Quando a pandemia começou, tentei ver a situação pelo lado positivo. Foi muito difícil, mas havia alguns vagos fiapos aos quais nós, polianas inveteradas, podíamos nos agarrar: afinal, estávamos vivendo uma experiência rara, que passaria aos livros de História.
Qualquer pessoa de bom senso sabe que experiências históricas devem ser evitadas a todo o custo; mas também é sabido que pessoas otimistas por natureza, como é meu caso, não têm bom senso — as condições são excludentes.
O fato é que vimos imagens inéditas das grandes metrópoles inteiramente vazias; descobrimos pontos de luz e de solidariedade em vizinhos que cantavam nas janelas e tentavam transmitir coragem uns aos outros; vibramos com o aplauso coletivo para os heróis da área da saúde; aprendemos coisas que nem imaginávamos sobre vírus e transmissão de doenças.
Cheguei a escrever sobre a importância do nosso papel como testemunhas, e disse aos meus netos para prestarem muita atenção ao que acontecia à sua volta, porque, no futuro, os seus netos lhes farão perguntas sobre os tempos que vivemos.
Juntei aos poucos livros que já tinha sobre pragas e pandemias medievais uma pequena biblioteca sobre a Covid. Acho que nunca li tanto sobre um mesmo assunto em tão pouco tempo.
Ainda na semana passada, por exemplo, recebi “Plague, pestilence and pandemic: Voices from History”, de Peter Furtado, que traz depoimentos em primeira pessoa de gente que passou por pragas, pestes e pandemias, ou ouviu histórias de quem as havia enfrentado. Há relatos que vêm desde a Peste de Atenas em 430 a.C. — aquela que matou Péricles — até a Covid-19. Todos são previsivelmente parecidos, inclusive em relação aos propagadores de fake news, espécie tão antiga e maligna quanto os piores vírus. Abrindo as páginas ao acaso é impossível saber de que época ou de que peste se fala; a Humanidade não muda. A única diferença de nós para as vítimas de mil ou dois mil anos atrás é que nós já conhecemos a causa do que nos mata e, tendo desenvolvido vacinas, conseguimos nos proteger melhor. O livro é muito atualizado e bem pesquisado, ainda que vagamente desconjuntado e difícil de ler.
Enfim, fiz o que pude para não desanimar por completo, mas esta pandemia, como as demais, não tem aspectos positivos. No varejo, talvez seja possível apontar melhores hábitos de higiene ou a guinada do trabalho on-line mas, no atacado, a experiência é triste, traumática e assustadora.
No Brasil é, acima de tudo, profundamente exaustiva, porque além de brigar contra o vírus, temos também de brigar contra autoridades obscurantistas e debochadas e um presidente destituído de qualquer qualidade humana.
Não há otimismo que sobreviva a tanta estupidez.
Não há otimismo que sobreviva à perversidade contínua de um governo que faz de tudo, o tempo todo, para atrapalhar onde pode e destruir o que consegue.
Não há otimismo que sobreviva à gente precisar bater na mesma tecla, dia após dia, sem que nada aconteça.
Não há otimismo que sobreviva a um país que virou uma farsa.