sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

O stress da liberdade

Uma amiga francesa mandou-me um link sobre um livro francês que defende a criação de novos vocábulos em substituição da adoção de palavras estrangeiras, baseando-se na afirmação de Wittgenstein de que «os limites da minha linguagem significam os limites do meu próprio mundo». Uma dessas palavras que, pelos vistos, faz falta à língua francesa (e à portuguesa) é Freizeitstress, palavra alemã que quer dizer à letra «stress do tempo livre» e traduz a angústia do homem do século XXI, «devastado entre procrastinação, sede de viver e medo de agir». O autor do livro, Laurent Nunez, explica porquê: antes de 1914, um camponês ou operário francês vivia 500 000 horas, trabalhando 200 000 e dormindo outras 200 000; restavam-lhe 100 000 para tudo o resto; hoje, a esperança de vida em França é de 700 000 horas. Dedicam-se 30 000 ao estudo, 70 000 ao trabalho e dorme-se menos duas horas por dia do que antes da Primeira Guerra Mundial. Temos, pois, 400 000 horas para tudo o resto – e é tanto que não sabem as pessoas o que fazer dele, pensando erradamente que não têm tempo para nada… Laurent Nunez conclui que talvez não gostemos assim muito de liberdade. Mesmo quando não temos uma palavra para dizer o que sentimos, ao contrário dos alemães.

Pensamento do Dia


Bolsonaro quer índio 'igual a nós'! O que é igual?

Um grupo de cerca de 80 indígenas, representantes de 40 etnias, foi ao escritório do governo de transição para tentar um contato com Jair Bolsonaro. Eles tinham um pedido a fazer: queriam que a Funai permanecesse no Ministério da Justiça, que será comandado por Sergio Moro. Os índios não foram recebidos. E a reivindicação que eles não tiveram a oportunidade de fazer foi ignorada.

Depois de cogitar o encaixe da Funai no organograma da Agricultura, onde as terras indígenas ficariam automaticamente subordinadas aos interesses do agronegócio, Bolsonaro decidiu enfiar a entidade que cuida dos índios dentro do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. A pasta será chefiada pela pastora evangélica Damares Alves —uma espécie de sub-Magno Malta, de quem ela foi assessora.

O grupo de indígenas tinha uma razão objetiva para pedir que a Funai ficasse com Sergio Moro. Um dos grandes problemas dos índios brasileiros é o eterno conflito fundiário. E o único ministério aparelhado para deter a violência é o da Justiça, que dispõe da força da Polícia Federal. Mas o novo governo acha que tudo ficará bem porque a ministra Damares é “mãe de uma índia” e Bolsonaro está decidido a integrar os índios à sociedade.

Na velha marcha de Carnaval, o índio queria apito. Hoje, diz Bolsonaro, “o índio quer médico, quer dentista, quer televisão, quer internet.” O capitão promete: “Vamos proporcionar meios para que o índio seja igual a nós.” Faltou definir o que é “igual a nós” num país em que, segundo o IBGE, o número de pobres roça a casa dos 55 milhões de brasileiros. Essa gente, que tenta sobreviver com até R$ 406 por mês, deveria formar uma nova tribo e marchar sobre Brasília para exigir de Bolsonaro o que ele promete aos índios: uma grande reserva, com segurança de condomínio fechado, médicos do Sírio Libanês, dentistas bancados pelo contribuinte, TV a cavo e internet de graça.
Josias de Souza

Honra aonde?

Eu me senti na obrigação de defender a honra do Supremo
Ricardo Lewandowsk, ministro do STF

Trabalho não é caso de polícia

Não é novidade para ninguém que a natureza do trabalho mudou muito, sobretudo nos últimos dez anos. Com as revoluções da automação e da informação, trabalhar da maneira tradicional, dentro de uma linha de produção ou num escritório, tornou-se quase um luxo. A natureza do trabalhador também está mudando, e muito rapidamente. Empresas procuram cada vez mais gente fora do balcão tradicional. Querem profissionais reconhecidos mais pelas suas habilidades humanísticas do que técnicas, com competências subjetivas, mais difíceis de se reconhecer e avaliar.

Na Califórnia, a Zume, uma pizzaria controlada inteiramente por robôs, que fazem a massa, montam e assam a pizza, virou um sucesso de tal ordem que um banco investiu US$ 375 milhões na ideia , e a empresa já vale no mercado US$ 2 bilhões, antes mesmo de se multiplicar. Uma pizzaria dessa não precisa de pizzaiolo, mas de gente que tenha ideias que a ajude a crescer e se transformar. A McKinsey Consultoria fez uma pesquisa em que revela que empresas que diversificam seu quadro de pessoal são mais competitivas e faturam mais.


Um estudo feito pela Desire2Learn, empresa criada para ajudar outras a aprender melhor num mundo tecnológico, mostra que a Inteligência Artificial mudou substancialmente o perfil dos profissionais que grandes empresas procuram. A formação tradicional e mesmo a graduação superior se tornam menos relevantes. As grandes empresas de tecnologia, por exemplo, preferem investir em quadros de perfis diversificados que venham de bootcamps, aqueles cursos imersivos e ultrarrápidos que dão habilidades tecnológicas a pessoas de outras áreas, do que em técnicos graduados que pensam dentro da caixa.

Essa nova forma de ver o trabalho, de acordo com a Desire2Learn, em que são mais valorizadas as pessoas capazes de fazer apenas o que seres humanos fazem, como pensar criativamente, saber tomar decisões, usar a empatia para envolver equipes, ser adaptável a circunstâncias, é vital já a partir de agora. O trabalho mudou, se sofisticou, o mundo mudou. No Brasil não deveria ser diferente. Mas aqui, pelo menos no que diz respeito ao governo que se instala em janeiro, o tema trabalho foi relegado a plano secundário. Esquartejado em vários ministérios, teve uma de suas partes, a que cuida da organização sindical, transformada em problema de polícia.

O novo ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, ao explicar o fatiamento do Trabalho, disse que ele ficará majoritariamente no Ministério da Justiça, sobretudo “aquela secretaria que cuida das cartas sindicais, que foi foco de problema”. O xerife, quer dizer, o futuro ministro da Justiça, Sergio Moro, disse tratar-se de “um setor em que houve muita corrupção no passado; o objetivo dessa transferência é que, sob o guarda-chuva do Ministério da Justiça, possamos eliminar qualquer vestígio de corrupção”. Nenhuma dúvida, trata-se de um problema. Tanto que um ministro do Trabalho foi demitido recentemente por esta razão.

Mas, francamente, se todos as repartições públicas que tiveram algum foco de problema ou corrupção no passado forem transferidas para a Justiça, não fica um, meu irmão. Bolsonaro pode realizar o milagre de operar com o Ministério reduzido ao do Moro. A questão do trabalho não deveria ser esta. O novo governo precisa estar fundamentalmente preocupado em como gerar empregos no Brasil. E mais, como ajudar a gerar empregos modernos num mundo moderno. Claro que mão de obra rápida e barata, para ocupar a multidão brasileira de desempregados, é ainda mais urgente. Mas o mundo avança na velocidade da informação, e o Brasil parece preocupado em olhar apenas o retrovisor.

É evidente que manter o Ministério do Trabalho não significa aumentar a empregabilidade. Do jeito que é tocado, ele só garante o emprego do ministro e dos seus assessores. Mas, não adianta, resta o problema grave do desemprego. Tão grave que é assunto cotidiano mesmo num país rico e desenvolvido como os EUA. O presidente Trump é obsessivo com o tema, o que talvez lhe garanta a reeleição. Num país como o nosso, com 12,4 milhões de desempregados e com outros 15,3 milhões vivendo na extrema pobreza, segundo a Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE, trabalho é coisa tão séria que sua gestão deveria estar alocada no gabinete do presidente da República.

Idade mínima é pouco

Há duas visões extremas sobre a reforma da previdência. Pela primeira, até bastante popular no mercado financeiro, feita a reforma, tudo o mais se resolve quase automaticamente. A mudança estanca o crescimento do déficit previdenciário, sinaliza a arrumação das contas públicas, restabelece a confiança de empresário e consumidor, e estamos conversados.

Pela segunda, a reforma não é lá essas coisas. Quer dizer, nem é tão necessária, nem resolve os problemas centrais da economia brasileira que, nessa visão, estão, por exemplo, nos juros altos e na falta de investimento público.

Olhando pelo avesso da primeira visão, sem a reforma, o governo Bolsonaro acaba e o país amarga mais um retrocesso.

Pela segunda, feita a reforma, o país continua sem crescer e até perde consumidores.

O presidente eleito estaria de qual lado?


Pelas suas últimas declarações, ele não vê urgência na reforma. Ontem, é verdade, ele disse que vai encaminhar sua proposta no começo do governo e que o Congresso estará votando ainda no primeiro semestre de 2019. Por outro lado, disse que pretende fazê-la fatiada e começando por um pequeno aumento na idade mínima de aposentadoria, talvez de mais uns dois anos.

Comentou também que isso seria o possível de passar no Congresso, indicando que, para ele, os deputados e senadores também não veem urgência na reforma.

Ou seja, estariam todos mais perto da segunda visão, a de que o déficit previdenciário não é um problema tão grande assim.

Essa visão é, em si, um baita problema.

Permitam alguns números: há oito anos, 37% das despesas totais do governo federal se destinavam ao pagamento de aposentadorias; hoje, 50% e, sem reforma, crescente. E se aumentam os gastos com previdência, necessariamente caem os outros, especialmente com investimentos. Hoje, o governo federal investe – obras, infraestrutura etc. – algo como 0,5% do PIB, um valor ridículo. Não é preciso mostrar as consequências desastrosas que ocorreriam se mantida essa tendência.

Ou seja, a reforma da previdência, do INSS e a pública, é não apenas necessária, indispensável e urgente. Também precisa ser ampla.

Uma pequena elevação da idade mínima certamente não resolve. Aliás, nem está claro como isso será aplicado para o regime do INSS e para os servidores.

O presidente eleito também disse que um dos objetivos da reforma é eliminar privilégios. Isso é correto e dá um sentido político à proposta. Não se trata de cortar direitos – como alardeiam os opositores – mas de cortar desigualdades e injustiças.

Há muitas injustiças. Ontem mesmo o Ministério da Fazenda divulgou um estudo mostrando que 40% dos gastos previdenciários vão para pessoas situadas no grupo dos 20% mais ricos. E apenas 3% vão para os 20% mais pobres.

Há mais: dos 35 milhões de aposentados do INSS, cerca de seis milhões (18%) conseguiram o benefício por tempo de contribuição, aos 55 anos em média. Levam mais de 30% dos pagamentos e recebem R$ 3 mil/mês em média. Os mais pobres, a maioria, se aposentam por idade, 65 anos, e ganham um e meio salário mínimo.

Uma pequena elevação da idade mínima, que, obviamente não pode referir a esses mais pobres, nem arranha essa desigualdade. É preciso alterar de maneira substancial as regras de obtenção da aposentaria.

Tudo considerado, para o momento, a melhor alternativa, disparado, seria tentar aprovar a proposta apresentada pelo governo Temer, que já tramita no Congresso, e garante uma economia de R$ 500 bilhões no gasto previdenciário em dez anos.

Não seria uma reforma definitiva. Para o ano que vem, o déficit previsto do INSS se aproxima dos R$ 220 bilhões; e o do regime dos servidores, R$ 88 bilhões, e isto para pagar um milhão de aposentados.

Mas a proposta Temer certamente seria um bom começo.

Ao que parece, o presidente eleito não quer assumi-la justamente por isso, por ser uma ideia do velho governo “para matar idosos”, como já disse Bolsonaro.

Não é um bom começo para um governo que está gerando boas expectativas nos meios econômicos. O presidente poderia aproveitar esse ambiente e sua popularidade inicial para tentar uma reforma mais abrangente.