessar-fogo e libertar os reféns.
O gabinete do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu acusou o Hamas de roubar suprimentos de ajuda em benefício próprio. Ele alega ter permitido a entrada de ajuda suficiente em Gaza para durar vários meses, acrescentando que não tem obrigação de continuar fornecendo assistência após o término da primeira fase do cessar-fogo.
A primeira etapa de 42 dias expirou no início de março, e as negociações sobre a segunda fase do acordo – que prevê a libertação dos 59 reféns restantes, a retirada das forças israelenses e diálogos sobre o fim da guerra – parecem não ter se concretizado.
Para muitos em Gaza, vem à tona a lembrança dos primeiros dias da guerra de 15 meses, quando Israel cortou todos os suprimentos após os ataques terroristas liderados pelo Hamas em 7 de outubro de 2023 contra comunidades no sul de Israel.
O corte de energia elétrica anunciado recentemente afeta apenas uma linha de energia ainda em funcionamento, restaurada em novembro de 2024 e que abastece uma usina de dessalinização em Deir al Balah, na região central de Gaza.
Desde o início da guerra, palestinos em Gaza não têm eletricidade alguma, dependendo principalmente de geradores movidos a diesel ou pequenos painéis solares. A infraestrutura de energia do território foi amplamente danificada pela guerra, piorando o já precário fornecimento de eletricidade.
De acordo com Gisha, uma ONG israelense que trabalha para proteger o direito de ir e vir dos palestinos em Gaza, a usina de dessalinização abastecia a região com 18 mil metros cúbicos (4,8 milhões de galões) de água por dia. Após o corte, espera-se que a usina funcione com geradores, reduzindo a produção para cerca de 2,5 mil metros cúbicos. A ONU estima que cerca de 600 mil pessoas serão afetadas pela drástica redução.
Esse é apenas mais um desafio para os trabalhadores humanitários. "Já estamos sentindo os efeitos", disse Amjad Shawa, chefe da rede de ONGs palestinas, por telefone, da Cidade de Gaza. "Você precisa de combustível para os geradores, e isso chega através das passagens. E, de acordo com diferentes organizações, temos apenas uma quantidade limitada de combustível para os próximos dias. Algumas padarias no centro e no sul de Gaza já pararam de funcionar por falta de gás de cozinha."
O Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários da ONU (Ocha, na sigla em inglês) disse na terça-feira (11/03) que "o combustível para geradores de reserva em instalações de água e saúde está acabando, os preços do combustível de cozinha estão subindo e a distribuição de farinha, produtos frescos e materiais de abrigo foi interrompida". O Ocha também informou que as agências de ajuda humanitária não conseguiram recuperar a carga que entrou na passagem de Kerem Shalom antes de ela ser fechada, há 10 dias.
"A ajuda humanitária em Gaza é uma tábua de salvação para mais de 2 milhões de palestinos que têm suportado condições inimagináveis por muitos meses. Um suprimento contínuo de ajuda é indispensável para sua sobrevivência", disse Muhannad Hadi, coordenador humanitário da ONU, em um comunicado na segunda-feira. "O direito humanitário internacional é claro: as necessidades essenciais dos civis devem ser atendidas, inclusive por meio da entrada e distribuição desimpedidas de assistência humanitária."
A alegação de uso da fome como método de guerra é central, por exemplo, na denúncia que a África do Sul apresentou à Corte Internacional de Justiça (CIJ) contra Israel por genocídio, acusação que Israel nega. Também integra o caso do Tribunal Penal Internacional (TPI) contra Netanyahu e o ex-ministro da Defesa Yoav Gallant, para os quais o TPI emitiu mandados de prisão no ano passado.
A decisão de cortar a última linha de eletricidade restante também foi criticada por famílias de reféns que solicitaram à Alta Corte de Justiça de Israel que revertesse a decisão, conforme relatado no jornal israelense Haaretz na quarta-feira. Eles citaram o testemunho de ex-reféns que disseram que qualquer decisão governamental desse tipo levaria a respostas retaliatórias e abusos por parte do Hamas.
Trabalhadores humanitários como Amja Shawa dizem que poderiam ficar horas descrevendo os muitos problemas que precisam ser resolvidos: a falta de moradia e abrigo, a escassez de água potável, o lixo empilhado por toda parte, o problema dos artefatos explosivos não detonados, os corpos de pessoas mortas em ataques aéreos ainda enterrados sob os escombros de edifícios destruídos. E ainda há a ameaça de outra guerra.
"Há também a situação psicológica das pessoas. Todos os dias recebemos um novo anúncio dos israelenses sobre o retorno à guerra. A maioria das pessoas vive agora sobre os escombros de suas casas, em condições humanitárias muito críticas. E, dia após dia, estamos perdendo a capacidade de lidar com essas grandes necessidades", disse Shawa à DW.
Nos últimos dias, Israel também intensificou seus ataques aéreos e de artilharia em Gaza. Há relatos quase diários de vítimas, o que contribui para uma situação já frágil. "O que temos hoje é diferente do que teremos amanhã, não há nada que possamos planejar", disse Shawa. "Estamos fazendo o nosso melhor e temos pessoas muito resistentes aqui, mas as necessidades são enormes."
Google na corrida dos robôs com olhos nos humanoides
“O próximo grande salto da humanidade serão os robôs humanoides ”, diz Rev Lebaredian, vice-presidente de Omniverse e Tecnologia de Simulação da gigante da computação Nvidia. O trampolim para esse salto, antecipado como um dos avanços disruptivos dos próximos anos , já está aqui e o Google acaba de entrar na corrida ao anunciar a Gemini Robotics, o desenvolvimento de seu modelo de inteligência artificial (IA) para máquinas, tanto para robôs industriais quanto humanoides, e que disponibilizou para testes a gigantes da indústria como Apptronik , Agile Robots, Agility Robots, Boston Dynamics e Enchanted Tools.
Até agora, os robôs eram mecanismos articulados “cegos e burros”, como Lebaredian descreve os modelos antigos, projetados para executar tarefas repetitivas, mas incapazes de aprender, desenvolver-se em cenários desconhecidos e agir de acordo.
Para Dennis Hong, fundador da RoMeLa, “o futuro é que os robôs sejam capazes de fazer tudo o que um humano pode fazer”. Mas para agir como uma pessoa, eles precisam de um cérebro que lhes permita entender, aprender, perceber e agir. E essa mente é a IA baseada em grandes modelos de linguagem (LLM), a inteligência artificial capaz de desenvolver máquinas até sua expressão máxima: andróides, robôs com aparência e comportamento semelhantes aos humanos, capazes de funcionar em um mundo desenvolvido por e para pessoas.
Robôs movidos pela inteligência artificial do Google ainda não demonstraram em testes de laboratório habilidades tão complexas quanto a Figura 01 , o protótipo mais próximo do humanoide que a ficção científica havia antecipado e apoiado pela Open AI, Nvidia e Jeff Bezos, fundador da Amazon.
Mas aqueles equipados com a Gemini Robotics estão se aproximando muito mais após a mudança de direção adotada em 2024. “No ano passado”, explica Carolina Parada, diretora de engenharia da Google DeepMind Robotics e de origem venezuelana, “decidimos assumir um novo desafio e focar em ensinar robôs a executar tarefas complexas de manipulação fina, como as que fazemos ao amarrar os sapatos, usando dados do mundo real e de simulação para aprender”.
Deste desafio surgiu a Gemini Robotics, o modelo de IA voltado para o desenvolvimento de robôs de uso geral (humanoides). “Para fazer isso, eles precisam ser realmente úteis, entender você, entender o mundo ao seu redor e, então, ser capazes de agir com segurança, interação e habilidade”, explica Parada.
Os testes de laboratório mostrados, onde robôs, usando comandos de voz, pegam e armazenam objetos em recipientes específicos descritos apenas por sua cor e que mudam de localização, podem parecer simples, mas para um robô, são muito difíceis. A esse respeito, Kanisha Rao, colega de Parada na DeepMind, ressalta que os robôs “funcionam bem em cenários que já vivenciaram, mas falham em cenários desconhecidos”.
Dessa forma, como explica Rao, durante os testes, as máquinas foram colocadas em situações em que os objetos que elas deveriam identificar e manipular mudam de cor, os ambientes são modificados e a IA responde a comandos para ações que são novas para a máquina ou sobre objetos com os quais ela não está familiarizada, como arremessar uma bola de basquete de brinquedo sem ter aprendido previamente qual é o esporte.
Para atingir essas habilidades , explica Parada, a IA do robô deve entender a linguagem natural, “entender o mundo físico em detalhes” e, de acordo com Vikas Sindhwani, um cientista pesquisador da equipe de robótica do Google DeepMind, agir com segurança por meio de “avaliações das propriedades da cena e das consequências de realizar uma determinada ação”.
O caminho para a segurança ainda está aberto. Sindhwani diz que eles conseguiram dar aos robôs uma ampla “compreensão” desse conceito com base nos dados reais e simulados que alimentam sua IA, mas eles continuam a se ajustar para “permitir tarefas cada vez mais interativas e colaborativas” sem riscos e cumprir as três regras de Isaac Asimov: um robô não deve prejudicar um humano por ação ou omissão; deve obedecer às ordens humanas, a menos que isso entre em conflito com a primeira lei; e deve proteger sua própria existência, a menos que entre em conflito com a Primeira ou Segunda Lei.
O conceito geral da nova mudança do Google em direção à robótica é transferir o que foi conquistado no mundo digital, com o desenvolvimento de agentes (assistentes) cada vez mais sofisticados, para o ambiente físico. “Na DeepMind, temos melhorado a maneira como nossos modelos Gemini resolvem problemas complexos por meio de raciocínio multimodal com texto, imagens, áudio e vídeo. Até agora, porém, essas habilidades têm sido amplamente limitadas ao mundo digital. Para que a IA seja útil para as pessoas no reino físico, ela deve demonstrar raciocínio “ incorporado ”, a capacidade humana de entender e reagir ao mundo ao nosso redor”, explica Parada.
Os dois modelos de IA do Google para robotização são VLA (visão-linguagem-ação), construído no Gemini 2.0 e incorporando ações físicas, e ER (raciocínio incorporado), com habilidades de raciocínio.
Essas ferramentas são o caminho para a utilidade real, que Parada resume: “Os modelos de IA para robótica precisam de três qualidades principais: eles precisam ser gerais, ou seja, precisam ser capazes de se adaptar a diferentes situações; Eles precisam ser interativos, o que significa que podem entender e responder rapidamente a instruções ou mudanças em seu ambiente; e eles precisam ter destreza, o que significa que eles podem fazer o tipo de coisas que as pessoas geralmente conseguem fazer com as mãos e os dedos, como manipular objetos cuidadosamente.”
Raúl Limón
Até agora, os robôs eram mecanismos articulados “cegos e burros”, como Lebaredian descreve os modelos antigos, projetados para executar tarefas repetitivas, mas incapazes de aprender, desenvolver-se em cenários desconhecidos e agir de acordo.
Para Dennis Hong, fundador da RoMeLa, “o futuro é que os robôs sejam capazes de fazer tudo o que um humano pode fazer”. Mas para agir como uma pessoa, eles precisam de um cérebro que lhes permita entender, aprender, perceber e agir. E essa mente é a IA baseada em grandes modelos de linguagem (LLM), a inteligência artificial capaz de desenvolver máquinas até sua expressão máxima: andróides, robôs com aparência e comportamento semelhantes aos humanos, capazes de funcionar em um mundo desenvolvido por e para pessoas.
Robôs movidos pela inteligência artificial do Google ainda não demonstraram em testes de laboratório habilidades tão complexas quanto a Figura 01 , o protótipo mais próximo do humanoide que a ficção científica havia antecipado e apoiado pela Open AI, Nvidia e Jeff Bezos, fundador da Amazon.
Mas aqueles equipados com a Gemini Robotics estão se aproximando muito mais após a mudança de direção adotada em 2024. “No ano passado”, explica Carolina Parada, diretora de engenharia da Google DeepMind Robotics e de origem venezuelana, “decidimos assumir um novo desafio e focar em ensinar robôs a executar tarefas complexas de manipulação fina, como as que fazemos ao amarrar os sapatos, usando dados do mundo real e de simulação para aprender”.
Deste desafio surgiu a Gemini Robotics, o modelo de IA voltado para o desenvolvimento de robôs de uso geral (humanoides). “Para fazer isso, eles precisam ser realmente úteis, entender você, entender o mundo ao seu redor e, então, ser capazes de agir com segurança, interação e habilidade”, explica Parada.
Os testes de laboratório mostrados, onde robôs, usando comandos de voz, pegam e armazenam objetos em recipientes específicos descritos apenas por sua cor e que mudam de localização, podem parecer simples, mas para um robô, são muito difíceis. A esse respeito, Kanisha Rao, colega de Parada na DeepMind, ressalta que os robôs “funcionam bem em cenários que já vivenciaram, mas falham em cenários desconhecidos”.
Dessa forma, como explica Rao, durante os testes, as máquinas foram colocadas em situações em que os objetos que elas deveriam identificar e manipular mudam de cor, os ambientes são modificados e a IA responde a comandos para ações que são novas para a máquina ou sobre objetos com os quais ela não está familiarizada, como arremessar uma bola de basquete de brinquedo sem ter aprendido previamente qual é o esporte.
Para atingir essas habilidades , explica Parada, a IA do robô deve entender a linguagem natural, “entender o mundo físico em detalhes” e, de acordo com Vikas Sindhwani, um cientista pesquisador da equipe de robótica do Google DeepMind, agir com segurança por meio de “avaliações das propriedades da cena e das consequências de realizar uma determinada ação”.
O caminho para a segurança ainda está aberto. Sindhwani diz que eles conseguiram dar aos robôs uma ampla “compreensão” desse conceito com base nos dados reais e simulados que alimentam sua IA, mas eles continuam a se ajustar para “permitir tarefas cada vez mais interativas e colaborativas” sem riscos e cumprir as três regras de Isaac Asimov: um robô não deve prejudicar um humano por ação ou omissão; deve obedecer às ordens humanas, a menos que isso entre em conflito com a primeira lei; e deve proteger sua própria existência, a menos que entre em conflito com a Primeira ou Segunda Lei.
O conceito geral da nova mudança do Google em direção à robótica é transferir o que foi conquistado no mundo digital, com o desenvolvimento de agentes (assistentes) cada vez mais sofisticados, para o ambiente físico. “Na DeepMind, temos melhorado a maneira como nossos modelos Gemini resolvem problemas complexos por meio de raciocínio multimodal com texto, imagens, áudio e vídeo. Até agora, porém, essas habilidades têm sido amplamente limitadas ao mundo digital. Para que a IA seja útil para as pessoas no reino físico, ela deve demonstrar raciocínio “ incorporado ”, a capacidade humana de entender e reagir ao mundo ao nosso redor”, explica Parada.
Os dois modelos de IA do Google para robotização são VLA (visão-linguagem-ação), construído no Gemini 2.0 e incorporando ações físicas, e ER (raciocínio incorporado), com habilidades de raciocínio.
Essas ferramentas são o caminho para a utilidade real, que Parada resume: “Os modelos de IA para robótica precisam de três qualidades principais: eles precisam ser gerais, ou seja, precisam ser capazes de se adaptar a diferentes situações; Eles precisam ser interativos, o que significa que podem entender e responder rapidamente a instruções ou mudanças em seu ambiente; e eles precisam ter destreza, o que significa que eles podem fazer o tipo de coisas que as pessoas geralmente conseguem fazer com as mãos e os dedos, como manipular objetos cuidadosamente.”
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