quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Deus tá na goiaba

Aconteceu algo extraordinário. Eu vi Jesus se aproximando de um pé de goiaba
Damares Alves, pastora e futura ministra dos Direitos Humanos, da Mulher e da Família

Um cão no supermercado

De novo na estrada. Glória a Deus. Digo isso porque no período eleitoral entrevistei o Cabo Daciolo. No final da entrevista, me convidou para ser ministro de seu governo. Daciolo esperava vencer, no primeiro turno, com 51%. Aceitei o convite mas lembrei: “Olha, Daciolo, Deus costuma escrever certo por linhas tortas.” Tínhamos que estar preparados para a derrota.

Portanto, glória a Deus: de novo peregrinando pelo Brasil, constato o valor dessa escolha.

No meio da semana, telefonei para casa e soube de uma notícia triste: um cachorro foi morto a golpes de barra de ferro, no supermercado Carrefour. Logo na semana em que o cachorro do velho Bush comoveu o mundo deitado defronte ao caixão de seu dono.


Estava no meio de um trabalho com cachorros. Não podia fugir desse tema. Passei a tarde seguindo um cão-guia e seu dono pelas ruas de Camboriú, Itajaí e Navegantes.

É uma história sobre a escola de cães-guia Helen Keller, em Camboriú. A cadela se chama Alegria e é tão importante para o seu dono que ele tatuou no braço o nome e a pata de sua amiga. Impressionante segui-los, pois ela é muito concentrada, ignora latidos, paqueras e segue no caminho de casa perto do hospital de Navegantes.

Esta semana, conheci também Atobá, um labrador de cara grande. Ele é chamado de Doutor Atobá no Hospital Joana de Gusmão, onde faz um trabalho. Brinca com crianças com câncer e às vezes as acompanha nos seus dias finais.

Além disso, Atobá ajuda na terapia de crianças que sofreram paralisia cerebral ao nascer e ajuda os que têm problema de mobilidade.

Atobá vive na casa do cirurgião plastico Luís Augusto. É essencial para seu filho, que sofreu uma doença grave. Ele acredita que uma das qualidades terapêuticas do cão é despertar amor e lembra que na simbologia chinesa coração e cachorro se equivalem.

Foi uma longa conversa. Tenho espaço apenas para lembrar um detalhe essencial. Como cirurgião plástico num hospital infantil, ele conhece duas faces do cachorro, o amor da vida de seu filho, mas também as inúmeras reparações que teve de fazer em vítimas de mordidas de cão feroz.

Percorrer o Brasil atenua o impacto das más notícias. A imprensa não pode deixar de divulgá-las: são parte da realidade. Mas é animador ver experiências como a formação dos cães-guia, ainda tão poucos para a grande demanda nacional. É bom ver o país com seus lados diferentes, como o doutor Luís Augusto vê os cães. E continuar gostando muito.

Finalmente, numa semana dedicada a eles, não posso me esquecer dos cães farejadores de maconha no Colorado: foram aposentados com a legalização da cannabis. Espero, pelo menos, que tenham boas lembranças de seu longo período do labor olfativo.

De uma certa forma, voltarão à realidade assim como o Brasil no princípio do ano, quando o governo começa de fato. Por enquanto, as notícias dos bastidores são um pouco complicadas. Rusgas no partido do governo, intrigas entre generais e políticos. E as pautas-bomba no Congresso, ministro do STF prendendo gente em avião.

Uma nota sobre as atividades financeiras de um assessor do então deputado Flávio Bolsonaro: movimentou R$ 1,2 milhão em 12 meses e vive de salário.

Para os mais velhos, é uma cantiga que assombra, e esperamos que seja apenas uma alucinação de cães farejadores aposentados. O ano que vem trará as respostas. A cadela Alegria tem um método de trabalho que me encanta. É toda atenção quando é necessário. No momento de poupar energia, não vacila: encosta a cabeça no chão e olha demoradamente para o vazio, fecha os olhos, abre de novo.

Em termos políticos, pode ser um bom programa para as festas de fim de ano. Uma semana de trégua, se tanto, já bastaria.

A transição de governo foi um processo um pouco confuso. Os índios devem estar mareados com os balanços do barco da Funai. A nova ministra de Direitos Humanos declara que índio é gente. Pensei que isso estava resolvido há séculos, quando os religiosos perguntavam se índio tinha alma.

O ano que vem será quente mesmo para quem acha que o aquecimento global é uma invenção marxista.

Paisagem brasileira

Parque Grande Sertão Veredas (BA)

Perfeitos latino=americanos

Os novos presidentes do Brasil e do México são tão diferentes, e as vezes tão parecidos. Prá começar, Jair Bolsonaro e Manuel López Obrador (conhecido pelo apelido AMLO) vem de espectros políticos claramente opostos. Geografia e História os colocaram um muito longe e o outro muito perto de Donald Trump, o que ajuda a entender também as diferenças entre ambos de percepção – e aceitação – daquilo que faz o presidente americano.


Bolsonaro e AMLO começam a governar com cacifes políticos diferentes. O brasileiro terá de atuar dentro de um sistema de governo conhecido como “presidencialismo de coalizão”, que obriga o chefe do executivo a se entender de alguma maneira com o legislativo. O mexicano já assumiu na invejável posição de comandar um partido forte (que o brasileiro não tem) dono de consistente maioria no Congresso e de importante número de governos estaduais.

Ambos – Bolsonaro e AMLO – são fenômenos políticos notáveis. Na memória política recente do México nunca houve tanta concentração de poder político como a que acaba de ser conquistada pelo atual presidente. Na memória política recente do Brasil não houve uma virada política tão pronunciada como a que se registrou nas eleições de outubro.

Mas é a plena consciência que tanto AMLO como Bolsonaro exibem de sua condição de fenômenos políticos que os faz começar a agir do mesmo jeito. Bolsonaro e AMLO foram percebidos como forças políticas capazes de “mudar o sistema”. Nesse sentido, pouco importam as notórias diferenças ideológicas: a mensagem central que Bolsonaro e AMLO empregaram com êxito foi dizer que a política não será mais como antes.

Ambos estão fascinados pelo que identificam como a possibilidade de “falar diretamente” com o eleitor (ou o povo, a sociedade, o País, como se quiser). AMLO assumiu no começo do mês e já deu uma demonstração do que entende por diálogo direto. Organizou como presidente eleito uma espécie de plebiscito no qual o “voto popular” optou por encerrar um gigantesco projeto de infraestrutura, um novo aeroporto junto da Cidade do México, no qual já haviam sido enterrados 13 bilhões de dólares.


Ao ser diplomado no começo da semana, Bolsonaro soltou a frase que parece mesmo orientar boa parte de seu pensamento político (pois não foi improvisada): o poder popular não precisa mais de intermediação, à medida em que novas tecnologias permitiram uma relação direta entre o eleitor e seus representantes. É irresistível a tentação de julgar que o capital político acumulado na expressiva vitória eleitoral não só pode, mas “deve” ser transformado num instrumento de governo, por sua vez entendido como a concretização da “vontade popular” sem atravessadores.

Apenas como exercício teórico, vamos ignorar aqui os obstáculos institucionais, legais ou de coordenação política – no México como no Brasil – que inevitavelmente retardam, modificam ou mesmo impedem que se realize essa “vontade” direta, sem intermediação. Os fenômenos políticos de AMLO e Bolsonaro são em boa medida apostas contra o tempo, ou seja, eles não desfrutarão do prazo que esses mandatários gostariam de dispor para responder aos anseios de transformação, mudança e destruição do “sistema” que os levaram ao poder – fora o resto.

Não sei com que olhos AMLO e Bolsonaro enxergam um colega que os antecede por uns dois anos no posto, Mauricio Macri, da Argentina. Lembram-se? Ele também foi festejado como um fenômeno político relevante dado “el cambio” que representou ao se eleger. As reformas pretendidas por ele pararam a meio caminho. O sucesso político também. Será que Macri não foi “direto” o suficiente?

O doutor Chirinos

Por seu prontuário, seu narcisismo, seus delírios e seus crimes, parece um homem inventado, mas o doutor Edmundo Chirinos existiu, e os espanhóis que vão ao teatro acabam de comprová-lo vendo em cena o espetáculo "Sangre en el Diván" dirigido e protagonizado pelo diretor e ator venezuelano Héctor Manrique.

Nesse monólogo de uma hora e meia que mantém o público sobressaltado e meio afogado pelas gargalhadas, o próprio doutor Chirinos nos conta sua odisseia: foi psiquiatra, reitor da Universidade Central da Venezuela, membro de sua Assembleia Constituinte, candidato à presidência lançado pelo Partido Comunista, e teve entre seus pacientes nada menos que três presidentes da República: Jaime Lusinchi, Rafael Caldera e o comandante Hugo Chávez. Homem influente e poderoso, por seu consultório passaram milhares de pacientes, dos quais abusou com frequência e inclusive assassinou, como a estudante Roxana Vargas, um crime pelo qual passou seus últimos anos de vida na prisão.

O mais extraordinário do espetáculo talvez não seja a esplêndida recriação que Héctor Manrique faz de tal personagem, vestindo-se e desvestindo-se, cantando, dançando e delirando sem trégua, exibindo sua egolatria e excesso até extremos disparatados, mas sim que tudo aquilo que o doutor Chirinos diz no palco ele disse de verdade a uma jornalista, Ibéyise Pacheco, que gravou e depois publicou o material em um livro que leva o mesmo título da peça teatral, adaptada e dirigida pelo próprio Héctor Manrique.

Conheci Héctor há muitos anos, em Caracas, porque dirigiu uma peça minha, Al Pie del Támesis – uma bela montagem, diga-se de passagem –, que depois levou à Colômbia. O comandante Chávez estava só começando a obra de demolição de uma Venezuela cuja vida cultural ainda fosforescia por sua diversidade e riqueza. Não só o teatro como também a dança, a pintura, a música e a literatura. Mas o país vivia um perigoso deslumbramento com o militar golpista, cujo levante contra o Governo legítimo de Carlos Andrés Pérez havia sido reprimido por um Exército leal às leis e à Constituição. Como é sabido, o comandante sedicioso, em vez de ser julgado, foi indultado pelo presidente Rafael Caldera e se tornou em pouco tempo um líder popular que arrasou nas eleições.

Custava-me entender isso. Como um país que tinha sofrido ditaduras tão ferozes no passado e que tinha lutado com tanta fidalguia contra o regime espúrio de um Marcos Pérez Jiménez podia cair rendido à demagogia de um novo caudilhozinho truculento, inculto e mal falado? Com uma exceção, entretanto: os intelectuais. Eles foram muito mais lúcidos que seus compatriotas. Com poucas exceções – praticamente caberiam numa só mão –, mantiveram-se na oposição ou pelo menos guardando uma distância prudente, sem participar do deslumbramento coletivo, da absurda crença, tantas vezes desmentida pela história, de que um homem forte poderia resolver todos os problemas sem as tramas burocráticas da inepta democracia.

A Venezuela daqueles anos, com suas grandes exposições, seus festivais internacionais de música e de teatro, com suas editoras flamejantes, seus museus e seus encontros e congressos que atraíam a Caracas os pensadores, escritores e artistas mais celebrados no mundo, agora está morta e enterrada. E levará muitos anos e enormes esforços para ser ressuscitada.

Os discursos que o delitivo doutor Edmundo Chirinos regurgita perante o público em "Sangre en el Diván" se parecem muito com os do comandante Chávez, lançando uma chuva de impropérios contra a morosa e corrupta democracia e prometendo o paraíso imediato a seus crentes. Os venezuelanos que acreditaram nele se deram tão mal quanto os iludidos pacientes do psiquiatra que terminavam deixando seu sangue no divã. Muitos deles agora comem só o que encontram no lixo.

A peça que Héctor Manrique interpreta não foi proibida na Venezuela – pelo contrário, acumula quatro anos em cartaz e muitas dezenas de milhares de espectadores –, talvez porque os censores sejam menos perceptivos do que seu triste ofício exigiria, e, também porque, à primeira vista, Sangre en el Diván poderia parecer um caso à parte, o de um indivíduo fora do comum, a tão famosa exceção à regra, a “mosca branca”.

Entretanto, não é assim. Muito do que depois viria a ocorrer na Venezuela é mostrado, de forma resumida sobre o palco, na sinistra odisseia do doutor Edmundo Chirinos, no seu poder acumulado a partir da fraude e sua loquacidade doentia. Renunciar à razão pode dar frutos extraordinários nos campos da poesia, a ficção e a arte, como sustentaram o surrealismo e outros movimentos de vanguarda. Mas entregar-se à injustiça, ao puramente emotivo e passional, é muito perigoso na vida social e política, um caminho seguro para a ruína econômica, a ditadura, enfim, para todos esses desastres que levaram um dos países mais ricos do mundo a se tornar um dos mais pobres e a ver milhões de seus habitantes se lançarem ao exílio, mesmo que seja andando, para não morrer de fome.

De nada disso falamos com Héctor Manrique quando desci aos camarins do teatro para lhe dar um abraço e parabenizá-lo. Perguntei-lhe se é verdade que não há uma palavra em seu monólogo que o doutor Chirinos não tenha dito de verdade, e me confirmou que é assim, e me apresentou ainda a Ibéyise Pacheco, que foi quem o entrevistou durante muitas horas na cela da prisão onde estava confinado pelo assassinato de uma paciente. Eu gostaria de ter recordado com Héctor aqueles lindos anos em que a literatura e o teatro nos pareciam as coisas mais importantes do mundo, e também toda a Venezuela parecia acreditar nisso, a julgar pelas revistas culturais que saíam a cada semana e pela quantidade de novos escritores, artistas e companhias de teatro e de concertos que surgiam e disputavam as noites de Caracas. Aquilo ocorria não só na capital, mas também no interior do país, onde apareciam novas universidades e novos artistas. A Venezuela inteira parecia tomada então por uma avidez frenética de cultura e criatividade. E de lembrar grandes amigos que já não estão mais aqui, como Salvador Garmendia e Adriano González León, o autor de País Portátil, um magnífico romance, que, dizem-me, caiu subitamente morto no bar onde sempre tomava a saideira, e daquele grupo revoltoso de jovens, El Techo de la Ballena, que semeou Caracas de escândalos anarquistas.

A única coisa boa das ditaduras é que, embora provoquem desastres, sempre morrem. Com o passar do tempo, sua lembrança vai se empobrecendo e, às vezes, os povos que as padecem chegam a se esquecer que as padeceram. Mas duvido que ocorra tão cedo com a que transformou a Venezuela num país que não é nem sombra daquele que conheci em meados dos anos sessenta. Tomara que o horror que viveu todos estes anos, transformada praticamente em um dos sanguinários delírios do doutor Edmundo Chirinos, a poupe de no futuro voltar a renunciar à razão e à sensatez, que na política são a única garantia de não perder a liberdade.

Bem-vinda, velha política!

Bolsonaro chegou à Presidência representando a revolta contra o sistema. O sentimento que o elevou ao poder —o mesmo que se viu, por exemplo, na greve dos caminhoneiros— é francamente revolucionário. Foi o voto de confiança numa figura messiânica que prometia, com a sua força redentora, "acabar com essa palhaçada" que é a velha política brasileira.

Foi um verdadeiro feito de marketing que um deputado com 27 anos de Câmara, boa parte deles no PP, que loteou a política carioca com seus filhos, um membro do baixo clero do que há de mais velho na política nacional, tenha conseguido se vender como um renovador radical que veio para limpar tudo. Antes mesmo de iniciar o mandato, contudo, a imagem do "mito" já está se desfazendo, para revelar o que ele de fato sempre foi: um velho político.


As revelações do Coaf sobre as transações suspeitas do ex-assessor de Flávio Bolsonaro apenas ilustram o fato. É cedo para tirar qualquer conclusão, mas é uma possibilidade que Flávio Bolsonaro cobrasse mesada dos cargos comissionados de seu gabinete. Se for isso mesmo, ele apenas fez o que tantos políticos e partidos brasileiros sempre fizeram. É como a política brasileira funciona.

O caixa dois, o "dízimo" para o partido ou para o representante, o carguinho para amigos e familiares, a aliança com indivíduos suspeitos. Tudo isso é ruim, e o Brasil será um país melhor quando essas práticas forem menos abrangentes. Mas isso dependerá de reformas do sistema, e não da perseguição implacável a cada um dos que simplesmente jogaram o jogo e tiveram o azar de serem pegos. Não é, portanto, um motivo para demonizar o novo governo.


Bolsonaro surfou a onda jacobina dos que estão prontos a cortar a cabeça de qualquer pequena transgressão das regras, ou até de qualquer suspeita de transgressão. Seus militantes eram taxativos: o PT? Totalmente corrupto. Alckmin? Escândalo das merendas. Marina? Foi do PT. Se aplicássemos a mesma condenação inflexível ao governo Bolsonaro —a Onyx Lorenzoni, que já admitiu ter recebido caixa dois, ao ex-assessor de Flávio Bolsonaro, à contratação da Wal do Açaí, ao ministro do Meio Ambiente que é réu na Justiça—, ele próprio iria para a guilhotina.

A única dúvida agora é saber se ele governará como político ou se tentará ainda manter o discurso antipolítico da campanha. Bolsonaro diz que governará sem "toma lá dá cá". Fará diferente de Temer, que para aprovar suas medidas abriu as portas dos ministérios e as torneiras das emendas parlamentares?

Até agora, a promessa parece estar sendo cumprida, mas isso não é necessariamente bom. Bolsonaro tem, em suas nomeações, praticado apenas o "toma lá", sem nenhuma expectativa que as bancadas e partidos beneficiados "deem cá" qualquer contrapartida. Está entregando o país a ruralistas, militares, evangélicos e ideólogos da extrema direita sem exigir nada em troca (como apoio a medidas impopulares mas necessárias ao país). Não tem sido um espetáculo edificante ou particularmente virtuoso e arrisca nos deixar, por exemplo, sem uma boa reformada Previdência.

A política é o exercício de conciliar interesses e ideias contraditórios. Isso por vezes é feio e fere nosso purismo ético e ideológico, mas a única alternativa é a violência. Salvo um golpe, Bolsonaro ou governará fazendo política ou não governará. Melhor já ir se acostumando à realidade como ela sempre foi.
Joel Pinheiro da Fonseca

Imagem do Dia

Granada, Margaret Merry

Silêncio de Fabrício diz muito sobre os Bolsonaro

Fabrício 'Coaf' Queiroz tomou chá de sumiço. Desapareceu há 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 dias. É uma pena, pois muitos esperavam que explicasse rapidamente o trânsito "atípico" de R$ 1,2 milhão na sua conta bancária. Mas dá para ver o lado bom da situação, mesmo que seja preciso procurar um pouco. Basta dar ouvidos a tudo o que não foi dito, para perceber que há método no silêncio do "amigo" de Jair Bolsonaro e ex-motorista do primogênito Flávio Bolsonaro.

Bem-aventurado o figurante Fabrício que, não tendo nada a dizer, se abstém de demonstrá-lo em palavras. Sua ausência obrigou os protagonistas a ocuparem o palco. Seu silêncio permitiu à plateia ouvir os ruídos produzidos pelos Bolsonaro. O pai atribuiu os R$ 24 mil repassados para a futura primeira-dama Michelle Bolsonaro ao pagamento de empréstimos não-contabilizados que fizera a Fabrício. O filho disse ter ouvido do ex-assessor "uma história bastante plausível".


Há utilidade no silêncio do correntista "atípico" que se escondia na folha do gabinete do primeiro-filho até dois meses atrás. Só os surdos não percebem que a eloquência da mudez de Fabrício potencializa a superficialidade do que foi expressamente transmitido por Jair e Flávio Bolsonaro. O pai disse ter emprestado R$ 40 mil a um amigo que movimenta R$ 1,2 milhão no banco. O filho recusa-se a esmiuçar a "história bastante plausível" que alega ter escutado de Fabrício.

Há sabedoria no silêncio de Fabrício. O bocejo que preenche há uma semana o imenso vazio da mensagem em branco do ex-motorista estimula a suspeita de que vem aí uma resposta ensaiada. Se providenciasse explicações ligeiras, repletas de lacunas, Fabrício viraria instantaneamente o bode expiatório, aquele que apanha para que outros escapem. A demora permite a investigadores e repórteres colecionar dados que deixam mal também os bodes 'exultórios'.

No sistema bancário brasileiro, o limite entre o que pode e o que não pode é a capacidade do Coaf de descobrir o tamanho da atipicidade de um agente público. Se existisse resposta fácil para o que já foi detectado, os Bolsonaro teriam ordenado a Fabrício que subisse no caixote. Deve-se demora ao desejo de saber até onde o Coaf, os procuradores e a imprensa podem chegar. A essa altura, não convém dizer mentiras que não possam ser provadas nem encenar explicações para as quais o público não esteja ensaiado.

Poucas vezes um silêncio soou tão eloquente quanto o mutismo de Fabrício 'Coaf' Queiroz .

Boa chance, tempo curto

A primeira parte foi cumprida: Bolsonaro completou seu ministério sem o toma-lá-dá-cá. Nomeou políticos eleitos e não eleitos, mas sem qualquer acordo com partidos, nem mesmo com o seu. Como ficou?

Admitindo-se que as duas pautas principais são as reformas econômicas e o combate à corrupção, o governo saiu bem arrumado e com boas chances. Paulo Guedes, o futuro super-ministro da economia, montou um time coeso e aparelhado. E, na outra área, Sérgio Moro, ele mesmo uma indicação acertadíssima, também escalou nomes credenciados e treinados no ambiente da Lava Jato.

Então, qual o problema?

Há mais de um. Começa que tanto a pauta econômica quanto a de combate à corrupção passam necessariamente pelo Congresso. A mais importante reforma, a da previdência, exige a votação de emenda constitucional, cuja aprovação requer o voto de 3/5 dos deputados e senadores, em dois turnos. Privatizações são mais simples, mas ainda assim dependem vários projetos de lei. Não esquecer que ainda está em vigor uma liminar do ministro Lewandowski determinando que cada privatização precisa de uma lei específica.

Moro também já disse que vai propor uma ampla agenda legislativa que avança direto sobre as formas antigas de fazer política – e de financiar partidos e seus líderes.

Como obter maiorias para isso tudo?

Apelando diretamente às baes via redes sociais – essa foi a clara indicação de Bolsonaro no discurso de diplomação. Ou seja, em vez de oferecer cargos e dinheiro aos parlamentares, o presidente eleito acena (ameaça?) com pressão exercida de fora.

Vai funcionar? – já perguntaram a Bolsonaro. A resposta dele foi interessante. Mais ou menos assim, em livre interpretação: ainda não sabemos, mas sabemos que o jeito antigo de fazer política não funcionou.

Observando a cena do lado dos deputados e senadores, a questão prática será a seguinte: aceitar a pressão e aprovar a agenda do governo ou resistir, emparedar o presidente e obrigá-lo a sair no varejo negociando votos?

Políticos experientes sempre tratam de adivinhar para que lado o vento sopra. E neste momento, e por um bom tempo, sopra a favor de Bolsonaro. Além dos recentes milhões de votos, sua popularidade melhorou das eleições para cá e uma boa maioria acha que ele fará um bom governo.

Tudo considerado, não é bom negócio – para usar a linguagem adequada – tentar emparedar o presidente. Melhor para a sobrevivência política, ao menos por ora, é votar a agenda do presidente, deixando claro que é agenda dele nos casos de temas mais controvertidos. Algo assim: olha pessoal, a gente não gosta muito dessas reformas, mas o presidente está pedindo . . .

Vai daí que Bolsonaro começa em boas condições para aplicar suas propostas. Mas não tem o tempo todo. Se demorar a definir suas prioridades, se ficar enrolando em debates internos, enfim, se não entregar algo concreto logo de saída, a popularidade e a força eleitoral vão se diluindo. E, na proporção inversa, aumenta o poder da velha política.

É por isso que muitos integrantes do novo governo falam, por exemplo, em votar a reforma da previdência, ou melhor, em começar a votar ainda no primeiro semestre, na Câmara. Também precisam mostrar rapidamente alguma coisa nas privatizações, item que atrai a atenção dos investidores locais e internacionais. Moro também parece estar apressando seus projetos.

Esse é o jogo que está em andamento.

O outro lado da história está nas bases de Bolsonaro. Por exemplo: os militares querem aumento de salário, quando, lá na equipe econômica, todo mundo sabe que o segundo maior problema das contas públicas está justamente nos gastos com a folha salarial.

O maior problema, na União, nos estados e municípios, está na despesa com pensões e aposentadorias, inclusive nas aposentadorias especiais de policiais e militares, entre outras categorias. Como mexer nas aposentadorias de todo mundo menos naquelas de poucos grupos?

O presidente vai precisar usar com os seus a mesma autoridade com a qual pretende ganhar votos no Congresso.

Tem muita coisa em jogo nos primeiros meses.

Segundo mais caro do mundo, Congresso brasileiro tem parlamentares demais?

O Brasil tem o segundo Congresso Nacional mais caro do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, segundo dados da União Interparlamentar, organização internacional que estuda os legislativos de diferentes países.

Cada um dos 513 deputados brasileiros e dos 81 senadores custa mais de US$ 7 milhões por ano - seis vezes mais que um parlamentar francês, por exemplo.

Como forma de cortar gastos públicos, o presidente eleito, Jair Bolsonaro, propôs durante a campanha reduzir o número de deputados federais de 513 para 400. Ele argumentou que os deputados "custam caro" e têm "muitas mordomias".


O número de representantes nos parlamentos costuma guardar alguma proporcionalidade com o tamanho da população. Com base nessa lógica, em tese, quanto mais populoso um país, maior seria o seu Legislativo. Na prática, não é bem isso o que acontece.

O Brasil tem uma população de 209,3 milhões de habitantes e um Congresso Nacional com 594 parlamentares (513 deputados e 81 senadores). Da América Latina, é a nação mais populosa e o terceiro país com mais deputados federais, atrás apenas do México (628) e de Cuba (605).

Mas, quando comparado a alguns dos principais países da Europa, nosso país não assusta em número de parlamentares. Na França, existem atualmente 924 deputados e senadores para representar apenas 67 milhões de habitantes.

A Alemanha tem mais de 778 parlamentares (709 da assembleia legislativa e 69 do Conselho Legislativo Federal), a Itália conta com 950 (630 deputados e 320 senadores), e o Reino Unido tem mais de 1,4 mil (650 integrantes da Câmara dos Representantes e 791 da Câmara dos Lordes). Esses três países possuem populações muito menores que a brasileira - entre 60 e 80 milhões de habitantes.

Na Ásia, os países com legislativos maiores que o brasileiro incluem Japão (704), Índia (779), Mianmar (654) e China (2.980). Já os Estados Unidos possuem uma população maior que a brasileira, de 325 milhões, mas um Congresso menor, com 535 integrantes.

"Os Estados Unidos são o único exemplo que você vai encontrar de tamanho populacional maior que o Brasil e menos deputados", destaca o professor de ciência política da Universidade Federal de Minas Gerais Carlos Ranulfo, coordenador do Centro de Estudos Legislativos.

"Somos uma Câmara grande porque somos um país com população imensa. Em termos de proporcionalidade, seria até razoável ter mais deputados. Mas não seria funcional ter 800 parlamentares."

Para o professor da UFMG, um dos objetivos em cortar o número de deputados poderia ser facilitar as negociações para aprovação de projetos de interesse do governo.

Isso porque o excesso de partidos políticos no Brasil - atualmente são 30 com representação no Congresso - historicamente exigiu que o presidente formasse coligações amplas com várias siglas e trocasse a aprovação de propostas por ministérios e emendas parlamentares.

Em tese, seria mais fácil negociar com 15 partidos do que 30, e com 400 deputados em vez de 513. "Acho que a verdadeira intenção é controlar melhor o parlamento. Se reduzisse para 400 deputados, isso automaticamente diminuiria o número de partidos. Mas uma proposta assim dificilmente seria aprovada pelos próprios deputados e senadores", avalia Carlos Ranulfo.