sábado, 4 de novembro de 2017

Me engane que eu gosto

Políticos vivem de mistificações e muitos deles, ao mesmo tempo em que se colocam como vítimas por serem negros, mulheres, (ex) pobres ou de recantos longínquos do País, usam essas mesmas condições para se fazerem populares e abocanharem privilégios. Ninguém desconhece que o Brasil tem ranços racistas e machistas e que a principal origem de nossas piores mazelas está na desigualdade social, mas usar essa triste realidade para detratar os adversários, de um lado, e obter simpatias e boquinhas, do outro, é ilegítimo e cínico.
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A ministra dos Direitos Humanos, Luislinda Valois (PSDB), é desembargadora aposentada, mulher das leis, mas, quando a lei afeta seus interesses, aí são outros quinhentos. Como mostrou a Coluna do Estadão, ela tentou furar o teto salarial do funcionalismo, de R$ 33,7 mil, e acumular R$ 61,4 mil com aposentadoria e salário de ministra, alegando que a adequação à lei, “sem sombra de dúvidas, se assemelha ao trabalho escravo”.

Logo, a ministra quis tirar vantagem com a conexão entre sua condição de negra e a escravidão, quando o teto vale (ou deveria valer) para brancos, negros, mulatos, asiáticos…

Curiosamente, não há registro de nenhuma manifestação de Valois contra a portaria do trabalho escravo que mobilizou o País. Se alguém no governo botou a boca no trombone, foi a secretária nacional de Cidadania, Flávia Piovesan – aliás, exonerada na quarta-feira pela Casa Civil. Alegação: ela já estava a caminho mesmo de Washington, para representar o Brasil na Comissão de Direitos Humanos da OEA. Ah, bom!

O caso Luislinda Valois remete a um outro personagem que, há décadas, usa a seu favor a imagem de pobre, migrante nordestino, operário e… “de esquerda”. Sim, Luiz Inácio Lula da Silva, o inimputável, o que pode tudo, ganhar presentes de empreiteiras, fatiar a propina da Petrobrás, ratear estatais e fundos de pensão entre os “cumpanheiro”, jogar as culpas na mulher já falecida, lavar as mãos diante dos erros da pupila feita presidente da República.

 Se Valois quis driblar a lei por ser negra e argumentar contra a escravidão (dela, não dos outros), Lula sempre se pôs acima de críticas, de regras e agora da lei porque tem a biografia que tem. E como cuida bem dessa biografia! Em nome dela e da mítica do nordestino pobre e “perseguido pelas elites”, ele preferiu aceitar sítio, triplex na praia e apartamento em frente ao seu de presente, em vez de simplesmente comprá-los. Seu dinheiro legal dava e sobrava para isso. Mas perder a aura de pobrezinho? Jamais. Esse é o seu “trunfo”.

A mitificação vale também para o presidenciável Jair Bolsonaro, que se faz passar por “militar” até hoje, angariando apoios e simpatias nas bases das Forças Armadas e de saudosistas da ditadura, apesar de estar na reserva do Exército desde 1988, como capitão, estar na política desde 1990, há quase 30 anos, e desfrutar do seu sétimo mandato como deputado federal.

Para se consolidar no segundo lugar das pesquisas e escamotear sua falta de condições para disputar a Presidência, o que ficou chocantemente evidente em suas últimas entrevistas, Bolsonaro se esconde por trás da fantasia de “militar”, da mesma forma como Lula usa a de “pobre e do povo”, e Valois, a de “negra vítima da escravidão”.

São todas mistificações para dourar a realidade ou “enganar um bobo, na casca do ovo”. Não um, mas milhões de bobos que não conseguem ver que Lula, o campeão das pesquisas, é réu seis vezes, já condenado uma vez, e deixou de ser pobre há décadas. E que Bolsonaro, o segundo colocado, foi um militar expelido prematuramente da tropa e é um político medíocre, que só sai do anonimato raramente e à custa de bandeiras do atraso. Só não vê quem não quer.

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Rio Celeste, Alajuela Province, Costa Rica — by We Travel Together. Rio Celeste Waterfall, Costa Rica
Rio Celeste (Costa Rica)

Quanto custaram

Dia desses, lendo um jornal lá de Moçambique, deparei-me com uma interessante matéria: "Cada novo milionário custou pouco mais de 2.000 pobres". Curioso, decidi lê-la.

O texto, em resumo, trazia uma interessante manifestação do economista Nuno Castelo-Branco: "A forma particular como o processo de reorganização e expansão do capitalismo acontece em Moçambique é determinada pelo foco do processo político e econômico nas duas últimas décadas, que consiste em formar uma classe de capitalistas. Revistas especializadas, como a Forbes, mostram que Moçambique é um dos países africanos com uma taxa mais rápida de crescimento do grupo de milionários. Entre 2002 e 2014, o número de milionários moçambicanos duplicou, aumentando em um milhar, e o número de pobres aumentou em cerca de 2,1 milhões. Isto é, cada novo milionário custou pouco mais de 2.000 pobres".

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Fiquei curioso. Qual seria, neste sinistro contexto, a realidade brasileira? Comecei pelo número de milionários: eles eram 162 mil em 2015, e, a despeito da crise econômica que se abateu sobre nosso país, passaram a ser 172 mil em 2016, conforme dados coletados pelo banco Crédit Suisse. Enquanto isso, o número de famílias em situação de pobreza extrema voltou a crescer: elas eram 8% em 2014, e passaram a ser 9,2% em 2015.

E o mundo? A quantas andaria o planeta? Alemanha, um passo à frente: "Julgando pela taxa de desigualdade, a Alemanha já pode se comparar com os países do chamado Terceiro Mundo. Por um lado, existem várias famílias com a renda de 30 bilhões de Euros, sendo que sua fortuna continua crescendo. Por outro, 20% da população não tem quase nada, enquanto 7% tem mais dívidas do que renda" (jornal "Sputnik").

Encontrei dados praticamente similares relativos ao restante da União Europeia e aos EUA, todos demonstrando um quadro absolutamente preocupante. Coroei minha pequena pesquisa com uma constatação da Oxfam, no sentido de que os níveis de desigualdade alcançaram um ponto tal que apenas oito bilionários possuem a mesma riqueza da metade mais pobre de toda a população do planeta.

Fiquei a recordar uma célebre frase de Max Nunes, que, malgrado relativa ao Brasil, aplica-se já a todo o planeta: "o Brasil precisa explorar com urgência a sua riqueza - porque a pobreza não aguenta mais ser explorada".

O perdão estratégico de Lula aos golpistas

Há alguns dias, em Minas Gerais, Lula surpreendeu a opinião púbica ao confessar: “estou perdoando os golpistas deste país”. Ele se referia aos partidos que apoiaram a destituição da presidenta, Dilma Rousseff, e que o Partido dos Trabalhadores (PT) denunciou como sendo um “golpe parlamentar”.

Como ninguém poderia negar as qualidades de estrategista do ex-presidente, sua confissão e em praça pública, cercado por seguidores de seu partido, com Dilma ao seu lado, só pode significar algo que vai além de um gesto de perdão cristão.

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A afirmação inesperada de Lula, de querer se aproximar dos golpistas, ocorre, com efeito, em um momento crítico da vida política do país, à véspera da eleição presidencial mais recheada de incógnitas em muitos anos e na qual o principal partido de esquerda, o PT de Lula, aposta tudo, com seu inquestionável líder perseguido pela justiça e que poderá ficar de fora da disputa presidencial, sem que surja no horizonte um candidato credível, capaz de substituí-lo com êxito.

Lula não é um político que se resigna com uma derrota, tampouco quando se vê com a água no pescoço; e é capaz, no último instante, de tirar da manga da camisa uma carta que ninguém esperaria. Neste caso, em que se vê mais acossado do que nunca, tudo que Lula não poderia fazer é permanecer isolado ou fora do jogo. Convencido de que a disputa no campo judicial não lhe é favorável e que terá de enfrentar ainda vários processos e novas condenações, Lula recorre aos velhos amigos dos partidos conservadores, com os quais já tinha governado, para que o auxiliem a sair do atoleiro e ajudem o PT a ressurgir nas urnas.

Acossado sobretudo por uma possível delação premiada altamente nociva por parte de Antonio Palocci, que foi o seu braço direito no Governo em seus anos de glória, Lula sabe que o PT não se salvará sozinho e que neste momento são os seus companheiros de infortúnio judicial, partidos e políticos corruptos, que estão hoje no poder, que podem tentar “conter a sangria” na ferida aberta pelos juízes na luta contra a corrupção, que ameaça todos os partidos mais importantes do país.

Quando decidiu perdoar aqueles que chama de golpistas, com as consequências que isso pode acarretar em termos de desorientação da população, Lula sabia que sem a força do PMDB e seus satélites, sem a força do Governo do golpista Temer, que conseguiu escapar com bastante dificuldade da tempestade de acusações que caiu sobre ele, salvo pelo Congresso, o PT seria hoje o mais prejudicado nas urnas, podendo se reduzir a um partido marginal.

E Lula também sabia, ao fazer o seu gesto de perdão aos “golpistas”, que também da outra parte, da parte de Temer e dos seus próximos, que têm em suas mãos o trunfo de ter interrompido a recessão e a crise econômica deixadas por Dilma, não despreza um abraço de reconciliação com o líder carismático que ainda conta com 35% das intenções de voto. É até possível governar sem Lula, mas não contra ele, que mostrou ser capaz, como Fênix, de sempre se reerguer de suas quedas.

Não se pode esquecer que esse pacto que Lula tenta construir ao tornar público o seu perdão aos golpistas já tinha dados os primeiros passos no hospital onde Dona Marisa, a mulher de Lula, agonizava. Esse perdão conheceu ali o seu primeiro degrau quando Lula e Temer se abraçaram diante da presença de metade do Governo golpista, ali presente. Foi ali que começou a ser desenhado o contorno de uma possível reconciliação do PT com a direita na tentativa de todos se salvarem juntos da Lava Jato.

Se esta análise política corresponde à realidade, resta apenas saber como reagirão os militantes do PT, que acreditaram no seu líder quando ele proclamou que a saída de Dilma resultara de um golpe. O que pensarão, hoje, do perdão de Lula a Temer, os movimentos sociais que lutaram para tentar manter Dilma, os inúmeros movimentos progressistas que se manifestaram contra o golpe e os milhões de brasileiros que choraram quando ela foi deposta. Será que compreenderão a estratégia política maquiavélica de Lula? Perdoarão o próprio Lula por essa ousadia? E Dilma? Será que ela também irá perdoar aqueles que a expulsaram do Planalto?

Talvez o que possa salvar o líder carismático Lula e sua estratégia de poder, no momento mais frágil de sua carreira política, seja a sua capacidade de ser ele mesmo e o seu contrário. Se hoje dá o seu perdão aos golpistas, amanhã, caso a deusa da política o imponha, também poderá retirá-lo. Lula é antes de tudo um político. E com uma particularidade da qual poucos políticos gozam: há uma sensação de que lhe perdoam tudo, fora e dentro do partido do qual ele é o começo e o fim.

Por que será?

Falta de senso


É útil esclarecer a respeito do completo despreparo exibido nestes dias recentes pela desembargadora baiana Luislinda Valois para a função de ministra dos Direitos Humanos no governo Temer ao pedir autorização para furar o teto constitucional dos servidores públicos, passando dos R$ 34.700 que atualmente recebe todo mês para R$ 61.400 e assim deixar de ser tratada como escrava, que no Brasil oficial, que Machado de Assis já contrapunha em crônica publicada na imprensa ainda no século 18 ao Brasil real, age-se rotineiramente assim. Da mesma forma que a ocupante de vaga tucana na administração federal, a grande maioria dos servidores ditos públicos só pensa na famosa lei da burocracia do Estado brasileiro no Pai Nosso distorcido: “Venha a nós e ao vosso reino nada”. E, ao se negar a tomar conhecimento desse absurdo, Temer assume de vez a condição de chefe do governo representado pela máquina pública estroina e egoísta, e não da Nação, pobre e espoliada.

Paisagem brasileira

OBRAS DE CADA DIA: Cândido Oliveira
Cândido Oliveira

O ministro da Justiça devastou a PM, desmascarou Pezão e a Segurança do Rio

Se tudo o que ele disse e repetido intensamente por rádios, jornais e televisões, for verdade,tem que ser imediatamente incluído nas pesquisas presidenciais .Fora e antes dessa entrevista, é uma renovação verdadeira, com um currículo sedutor, a justificar toda e qualquer esperança. E a consolidar a ânsia de recuperação.

Ele preenche todos os requisitos morais e intelectuais. Professor de Direito constitucional. Com mestrado e pós-graduação na França e EUA. Atuante, vários anos Ministro do TSE. Jamais teve um julgado seu contestado, mesmo nas questões mais polemicas.

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Em relação ao caráter, não existe a menor restrição, qualquer acusação ou duvida sobre sua atividade. Em quase 40 anos, uma parte desse tempo, vivendo e convivendo num país inteiramente dominado pela mais criminosa e escandalosa corrupção. Como a entrevista verdade do Ministro provocou um furacão encomendado contra ele, examinemos com total isenção, as acusações sobre a PM e o governador Pezão, e os que saltaram na arena, em defesa do crime organizado.

Primeira ofensiva contra o Ministro da Justiça: ele não apresentou provas, falou por falar. Ora, as provas estão a céu aberto, na Rocinha, na PM, na Secretaria de Segurança do Pezão, ocupada por um falastrão que não faz nada. Faltam provas. O ministro não escondeu nada, revelou nomes e sobrenomes. Por que não desmentiram?

A maior revolta: ele criticou o fato de apesar de dezenas e dezenas de coronéis da ativa, só conseguiram preencher o cargo de comandante Geral, com um coronel aposentado. O ministro acentuou a ligação da PM com o crime organizado. Ora, isso é tão evidente e notório que eu devia cobrar royalties.

Quando o centésimo PM foi morto, comentei: desses 100, 72 estavam de folga, foram mortos quando almoçavam ou jantavam no restaurante predileto. Perguntei ingenuamente: como os traficantes sabiam? Aliás, deviam deixar de chamar esses bandidos de traficantes, a receita com drogas vem hoje em quinto lugar.

Faturam, comprovadamente 15 milhões por semana, 60 milhões por mês, nada mal. 1-Gato de energia. 2- Gato de TV. 3- Controle da distribuição de gás. 4- Participação em todos os negócios das favelas. 5- Venda de drogas. O ministro coloca de forma ingênua, sem afirmar mas deixando a resposta em aberto: existe uma autorização informal para que as coisas funcionem assim? A resposta é obvia: o desgoverno oficial estimula, favorece e protege o "crime organizado".

PS- Não conheço o Ministro Torquato Jardim, se cruzar com ele não saberei quem é. Mas continuarei a escrever sobre o assunto, já fazia isso nos tempos da Tribuna impressa.

PS2- Mas acho que não terei muito tempo. Enquanto escrevo, ele já pode estar sendo demitido. Um ministro que até afirma e informa, "os comandantes dos batalhões da PM, são sócios do crime organizado", não pode durar muito tempo.

PS3- Mesmo estando em turismo oficial, o presidente da Câmara mandou nota oficial criticando o ministro.

PS4- È a política mostrando a cara, e defendendo seu território. Rodrigo Maia é do Rio.

PS5- O chefão Picciani não podia ficar em silencio, seu feudo é no Rio. Só que em vez de favelas, ele comanda fazendas e a Alerj. Mas é sempre bom defender criminosos correlatos.

PS6- Falta ainda muita coisa, principalmente o capítulo apropriadamente chamado de criminoso, ou as EXECUÇÕES. Por enquanto, mergulhado em mistério e sem informação nominal.

'Rent seeking', o comportamento que explica o Brasil

A luta dos taxistas contra o Uber, a pressão dos deputados para ampliar o Refis, a propina das empreiteiras à Petrobras, o dinheiro fácil do BNDES para a JBS: não há um dia em que alguma notícia de jornal não revele mais um caso de “rent seeking”, comportamento que tem um potencial enorme para explicar o Brasil.

“Rent seeking” é a atividade de conquistar privilégios e benefícios não pelo mercado, mas pela influência política. Numa sociedade de “rent seeking”, indivíduos concorrem para ganhar favores de políticos, e não para lucrar oferecendo a clientes produtos e serviços melhores ou mais baratos.

Os privilégios variam: crédito subsidiado, patrocínios, tarifas de importação que deixam concorrentes estrangeiros fora do páreo, regulamentações profissionais que aumentam a barreira de entrada de novos concorrentes, pensões, contratos superfaturados.

Já o discurso que os grupos utilizam para nos convencer que merecem privilégios segue um padrão mais ou menos assim: “Nós somos os X, acreditamos que Y, por isso o governo deve nos conceder benefícios”


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Substitua “X” por qualquer minoria organizada: empreiteiras, grandes indústrias nacionais, cineastas, índios, deputados, funcionários públicos, militares, sem-teto. Em “Y”, insira uma justificativa que faça o interesse privado se disfarçar de interesse público: “somos importantíssimos para a soberania brasileira”, “é preciso proteger a indústria nacional”, “nossos ancestrais foram oprimidos”, “queremos evitar a concorrência desleal”, “é preciso fomentar a cultura local”, “somos vítimas da especulação imobiliária”.
Nem sempre a minoria que adota esse discurso tem consciência do que faz. Muitos taxistas se movem por uma preocupação legítima em manter o emprego, por exemplo. Mas o resultado de suas ações é o mesmo: o privilégio a 1% da população à custa dos outros 99% que se beneficiariam com mais competição no transporte urbano.

Um caso irritante de “rent seeking” envolveu a Braskem, que pertence ao grupo Odebrecht e à Petrobras. Como a Braskem controla o mercado nacional de resinas plásticas, era de se esperar que o governo diminuísse tarifas de importação para evitar o monopólio. Em 2012, porém, a presidente Dilma elevou a taxa de importação de 14% para 20%. Milhares de empresas plásticas reclamaram que a alíquota daria ainda mais poder para a Braskem controlar o preço das resinas (que, de fato, ficaram 27% mais caras no ano seguinte).
A economista Anne Krueger, no artigo de 1974 em que cunhou o termo “rent seeking”, alertou para um efeito dessa prática: o ressentimento contra o capitalismo. As pessoas tendem a questionar um sistema que premia não os mais produtivos ou talentosos, mas os sortudos que são “amigos do rei” ou se mantêm por privilégios concedidos pelo governo.

Outro efeito nocivo é a desigualdade ruim, aquela causada por privilégios e não pelo talento. Em “O Preço da Desigualdade”, Joseph Stiglitz afirma que o “rent seeking” é uma causa relevante de concentração de renda principalmente na América Latina. Os supersalários de juízes são só um entre tantos exemplos.

Um país caro, fechado a importações, que exige diploma para qualquer profissão, desigual, ressentido contra o capitalismo e onde empresas disputam favores de políticos. “Rent seeking” tem tudo a ver com isso.

Uma tumba para plantas brasileiras

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Quando conheci Luiza de Paula, estava no Pão de Açúcar, sobre os telhados do Rio de Janeiro. A princípio, não achei muito fácil conversar com ela. A bióloga de 29 anos era treinada para subir pedras lisas de granito sem escorregar e acabar sentada no traseiro – e fez isso bem melhor que, digamos assim, um jornalista alemão. Acima de tudo, ela tinha uma reação estreita com o granito. Em nossa caminhada, conversamos muito sobre placas de pedras. "Na verdade, estas placas estão cheias de vida”, disse Luiza de Paula. Agarrou-se com destreza em um galho, escalou mais um trecho e apontou as fendas e rachaduras entre as rochas. Bromélias! Orquídeas! Cactos! Musgos e algas azuis!

Há pouco tive a oportunidade de rever a bióloga, em Berlim. Luiza de Paula estava terminando de escrever sua tese de doutorado na Universidade de Rostock, e queria estar capacitada a usar novos métodos científicos para o seu grande sonho. Estava se propondo a descobrir muitas espécies de plantas em sua terra, pesquisá-las e catalogá-las da melhor maneira possível. "Brasil é o país mais rico do mundo no que diz respeito à diversidade de espécies de plantas”, me esclareceu. Da Floresta Tropical no Norte até a Mata Atlântica, dos desertos no Nordeste até o Pantanal úmido e quente.

Disse isso orgulhosa – mas parecia triste. O que foi, Luiza? "Hoje em dia estão desaparecendo muitas espécies de plantas no Brasil – e muitas não poderão sequer constar em nosso catálogo, antes de deixarem de existir.”

Os biótopos brasileiros, dizem os botânicos, estão sendo atacados por toda parte. Nas cidades, nas zonas industriais e minerações que se expandem. Na Floresta Amazônica sendo desmatada, em Minas Gerais nas barragens que se rompem e envenenam rios inteiros. Montanhas inteiras vêm sendo escavadas por tratores e, junto com elas, vão-se todas as plantas e os animais. E também suas pedras de granitos que se transformam em placas decorativas para cozinhas e banheiros. O Código Florestal e incontáveis leis de meio ambiente foram enfraquecidas drasticamente nos últimos anos. Áreas de preservação nacional foram invadidas por garimpeiros e madeireiros. Os órgãos oficiais do governo pouco fazem para impedir tudo isso.

Quando Luiza de Paula falava sobre essas coisas, ela não tinha o tom furioso de um ambientalista. Soava mais como uma profissional frustrada, uma cientista que teve seu trabalho interrompido. "Não conseguimos cumprir as metas”, diz a pesquisadora. Sobretudo nas regiões mais distantes do Brasil – na Floresta tropical, mas também em outras áreas do interior – pressupõe-se que existam inúmeras espécies ainda não pesquisadas.

Ela mesma já esteve presente em expedições nas quais famílias inteiras de novas plantas foram encontradas. Uma de suas plantas, recém-descoberta em Minas Gerais, foi até mesmo denominada com o nome da jovem pesquisadora. "Nos anos 1990 até 2006 foram descobertas novas espécies de plantas no Brasil a cada dois dias”, disse. E, mesmo assim, os botânicos presumem que só conheçam uma fração de todas elas.

Tudo bem. Fiz as perguntas desagradáveis. Não foi sempre assim, Luiza, plantas e animais entram em extinção? Não é este o curso da natureza?

"Atualmente a extinção não se dá através da natureza. Ela é antropogênica, provocada pelo homem. E está mais acelerada do que antes."

Mas precisamos de todas essas plantas? Você mesma disse que ninguém as conhece?

"Hoje em dia estamos perdendo tanto conhecimento genético! Nas plantas estão respostas para muitas de nossas perguntas: utilização medicinal, nutrição, e assim por diante”.

Mesmo?

"Quer um exemplo? Meu time de pesquisadores encontrou muitas plantas que quase secam por completo e, apesar disso, sobrevivem. No aquecimento global certamente vamos precisar do mapeamento genético destas plantas. Talvez possamos transferir esse gene para outras plantas, para milho ou soja.”

Talvez, acrescentou, isso possa nos salvar da fome. Luiza de Paula se via, como muitos de seus colegas, em uma corrida contra o tempo: desvendar o conhecimento da natureza brasileira e torná-lo útil ao ser humano, antes de que ele desapareça para sempre. O herbário no qual ela depositava plantas secas era chamado por ela, de brincadeira, de "nosso cemitério”. Mas acreditava que a morte da natureza brasileira não preocupa a maioria das pessoas.

"Hoje em dia estamos muito afastados da natureza”, disse Luiza. "Há pessoas que olham para um prato de arroz, comem dele todos os dias... mas quem ainda tem a noção de que veio de uma planta, e de como é a vida dessa planta?”

Thomas Fischermann