terça-feira, 15 de setembro de 2020

Dom Quixote contra a reforma tributária

Em movimentos paralelos, quem sabe, coordenados, governos estaduais e federal editaram recentemente leis, decretos e portarias para facilitar o acesso às armas. A despeito da crise econômica aguda, alguns Estados até zeraram impostos sobre a compra de escopetas, carabinas e afins.

Em impressionante sintonia, deputados e senadores preparam-se, em outra frente, para instituir a cobrança de impostos sobre os livros, o que dificultará o já tortuoso acesso à leitura no Brasil.

Essa perversa sincronicidade atualiza e transporta para a era Bolsonaro um debate levantado pelo escritor Miguel de Cervantes, no início do século XVII, sobre o valor das armas e dos livros em uma sociedade. Simultaneamente, coloca à prova os pilares sobre os quais essa sociedade se edifica, ou oscila.

No vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, o presidente Jair Bolsonaro disse que gostaria que todo “o povo se arme”. Em nenhum momento de sua gestão ele manifestou o desejo de representar uma população instruída, com amplo acesso à literatura e outras artes, embora um nível sofisticado de leitura seja atributo de países desenvolvidos.

Erra quem se reporta aos livros como inutilidades, ou “coisa da elite”. A leitura é um dos critérios do Pisa, exame internacional aplicado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), clube dos países ricos no qual o Brasil sonha ingressar.


No quesito leitura, o último relatório do Pisa, divulgado há nove meses, afirmou que a performance média dos brasileiros “parece flutuar em uma tendência horizontal”, ou seja, estagnou. Apenas 2% dos estudantes brasileiros alcançou nível alto de proficiência.

Os brasileiros pontuaram 413 em leitura, onde o número 500 é referência. Os chineses pontuaram 555, os canadenses, 520, e os americanos, 505. Os chilenos registraram 452 pontos, para citar um vizinho.

Mesmo diante desse desempenho, na votação da reforma tributária, o Congresso caminha para taxar em 12% a receita bruta das editoras.

O ministro Paulo Guedes disse que livro é produto da elite. Falso, já que a pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, o mais abalizado levantamento sobre o tema, divulgado na semana passada, mostrou que a maior queda no nível de leitura ocorreu entre os mais ricos e escolarizados: 12% contra 4% na média nacional.

Uma leitura míope de dois capítulos do clássico “Dom Quixote de la Mancha” entusiasmaria, a princípio, os devotos da bandeira armamentista. Nos capítulos 37 e 38, o engenhoso fidalgo sustenta a primazia das armas sobre as letras: “Tirem da minha frente os que afirmarem que as letras levam vantagem sobre as armas, pois direi a eles que não sabem o que dizem”.

Segundo Dom Quixote, os partidários das letras alegam que as armas não se sustentam sem elas, porque a guerra também tem suas leis e está sujeita a elas, sendo que leis são o território das letras. Os armamentistas retrucam que as leis não se sustentam sem as armas, porque estas defendem as repúblicas, conservam os reinos, protegem as cidades, limpam os mares de piratas.

A arenga prolonga-se num fluxo de argumentos incompatível com o espaço limitado da coluna. Mas o que se pretende aqui é explorar a espantosa atualidade de um debate provocado por Cervantes há quase meio milênio (a primeira edição de “Dom Quixote” remonta a 1605), diante de uma conjuntura nacional em que se articula a flexibilização do acesso às armas, em contraponto ao aumento do preço dos livros.

“Esse momento do Brasil mostra o desprezo pelo livro e o valor das armas, mas o valor da arma de fogo, e o da justiça que cada um faz pelo impulso, pelo uso indiscriminado das armas, sem nenhum princípio de direitos humanos”, critica a professora Maria Augusta da Costa Vieira, titular de literatura espanhola da Faculdade de Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP).

Especialista em Cervantes, a professora Maria Augusta ressalva que é preciso situar historicamente o que Dom Quixote defendia ao invocar a primazia das armas sobre as letras. Na tradição medieval, o modelo do herói conciliava a força e a sabedoria, e suas armas eram a espada e a lança, manejadas com a força do braço.

Maria Augusta sublinha que Dom Quixote tinha pavor de armas de fogo, introduzidas nas guerras no século XVI, em que Cervantes atuou. “Quixote era um leitor inveterado, tudo o que ele fez na vida foi ler. Ele defende armas que enaltecem o valor do guerreiro, e não aquelas que podem destuir o inimigo apertando um dedo, e nada mais”.

A professora acrescenta que pode haver também uma crítica velada do próprio Cervantes às armas de fogo, porque o escritor foi atingido por uma bala na Batalha de Lepanto, em 1571, que lhe tirou os movimentos da mão esquerda. Foi com uma mão imobilizada que Cervantes escreveu as mil páginas de uma das obras fundadoras do romance moderno.

Por isso, é revelador que, ao fim do capítulo 38, o cavaleiro andante condene as armas de fogo, e ao mesmo tempo, exalte o poder de sua lança: “abençoados sejam aqueles séculos que careceram da espantosa fúria desses instrumentos endemoniados de artilharia”.

Nesse trecho Quixote afirma que a artilharia de fogo “permitiu que um braço infame e covarde tire a vida de um cavaleiro corajoso e que, sem que se saiba como ou vinda de onde, chegue uma bala perdida”. Concluiu: “Me deixa receoso pensar que a pólvora e o chumbo poderão me impedir de me tornar ilustre e famoso pelo valor de meu braço e pelo fio de minha espada”.

Maria Augusta alerta que o discurso de Dom Quixote sobre armas e letras não pode ser interpretado sem uma visão ampla, no contexto do personagem, até porque contém uma dose da reconhecida ironia cervantina.

“Dom Quixote é a encarnação dos maiores valores humanos que a gente reconhece, como o amor, a verdade, a fé e a justiça. Ele era um humanista, no sentido pleno do termo”, arrematou.

A política por trás

Foi o vice-presidente Hamilton Mourão quem candidamente definiu a situação: a decisão econômica é fácil, mas “tem política por trás disso”. Falava do debate sobre a posição do presidente Bolsonaro a respeito de uma lei aprovada pelo Congresso que anistiava multas e dívidas previdenciárias de igrejas evangélicas. 

O presidente acabou vetando parcialmente o projeto, no que se refere às contribuições sobre lucros das igrejas, mas sancionou a isenção sobre os salários dos pastores, a chamada “prebenda”, que ganhou na linguagem popular o sentido de “sinecura”. 

No Brasil, o catolicismo era a religião oficial do Estado, que a subvencionava, e as demais religiões eram proibidas pela Constituição de 1824. A separação entre a Igreja e o Estado foi efetivada por decreto em 7 de janeiro de 1890, e oficializada na Constituição de 1891. 

A Constituição de 1988 proíbe aos entes federativos "estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento, ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público." 


Por incrível que pareça, regredimos no debate político à época em que religião e política se misturavam, sem o necessário firewall. O mais vergonhoso é que os artigos sobre as dívidas das igrejas foram incluídos em um projeto que falava de precatórios para financiar recursos para o combate à Covid-19 pelo deputado federal David Soares, filho do missionário R.R. Soares, fundador da Igreja Internacional da Graça de Deus, uma dissidência da Igreja Universal do Reino de Deus, de seu cunhado Edir Macedo. 

Esse tipo de manobra é chamado de “jabuti” e é largamente utilizada pelos mais diversos governos para resolver questões que nada têm a ver com o teor do projeto em si, a até de medidas provisórias. Como o Congresso não rejeita esse tipo de ilegalidade e, como agora, se aproveita dela em benefício próprio,seguimos adiante como se nada houvesse. 

A proposta, porém, era inviável juridicamente, o presidente Bolsonaro relutou muito, mas acabou cedendo à pressão do ministério da Economia, cujos técnicos advertiram que o gasto a mais com a anistia – cerca de R$ 1 bilhão – poderia gerar um processo de impeachment, pois não há previsão no Orçamento para ele, o que é proibido por lei. 

Mas o presidente deu um golpe político inédito, enviando aos congressistas, através de mensagens do twitter, estímulos para que derrubem seu próprio veto. Na postagem, Bolsonaro explicou que, devido à Lei de Diretrizes Orçamentárias e da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), foi “obrigado a vetar dispositivo que isentava as igrejas da Contribuição sobre o Lucro Líquido (CSLL), tudo para que eu evite um quase certo processo de impeachment”. 

O governo vai propor “instrumentos normativos a fim de atender a justa demanda das entidades religiosas”, anunciou o Palácio do Planalto. Só um presidente sem noção do cargo que ocupa, e de suas responsabilidades, pode incentivar políticos a derrubarem o veto dele mesmo. É o famoso “auto-golpe”, desta vez parlamentar. 

Bolsonaro não sancionou a lei porque sabe que é um escândalo, que a sociedade não aceita, e como houve uma reação muito forte, acabou vetando, e criou essa situação estranha. Além de incentivar sua própria derrota no Congresso, o que seria a derrota do equilíbrio fiscal e da separação do Estado da Igreja, Bolsonaro quer que o Congresso crie uma verba especial para isentar as igrejas de impostos, e promete mandar uma emenda constitucional para transformar em lei esse absurdo. 

Igrejas devem ser taxadas pelos produtos que criam – filmes, livros, canções gospel – efeitos dos cultos religiosos que geram lucros formidáveis. O veto à cobrança de impostos sobre os salários dos que atuam nas celebrações é discutível, mas eles deixam de pagar impostos sobre bens particulares que estão em nome das igrejas. Essa é a distorção da lei que pretendem aprovar.

Pensamento do Dia

 


Torpor moral

Bolsonaro e Lula são duas faces da mesma moeda, ambos apostam que nas eleições de 2022 se repetirá o cara ou coroa. Um é o inimigo querido do outro e tentam conjuntamente, em polos opostos, tornar inviável qualquer outra possibilidade. Não deveria, portanto, surpreender que Lula faça seu reingresso na cena política com um discurso tosco e anacrônico, pois, no seu entender, é a melhor forma de enfrentar o mesmo modo de falar e atuar de seu contendor. O ódio de um pelo outro é o espelho de um amor recíproco. Se um falta, o outro se entristece, fica mesmo amuado.

Essa polarização, contudo, não é fruto somente de uma rija política, com parâmetros próprios, mas expressa algo mais profundo agindo na própria sociedade, com valores morais se esfacelando. Não há adesão coletiva a princípios reconhecidos como comuns, mas questionamentos que atingem o que entendemos como viver em comunidade. Se o PT procurou impor goela abaixo valores tidos por politicamente corretos, ao arrepio do sentimento profundo da sociedade, a reação bolsonarista mostrou que os afetados souberam reagir, expondo os limites de tal tipo de imposição. De lá para cá, a sociedade não conseguiu se recuperar, expondo fraturas à luz do dia.



Há o que poderíamos denominar torpor moral, que está sendo manipulado politicamente. Os óbitos da covid-19 já ultrapassam os 130 mil, uma enormidade. No entanto, a vida segue como se este fosse um dado do destino. Individualmente as pessoas se mostram afetadas, sofrem, sobretudo, quando seus próximos são atingidos, mas isso não se manifesta coletivamente, como quando o presidente da República continua a ser aprovado por expressiva fatia da população, até mesmo na condução da pandemia. A realidade desaparece na perversão moral.

As imagens hilárias do presidente mostrando a cloroquina como solução para a covid-19 são constrangedoras e irresponsáveis, todavia isso não se traduz num verdadeiro protesto, como se a sociedade estivesse anestesiada. Atitudes irresponsáveis desafinando regras básicas de saúde continuam, entretanto os mais anestesiados não cessam de declamar os seus encantos nas redes sociais. É o coro digital da degradação. Se age como o faz, é porque tem a anuência de um setor expressivo da sociedade que nele se reconhece.

Ora, a ciência é um valor civilizatório duramente conquistado no transcurso dos séculos. Sua emancipação dos dogmas da Igreja Católica foi um doloroso e perigoso processo. Métodos experimentais foram elaborados, a dúvida veio a fazer parte do conhecimento, os questionamentos incessantes foram internalizados por todos, a certeza devendo ser argumentada e compartilhada por uma comunidade de pessoas afeitas e formadas nesse mesmo desenvolvimento. Note-se que erros fazem normalmente parte desse processo, alguns chegam a caracterizar o método científico como de tentativas e erros.

Ora, o que estamos presenciando no Brasil? Questionamentos vêm de políticos que não tem a menor noção do que isso significa, como se a sua opinião fosse equivalente a um argumento cientificamente elaborado.

O caso da pastora evangélica e deputada federal Flordelis é, sob essa ótica, exemplar, por expor uma apropriação da religião não apenas pelo lado financeiro, mas também pelo aspecto moral. Segundo todos os indícios apresentados, surge um caso de perversão propriamente dito. Primeiro, há a imagem de uma pastora voltada para a adoção de crianças (mais de 50), elogiada pela ministra Damares Alves, aparecendo na foto como formando um casal ideal com outro pastor. Segundo, esse mesmo pastor seria, além de marido, filho e ex-genro, numa relação de tipo incestuoso que se propagaria para toda a sua “família”. Uma de suas filhas teria sido sexualmente oferecida a outros “pastores”, expondo valores morais em degradação constante. Terceiro, o assassinato do marido, empreendido, segundo o noticiado, por filhos e uma neta de Flordelis, sob as ordens da mãe. O desarranjo moral é total, resvalando para a esfera do crime. E sob patrocínio político.

Meninas são estupradas e, em lugar da compaixão por elas, surgem discussões inócuas sobre o aborto em tal contexto, como se não fossem elas que devessem ser acolhidas, e sim os gritos insensatos dos acusadores com a palavra “assassinos” salivando na boca. Até hoje não se sabe quem vazou a informação sobre o hospital em que foi realizada a interrupção da gravidez, os envolvidos nessa indignidade não foram ainda responsabilizados e, nesse cenário, o ministro interino da Saúde baixou uma portaria criando ainda mais obstáculos para que a interrupção da gravidez se faça, tornando os médicos agentes policiais.

Uma portaria afronta de maneira clara a lei, sem que haja indignação correspondente. Os irresponsáveis que nos governam apostam em que tudo caia no esquecimento.

A acomodação e a tolerância com fraturas morais desse tipo, com a perversão, são as que tornam as sociedades acolhedoras para líderes populistas, de direita e de esquerda, que tudo prometem, pouco entregam e aprofundam o dilaceramento do tecido social.

Mau caráter gritante


O Facebook tornou-se um gatilho, e há sempre um dedo que está disposto a disparar. Por isso, está a ficar cada vez mais tóxico. Mas a grande desilusão no Facebook é o próprio ser humano. No fundo, quem nos desilude são sempre as pessoas que aproveitam aquela montra para revelarem o seu carácter… E o que move, hoje, a maior parte das pessoas no Facebook é a frustração
Inês Meneses, radialista portuguesa

Adivinhe quem é

Um doce para quem adivinhar o nome. Ele despeja acusações sem provas contra tudo e todos e, ao ver-se desmentido, nega ter dito o que disse e acusa a imprensa de tê-las inventado. Mente compulsivamente, até quando não precisa. Faz isso de propósito na frente dos repórteres, sabendo que eles só têm duas opções: ou o transcrevem de maneira neutra ou o contestam com provas --o que não lhe faz diferença porque, nos dois casos, ele terá pautado a mídia.

Insulta todos que não concordam com ele. Tenta barrar de suas entrevistas os veículos que vê como hostis --os que não rastejam à sua presença-- e é muito generoso para com os que lhe são servis. Em suas aparições pessoais, dispõe de valentões para constranger e ameaçar opositores. E, ao se ver incomodado por uma pergunta, não a responde. Manda calar a boca, encerra a conversa ou vai embora.



Tem uma massa de apoiadores zumbis, cegos e surdos à montanha de acusações que o mostram como ignorante, despreparado e fraudulento. Mas, quanto mais essas acusações se acumulam, mais eles ficam do seu lado. Faz-se passar por machão a todo instante, como se precisasse se assegurar disso. Por sinal, vive cercado de machões.

É incapaz de obedecer ao que seus assessores lhe aconselham e se acha tão poderoso que, por mais absurdos que faça ou diga, está convencido de que nada o atingirá. Seu único programa é o poder. Exatamente por isso está condenado a cair do cavalo e, cedo ou tarde, pagar por todos os absurdos que disse ou fez. Quem é?

Se você respondeu Jair Bolsonaro, errou. O fanfarrão acima, descrito numa biografia recém-lançada em Nova York, é o senador americano Joe McCarthy, que, nos anos 50, teve breve carreira como caçador de pseudocomunistas no governo dos EUA. Desmoralizado como acusador, deu seu nome a uma era, o macarthismo —tão infame que nem o próprio Donald Trump se atreve a elogiá-lo.
Ruy Castro

A Pobreza Interna Bruta está crescendo

Você tem uma vida melhor hoje do que tinha em julho? Diante da situação, nem se deveria perguntar isso. Afinal, as ações subiram; a economia acrescentou mais de um milhão de empregos em “agosto” (explico as aspas daqui a um minuto); estimativas preliminares sugerem que o Produto Interno Bruto dos Estados Unidos está aumentando rapidamente no terceiro trimestre, que acaba neste mês.

Mas a Bolsa não é a economia: mais da metade de todas as ações são propriedade de apenas 1% dos americanos, enquanto a metade inferior da população possui somente 0,7% do mercado.

Os empregos e o PIB, em contraste, são praticamente a economia. Mas não são o ponto principal da economia. O que alguns economistas e muitos políticos com frequência esquecem é que a economia não é fundamentalmente sobre dados, é sobre pessoas. Eu gosto de dados tanto quanto, ou provavelmente mais, que qualquer um. Mas o sucesso de uma economia deve ser avaliado não por estatísticas impessoais, e sim pela melhora na vida das pessoas.

E o fato simples é que nas últimas semanas a vida de muitos americanos piorou bastante. Obviamente, isso vale para os cerca de 30 mil americanos que morreram de Covid-19 em agosto –em comparação, somente 4.000 pessoas morreram na União Europeia, que tem uma população maior–, mais o número desconhecido, porém maior, de nossos cidadãos que sofreram danos duradouros à saúde.


E não olhe agora, mas o número de novos casos de coronavírus, que estava em declínio, parece ter atingido o platô; entre o Dia do Trabalho nos EUA [7/09 em 2020] e a reabertura das escolas, há uma boa probabilidade de que a situação do vírus dê mais uma virada para pior.

Mas as coisas já pioraram para os milhões de famílias que perderam a maior parte de sua renda normal em consequência da pandemia e ainda não a recuperaram. Nos primeiros meses da depressão pandêmica, muitos desses americanos sobreviveram graças à ajuda federal de emergência. Mas grande parte dessa ajuda foi cortada no final de julho, e apesar dos ganhos de empregos estamos no meio de um enorme aumento da pobreza nacional.

Então vamos falar sobre aquele relatório do emprego. Uma coisa importante a se ter em mente sobre as estatísticas mensais oficiais do emprego é que elas se baseiam em pesquisas realizadas na segunda semana do mês. Foi por isso que usei aspas em “agosto”. O que o relatório de sexta-feira (4) realmente nos deu foi um instantâneo da situação do mercado de trabalho por volta de 12 de agosto.

Isso pode ser importante. Dados privados sugerem uma desaceleração no crescimento dos empregos desde o final de julho. Por isso, o próximo relatório de emprego, que será baseado em dados coletados nesta semana –e também será o último antes da eleição–, provavelmente (não certamente) será mais fraco que o último.

Em todo caso, aquele relatório de agosto não foi ótimo, considerando-se o contexto. Em tempos normais, um ganho de 1,4 milhão de empregos seria impressionante, mesmo que alguns deles fossem uma bolha temporária associada ao censo. Mas ainda estamos com 11 milhões de empregos a menos do que tínhamos em fevereiro.

E a situação continua muito dura para os trabalhadores mais atingidos. O declínio da pandemia atingiu de maneira desproporcional os trabalhadores no setor de lazer e hotelaria –como restaurantes–, e o emprego nesse setor ainda está cerca de 25% abaixo do normal, enquanto a taxa de desemprego para trabalhadores na indústria ainda está acima de 20%, mais de quatro vezes seu nível de um ano atrás.

Em parte por causa do lugar onde a queda se concentrou, os desempregados tendem a ser americanos que ganhavam salários baixos mesmo antes do declínio econômico.

E um fato perturbador sobre o relatório de agosto foi que os salários médios aumentaram. Não, não foi um erro de impressão. Se os trabalhadores de baixa renda mais atingidos pela queda fossem recontratados, esperaríamos que os salários médios caíssem, como fizeram durante a recuperação de maio e junho. Aumento de salários médios nesta altura é um sinal de que os que realmente precisam de empregos não os estão conseguindo.

Assim, a economia continua se desviando dos que mais precisam de uma recuperação. Mas a maior parte da rede de segurança que sustentou temporariamente as vítimas econômicas do coronavírus foi rasgada.

A Lei CARES, aprovada em março, deu aos desempregados mais US$ 600 por semana em benefícios. Esse suplemento teve um papel crucial para limitar as dificuldades extremas; a pobreza pode até ter diminuído.

Mas o suplemento terminou em 31 de julho, e tudo indica que os senadores republicanos nada farão para restabelecer a ajuda antes da eleição. A tentativa do presidente Donald Trump de implementar por decreto um suplemento semanal de US$ 300 deixará de atingir muita gente e se mostrará inadequada até para os que o receberem. As famílias podem ter sobrevivido por algumas semanas com suas economias, mas as coisas vão ficar muito duras para milhões de pessoas.

A conclusão é que antes de citar estatísticas econômicas você deve pensar no que elas significam para as pessoas e suas vidas. Os dados não são insignificantes: um milhão de empregos ganhos é melhor que um milhão de empregos perdidos, e um PIB em crescimento é melhor que um que encolhe. Mas com frequência há uma desconexão entre os números das manchetes e a realidade da vida americana, e isso é especialmente verdadeiro neste momento.

O fato é que esta economia simplesmente não está funcionando para muitos americanos que enfrentam tempos difíceis – que graças às decisões políticas de Trump e seus aliados só estão ficando mais difíceis.