terça-feira, 18 de março de 2025
A liderança não é um jogo
Vivemos tempos que, pela complexidade dos desafios, convidam ao aparecimento de grandes líderes – desde que saibam responder à chamada e assumir as suas responsabilidades. Por isso, estes também são tempos esclarecedores sobre as verdadeiras capacidades de quem governa – tempos que podem ser uma rampa de lançamento para mais altos voos ou o prenúncio de um desastre inevitável, a curto ou médio prazo.
Com o mundo numa encruzilhada, todos os governos estão hoje sob uma enorme pressão. Especialmente os dos países europeus, ameaçados por várias ondas de tensão: crescimento do populismo, aumento da desconfiança das populações em relação às próprias virtudes da democracia, alterações profundas na sua demografia, fortes pressões sobre a solidez do Estado social e, em simultâneo, obrigados a mudar o paradigma em relação ao seu papel no mundo, a política de defesa e até as suas alianças militares e comerciais.
Esta realidade é transversal a quase todos os governos europeus, onde são muito poucos os líderes a gozarem de maiorias estáveis e sólidas nos seus parlamentos. E, como as eleições recentes demonstraram, os eleitores têm penalizado quase sempre quem ocupa o poder, o que faz aumentar o sentimento de fragilidade de quem governa, com as consequências nefastas que se conhecem: muitas decisões de curto prazo e poucas de âmbito estratégico e duradouro.
Com tudo o que está a ocorrer no mundo, este é o tempo que exige mudança de atitude na governação. E, acima de tudo, uma inabalável convicção nas decisões estratégicas que precisam de ser tomadas. Com a Europa no centro desta encruzilhada, os governantes têm uma responsabilidade acrescida que vai muito para lá do peso e da dimensão de cada país. No momento em que se avaliam novas estruturas de defesa e, quem sabe, uma alteração de prioridades nos mecanismos de coesão europeia, todos os governantes têm o dever de apresentar as suas ideias, de se sentar à mesa das grandes decisões e de participar ativamente na busca de soluções – que terão, todas elas, um enorme impacto na população.
Perante o desafio quase existencial que a Europa enfrenta, este não é o tempo de os governos se esconderem ou se deixarem ficar à sombra dos líderes dos grandes países, à espera do que é definido em Berlim ou Paris. A postura pequenina de “bom aluno”, que chegou a fazer escola em alguns anos da ainda Comunidade Económica Europeia, já não é admissível para um país de dimensão média, como o nosso. Portugal, como já fez várias vezes no passado, pode e deve ter uma voz ativa nos grandes debates europeus. E, como também já aconteceu, ser capaz de influenciar tomadas de decisão e ter vozes com um peso decisivo para a alteração de políticas europeias.
Causa, por isso, muita estranheza a ausência sucessiva do primeiro-ministro nas cimeiras e nos encontros que têm ocorrido na atual situação de emergência para o futuro da Europa, provocada pela mudança da política de Washington em relação à guerra na Ucrânia – bem como ao anúncio de uma nova guerra comercial com os seus “antigos aliados” europeus. Todos temos visto aquilo que tem acontecido: Luís Montenegro poderia, como outros fizeram, ter “forçado” a sua presença nos encontros que pretendiam ser restritos. E noutro, que seria mais alargado, acabou por falhar a participação devido a alegados “problemas técnicos”. Nos palcos decisivos da encruzilhada da História, propícios para a afirmação de líderes, Montenegro tem estado “desaparecido em parte incerta”, porventura a tentar apagar o fogo do escândalo que o envolve. O pior, no entanto, é que não tem sido capaz de apresentar explicações convincentes sobre as acusações que lhe apontam e, em simultâneo, tem estado também profundamente calado em relação aos grandes desafios que se colocam a Portugal e à Europa, no atual contexto internacional. E se, no primeiro caso, a perda pode ser só dele, já no segundo, o que está em causa é o prestígio e a afirmação do País.
A Suprema Corte e Donald Trump
Na semana, Trump usou uma lei de 200 anos (“The Alien Enemies Act”), invocada apenas três vezes e somente em períodos de guerra declarada – o que não é o caso –, para expulsar dos EUA venezuelanos. Deportá-los. Por avião.
O juiz James Boasberg, da primeira instância da Justiça Federal de Washington D. C., mandou tudo suspender. E, se tivesse avião no ar, imediatamente desse meia-volta. Trump não obedeceu.
O jovem Mahmoud Khalil, regular estudante na Columbia University, participou no campus de atos pró-Palestina. Trump taxou como “un-American activity” – o que quer que isso queira dizer. Foi preso, exilado em Louisiana. Trump já se movimenta para deportá-lo. A despeito de seu green card. Considerado imigrante ilegal. O que não é.
A Universidade de Columbia, como “punição” e sob a acusação de estar “escondendo estudantes” que a Administração Trump persegue, deixará de receber 400 milhões de dólares. Entre contratos, financiamento e concessão de bolsas de pesquisa, que recebe do governo americano.
Lá, a liberdade de expressão permite falar o que queira. Com poucos limites ao conteúdo. Em geral, apenas atos concretos podem ser ilegais. Foi o caso de Khalil.
Esclarece o prof. Paulo Daflon Barrozo, da Boston College Law School: falar pode, atuar não. E acrescenta: “O que importa, para entender a estratégia de Trump, não é analisar um ou outro ato isoladamente. Mas juntá-los. Fazem parte de estratégia mais ampla. De intimidação da sociedade civil. Da desmoralização e esvaziamento das instituiçõs de Estado. De neutralização de oposição ao seu crescente poder”.
Essas e muitas outras executive orders de Trump podem acabar na Suprema Corte. Impossivel prever com exatidão o que acontecerá. Algumas possibilidades podem ser delineadas.
Quando uma ação chegar, quem estará em julgamento diante da opinião pública não será Trump. Mas a própria Suprema Corte. O sistema politico de freios e contrapesos do poder irá funcionar? Seus justices devem ponderar. Até que ponto a Corte será ou parecerá submissa ao Executivo? Arriscará violar um dos valores da democracia: a imparcialidade. Colocar, por si própria, sua legitimidade em questão.
O fato dos justices conservadores serem maioria não dita automaticamente a decisão. Por exemplo, o Chief Justice John Roberts e Justice Amy Coney Barrett, ex-professora da Universidade de Notre Dame, não são votos automáticos. Aqui e ali, provavelmente, vão temperar decisões. Vide caso recente.
A Suprema Corte manteve, neste momento, por 5 a 4, decisão de primeira instância que rejeitava pedido de Trump para congelar US$ 2 bilhões em ajuda externa. John Roberts e Amy Coney Barrett, apesar de serem da ala mais conservadora, alinharam-se aos mais “liberais”. Definiram o resultado. Que, no fundo, foi não entrar no mérito da questão. Adiar.
Em inúmeros casos, a Supreme Court não aceitou uma mudança drástica de orientação da ordem jurídica. Afirmando que os cidadãos não tinham ainda uma clara posição sobre o problema. In dubio, pro cautela.
O melhor é deixar baixar a poeira.
Diferenças entre EUA e Brasil são importantes. Nos EUA, não há ação direta de inconstitucionalidade. Salvo algumas poucas hipóteses, como certos casos de Habeas Corpus. Não se pode ir diretamente ao Supremo.
Há que se percorrer um canal processual que começa na primeira instância estadual ou federal. Vai às Circuit Courts, segunda instância. Só depois chega à Suprema Corte. Leva tempo.
O mais provável é que tenhamos múltiplas decisões pipocando na primeira instância e nas Circuit Courts. Mais ainda.
Ao contrário daqui, a Suprema Corte não é obrigada a julgar tudo que lhe chega. Seu juízo de admissibilidade é volátil, sem necessidade de dar maiores explicações.
Prudente, pois, é a corte esperar as reações nacionais às múltiplas decisões de Trump. Tomar a temperatura do pais.
As pesquisas de opinião, apesar da expressiva vitória em votos de Trump sobre Kamala, mostram diferenças ainda mínimas. Dois pontos para cá, dois pontos para lá.
Sem falar na pedra maior do caminho: as midterm elections. Isto é, as eleições legislativas para o próximo ano.
João Cabral de Melo Neto, nosso poeta-mor, dizia que esperar é um suplício. E exemplificava. Frei Caneca, sentado no banco do cadafalso, no Recife, aguardando os carrascos da morte, após ser condenado por D. Pedro I. Viveu o suplício de esperar o suplício.
Para muitos na mira do Trump, o esperar pela Suprema Corte pode ser um suplício. Será? É o modelo norte americano de democracia que irá para julgamento na Suprema Corte.
A extrema direita e a crise na imprensa no Brasil e no mundo
O descontentamento que levou aos protestos de 2013 não decorria apenas de fatores materiais, como renda e emprego, cujos índices vinham melhorando progressivamente. O mal-estar estava relacionado a uma crise social mais profunda, relacionada ao desgaste da política, a um ceticismo em relação à capacidade do Estado democrático em melhorar a vida das pessoas, algo que não estava claro no período, mas que se revelou no decorrer dos anos, não apenas no Brasil, como em outros países do mundo.
Mas é curioso olhar para trás, depois de tudo o que já sabemos. Havia a expectativa de que as redes levariam a um aprofundamento da democracia, como se a política caminhasse apenas para frente. As demandas da população poderiam ser ouvidas e conhecidas sem os filtros dos meios de comunicação tradicionais, o que ampliaria a representatividade e a civilidade. A internet parecia uma ferramenta para “criar um mundo melhor” e os nerds das grandes corporações eram candidatos a heróis da liberdade.
Os indícios desse progresso aparente vieram inicialmente das revoltas populares em países autoritários. Tinham começado na Tunísia, espalhando-se por outros países do Oriente Médio e da África, na chamada Primavera Árabe. Ainda em 2011, manifestantes do Ocuppy Wall Street acamparam por quase dois meses nas calçadas do maior centro financeiro do mundo, em Nova York, para protestar contra a desigualdade. A mesma febre popular parecia atingir as ruas do Brasil dois anos depois, em manifestações que começaram para protestar contra os aumentos das tarifas de transporte público. Depois, virou uma indignação dispersa, com pautas para todos os gostos.
Eu vivi esse momento de otimismo com a internet, ao mesmo tempo que enxergava os limites do meu trabalho como jornalista. Eu estava no Estadão e cobria os protestos. Perto das redes sociais, os jornais pareciam obsoletos. O streaming permitia aos manifestantes transmitirem ao vivo das barricadas. O feed do Facebook era mais vivo e oferecia um cardápio de informações mais variado e próximo dos fatos do que os jornais e a tevê. O Mídia Ninja, por exemplo, surgiu e se popularizou nesse período. O coletivo se propunha a fazer uma curadoria de vídeos a partir de uma ampla rede horizontal de produtores de conteúdo, espalhados pelo Brasil, donos de smartfones e dispostos a mostrar suas realidades. Esse grupo e outros se diziam mídia-ativistas, propondo-se a abandonar a pretensa objetividade do jornalismo tradicional para assumir uma agenda positiva, emplacar pautas progressistas e disputar ativamente a opinião pública.
O ambiente era favorável às esquerdas, que vinham intensificando sua experiência nas ruas, debatidas e articuladas nos fóruns sociais antiglobalização, que conseguiram paralisar grandes conferências da economia mundial, como em Davos. Essa geração estava atenta ao papel das redes sociais na luta política. Movimentos autonomistas apontavam para a mudança do paradigma dos protestos, que deviam ser horizontais, sem os carros de som e as hierarquias de antigamente, usando táticas como a black bloc (por meio da violência simbólica), a pink bloc (manifestações lúdicas), white bloc (táticas pacifistas), entre outras. Diante desse know-how nas ruas e nas redes, o que ninguém esperava é que seria justamente a extrema direita que conseguiria direcionar essa revolta de forma mais contundente para se tornar a principal beneficiada da insatisfação popular do período. Ela entraria no jogo do mídia-ativismo, dominaria as redes sociais para ganhar a disputa ao pautar o debate e fazer a cabeça da opinião pública.
No Brasil, a partir de 2015, diversos veículos e influenciadores com viés conservador e reacionário, parte deles formada por Olavo de Carvalho, que já vinha dialogando com a far-right dos Estados Unidos, ajudaram a levar milhares de pessoas às ruas para pedir o impeachment da presidente Dilma Rousseff, que ocorreu em 2016. Havia a Lava-Jato, denunciando diariamente casos de corrupção, o que ajudava as redes sociais a direcionarem o mal-estar disperso de 2013 contra políticos e partidos que lideraram a Nova República. Questões morais e religiosas entravam em cena, inflamando as discussões. Começava a ganhar força um projeto político alternativo, antissistema e reacionário, sob a liderança de Jair Bolsonaro. Era inacreditável, parecia um retrocesso inesperado. Depois de mais de 30 anos de democracia, os eleitores escolhiam um defensor da tortura, da violência policial e da Ditadura Militar para a presidência do Brasil em 2018.
Fenômenos semelhantes ocorreram em outras partes do mundo. O vácuo de poder nos países da Primavera Árabe resultou em movimentos contrarrevolucionários ainda mais duros, formados por juntas militares e grupos fundamentalistas. Os Estados Unidos elegeram Donald Trump e um movimento de extrema direita internacional passou a atingir e ameaçar diversas democracias que pareciam consolidadas.
Como e por que as crenças mudaram dessa maneira? Como a extrema direita conseguiu crescer e se fortalecer? Por que os valores democráticos passaram a perder prestígio na mesma proporção que políticos autoritários ganharam popularidade? Qual o papel das redes sociais nesse processo? Como a fragilização e a crise financeira do jornalismo tradicional contribuíram para esse estado de coisas? Entender grandes mudanças de crenças e de comportamentos é um tema que me persegue nos últimos vinte anos, período em que venho pesquisando esse assunto, mesmo que em outras frentes.
Acompanhei mais de perto duas grandes mudanças de crenças que redefiniram comportamentos em São Paulo e no Brasil e que ajudam a refletir sobre as atuais mudanças nas crenças políticas do brasileiro. A primeiro delas diz respeito à redução dos homicídios em São Paulo e à multiplicação das organizações criminais de base prisional por todos os estados do País. É um fenômeno social relevante, que envolveu o surgimento de mais de 80 facções de diferentes tamanhos, que transformaram o mercado de drogas nacional e o conectaram com o resto do mundo. O segundo fenômeno foi o processo de conversão religiosa dos brasileiros. Desde os anos 1990, o País deixou de ter ampla maioria católica para dar lugar ao protestantismo, principalmente de correntes pentecostais que, em poucos anos, caso o ritmo se mantenha, tende a ser a religião da maioria dos brasileiros.
Essas transformações envolveram o despertar de novas crenças, que modificaram comportamentos, redefiniram regras cotidianas e passaram a orientar outros sentidos de vida e identidades para amplas fatias da população. Atuaram para reestabelecer a ordem em mundos que pareciam caóticos e imprevisíveis. Esses processos ocorreram em meio à abrupta urbanização das cidades brasileiras, que a partir dos anos 1950 passaram a receber em grande escala grandes volumes de pessoas vindas das áreas rurais. A urbanização rápida foi marcada, inicialmente, pelo improviso, pela falta de planejamento e pela sensação permanente de desordem nas cidades. De repente, dois universos diferentes compartilhavam o mesmo ambiente, cada qual com sua herança cultural. Uma delas oriunda da zona rural brasileira, que passou a ser associada ao atraso e a ser considerada um risco para a vida nas cidades; e a outra já mais adaptada aos centros urbanos e à modernidade, que se sentia ameaçada.
Nesse ambiente tensionado, os migrantes vão erguer suas casas nos morros, periferias e favelas, para tentar fazer parte da modernidade industrial e do mercado de consumo como mão de obra barata. Os bairros que emergiam clandestinamente eram vistos com desconfiança pela população e pelas autoridades. Em meio a essa situação potencialmente explosiva, havia a necessidade de se criar outros tipos de ordem, que organizassem e dessem sentido para as vidas nas cidades em formação. As soluções foram criadas em diversas frentes. Na esfera política, nos anos 1970 e 1980, o discurso mais popular era liderado pela Igreja Católica progressista e pelos partidos de esquerda e centro-esquerda. A ditadura militar agonizava e a chegada da democracia possibilitava a perspectiva de participação popular. Para melhorar a vida nas cidades, conforme as lideranças progressistas, os pobres deveriam agir de forma coletiva para escolher políticos que representassem seus interesses concretos e cobrá-los no poder. No mercado de trabalho, eles deveriam se organizar nos sindicatos para pressionar os patrões. O futuro dependia da participação popular e de um Estado racional, voltado para a redução das desigualdades, o que implicava na cobrança por investimento nos bairros pobres emergentes, em asfalto, escolas, postos de saúde, cultura e infraestrutura em geral. Essa ideologia vai servir de base para o progressismo da Nova República.
Outros sentidos, contudo, eram forjados para lidar com a realidade urbana, marcada pelo medo da desordem e pela necessidade de ganhar dinheiro para sobreviver. Os moradores dos bairros centrais e as autoridades, temendo o que viam como ameaças, preferiam uma segregação velada, que se refletia na arquitetura urbana. É a época em que São Paulo e outras cidades começam se isolar atrás dos muros altos dos condomínios e nos ambientes privados de shoppings centers e automóveis. Já o Estado era cobrado para exercer uma ação violenta com objetivo de “proteger” a sociedade numa “guerra contra o crime”, via grupos de extermínio, esquadrões da morte, pela violência policial, entre outras práticas herdadas da ditadura militar e reinventadas na democracia, que atingiam principalmente os moradores dos bairros pobres. Essa guerra, contudo, estimulava a reação e a resistência forjadas entre grupos masculinos e periféricos, que apostavam no caminho do crime não apenas por questões materiais, mas como forma de não abaixar a cabeça e não se sujeitar passivamente ao destino que lhes era reservado e imposto pelas autoridades violentas.
Dessa maneira, no decorrer dos anos, movimentos aparentemente contraditórios passaram a transformar São Paulo. Melhorias estruturais via políticas públicas diminuíram o abismo econômico e social que separavam ricos e pobres – apesar de ainda profundos. Chegaram equipamentos públicos, transporte, luz, água, asfalto. Ao mesmo tempo, a violência, tanto da polícia como entre a população periférica, marcada pelas elevadas taxas de homicídios, seguia promovendo uma sensação permanente de caos. As facções e os religiosos pentecostais surgiram nesse cenário em construção, ainda confuso, como uma resposta dos pobres para os pobres, na busca de reorganizar a vida nos guetos, nas prisões, e produzir novas identidades que pudessem ser inseridas e aceitas na sociedade, numa tentativa de acomodação e aproximação das diferenças.
Entre os religiosos, a principal transformação trazida por uma fé reavivada foi a elevação da autoestima e do amor-próprio como antídoto ao estigma que pousava sobre os ombros dos moradores periféricos. O processo de conversão religiosa é chamado de metanoia, que significa transformação da consciência a partir de uma nova crença que permite o renascimento em uma identidade respeitável, aliada do Todo Poderoso e empoderada, que permite saltar obstáculos que pareciam intransponíveis. O PCC também conseguiu mudar a consciência dos criminosos com um novo discurso, que os levava a renunciar aos seus desejos mais egoístas para se sujeitarem às regras do crime e assim sobreviverem no lucrativo e promissor mercado ilegal. O processo massivo de transformação de consciências, portanto, dependia da construção de novos sentidos e discursos, que ofereciam caminhos mais seguros e previsíveis – mesmo quando na ilegalidade – para aumentar as chances de sobrevivência dentro da ordem geral vigente.
Tanto as ordens criadas pelo crime como pela religião apostaram no potencial do mercado para serem aceitas e tomadas como caminhos possíveis para um número crescente de pessoas. O mercado, desde priscas eras, quando começou a funcionar, tem essa qualidade insuperável de transformar potenciais inimigos em parceiros comerciais. Livros como Os anjos bons de nossa natureza, do psicólogo Steven Pinker, discutem como o surgimento do mercado foi essencial para a redução da violência na história do mundo ao inventar um mecanismo de ganha-ganha, baseado em trocas, que diminuiu a necessidade de guerras e de dominação. O mercado, assim como a linguagem, é um produto social que emergiu de baixo para cima, a partir da interação social, ampliando a possibilidade de sobrevivência ao criar interesses comuns entre diferentes.
O PCC, em vez de atuar como um cartel, inovou ao funcionar como uma agência reguladora do mercado do crime, que favorecia o negócio de todos que participavam. A ideia de “consciência criminal”, o tal do “proceder”, contribuiu para o estabelecimento de regras que mediaram a concorrência e reduziram os conflitos entre os participantes desta atividade. De acordo com essa pregação, quem atuasse na ilegalidade não deveria enxergar seus concorrentes como inimigos, mas como parceiros em potencial, já que o inimigo, afinal de contas, era o “sistema”, que não permitia que eles ganhassem dinheiro ilegalmente. O mundo ilegal era uma realidade inevitável, que não parava de crescer. Portanto, eles deveriam melhorá-la e torná-la previsível. O resultado, a partir da construção dessa nova ordem, foi benéfico para os seus participantes; em pouco mais de duas décadas, esse novo arranjo ajudou a reorganizar o mercado criminal e a costurar uma ampla rede de vendedores de drogas, que passaram a se associar com criminosos de outros ramos, multiplicando o faturamento e ampliando seus negócios para o mundo todo. Com mais dinheiro, eles passaram a ter capital para “comprar o sistema” e reduzir os riscos da vida na ilegalidade – apesar de ainda elevados.
Já os evangélicos, com sua autoestima renovada e um propósito claro para suas vidas, partiram da teologia da prosperidade para direcionar seus esforços para o sucesso material, que era sinônimo de benção divina. Os convertidos conseguiram, assim, formar redes de apoio que ampliaram suas condições para ganhar dinheiro e consumir como forma de serem respeitados numa sociedade pautada pelos valores do mercado. Em ambos os grupos, a nova ordem, que cada um representava, dependia do empreendedorismo e do mercado para existir e dar bons resultados.
A extrema direita no Brasil e no mundo ganhou espaço e passou a oferecer sentido para vidas confusas também apostando no mercado como a engrenagem central de garantia da sobrevivência. O sonho de ser livre viria com a riqueza, capaz de financiar a compra de todos os desejos possíveis e de proporcionar uma identidade de respeito. Como o sucesso no mercado dependia da disposição pessoal, o desafio de cada um seria acreditar na própria capacidade de vencer e não desistir. A fé e a capacidade de acreditar, portanto, ganharam relevância para alcançar algum êxito. O importante era construir um mindset autoconfiante, capaz de prosperar e superar as adversidades. Perdiam apelo as utopias anteriores, que pregavam a luta coletiva, voltadas para pressionar o Estado e ampliar os direitos sociais, reduzindo a dependência do mercado. A ideia de que a mudança viria de cima para baixo foi subvertida pela realidade material e social, caracterizada por uma economia que se desindustrializava, em meio a governos impotentes diante de seus limites fiscais, acusados de corrupção e de apadrinhamento. O apelo do mercado e da salvação individual, portanto, acabou se tornando mais plausível e obtendo popularidade crescente no mercado das crenças.
Os governos, de acordo com essa visão, deveriam reduzir sua interferência na economia, desregulamentar ao máximo as burocracias, reduzir as taxações que afetassem os empreendedores e, se possível, oferecer subsídios e vantagens que favorecessem seus negócios. A disputa política passaria a ser vinculada à melhoria dos lucros dos grupos vinculados aos que assumiam o poder – investidores financeiros, empreendedores imobiliários, grileiros, pastores, ruralistas, vendedores de armas e de segurança privada, entre outros. As associações e parcerias entre indivíduos e grupos passariam a funcionar como networks voltados para a geração de lucros. Até mesmo as mais de 80 facções brasileiras conseguiram ampliar sua influência no novo sistema apostando na chave do empreendedorismo. As igrejas também acabaram exercendo papel relevante na costura de redes, aproximando parceiros com interesses comerciais ou financeiros comuns. A mudança estava emergindo de baixo para cima, a partir dos indivíduos e de seus arranjos comerciais e financeiros no mercado.
A porta estaria sempre aberta até mesmo para os pobres, que poderiam ascender em um ambiente favorável ao empreendedorismo e ao lucro. A multiplicação dos jogos e das bets faz parte desse espírito porque, além de lavar o dinheiro ilegal, oferecem um atalho para o enriquecimento, mantendo acesa a esperança em mudar de vida a partir de um golpe de sorte. Esse modelo que hipervaloriza a prosperidade, contudo, produz suas próprias contradições e fragilidades, ao incentivar uma competição autodestrutiva no mercado, marcada pela informalidade, pela ilegalidade e pela infinidade de golpes financeiros de diferentes proporções e tipos.
Ter em mente esse amplo contexto de mudanças ajuda a entender como a imprensa acabou perdendo sua relevância como fiadora da democracia. Não se deve apenas à crise de financiamento ou à multiplicidade da oferta de informações. Ambos são fatores importantes. Mas o que mais surpreendeu foi como as redes sociais e o mundo virtual, em vez de aprofundarem a democracia, como se imaginava em 2013, acabaram se revelando um ambiente propício para a proliferação das seitas e de suas crenças desconectadas dos fatos objetivos, mas fortemente vinculadas às emoções e aos desejos daqueles que dialogavam entre si. As seitas, em sua concepção clássica na sociologia, servem como modelo para organizar uma minoria cognitiva contra um meio hostil. O conceito se contrapõe ao das religiões, que são mais abrangentes, inclusivas, universalistas e se adaptam às normas e aos valores da sociedade em geral. No caso em questão, chamamos de seitas não apenas os grupos religiosos, mas também os seculares, que se caracterizam pela capacidade de promover crenças cegas, mesmo não relacionadas ao sagrado, como, por exemplo, no caso dos terraplanistas e dos seguidores do QAnon. Por terem um caráter mais sectário, as seitas demandam um tipo de engenharia social motivacional, que precisa manter as pessoas motivadas para continuarem isoladas em suas crenças, o que pode ser um desafio, já que o mundo exterior é atraente e persuasivo.
O sucesso político desses grupos de extrema direita se deu graças a esse ambiente favorável à promoção do espírito de seitas. Os algoritmos das redes, programados para manter o máximo de pessoas mais tempo on-line, rapidamente se ajustaram para criar as chamadas câmeras de ecos, que agregam perfis com valores semelhantes para falarem entre si e reforçarem suas crenças. Nesse ambiente virtual, os ressentidos com o mundo democrático e com os universalistas passaram a se articular em grupos que construíram discursos que deram sentido e propósitos particulares para suas vidas sem rumo, produzindo sonhos plausíveis, mesmo que restritos aos seus integrantes, em um contexto em que o mercado ganhava centralidade como instituição capaz de garantir a sobrevivência e a reprodução da vida. Aconteceu algo semelhante com as mudanças de crenças no crime e na religiosidade dos brasileiros, que ocorreram à margem da comunicação institucional. No primeiro, dependeu de salves, estatutos e trocas de mensagens a partir das prisões. No segundo, a partir das próprias igrejas e dos canais de rádio e tevê que passaram a comprar para compartilhar suas visões de mundo.
O apelo sedutor da pregação reacionária nas câmeras de eco decorreu da capacidade de associar essa luta política a valores morais ligados à ordem tradicional, legitimada pela religião. Sobraram ataques contra o universalismo e o debate racional em torno de grandes projetos coletivos. Os fatos objetivos perderam a centralidade na definição das decisões políticas e a qualidade da discussão se deteriorou. Por maior que fosse o esforço dos grupos de fact-check em desmentir informações falsas, teorias conspiratórias se multiplicavam e arregimentavam milhares de adeptos e seguidores.
A esfera pública se fragmentou porque as redes sociais passaram a dar mais vazão aos discursos emocionais, que geravam mais engajamento e lucro e que davam sentido e ordem para a vida dos crentes.
A plausabilidade desses discursos, mesmo quando repletos de fantasias, estava ancorada na realidade do mercado. Apesar de mágico, não impedia ninguém de ganhar dinheiro. Pelo contrário – podia até ajudar. Para certos grupos pentecostais, a prosperidade e o empreendedorismo se tornaram valores associados à luta contra o mal. Os mocinhos ostentam seus ganhos e são ricos, não importam se atuam como grileiros, derrubadores de florestas, vendedores de armas, garimpeiros etc. Trump e Bolsonaro poderiam se vender como políticos ungidos e defenderem temas ligados ao fundamentalismo religioso para tentar legitimar suas autoridades e justificar seu poder. Até mesmo traficantes devotos (os “traficrentes”) apelaram para o sagrado, como os integrantes do Terceiro Comando Puro, na tentativa de exercerem o controle sobre as favelas que formaram o Complexo de Israel, no Rio. A fé e o fuzil poderiam se associar quando seus grupos acreditassem que lutavam a guerra do bem contra o mal. O fanatismo dos fundamentalistas islâmicos, eis que de repente, passava a inspirar o Ocidente cristão.
De qualquer maneira, se o presente parece distópico, esses projetos políticos ainda estão em disputa e o futuro é sujeito a milhares de variáveis aleatórias que o tornam imprevisível. A população pode mudar de humores, dando prosseguimento ao movimento histórico-dialético, que nunca para e sempre surpreende. A fragmentação da esfera pública e o favorecimento do espírito de seitas, proporcionado pelas redes sociais, dificultam e diminuem o peso dos fatos objetivos na discussão sobre as mudanças no mundo. Isso não significa que haja uma vitória que seja definitiva. A luta continua. Apesar de ainda impotente, segue firme o debate sobre a regulamentação das redes sociais e sobre como reduzir os danos sociais que os algoritmos e os espaços virtuais estão causando. A presença de Trump no poder da nação mais poderosa do mundo e o desastre potencial de suas ações podem acelerar as reações. Resta saber se haverá tempo suficiente para evitar ou sobreviver a grandes tragédias. A capacidade de enxergar os fatos objetivos e de entender a lógica dos movimentos da sociedade, contudo, continuará necessária para respaldar qualquer reação. Somente a partir desse autoconhecimento, será possível produzir discursos, propor novas ordens e sonhos para liderar o apoio a formas menos autodestrutivas de estar no mundo. Sem autoconhecimento e capacidade de agir politicamente, não há como mudar o sentido do caminho que parece nos levar rapidamente para o abismo. O jornalismo e as ciências humanas, portanto, apesar de fragilizados, são ainda o pouco que nos sobrou para continuar lutando.
Encruzilhada
Congresso crê que corrupção é um direito adquirido
O imbróglio poderia ser negociado entre o Executivo e o Congresso, mas como a responsabilidade no segundo inexiste, mais uma vez o STF foi chamado para resolver a questão. Primeiro, em 2022, a ministra Rosa Weber pôs fim ao orçamento secreto. Um ataque à independência do Legislativo? Apenas uma decisão seguindo o princípio constitucional da transparência. Não funcionou e a decisão foi driblada.
Flávio Dino seguiu o mesmo caminho, mas como foi ministro da Justiça do atual governo e indicado por Lula ao Supremo, é visto como um comandante de uma ofensiva do Executivo pelo controle do Orçamento. Após travar a liberação de emendas, fechou um acordo entre os poderes, com a super exigência de rastrear e identificar os autores das emendas. Parece pouco e óbvio, mas Lira saiu de reunião, em dezembro passado, dando claros sinais de descontentamento
Veja só: o Congresso acredita que Dino fez chantagem ao suspender as emendas até fechar o acordo. Entretanto, quando o Congresso exige a liberação de verbas para aprovar projetos caros ao Executivo, isso chama-se negociação.
Pois bem. Na última quinta-feira o Congresso Nacional aprovou o projeto que deveria atender aos pontos desse acordo. O apoio foi amplo. Na Câmara dos Deputados, 361 votos a favor, e 33, contra a medida. No Senado, 64 senadores foram favoráveis, e três contrários. O texto foi pautado pelo presidente do Legislativo, Davi Alcolumbre (União-AP), e deixa a possibilidade de indicações de líderes e alterações de pedidos de repasse sem critérios claros.
Alcolumbre por sinal, como revelou a Folha na última semana, destinou cerca de R$ 15 milhões em emendas parlamentares ao programa Mais Visão, projeto gerido pelo governo do Amapá. Detalhe ínfimo: o projeto foi idealizado pelo próprio Alcolumbre em 2019 e é realizado por uma ONG que tem ligação com um de seus principais assessores. Detalhe ínfimo.
O texto aprovado permite aos parlamentares indicar individualmente suas emendas às comissões. Porém, os líderes também continuam indicando as emendas, sem a necessidade de mencionar o nome do parlamentar que solicitou a emenda. Brecha número um.
O documento prevê um campo para sinalizar quem pediu a emenda, mas não há regra se, neste espaço, deverá estar inscrito o nome do parlamentar ou do líder partidário que encaminhou os pedidos às comissões. Brecha número dois.
O texto determina que as emendas de bancada devem informar o local onde serão destinadas. As bancadas estaduais de deputados e senadores votam e aprovam quais indicações serão feitas pelo grupo ao Orçamento. Entretanto, é possível ocultar a autoria do parlamentar nessa categoria também. A terceira brecha.
Sobre o projeto Flávio Dino afirmou que “para que nós possamos, como houve no orçamento secreto, (alcançar) um acúmulo de progressos, mesmo que no caso do orçamento secreto estejamos longe do ideal. Ainda muito longe do ideal, mas passos concretos foram dados”. E acrescentou que o conflito está longe do fim: “quando vai acabar? Vai acabar quando o processo orçamentário estiver adequado plenamente à constituição”, afirmou o ministro.
Enquanto parlamentares vão driblando o Supremo, os órgãos de fiscalização prometem revelar sucessivos escândalos. O MPF recomendou ações judiciais em 361 municípios por falta de prestação de contas sobre emendas Pix. Os municípios receberam R$ 279 milhões no ano passado sem esclarecer o uso das verbas. A PF tem mais de 40 inquéritos abertos espalhados em Brasília e nos estados para apurar a destinação da verba pública a municípios, segundo fontes à CNN.
E na última terça-feira, a primeira turma do STF tornou réus os deputados Josimar Maranhãozinho (PL-MA), Pastor Gil (PL-MA) e o suplente Bosco Costa (PL-SE), por organização criminosa e corrupção passiva, a partir do envio de emendas parlamentares. De acordo com a PGR, entre janeiro e agosto de 2020, os acusados desviaram R$ 1,6 milhão para liberação de R$ 6,6 milhões em emendas para o município de São José de Ribamar (MA).
Líderes dos partidos ameaçam instaurar investigações para fustigar os ministros do STF e dar voz aos pedidos do bolsonarismo em guerra constante com o Supremo, e ainda constranger o governo em votações, pressionando Lula. É impossível vislumbrar os desdobramentos dessas operações, mas podemos apostar que os caciques devem se safar, e os peixes pequenos devem ser visitados pela PF.
Serviço Nacional de Apoio ao Idoso – dignidade até ao fim da vida
Uma das maiores preocupações de milhares de famílias é como garantir que os nossos pais ou avós envelheçam com dignidade. Essa dignidade não pode depender do estado de saúde, da conta bancária ou da região onde vivem. Estamos a tratar de direitos humanos, não de sorte.
Portugal é um país envelhecido. Segundo dados da Pordata (2023), mais de 2,5 milhões de portugueses têm mais de 65 anos, representando cerca de 24% da população. A esperança média de vida aumentou (80,7 anos, segundo o INE), fruto dos avanços da medicina e das condições de vida. Por outro, a qualidade desses anos adicionais é frequentemente comprometida por pobreza, isolamento e falta de acesso a cuidados adequados.
Para isso contribui o facto de a pensão média ser de 563€ (2023), 30% viverem sozinhos (INE, 2022), muitos em zonas desertificadas, sem redes de apoio ou transporte público. Portugal está ainda entre os países europeus com maior percentagem de idosos vítimas de abuso físico, psicológico ou financeiro (OMS, 2018).
Este cenário demográfico, agravado por uma das mais baixas taxas de natalidade da Europa, exige respostas urgentes e estruturais. Criar uma rede pública robusta de apoio à velhice não é apenas uma necessidade — é um imperativo de justiça social e um compromisso com a dignidade humana.
Milhares de famílias procuram vagas em lares mas esbarram em listas de espera intermináveis ou em custos proibitivos. Outras acolhem em casa, num gesto nobre de amor, mas que frequentemente se transforma em sobrecarga física, emocional e financeira – 80% dos cuidadores são mulheres, muitas obrigadas a abandonar empregos e a ficarem com problemas de saúde mental (CITE, 2022).
Urge, portanto, criar uma rede pública integrada de apoio ao idoso, gerida em parceria pela Segurança Social, autarquias e unidades de Saúde Local. Um Serviço Nacional de Apoio ao Idoso (SNAI), articulado com o SNS, assegurará uma rede de apoio domiciliário e lares de idosos a preços justos, aliviando as famílias e dignificando os seus familiares.
E como se paga esta estrutura tão importante? Aqui entra a necessidade de reformar o financiamento da Segurança Social quando muitos setores altamente lucrativos, mas com poucos trabalhadores, deixam de contribuir para o sistema de Segurança Social tanto quanto poderiam e deveriam.
Estaremos a inventar a roda? Claro que não. A Suécia oferece serviços domiciliários gratuitos ou subsidiados (limpeza, refeições, cuidados de saúde) a todos os idosos, reduzindo a dependência de lares.
Os benefícios transcendem a esfera individual. Estudos mostram que investir na prevenção e no bem-estar dos idosos reduz custos hospitalares a médio prazo — menos internamentos por quedas ou doenças não monitorizadas. Além disso, fomentará empregos estáveis em áreas como geriatria, enfermagem e assistência social, setores hoje marcados pela precariedade.
Não se trata apenas de economia. É uma questão de ética. Portugal, um país que se orgulha do seu estado social, não pode compactuar com a dualidade atual: entre quem paga lares luxuosos e quem agoniza sem acesso a um cuidador. Envelhecer não é um privilégio de alguns, mas um destino comum.
A criação do Serviço Nacional de Apoio ao Idoso não é um gasto, mas um investimento civilizacional. Exige coragem para priorizar os mais vulneráveis e visão para construir um país que cuida de quem o edificou.
Envelhecer com dignidade não é um privilégio, mas um direito humano. Num país que envelhece tão rapidamente como Portugal, negligenciar esta realidade é uma irresponsabilidade política e social.
Tiago Veloso