domingo, 24 de janeiro de 2016

A força da lei do mais forte

Há alguns dias, uma imensa pedra se desprendeu e rolou morro abaixo sobre uma comunidade em Vitória. Por sorte, não acertou ninguém, e não se perderam vidas, mas destruiu tudo o que estava em seu caminho. Além disso, abalou o equilíbrio que mantinha no lugar um conjunto de blocos de granito. Outras pedras de várias toneladas podem rolar a qualquer momento. A Defesa Civil — que já havia alertado os moradores sobre os riscos do lugar onde estavam se estabelecendo — evacuou a área e tomou providencias para que as famílias deslocadas se abrigassem em espaços provisórios enquanto durem as obras de contenção.

A partir daí, repete-se o quadro que vemos por todo o país diante de catástrofes semelhantes — sejam elas deslizamentos, enchentes ou de qualquer outra natureza. Alguns moradores têm de ser retirados quase à força e, na primeira oportunidade, voltam aos locais de onde foram obrigados a sair. Mesmo correndo grandes riscos, muitas vezes não conseguem seu objetivo: defender o que é seu, tudo o que têm na vida.


Não podem contar com um policiamento eficiente para proteger os parcos bens, adquiridos com tanta dificuldade. Os ladrões são mais rápidos. Em poucas horas, saqueadores já arrombaram e depenaram as casas, levando roupas, móveis, eletrodomésticos. O tão celebrado homem cordial brasileiro mais uma vez revela sua compaixão zero. E nisso não é diferente dos saqueadores que fizeram algo parecido em Nova Orleans após a passagem do furacão Katrina. 

Analistas falam em refreamento da solidariedade e da empatia. Ou acirramento da competição e da hostilidade. Em terras tupiniquins, somada à mais absoluta certeza de impunidade. Até mesmo com as desculpas cínicas desse personagem bem nosso, o ladrão coitadinho, que também é carente de tudo e precisa pensar no amanhã de sua família, ou acha que nesse caso não haveria lei proibindo, já que eram bens abandonados, largados, deixados para trás, sem dono.

Em outra escala, algo disso se repete nos desvios de merenda escolar ou de doações para vítimas de enchentes, e no que agora ocorreu após o rompimento da barragem em Mariana. Chega a ser inacreditável. Antes de mais nada, roubar máquinas que trabalhavam para começar a minorar os efeitos de uma tragédia dessa dimensão é falta de compaixão e de responsabilidade cívica em grau extremo, indigna da espécie humana. Qualquer bando de cachorros vadios tem mais sentido de coletividade.

Então uma quadrilha consegue roubar do canteiro de obras as retroescavadeiras e demais máquinas que lá estavam, sendo utilizadas para começar a recuperar o terreno destruído e recoberto da lama de dejetos? Tantas assim? Tão grandes? Tão lentas? Sem deixar pistas? Ninguém se deu conta? Foram abduzidas pelo ET de Varginha, que anda atacando novamente? Não dá para imaginá-las sendo removidas de balão ou helicóptero, sem serem detectadas pela Polícia Rodoviária. Ou, como nas histórias em quadrinhos, de super-heróis e supervilões, sendo borrifadas de tinta invisível ou sofrendo os efeitos de um raio desintegrador que só iria reintegrá-las muito longe, talvez no Planeta Mongo. A não ser que estejam em algum esconderijo subterrâneo, junto com as vigas de concreto roubadas da Avenida Perimetral, nas barbas de todo mundo, e jamais localizadas.

Como ninguém percebeu algo dessa dimensão? Dá para acreditar nessa história mal contada? A ousadia de uma ação dessas só se explica se houver a certeza absoluta da impunidade. Da mesma forma que esses desvios de milhões do dinheiro publico, de que o país não para de tomar conhecimento. Tudo amparado na convicção de que a lei não é para valer, sempre pode ser burlada — experiência que se repete na vida do cidadão. Ou se repetia, o que só confirma a importância da Lava-Jato e do julgamento do mensalão.

Mas as leis físicas se impõem — nas barragens que se rompem, nas encostas que deslizam com as chuvas, nos rios assoreados que inundam cidades impermeabilizadas onde suas águas não encontram a porosidade da terra. Ou na poluição do ar pelos combustíveis fósseis ou pelo pó de minério ao longo das ferrovias de mineradoras. Ou no esgoto que emporcalha as praias brasileiras, de Santa Catarina ao Maranhão, passando pela triste Baía de Guanabara. Também as leis da economia, em sua inexorável matemática, estão mostrando no que dá gastar mais do que se ganha ou fingir que se cresce sem produzir mais.

Só que essas leis físicas ou matemáticas não cedem a argumentos, slogans ou chicanas, nem estão sujeitas a serem compradas por quem dá mais — como os depoimentos e investigações da Lava-Jato estão revelando que acontece com emendas enxertadas em medidas provisórias, às escondidas, mediante propina a políticos, uma das mais repugnantes práticas de corrupção jamais inventadas. A confirmar, para nossa desgraça, que estamos sob o domínio da Lei da Selva. Resta à população aguentar a consequência e lembrar disso na hora do voto. Se não estiver anestesiada.

Ana Maria Machado

O deserto de nossas desesperanças

O país parece sem bússola. Navega ao léu. O povo começa a demonstrar receio com o que ainda está por vir. Por onde se anda, eis o tom da conversa: o fundo do poço é mais adiante. O medo ultrapassa os limites das tensões circunstanciais. A onda de desemprego cresce. O biênio 2015/2016 sinaliza mais de 2,5 milhões de trabalhadores perdendo seus postos de trabalho. Há 10 milhões de desempregados angustiados. A violência continua a fazer destroços nos centros e nos bairros periféricos, colocando as pessoas frente a um dos mais terríveis pesadelos: a possibilidade de desaparecer imediatamente, antecipando os dias de uma vida possivelmente povoada de sonhos, esperanças e a fé de que o amanhã será melhor. 


Poucos se sentem seguros, como a velhinha de 86 anos que mandou fazer para sua casa um portão de ferro com oito cadeados ou o executivo de uma multinacional, de carro blindado e quatro seguranças particulares. Traumas cercam a população. Expande-se o fosso entre a esfera política e o cidadão. Políticos de todos os naipes entram no mapa da execração pública. A descrença na capacidade do Estado em assegurar a harmonia e prover os cidadãos de seus direitos básicos – saúde, alimentação, moradia, educação - transforma-os em seres desmotivados.

Nas ruas, o sentimento é de descrença. De maneira lenta e gradual, a Nação vai perdendo densidade cívica, enquanto a barbárie se expande. O Estado, que faz a provisão das coisas materiais, se distancia da Nação, aqui entendida como a Pátria espiritual, a matriz dos valores, a guardiã dos símbolos e das tradições, o berço dos sentimentos. Erva daninha brota no nosso chão, contaminando até o aparato da Justiça. Que coisa triste é constatar que os cidadãos já não têm tanto orgulho da terra em que nasceram, cresceram, constituíram família e derramaram gotas de suor. Sobra desânimo ao se perceber que a vontade coletiva amortece, quando princípios são corrompidos, quando o verbo, tão honrado por nossos antepassados, perde a expressão da verdade. Outrora, a palavra dada tinha força de contrato.

No horizonte da desilusão, emergem a pouca fé, a frágil disposição de pessoas para engajamento em causas nobres, a sensação de que a vida já não incentiva aqueles sopros de esperança que fazíamos questão de mostrar aos amigos nos reencontros. Nem a força telúrica que liga uns e outros ao torrão natal tem a mesma intensidade. Quem não lembra o retorno periódico das pessoas ao lugar de origem para reencontrar nas histórias da infância e adolescência a alegria dos tempos de ontem? O bucolismo deixa as esquinas do passado para ceder espaço ao barulho infernal da vida moderna.

Como ratos amedrontados, cada qual procura se abrigar da melhor maneira possível. A luta pela sobrevivência se torna feroz, competitiva. A chamada quarta onda – simbolizada por novas áreas, como a nanotecnologia, a robótica, a impressão 3D, as células tronco, as redes sociais – nos deixa plugados nas nessas maquininhas de ouvir e falar, transmitir dados e músicas. As cenas são hilárias: em torno de uma mesa de bar, 10 amigas e amigos se confraternizam, e cada qual, após a liturgia dos beijinhos, começa a usar o aparelho fonador para.....se comunicar com a turma distante. Se a reunião do grupo era para “por a conversa em dia”, acaba sendo um exercício de jogar a conversa fora.

No campo da política e da administração pública, o ar está purulento. Os tumores e suas metástases, sob nomes de mensalão, petrolão e quetais, escancaram corrupção desbragada envolvendo burocratas, políticos e círculos de negócios. A descoberta, a apuração e a exposição da roubalheira nas malhas do poder público comprometem a confiança popular na instituição política e no comando do Estado. O lamaçal se espraia. O processo eleitoral deste ano, voltado para escolher os atores que atuam na base do edifício político – 5.568 prefeitos e 56 mil vereadores - será influenciado por um espírito geral de descrença. Teremos a “eleição da raiva”, com a arma da indignação atirando para todos os lados.

Será mesmo uma campanha do “contra” ou, ao final, teremos mais uma vez uma eleição de caciques? Vai depender do humor das ruas. Que, por sua vez, será influenciado pelo estado da economia. Se o bolso do eleitor, em outubro, estiver vazio, dará empuxo à coisas disparatadas. Não se descarta a possibilidade de eleição de perfis à moda Brancaleone, figuras capazes de pegar um uma espingarda ou mesmo uma bengala (para dizer que não interessa a arma, se não o gesto, o sinal), candidatos que agirão em nome da mobilização do “povo de Deus”. Aventureiros se postarão diante do eleitor, expressando slogans contra a inação de antecessores e a inércia das municipalidades.

Será desse modo uma eleição na encruzilhada do país. De um lado, a opção por um caminho diferente, livre de entulhos; de outro, a larga avenida da politicagem sob a égide dos donos do poder. Os sinais apontam para o esgotamento de um ciclo, eis que o copo das mazelas transborda. O engodo, as maquinações, as máfias das máquinas administrativas, as promessas mirabolantes continuarão a receber endosso do eleitor ou a trombeta da Operação Lava Jato dará o tom maior?

Não tenhamos ilusões. O país não mudará sua cultura política por decreto e pelo impulso de uma única eleição. O que se pode dizer é que 2016 é um ano propício para abrigar a hipótese: crise é sinônimo de oportunidade. Afinal, do fundo escuro do poço é possível se enxergar o azul do céu. Do meio de uma coleção de crises – econômica, política, de gestão, moral -, vislumbra-se a chama de um novo tempo. Há razões para acreditar. Os potenciais do país, mesmo destroçados por visões erráticas e dirigentes despreparados, segurarão os pilares do amanhã. O deserto das desesperanças nacionais voltará a ser fértil com as energias de novos dirigentes, adubo necessário para fertilizar nossa democracia pela base do edifício político. Mais uma utopia? É possível. Pior é acreditar que o Brasil nunca terá jeito.

Lula e Dilma na bacia das almas

"Não tem, neste país, uma viva alma mais honesta do que eu”, disse Lula. Não tem. “Nem dentro da Polícia Federal, do Ministério Público, nem da igreja evangélica e do sindicato.” Nem você, leitor, nem a Dilma, muito menos o José Dirceu, agora acusado de gastar em um mês, como “consultor”, até R$ 1 milhão, provenientes de propina de contratos da Petrobras.

Ninguém é mais honesto que Lula. Você acredita nisso? “Pode ter igual, mas eu duvido”, afirmou o ex-presidente. Isso é motivo de orgulho para Lula. Natural. O ex-tesoureiro do PT Vaccari Neto não é mais honesto que Lula. O ex-líder do governo no Senado Delcídio do Amaral também não. Estão presos. Lula pede nossa solidariedade a Dirceu e Vaccari. “Não é porque um companheiro da gente cometeu um erro que temos de execrar ele.” Lula ignora o ainda senador petista Delcídio, que promete vingança nos próximos capítulos.

O problema é que as frases de efeito de Lula, antes espirituosas e aplaudidas, perderam valor. O valor da credibilidade. O valor da simpatia. Uma declaração presunçosa como essa não consegue repercussão positiva nem em seu PT nem nas bases sindicais. Lula e Dilma sofreram um tombo maior que o das ações da Petrobras, ao ficar clara para a sociedade a teia de mentiras – éticas, morais, econômicas, financeiras, sociais – usada para enredar o eleitor e jogar o país numa crise que o povo não merecia.

Lula afirmou que passará a processar jornalistas “para ver se retomamos a dignidade profissional da categoria”. Bobagem, Lula, concentre-se no essencial. Retome a dignidade do Planalto. Ajude Dilma a retomar a popularidade perdida. Retome a confiança da população, que perdeu no ano passado 1,5 milhão de empregos formais e que hoje pena nas filas do seguro-desemprego com a greve do INSS. Retome a admiração do PT, que decidiu não incluir o senhor e Dilma nos comerciais do partido para evitar panelaços.

A desculpa oficial é que o PT quer priorizar a defesa da imagem da sigla. Quando foi mesmo que Lula e Dilma passaram a ser um incômodo ou um constrangimento para a imagem do Partido dos Trabalhadores? Isso só pode ser fofoca de jornalistas. A cúpula do PT manterá ou não essa posição? Certamente, no fim, a dupla Lula e Dilma aparecerá nas “inserções comerciais” do PT nos dias 2, 4, 6, 9 e 11 de fevereiro. Ou não?

É fácil explicar o conflito. O que o PT quer, o Planalto não pretende dar. O PT quer correção da tabela do Imposto de Renda neste ano. Pelos cálculos do sindicato de auditores, chegam a 72,2% as perdas na tabela do IR entre 1996 e 2015. A correção ajudaria a minimizar os efeitos da inflação (prevista neste ano para mais de 10%) sobre a renda dos brasileiros. A intenção do governo é não corrigir.

“Nosso objetivo é o de não permitir que ninguém neste país destrua o projeto de inclusão social que começamos a fazer em 1º de janeiro de 2003, é isso que incomoda”, afirmou Lula na mesma entrevista em que posou de vítima na terceira pessoa: “Nas delações, o grande prêmio é falar o nome do Lula”.

Ora, quem tem destruído as chances reais de inclusão social nos últimos anos é o governo Dilma, que aumentou e muito os gastos públicos, inchou o Estado e hoje é cobrado pela irresponsabilidade fiscal. Por mais que Lula e Dilma busquem bodes expiatórios fora e dentro do país, a dupla sabe muito bem que as bolsas e os subsídios tinham um efeito a curto prazo.

A “mágica” da inclusão por meio do consumo virou abóbora de fim de feira, sem os investimentos necessários e a longo prazo em Educação e Saúde. Quebrado, o governo apela para a fórmula mais velha e injusta do mundo: aumento de impostos, num país que já se esfalfa para pagar tributos vários.

Ouvir o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, chamar a CPMF de “poupança necessária” explica panelaços. Ouvir Dilma dizer que a CPMF é um imposto do bem “porque ele é dissolvido” explica vaias. Ouvir Lula dizer que, “com 8% (de inflação) ao ano, dá até para guardar dinheiro embaixo do colchão” explica seu descolamento do drama dos descamisados. O único argumento de Lula para defender o PT das acusações de roubo é que não foi o único a roubar: “Tentar passar a ideia de que propina só (ocorreu com) o PT? É como se o PT fosse imbecil”.

Ninguém gosta mesmo de passar por imbecil. Talvez por isso Lula e Dilma estejam “na bacia das almas”. A expressão foi criada em tempos medievais. Era o recurso final dos que não tinham mais recursos. Numa definição anônima que consta no Dicionário Informal, a bacia das almas é o “último momento, última oportunidade oferecida como piedade, quando outras oportunidades foram esquecidas anteriormente”.

Que se aproveite a última chance com seriedade e trabalho, e não com empáfia e propaganda.

2 em 20

Juscelino Kubistchek assumiu Presidência anunciando que seus cinco anos de mandato valeriam por 50 de progresso. Ninguém se atreveu até hoje a contestar os “50 em 5”.

O Brasil deixou a “colônia” para se erguer à nação com aspirações soberanas. Enveredou pela industrialização e pela infraestrutura. Passou de “exótico” para uma pretensão de “ocidental”.

JK implantou a nova capital no seu centro geográfico, deu-se a fomentar o progresso pelo desenvolvimento econômico. Criou as premissas e as bases que permitiram passar por 20 anos de turbulências sem afundar.

Não só de café o Brasil passou a viver. Saudades de JK neste momento de fechamento do exercício de 2015 e de previsões para 2016.

Acabou-se um ano terrível, jogado fora. Um ministro com todos os poderes empunhou a faca pela lâmina e tentou cortar o queijo com o cabo. Um ministro que, para ser explicado, precisa chamar a preguiça, o bicho que, faça chuva ou faça sol, de dia ou de noite, segue com lerdeza, refratário ao clima e até à proximidade do risco que agita os demais.

No ano que precisava de dinamismo, competência, disposição na gestão dos desafios, a presidente Dilma confiou em (e insistiu em dar confiança a) um medíocre “emprestado do Bradesco”.

Resultado: 3,5% de queda do PIB, 5,6% de queda da arrecadação, 1,5 milhão de trabalhadores que se transformaram em desempregados, contas públicas detonadas.

Difícil será ter saudade dele. Ele voltou ao Bradesco, que em 2015 teve o maior lucro de sua história, com a missão cumprida. A conta ficou com a nação, que trabalha e contribui.

Apesar de Dilma, na sexta, ter ficado “estarrecida com o FMI” – cuja avaliação segue em gênero e grau a maré mundial –, o Brasil se aprofundou num descrédito sem precedentes. A persistência da presidente, contumaz em errar nas escolhas, colocou o Brasil na berlinda.

Na terça-feira (19.1) o Prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz, em Davos, com o mundo voltado ao Fórum de Economia, deu seu parecer cáustico:

– A política monetária brasileira (taxa de juros) estrangula a economia. Não tem como crescer praticando uma das mais altas taxas de juros do planeta (ainda bonzinho poupou a carga tributária e a burocracia);

– O modelo que pretende combater a inflação pela elevação dos juros (adotado pelo BC brasileiro) está desacreditado no mundo inteiro (menos que no Brasil de Levy e Tombini);

– Aumentar os juros serve no caso em que a inflação decorre de excesso de demanda. Caso contrário, a alta dos juros mata a economia (no Brasil agoniza);

– No Brasil dois problemas se destacam: o colapso do preço das exportações e o escândalo de corrupção. E a política monetária deveria se contrapor a esses fatores. Porém, a política de juros estratosféricos está agravando esses problemas.

A autópsia do Brasil está aí. Quer dizer que vivemos à mercê de economistas idiotas emprestados pelos banqueiros? Infelizmente, apenas um Nobel fez com que o BC tremesse.

Os bancos secularmente fabricam crises, endividam os setores produtivos, o cidadão e, como usurários da Idade Média, subjugam o sistema agravando crises até a ruptura do sistema. Uma história que se repete.

Os portentosos lucros de 2015 dos bancos brasileiros permitirão aos fartos banqueiros cobrar por 30 anos mais rolagens de dívidas e comprar ativos a preço vil, de arremate. Só em 2015 o governo pagou R$ 500 bilhões de juros (10% do PIB nacional) ao sistema financeiro. Equivale a cerca de dez vezes o que a União gastou com saúde.

O Nobel Stiglitz ainda alertou: “O desemprego, mais que a inflação, é a verdadeira causa da instabilidade social (e da queda de governos). Portanto, os países têm que colocar a geração de emprego e renda como o centro da política econômica (no Brasil o centro é banqueiro, não o emprego). E os Bancos Centrais têm também que trabalhar nessa direção”.

As teclas da política de Levy (com aplausos dos economistas nacionais e incensada pela imprensa especializada) tocaram por 12 meses, e, no limite da irresponsabilidade, ele formulou uma proposta de aumentar em 150% as contribuições das empresas. Uma condenação à morte de emprego, ainda, reeditar a CPMF, um imposto regressivo que encarece a cesta básica e acaba com o que resta da competitividade do produto nacional, ou seja, mais desemprego. De reflexo, Levy possibilitou com os “juros mais altos do mundo” que bancos tivessem ganhos absurdos.

No Brasil, rifado pelos banqueiros e pelos corruptos, não se valoriza a qualidade dos impostos. Arrecadar admite qualquer meio, por mais regressivo e destrutivo que seja.

As palavras do Nobel da Economia acertaram no peito o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini (digno parceiro de Levy em 2015), que “estrangulou a economia brasileira”. Sem carapuça, Tombini, na quarta-feira (20.1), se desmentiu depois dos reiterados lances de um aumento de 0,50% da Selic. O Copom, um coreto que ele dirige, manteve o insano nível de 14,25% da Selic, que de outra forma teria aumentado.

O fracasso brasileiro está na clareza meridiana das palavras de um Nobel, que não vive de prebendas de banqueiros do Brasil. Em 2015, o Brasil foi ferido, martirizado, sem necessidade alguma. E o pior está por vir com mais 2 milhões de desempregados previstos para 2016. Um nível de colapso e falência social.

A produção industrial no Brasil despencou em 9,5% (em Minas 12%), e a nova queda esperada do PIB é 3,6%. Para as indústrias, o fantasma da falência e volumes de queda no nível da década de 90.

Dos “50 anos de progresso em 5” de JK, vem aí que, em 2 anos, estaremos com 20 de retrocesso. Isso, sim, arrebenta um governo.

Justa causa para o caixa 2

Inflação e desemprego crescentes, recessão estarrecedora, roubalheira sem fim. Como se não bastasse o caos econômico, político e ético, 2016 é ano eleitoral, quando, tradicionalmente, tudo se agudiza. Na política e na economia. Época em que, costumeiramente, se gasta algum verbo e muita verba a mais, lícitas e não contabilizadas, termo imortalizado pelo gênio da arrecadação petista, o ex-tesoureiro e mensaleiro condenado Delúbio Soares.

Na campanha deste ano os problemas serão ainda maiores. Não há dinheiro nem financiadores. Empresários escaldados por mensalões e petrolões, que já ficariam ressabiados em apoiar partidos e políticos, estão impedidos de qualquer doação. Pelo menos às claras.

O dinheiro oficial para as campanhas terá de vir de três fontes: público, via fundo partidário, de promoções dos partidos e de pessoas físicas, que não têm tradição de custear campanhas. E não será agora, quando o descrédito nos políticos atinge os píncaros, que elas começarão a fazê-lo.

A fórmula é sopa no mel para os campeões de audiência, gente de mídia, comunicadores, comediantes, pastores, ases do esporte e todo tipo de celebridade que conta com exposição maciça. Até porque é difícil imaginar que alguns jantares, leilões, vendas de camisetas, shows e doações de militantes conseguirão fazer frente aos gastos milionários que as campanhas impõem.

Segundo o TSE, em 2012, últimas eleições municipais, só em São Paulo os candidatos a prefeito e a vereadores consumiram a bagatela de R$ 907 milhões, R$ 726 milhões bancados por doações empresariais. Em todo o país, os 15.100 candidatos a prefeito e os 419.900 a vereador queimaram mais de R$ 4,5 bilhões, 80% deles oriundos de CNPJs, proibidos de vez pelo Supremo e pela sanção da presidente Dilma Rousseff à minirreforma eleitoral, aprovada no Parlamento em 2015.

E de onde então virá o dinheiro? Dos impostos? Do caixa falido da presidente Dilma, que torrou tanto na campanha de sua reeleição que não tem de onde tirar nem mesmo para programas básicos de saúde e educação?

Ainda que o fim do financiamento privado seja defensável, por mais uma vez aprovou-se um dispositivo sem ter o que colocar no lugar.

Ninguém perguntou ao cidadão se ele está disposto a custear campanhas políticas com o dinheiro de seus impostos. Até porque a resposta seria um sonoro e taxativo não.

Agora, o monstro está aí. E ele ruge.

Mostrou o afio das unhas nos R$ 819 milhões fincados no Orçamento da União, quase três vezes mais do que a proposta do governo. E que Dilma sancionou, temendo agredir sua fragilíssima base e, consequentemente, fermentar o impeachment.

Sem forças para encarar um rato, quanto mais uma fera, a presidente despejou dinheiro que o país não tem nos partidos políticos. E, se necessário, derramará mais para eleger os seus.

Somados ao gasto obrigatório do TSE para realizar o pleito, algo que ultrapassa R$ 400 milhões, e ao ressarcimento da União em favor das emissoras de rádio e TV que transmitem o horário eleitoral falsamente dito gratuito - outros R$ 576 milhões -, o aporte de dinheiro público já dobrou a casa dos R$ 2 bilhões. E ainda assim será insuficiente.

Pior. Os que defenderam a mudança do financiamento, seja por razão, convicção, ideologia, credo ou oportunismo, sabem que criaram um monstrengo impossível de ser domado com o palavreado fácil de que a campanha será mais curta e mais barata, que as redes sociais serão definitivas, que o verbo será mais forte que a verba.

Criou-se a justa causa do dinheiro não contabilizado. Algo em que todos são responsáveis. Executivo, Judiciário, Legislativo. Governo e oposição.

Se a lama depositada no fim do túnel pelo PT e aliados prende a besta do lado de cá e bloqueia a entrada de qualquer feixe de luz, não há, entre os opositores, nada que resplandeça. Nem ideias, muito menos saída.

Mary Zaidan

Um tiquinho só de preju

O Brasil perdeu R$ 300 bilhões de renda e de riqueza nos últimos quatro anos em função das “medidas contracíclicas” que não surtiram os efeitos desejados, como nos tem dito a comandante-chefe da economia, a presidente Dilma. Tais perdas, de acordo com as previsões mais recentes do FMI, não haverão de ficar restritas ao ano de 2015
Monica de Bolle

Aparências e fatos


A fotografia acima foi tirada durante um encontro de estudantes em Brasília, em novembro do ano passado, e mostra a presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas, um desses grupos chapa-branca que se apresentam ao público como “movimento social”, pregando num megafone. A foto diz muito, ou talvez diga tudo, sobre a situação atual da luta de classes no Brasil. A moça bonita (aliás, se fosse feia, nenhum fotógrafo iria perder seu tempo com ela, não é mesmo?) que cavalga esse pobre-diabo é da classe dominante ─ basta olhar cinco segundos para a figura. O rapaz é da classe dominada ─ o “tipo brasileiro”, ou “moreno”, desses que se encontram aos milhões na fila do ônibus ou esperando a bondade de um atendimento na porta do hospital público. Estão na posição em que sempre estiveram neste nosso Brasil, e que treze anos de governo popular de esquerda comandado por Lula, Dilma e o PT não mudaram em um milímetro: ela montada, ele servindo de montaria. Seus mundos não se comunicam ─ depois da manifestação, esgotada a utilidade que o homem do povo teve para a garota da elite, ela retorna à sua classe, ele volta à sua periferia. Serve de cavalgadura ─ é essa a sua função, e apenas essa. O que mais poderia mostrar com tanta clareza quem está por cima e quem está por baixo? Ninguém planejou para que as coisas ficassem assim, claro. Mas foi assim que ficaram.

A líder estudantil tecnicamente é de esquerda; seu papel na luta de classes, segundo a boa teoria, seria servir aos deserdados da terra. Mas na prática o que ela faz é servir-se do deserdado da foto como o seu burro de carga. Olhe-se de novo para a cena: poderíamos estar diante de uma gravura de Rugendas, Debret ou Taunay, que retrataram com tanta exatidão o Brasil de 200 anos atrás, com os seus senhores e os seus escravos. Ninguém está dizendo aqui que o “movimento estudantil” é a favor da escravidão, ou coisa parecida, porque obviamente não é isso que acontece. Mas também não dá para fazer de conta que basta pegar um megafone e tirar carteirinha de membro dessa ou daquela organização “social”, “progressista” ou de “esquerda” para emigrar da elite e virar “povo”; não é assim que funciona. Como mostra a foto, certas coisas não mudam, salvo nas aparências. O resto é uma monumental conversa fiada.

“No primeiro dia nós falamos com a… a primeira coisa que nós fizemos foi falar, além de nos preparar no dia anterior, foi falar com a primeira-ministra da Noruega, que estava contribuindo para um fundo, para o nosso fundo de florestas, com 650 000 dólares, aliás, desculpa, com 650 milhões. Fiquei modesta. A Alemanha também tem uma contribuição para o fundo de 100 milhões de dólares ─ no caso da Alemanha é euros, não é? De euros.”

Nem é preciso dizer quem falou isso aí ─ ela mesma, claro, com o facho de escuridão que joga sobre quase tudo o que diz sempre que se dirige ao público sem ler uma folha de papel. No caso, o conjunto de sons transcrito acima foi emitido recentemente em Paris, durante uma dessas viagens espetacularmente inúteis que vive fazendo ao exterior. Mas tanto faz onde foi, ou quando, ou por quê. É a mesma coisa desde que entrou para o governo, especialmente depois que assumiu a Presidência ─ suas falas de improviso, nas quais vai empilhando frases sem pé nem cabeça e empulhando os ouvintes com informações incompreensíveis, num português que seria reprovado em qualquer prova de primeiro grau, tornaram-se a grande grife da sua passagem pelo comando da nação. A presidente Dilma Rousseff não ficará conhecida apenas por falar desse jeito, até porque governa ainda pior do que fala, mas jamais terá uma biografia séria que não registre com alarme a seguinte extravagância: entre os anos 2011 e 2018 (possivelmente) da era cristã o Brasil teve uma presidente da República incapaz de expressar-se no idioma oficial do país, segundo o artigo 13 da Constituição.

É possível que Dilma saiba expressar-se corretamente em português, mas não queira. É possível que queira, mas não saiba. É possível que queira e saiba, mas não consiga. O fato real é que não se expressa ─ e que o patoá utilizado por ela, tão volumoso que já rendeu até livro com a coleção das tiradas mais alucinantes, virou parte inseparável da cena brasileira de hoje. Alguém vai morrer por causa disso? É pouco provável. Mas dá para prever com razoável chance de acerto que os observadores do futuro, ao olharem para o Brasil dos nossos dias, façam a pergunta que se segue: por que os brasileiros de 2016 achavam normal aceitar na Presidência de seu país alguém que apresentava uma patente disfunção nos circuitos que ligam o cérebro às cordas vocais? É aí que o pensamento se transforma em palavra; se alguma coisa errada está acontecendo nessa engrenagem, parece claro que temos um problema, sobretudo quando a engrenagem em questão está na cabeça da presidente da República. Nossos descendentes também poderão estranhar que pouca gente, no Brasil de hoje, parecesse se importar com o cumprimento de uma regra clara: não dá para se expressar mal e pensar bem. Acharão particularmente curioso, enfim, que o mundo político discutisse com paixão o impeachment de Dilma sem jamais tocar na demência dos seus discursos de improviso. (Demência dos discursos, que fique bem claro; só dos discursos, certo?) Debatia-se a sua deposição, basicamente, por ter cometido fraude na contabilidade oficial, ou por ter mentido em excesso, ou ainda por outras razões, ao gosto de cada um. Mas e o sanatório geral de onde saem as coisas que fala ─ tudo bem aí? É complicado. Não está previsto na lei, como se sabe, impeachment de presidente por tratar a população como uma manada de idiotas, para a qual se pode dizer qualquer tipo de disparate. Uma futura Constituição talvez devesse pensar nisso.

Qual seria a reação do ex-presidente Lula, do PT e da esquerda nacional se em janeiro de 2003 alguém dissesse que treze anos depois, e já em seu quarto governo seguido, hospitais e prontos-socorros do Rio de Janeiro fechariam suas portas com tapumes de madeira para impedir a entrada da população? Foram cenas de país africano em tempo de calamidade: às vésperas do Natal, gente desesperada implorando por atendimento de urgência, macas amontoadas em corredores, cirurgias canceladas, médicos e enfermeiros sem remédios, ataduras, luvas, soro, material cirúrgico, anestesia, roupa de cama e, ainda por cima, sem salários. Nem o inimigo mais desesperado do “governo popular” que então fazia sua estreia seria capaz de imaginar um desastre desses na segunda maior cidade do Brasil. E se alguém tivesse imaginado seria logo acusado de sabotador, golpista, fascista, inimigo do povo, inconformado em ver um operário chegar pela primeira vez à Presidência da República neste país, etc. etc. Mas aí está: é exatamente o que acabamos de ver no mundo dos fatos.

Treze anos depois, é nisso que vieram dar as “políticas de saúde pública” de Lula, de Dilma Rousseff e do PT. Segundo já confessaram as próprias autoridades da área, a saúde brasileira está simplesmente em colapso ─ e não só no Rio de Janeiro, que vai organizar, daqui a seis meses, nada menos que uma Olimpíada. Há hospitais federais parcialmente paralisados em São Paulo e outras capitais. O governo vem fracassando, ano após ano, no controle de epidemias da pobreza; em vez de sair, o Brasil se afunda cada vez mais no Terceiro Mundo em matéria de saúde pública. Com todo o tempo que já teve para resolver o problema, não apenas não resolveu nada; também não tem competência, nem energia, para lidar com desgraças novas. Ainda agora, o país se vê diante de um crescente surto de microcefalia, doença típica da miséria e da inépcia dos serviços sanitários. Em suma: o “Estado Forte”, que tanto encanta a presidente e a esquerda brasileira, não tem esparadrapo para um curativo. É óbvio que alguma coisa, ou tudo, deu profundamente errado aí.

Para adicionar insulto à injúria, o governo acha que não tem culpa de nada. No primeiro grande mistério de 2016, diz que a culpada “é a oposição”, que há treze anos não manda sequer numa bica de água no mundo federal. Pior: diz que está sem dinheiro e, sinistramente, alega que a população tem de “escolher” entre pagar mais impostos ou ficar sem assistência médica ─ e, já que estamos no assunto, também sem escola, sem serviços, sem obras, sem emprego. A população brasileira não tem de “escolher” nada. Já pagou, na forma de impostos que lhe consomem 40% de tudo o que ganha, o atendimento hospitalar mais todas as obras que não foram feitas e todos os serviços que não foram prestados. Vai ter de pagar de novo? Dinheiro, como os demais corpos da natureza, não some ─ apenas muda de lugar. No caso, mudou de onde deveria estar para o bolso de empreiteiras de obras, “prestadoras de serviço”, estrelas da Operação Lava Jato, vendedores de “sondas”, empresários-companheiros e outros tantos amigos dos amigos. O que sobrou foi jogado fora pela incompetência.

Eis aí o Brasil das realidades.

J. R. Guzzo

Lula, o imaculado

No último dia 20, o ex-presidente reuniu-se com blogueiros amigos na sede do Instituto Lula. Blogueiros amigos são aqueles regiamente remunerados pela sociedade brasileira para promoverem a defesa do governo em seus blogs e sites. Não conheço a todos, mas os que conheço têm vultoso patrocínio do governo, de seu partido e de empresas estatais (em alguns casos esses patrocínio já alcança, ao longo dos anos, a casa dos sete dígitos). Creio que só isso deveria ser considerado suficiente para estabelecer um clima pouco propício a jactância e brincadeiras. Opinião a soldo? Sei não.

Durante esse encontro, sentindo-se mais protegido pela gratidão dos circunstantes, Lula queixou-se da perseguição que alega estar sofrendo. Logo ele, alma sem jaça, cristal sem trinca, sendo mal falado e tendo seus negócios como objeto de investigações e especulações. Quem o ouve pode ser levado a crer que montou um governo e formou maioria parlamentar para si e para sua sucessora entre a mais nobre elite da política nacional. Até parece que entre os bons, buscou os melhores. Não é mesmo, Celso Daniel? Lula parece esquecer que após 13 anos no poder, seu partido e seus defensores estão constrangidos a se medirem com a régua que usavam para aferir seus adversários. E não conseguem ser muito otimistas. É uma linha de defesa que lembra o Tavares, aquele personagem canalha criado por Chico Anísio: "Sou, mas quem não é?".

O excesso de auto-estima de Lula é muito bem representado por frases como a que proferiu em 8 de abril de 2005, após a missa celebrada durante o funeral de João Paulo II. Inquirido por jornalista se havia confessado para poder comungar, o então presidente de primeiro mandato saiu-se com esta: "Sou um homem sem pecados". O escândalo do mensalão viria a público 36 dias depois.

Pois eis que, agora, durante o encontro com a fagueira comunidade de seus blogueiros, o ex-presidente, subiu o tom da gabolice e disparou: "Se tem uma coisa que eu me orgulho, neste país, é que não tem uma viva alma mais honesta do que eu. Nem dentro da Polícia Federal, nem dentro do Ministério Público, nem dentro da Igreja Católica, nem dentro da Igreja Evangélica. Pode ter igual, mas mais do que eu, duvido."

Pensando sobre a distância que medeia entre essa frase e a vida pessoal, familiar e política de Lula, sou levado a suspeitar de que nosso messias de Garanhuns, o santo, o imaculado, está preparando caminho para ser declarado inimputável por problemas mentais. Convenhamos, Lula!

Percival Puggina

Dedo bandido

A urgência da MP da leniência só existe para evitar a aplicação de inidoneidade contra as empreiteiras. Elas têm muito a falar sobre o próprio governo. Portanto, tem dedo do governo, tanto na repatriação, quanto nessa MP. E pior, nós já sentimos no Congresso uma tentativa de estender isso aí para uma anistia. A repatriação já tem uma anistia incluída nela, e o governo está tentando incluir uma anistia de corrupção
Carlos Fernando dos Santos Lima, procurador da Lava-Jato

Dilma cai na opinião pública ao criticar a Lava-Jato

Numa entrevista à repórter Natuza Nery, Folha de São Paulo, edição de sábado 23, a presidente Dilma Rousseff, criticou o que considera pontos fora da curva na operação Lava-Jato. Não percebeu que tal atitude acarreta sua queda nos pontos positivos que ainda possui na opinião pública. Jogou contra si mesma, torceu para o lado errado da questão. Seu gesto provavelmente vai se refletir nas próximas pesquisas do Datafolha e Ibope a respeito de sua imagem na sociedade de modo geral.

Dilma Rousseff sustentou que há coisas que não estão corretas na operação Lava-Jato desencadeada pela Polícia Federal e pelo Ministério Público. Referia-se a delações premiadas e o vazamento de seu conteúdo na imprensa. “É impossível alguém ser questionado durante os interrogatórios com base no diz que disseram”. Depois que saiu publicado os acusados estão lascados, acrescentou.

A presidente da República se esqueceu de que existem provas e mais provas acumuladas contra os personagens acusados. A primeira delas facilmente se encontra na falta de explicação razoável para acumulação de patrimônios incompatíveis com os salários recebidos normalmente por ex-dirigentes da Petrobrás, por exemplo. Em segundo lugar não tem lógica que alguém afirme ter praticado corrupção, intermediando propinas gigantescas e tais versões não serem verdadeiras. Principalmente pelo volume dos casos narrados de assaltos repetidos aos recursos da empresa estatal.

Há duas leis irrevogáveis envolvendo a condição humana, para citar o título da obra famosa de André Malraux: a lei da gravidade e a lei do menor esforço. Relativamente a esta segunda daria muito mais trabalho aos delatores recorrerem à ficção do que informarem a verdade do que aconteceu. Até porque a verdade narrada os compromete profundamente. Da mesma forma não pode ter o menor cabimento o fato de empresários revelarem terem pago comissões ilícitas, se tal acontecimento não houvesse sucedido. A delação não envolve apenas um empresário e um executivo de empreiteira. Ao contrário, envolve dezenas dos proprietários das empresas e também os executivos que participaram das operações conjuntas de suborno.

A corrupção é algo que exige parcerias e, no fundo da questão durante anos atingiu em cheio a Petrobrás, através do superfaturamento de contratos. Os prejuízos foram imensos e passaram à opinião pública a plena sensação de descontrole tornando nítido o cenário de assaltos gigantescos repetidos.

As doações a partidos políticos funcionaram como acobertadoras de atos de corrupção. Tanto assim que, além do STF ter proibido tais doações, a própria presidente Dilma Rousseff vetou um projeto aprovado pelo Congresso Nacional que as restabelecia. Como então deveria ela ignorar as evidências que ela própria com a caneta condenou? Ela esqueceu sua própria decisão e não considerou também os reflexos negativos para si própria das declarações que fez a Natuza Nery. Faltou sensibilidade política e, sobretudo, faltou coerência a presidente da República. A Operação Lava-Jato vem alcançando êxito pleno. É um fato. E contra fatos não há argumentos capazes de modificá-los.

Quantos e quais são os avessos de Dilma?

A sequência de medidas provisórias e a nova regulamentação da Lei Anticorrupção, que na prática anulam o sentido do prefixo, que quer dizer contra, revelaram a total desistência do mínimo de pudor pelo desgoverno Dilma no findo ano de 2015. A mudança da condição de 50 anos após a morte para 10 para que se lhe permita outorgar o título de Herói Nacional a Leonel Brizola, sem motivo aparente que não o de atormentar o vivo Luiz Inácio Lula da Silva, põe em dúvida a sanidade mental de quem a promoveu. Pois sobram problemas para a chefe do desgoverno enfrentar neste grave momento e não faltava nesta hora aziaga uma decisão sem motivo sério algum em meio à recessão brutal e a um processo de impeachment, que, na verdade, mal começou.


Mas a presidente não desiste de nos surpreender e nos tem propiciado mais do mesmo em seu estilo pouco sagaz e nada sutil, sem lógica e com ousadia imodesta. Há uma semana, seu padrinho Lula lhe ocupou a agenda com oportuno jantar (à véspera de um depoimento de cinco horas à Polícia Federal). E nele exigiu dela entusiasmo e otimismo.

A sucessora não se fez de rogada e convidou os setoristas do palácio para um café da manhã, sob a égide de uma exibição de falsas flores do recesso e coroado com um selfie cretino que irradia, do lado dela, um absurdo desconhecimento da gravidade da crise e, do ângulo dos encarregados da cobertura da Corte desapegada aos fatos, um grau similar de alheamento brechtiano da realidade.

O pessedista pernambucano Thales Ramalho cunhou a expressão flores do recesso para definir o truque de políticos espertos de irem a Brasília nas férias para ocuparem tempo e espaço – às vezes com destaque – nos meios de comunicação revelando fatos irrelevantes que no cotidiano do quadro político não tinham como merecer importância. Lula mandou Dilma ser irrealista, ela obedeceu e os repórteres pareciam dizer, sem ligar a mínima para seu público, assolado por falências e desemprego: “Se fui pobre, não me lembro”.

Os semblantes deslumbrados de Dilma com o poder que se esvai e dos jornalistas com a proximidade da glória efêmera e rara contrastam com as notícias da planície, que são de fazer chorar. No congraçamento pré-carnavalesco em pleno recesso da recessão, a presidente festejou vitórias eventuais e inconsistentes no processo do impeachment. Mas, entrementes, o anúncio da inflação de 10,67% em 2015, a mais alta desde 2002, é a pior de uma série de notícias ruins, como o retorno de 3,7 milhões de pobres da classe C às classes D e E. E desolador é que, no “país do futuro” (apud Stefan Zweig), o desemprego de patrícios entre 15 e 24 anos deve ter sido de 15,5% em 2015 – maior do que a média mundial no ano, de 13,1%.

A maior novidade contada por ela agrada a pouquíssimos: deverá reunir-se no café com setoristas em 2017, porque o profeta Lula de Caetés, o vice Temer, que se refestela no poder à sombra, e Madre Marina acham que o impeachment morreu, mas não foi enterrado. As exéquias são previstas para depois do carnaval, época em que a Quarta-Feira de Cinzas terá ares de terça-feira gorda. Ao menos nos salões do palácio onde o escárnio vira orgia do acinte a desafiar cidadania e República, corroídas pelos ratos.

Ninguém achou um só deslize que ponha sob suspeita sua honra pessoal – repete Dilma. Não lhe falem no rombo das propinas da Petrobrás, na capivara de sua protegida Erenice Guerra nem nas dúvidas sobre o comportamento do fiel Valter Cardeal, diretor da Eletrobrás. Para limpar as fichas dos espíritos santos de orelha Jaques Wagner e Edinho Silva, madama conta com o pretexto do “vazamento seletivo”, agora comprometido pelo destaque à citação de Fernando Henrique na delação de Cerveró. E com o beneplácito alugado do baixíssimo clero (nas profundezas de pré-sal) da Câmara, liderado por Leonardo Picciani. Só não dá mais é para soltar o líder Delcídio “do” Amaral.

Palavras impressas em papel não têm como ser fiéis a mais uma confissão de probidade feita pela presidente naquele repasto. A frase “tenho clareza de que tenho sido virada dos avessos” é um exemplo cabal da desconexão entre seu discurso e os dicionários existentes. Quantos e quais são os avessos de Dilma? Terá ela mais de um avesso (o lado oposto ao dianteiro) ou quis dizer às avessas (ao revés)?

É impossível adivinhar onde encontrou o plural de uma palavra singular para se eximir da evidência de que deixou tanta gente roubar tanto sem nunca ter percebido. Não dá para entender tal sentido oculto na leitura, ainda que atenta. Para isso há que assistir às pausas súbitas, às sílabas atropeladas e aos aflitos apelos à compreensão dos interlocutores. E isso só é possível vendo-a e ouvindo-a na televisão. O jeito de dizer a frase sem nexo importa mais do que a falta de nexo de sua fala. Pois denota o cansaço desesperado que Dilma expõe ao repetir infindas vezes algo que considera óbvio, mas não consegue comprovar e assim convencer quem tente, sempre em vão, ouvi-la e entendê-la. Da outra ponta da linha, assediado de todos os lados pela crise, o pobre brasileiro só pode ficar mais exausto e mais desesperado do que ela própria.

Dilma disse ainda que ninguém devia aposentar-se aos 55 anos. “Nós estamos morrendo menos. E os jovens estão nascendo mais”, justificou-se. Estas patacoadas estão à altura da transmissão da tríplice epidemia pelo ovo do mosquito, da glorificação da mandioca e da sagração da mulher sapiens. Não querem dizer nada e nada indicam. São somente novas pérolas da língua particular de Sua Excelência, tratada comme il faut por Celso Arnaldo Araújo no livro O Dilmês. Criará um ministério para traduzi-la?

Após ouvir que a CPMF é um problema de saúde pública, o contribuinte a ser assaltado entende perfeitamente que terá de pagar pelo 2016 feliz que Dilma se almeja. Pois sabe que só lhe restará pagar a conta de um problema de saúde pública sem jeito: o desgoverno dela.

Os ladrões de galinhas, os juízes e os empreiteiros

Há certos juízes, promotores públicos, que vêm se empenhando no sentido de processar e prender políticos corruptos, empresários inescrupulosos e outros poderosos, ao amparo da lei e na garantia de amplo direito de defesa que todos merecemos.

No entanto, tais homens públicos, ao que parece agindo no cumprimento do dever, são objeto de críticas desfavoráveis e até mesmo campanhas difamatórias. Ora, mas não é isso o que o povo, o cidadão comum e trabalhador, deseja? Que sejam punidos os poderosos quando a culpabilidade deles seja inquestionável?

Prender um ladrão de galinhas é relativamente fácil. Processar e mandar prender um político é um pouco mais complicado. É preciso vencer a blindagem de que ele dispõe, constituída pelo foro privilegiado, pelo tráfico de influência, etc.

É preciso ter coragem, por exemplo, para processar um ex-presidente da República que, apesar de ter sido afastado da Presidência por impeachment, tornou-se pouco depois senador. E teve recentemente seus luxuosíssimos carros importados – dignos de um marajá – devolvidos após serem apreendidos.

Quantas galinhas roubadas seriam necessárias para fazer com que o governo recorresse à CPMF para a restauração da combalida saúde financeira do país? Só se tivéssemos uma empresa no ramo galináceo do porte de uma Petrobrás. Ao passo que os prejuízos causados pelos desmandos financeiros à nossa maior empresa certamente provocaram um impacto desastroso na economia brasileira. Cuja recuperação impõe a criação de um imposto a ser sustentado pelo trabalhador. Que não se beneficiou de qualquer recurso indevido.

Não é que esses homens, também eles gozando de imunidades e foro privilegiado, devam ser endeusados. Mas se cumprem o seu dever com a desejável isenção que todos imaginamos, deviam, no mínimo, ser respeitados.

Recessão brasileira também 'afunda' América Latina


O Brasil é a nona economia mundial e representa um terço do Produto Interno Bruto (PIB) da América Latina. É o principal parceiro comercial dos países do Mercosul, com exceção da Venezuela, e figura entre os cinco primeiros parceiros da maioria das nações da região.

Com 204 milhões de habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é um polo de atração das chamadas "multilatinas" - as empresas latino-americanas que tem crescido em escala internacional - e outras multinacionais com base na América Latina.
Este pano de fundo não deixa dúvidas de que a atual recessão brasileira, com uma retração de cerca de 3%, é um dos problemas que a região enfrenta hoje, após uma década de bonança.

Para Joydeep Mukherji, analista sênior da agência de avaliação de risco financeiro Standard & Poor's, o impacto é inevitável.

"Como é a maior economia da região e, de longe, a maior da América do Sul, tudo que acontece no Brasil gera um impacto. Naturalmente, isso varia de acordo com o nível da relação bilateral que tem com os diferentes países", disse ele à BBC Mundo.

Em nenhum outro lugar o efeito da retração brasileira é mais visível do que na indústria argentina. O Brasil é o principal mercado para as exportações do país e absorbe cerca de 46% das suas vendas industriais.

Em 2015, os embarques argentinos para o Brasil cairam 47,9% e ficaram em valores semelhantes aos da recessão mundial de 2009.

Segundo o centro de estudos argentino Fundação Mediterrânea, cada ponto de variação no índice de produção brasileira significa três pontos de variação nas exportações de manufaturados argentinos.

Há dez anos, esta variação servia como um impulso. Com a recessão, gera claramente o efeito contrário. O setor automotivo é o mais afetado, já que 80% de suas exportações são destinadas ao Brasil.

Em outubro de 2015, a queda nas exportações argetinas de veículos e peças girava em torno de 32,8%, mas os problemas vinham desde antes.

Em 2014, foram fechados 4 mil postos de trabalho, cerca de 5% dos empregos do setor, e houve 15 mil suspensões em meio a ocupações de fábricas e outros conflitos sindicais.

Outros setores, como as indústrias de plástico e química, enfrentam problemas parecidos.