segunda-feira, 23 de julho de 2018

Imagem do Dia

Ponte em Dunkeld (Escócia)

Loucura com método

Se o PT sempre foi uma máquina produtora de versões, a prisão de seu líder máximo apenas confirma este fato. Sempre atento à formação da opinião pública, é-lhe capital manter o seu protagonismo político. Sair de cena significaria uma batida em retirada de difícil retorno.

Ocorre que Lula e vários de seus dirigentes foram condenados e alguns estão cumprindo pena em prisões. O comprometimento do partido com o crime tornou-se uma outra marca sua, com o mensalão e o petrolão sendo suas expressões mais visíveis. O partido da ética na política tornou-se o da criminalização da política, numa equação em que salta aos olhos a contradição.

Imagens contraditórias atormentam o partido. Como conviver com elas veio a ser uma questão maior. Várias alternativas se fizeram presentes. Uma delas, a de uma verdadeira autocrítica e uma mudança de rumos propriamente social-democrata, foi das primeiras a ser descartada. Seu lugar foi ocupado por uma denegação de todos os crimes cometidos, acompanhada por um discurso de tipo revolucionário em que abundam as radicalizações, com seus dirigentes abertamente defendendo o Foro de São Paulo em Cuba e a sanguinária ditadura de Maduro na Venezuela.

O discurso do “golpe”, da “perseguição política” e contra a “direita e os conservadores” faz parte da estruturação dessa narrativa. Lula preso tornou-se um ativo de preservação do próprio partido, em sua busca desenfreada por manter uma imagem pública palatável aos seus crentes e simpatizantes.

Neste quadro, a prisão do ex-presidente é um fato propriamente político da maior importância. O aparente quebra-cabeças de seus advogados faz parte do jogo, visando a manter o apenado em cena. Não se trata de uma defesa jurídica, mas propriamente política. Os argumentos, digamos, “jurídicos” são apenas uma aparência que faz parte de uma lógica mais geral. Não se bate em juízes e promotores um dia sim e outro também se há verdadeira intenção de libertar o condenado. A estratégia seria outra.

Alguns chegam a enxergar nessas atitudes aparentemente paradoxais uma espécie de “suicídio” do PT, vitimado que seria por suas contradições. Contudo, se adotarmos uma outra perspectiva, poderíamos ver a lógica do que surge como ilógico. E se o objetivo maior do partido fosse precisamente a sua própria conservação sob a ótica do longo prazo?

Uma abordagem possível consistiria em considerar um posicionamento partidário voltado para o período pós-eleitoral, cujo relógio começaria a contar a partir do dia 1.º de janeiro de 2019. Eis o cenário para o qual o PT está se preparando.

O partido já sabe que Lula não poderá ser candidato em 2018 por razões legais evidentes. A Lei da Ficha Limpa é clara a respeito. Até um estudante de primeiro ano de Direito sabe disso. Não é necessária a contratação de nenhum grande advogado. Contudo, o discurso da “perseguição política” e de cerceamento de seus direitos eleitorais faz parte de um processo mais amplo de deslegitimação das próximas eleições. O partido está amealhando capital político.

As chances de um poste escolhido no último momento são exíguas, apesar de alguns acreditarem ainda sinceramente nessa possibilidade. Em todo caso, tal crença contribui para que o partido continue coeso, algo que é da máxima relevância neste momento. Aparentemente, o PT está preocupado em ganhar esta eleição, quando na verdade visa a se posicionar enquanto oposição ao novo governo, dentro de um cenário institucional degradado – cenário este que lhe é de valia também em função do discurso revolucionário que está adotando. Regressa às suas origens.

Neste cenário, não lhe interessa qualquer aliança que lhe dê substância eleitoral para outubro. Por exemplo, compor com o ex-governador Ciro Gomes não lhe convém, pela simples razão de que este, eleito, seria por demais igual ao PT, vindo a aniquilar o próprio partido. O programa do candidato apresenta semelhanças profundas com o que foi defendido pelos governos Dilma e Lula II. Seria lógico apoiá-lo. Eleitoralmente, faria sentido; partidariamente, não. O fundamental para o partido reside em manter a sua hegemonia.

Para o PT, faz muito mais sentido a eleição de Jair Bolsonaro. Isso porque sempre poderia dizer que o processo eleitoral não tem nenhuma legitimidade, na medida em que Lula não teria podido participar da eleição. Teria sido impedido graças a uma “perseguição política”, a um ato de “arbítrio” perpetrado por juízes e promotores apoiados pela “grande mídia”.

Teria, ainda, do ponto de vista de sua narrativa, no interior de um quadro apresentado como institucionalmente degradado, o “benefício” de colocar-se como de oposição a um governo “militar”. Caso eleito, Bolsonaro não seria considerado como resultado de um processo constitucional, mas como produto de um conjunto de arbitrariedades da toga e dos meios de comunicação que teriam propiciado a volta dos militares ao poder.

O comprometimento do partido com a verdade é nulo. Importa-lhe exclusivamente a sua versão, contanto que essa lhe seja útil na perspectiva da conquista do poder. Não há nada ilógico no que o partido vem fazendo. A aparente desordem nas orientações partidárias segue também um método próprio de ordenação, tendo como eixo a estrutura partidária e a coesão de sua ideologia, por mais falsa e dissociada que seja da realidade.

O PT nunca prezou tampouco a democracia. Esta lhe foi útil, sobretudo no período pós-regime militar, apresentando-se como uma nova alternativa de participação política. Discursos de uma suposta “democracia direta” abundaram naquele período. Entretanto, o que importava para o partido era o uso que poderia fazer das instituições democráticas para apropriar-se do poder. Tratava-se do mero uso instrumental da democracia. Agora, o seu aviltamento veio a ser o seu complemento.

Sequestro nacional

Estamos com uma democracia sequestrada por uma aristocracia bandida
Rodrigo Janot, ex-procurador-geral

Por que as pessoas gritam quando estão com raiva?

No Tibete, conta-se que um velho sábio perguntou a seus seguidores o seguinte: Por que as pessoas gritam quando estão com raiva?

Os homens pensaram por alguns instantes:

“Porque perdemos a calma”, respondeu o primeiro, “é por isso que gritamos.

-Mas porque gritar quando a outra pessoa está ao seu lado?

-O sábio perguntou- Não é possível falar com ele em voz baixa?

Por que você grita com uma pessoa quando está com raiva?

Os demais seguidores deram algumas outras respostas, contudo, nenhum delas deixou o sábio satisfeito.

Finalmente ele explicou:

Quando duas pessoas estão com raiva, seus corações se distanciam um do outro. Para encurtar essa distância, gritam para serem ouvidos. Quanto mais irritados estiverem, mais fortes terão de gritar para se fazerem ouvir através dessa grande distância .

Então o sábio perguntou:

-O que acontece quando duas pessoas se amam?

Eles não gritam, falam suavemente.

Por quê? Seus corações estão muito próximos.

A distância entre eles é muito pequena.

O sábio continuou: “Quando você se apaixona ainda mais, o que acontece? Eles não falam, apenas sussurram e se aproximam ainda mais de seu amor. Finalmente, eles nem precisam sussurrar, apenas olham um para o outro e é isso. É assim que duas pessoas são próximas quando se amam.

E, encerrando a explicação, concluiu:

– Quando você argumentar, não deixe seus corações se afastarem. Não permita que saiam da sua boca palavras que os distanciem ainda mais. Pois, se assim proceder, chegará um dia em que a distância é tão grande que você não encontrará o caminho de volta.

Bolsonaro e a autoverdade

A pós-verdade se tornou nos últimos anos um conceito importante para compreender o mundo atual. Mas talvez seja necessário pensar também no que podemos chamar de “autoverdade”. Algo que pode ser entendido como a valorização de uma verdade pessoal e autoproclamada, uma verdade do indivíduo, uma verdade determinada pelo “dizer tudo” da internet. E que é expressa nas redes sociais pela palavra “lacrou”.

O valor dessa verdade não está na sua ligação com os fatos. Nem seu apagamento está na produção de mentiras ou notícias falsas (“fake news”). Essa é uma relação que já não opera no mundo da autoverdade. O valor da autoverdade está em outro lugar e obedece a uma lógica distinta. O valor não está na verdade em si, como não estaria na mentira em si. Não está no que é dito. Ou está muito menos no que é dito.

Assim, a questão da autoverdade também não está na substituição de verdades ancoradas nos fatos por mentiras produzidas para falsificar a realidade. No fenômeno da pós-verdade, as mentiras que falsificam a realidade passam elas mesmas a produzir realidades, como a eleição de Donald Trump ou a aprovação do Brexit. A autoverdade se articula com esse fenômeno, mas segue uma outra lógica.


O valor da autoverdade está muito menos no que é dito e muito mais no fato de dizer. “Dizer tudo” é o único fato que importa. Ou, pelo menos, é o fato que mais importa. É esse deslocamento de onde está o valor, do conteúdo do que é dito para o ato de dizer, que também pode nos ajudar a compreender a ressonância de personagens como Jair Bolsonaro e, claro, (sempre), Donald Trump. E como não são eles e outros assemelhados o problema, mas sim o fenômeno que vai muito além deles e do qual são apenas os exemplos mais mal acabados.

Uma pesquisa de junho do Datafolha mostrou, mais uma vez, que a maioria das pessoas que declaram voto em Jair Bolsonaro (PSL) são jovens: seu eleitorado se concentra principalmente na faixa dos 16 aos 34 anos. O capitão do exército também lidera as intenções de voto entre os mais ricos e os mais escolarizados do país. O candidato de extrema-direita está em primeiro lugar na disputa presidencial de outubro. Isso num cenário sem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Com Lula, Bolsonaro cai para o segundo lugar. Mas Lula, como sabemos, está preso e impedido de se manifestar num dos mais controversos episódios da história recente do Brasil, um país hoje assinalado pela politização da justiça.

Em pesquisa recém divulgada, a professora Esther Solano entrevistou pessoas na cidade de São Paulo para compreender o crescimento das novas direitas e especialmente da extrema-direita mais antidemocrática, representada por Jair Bolsonaro. Os selecionados cobrem um amplo espectro de posição econômica, de emprego, de idade e de gênero. Solano é professora da Escola Paulista de Política, Economia e Negócios da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e do Mestrado Interuniversitário Internacional de Estudos Contemporâneos de América Latina da Universidad Complutense de Madrid. Ela tem se destacado como uma das principais estudiosas do perfil dos participantes dos protestos no Brasil desde 2013, quando foi uma das poucas a escutar os adeptos da tática black bloc em profundidade.

A pesquisa, financiada pela Fundação Friedrich Ebert, é ótima, importante e deve ser lida na íntegra. Aqui, me limito a reproduzir um trecho que ajuda a iluminar a questão que apresento nessa coluna:

“No começo da roda de conversa com os alunos de São Miguel Paulista, assistimos a um vídeo com as frases mais polêmicas de Bolsonaro. No final do vídeo, muitos alunos estavam rindo e aplaudindo. Por quê? Porque ele é legal, porque ele é um mito, porque ele é engraçado, porque ele fala o que pensa e não está nem aí. Com mais de cinco milhões de seguidores no Facebook, o fato é que Bolsonaro representa uma direita que se comunica com os jovens, uma direita que alguns jovens identificam como rebelde, como contraponto ao sistema, como uma proposta diferente e que tem coragem de peitar os caras de Brasília e dizer o que tem de ser dito. Ele é foda.

O uso das redes sociais, a utilização de vídeos curtos e apelativos, o meme como ferramenta de comunicação, a figura heroica e juvenil do ‘mito ’Bolsonaro, falas irreverentes e até ridículas, falas fortes, destrutivas, contra todos, são aspectos que atraem os jovens. Se, nos anos 70, ser rebelde era ser de esquerda, agora, para muitos destes jovens, é votar nesta nova direita que se apresenta de uma forma cool, disfarçando seu discurso de ódio em formas de memes e de vídeos divertidos: O Bolsomito é divertido, o resto dos políticos não”.

Na roda de conversa na escola de São Miguel Paulista, na Zona Leste, a mais precarizada de São Paulo, os alunos negam que Bolsonaro faça a difusão de um discurso de ódio. Mas valorizam a sua coragem de dizer coisas fortes. Um garoto de 16 anos resumiu: “Ele não tem discurso de ódio. Tá só expondo a opinião dele, falando a verdade”.
Leia mais o artigo de Eliane Brum