quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

Pensamento do Dia

 

Pete Kreiner (Austrália)

Memória do Holocausto e pandemia

O ex-chanceler Ernesto Araújo comparou medidas de isolamento social a campos de concentração nazistas. O senador Flávio Bolsonaro e o secretário de Cultura, Mario Frias, divulgaram um vídeo com trechos de “A lista de Schindler” e uma frase ao fim: “Não é a primeira vez que pessoas são classificadas em ‘essenciais’ e ‘não essenciais’”.

O ex-ministro Ricardo Salles disse que um artigo crítico a ele na imprensa alemã parecia “o que a própria Alemanha fez com as crianças judias”. “Omitir o uso da cloroquina é o mesmo que deixar judeus na dúvida entre chuveiro e câmara de gás”, segundo o blogueiro bolsonarista Allan dos Santos. Para Augusto Nunes, da Jovem Pan, ações contra o dono de uma pousada em Fernando de Noronha que recusara a vacina lembravam “o autoritarismo nazista contra judeus”. E a lista continua.

Setenta e sete anos após a libertação de Auschwitz, o mundo observa hoje o Dia da Memória do Holocausto. No Brasil do extremismo político e da pandemia, a data exige uma reflexão especial.

O assassinato em escala industrial de milhões de judeus, além de outras minorias, foi arrastado ao centro do debate político por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, sobretudo no contexto da pandemia. Um ingrediente nesse caldo nefasto é a relativização do genocídio nazista, usado como arma retórica, “comparável” a supostas vítimas da luta contra a Covid-19.

Outro ingrediente, menos evidente, porém tão pernicioso quanto, é a disseminação da lógica negacionista.

Em sua prática e técnica, os negacionismos histórico e científico são duas faces da mesma moeda. Trata-se, em ambos os casos, de negar fatos bem estabelecidos por evidências, sejam elas resultado de experimentos controlados ou de robusta documentação histórica.

Sofismas contra a vacina se arvoram numa estrutura conhecida. “Não sou antivacina, mas os imunizantes para Covid-19 foram feitos rápido demais, são experimentais, não sabemos seus efeitos de longo prazo, a técnica é muito nova e pode interferir no seu DNA, há interesses da indústria farmacêutica.”

Note a estrutura: pega-se um detalhe que é até verdadeiro, como “foram feitos em tempo recorde”. Remove-se o contexto — a tecnologia básica desenvolvida ao longo de décadas, o esforço, a cooperação e o investimento inéditos trazidos pela pandemia — para encaixá-lo num quadro de conspiração.

Negacionistas do Holocausto argumentavam que a bula do veneno Zyklon-B, usado nas câmaras de gás, mandava ventilar o ambiente por 48 horas após seu uso. Então, como os nazistas poderiam entrar nas câmaras para retirar os corpos sem morrer? Contexto omitido: a bula pressupunha o uso do gás como inseticida, e não (por razões óbvias) para extermínio humano em massa, em galpões vazios e por carrascos com máscaras.

O negacionista, em todas as suas cepas, posa de questionador intrépido ou inocente curioso. Diz o senso comum que quem não tem nada a esconder não teme perguntas. Mas quem questiona querendo conhecer a verdade — e não tentando manipulá-la — ouve as respostas, não insiste na pantomima de que supostos enigmas de soluções bem conhecidas, aceitas pela comunidade de especialistas e reiteradas centenas de vezes, seguem “em aberto”.

Setenta e sete anos depois, há no mainstream brasileiro quem veja equivalência possível entre o judeu na câmara de gás e o dono da pousada. Quem use as ferramentas do negacionismo como arma política contra a promoção da saúde. A eles, repetiremos em uníssono, hoje e sempre: nunca mais.

A derrota do otimismo

Quando a pandemia começou, tentei ver a situação pelo lado positivo. Foi muito difícil, mas havia alguns vagos fiapos aos quais nós, polianas inveteradas, podíamos nos agarrar: afinal, estávamos vivendo uma experiência rara, que passaria aos livros de História.

Qualquer pessoa de bom senso sabe que experiências históricas devem ser evitadas a todo o custo; mas também é sabido que pessoas otimistas por natureza, como é meu caso, não têm bom senso — as condições são excludentes.

O fato é que vimos imagens inéditas das grandes metrópoles inteiramente vazias; descobrimos pontos de luz e de solidariedade em vizinhos que cantavam nas janelas e tentavam transmitir coragem uns aos outros; vibramos com o aplauso coletivo para os heróis da área da saúde; aprendemos coisas que nem imaginávamos sobre vírus e transmissão de doenças.

Cheguei a escrever sobre a importância do nosso papel como testemunhas, e disse aos meus netos para prestarem muita atenção ao que acontecia à sua volta, porque, no futuro, os seus netos lhes farão perguntas sobre os tempos que vivemos.

Juntei aos poucos livros que já tinha sobre pragas e pandemias medievais uma pequena biblioteca sobre a Covid. Acho que nunca li tanto sobre um mesmo assunto em tão pouco tempo.


Ainda na semana passada, por exemplo, recebi “Plague, pestilence and pandemic: Voices from History”, de Peter Furtado, que traz depoimentos em primeira pessoa de gente que passou por pragas, pestes e pandemias, ou ouviu histórias de quem as havia enfrentado. Há relatos que vêm desde a Peste de Atenas em 430 a.C. — aquela que matou Péricles — até a Covid-19. Todos são previsivelmente parecidos, inclusive em relação aos propagadores de fake news, espécie tão antiga e maligna quanto os piores vírus. Abrindo as páginas ao acaso é impossível saber de que época ou de que peste se fala; a Humanidade não muda. A única diferença de nós para as vítimas de mil ou dois mil anos atrás é que nós já conhecemos a causa do que nos mata e, tendo desenvolvido vacinas, conseguimos nos proteger melhor. O livro é muito atualizado e bem pesquisado, ainda que vagamente desconjuntado e difícil de ler.

Enfim, fiz o que pude para não desanimar por completo, mas esta pandemia, como as demais, não tem aspectos positivos. No varejo, talvez seja possível apontar melhores hábitos de higiene ou a guinada do trabalho on-line mas, no atacado, a experiência é triste, traumática e assustadora.

No Brasil é, acima de tudo, profundamente exaustiva, porque além de brigar contra o vírus, temos também de brigar contra autoridades obscurantistas e debochadas e um presidente destituído de qualquer qualidade humana.

Não há otimismo que sobreviva a tanta estupidez.

Não há otimismo que sobreviva à perversidade contínua de um governo que faz de tudo, o tempo todo, para atrapalhar onde pode e destruir o que consegue.

Não há otimismo que sobreviva à gente precisar bater na mesma tecla, dia após dia, sem que nada aconteça.

Não há otimismo que sobreviva a um país que virou uma farsa.

'Esquecer seria o pior de tudo"

David Olère 
Para mim é incompreensível que nos nossos países, na Europa, exista gente que se identifica com os nazistas, com essa ideologia. Isso é mais do que um tapa na cara de milhões de vítimas, vítimas indefesas, cuja vida foi tirada sem qualquer escrúpulo. Para nós, sobreviventes, é inconcebível se identificar com essa ideologia
Leon Weintraub (96 anos), sobrevivente que perdeu 64 pessoas da família

Hoje é o Dia do Holocausto para que a humanidade jamais esqueça

Há 77 anos, no fim da Segunda Guerra Mundial, o Exército Soviético, depois de intensa luta, tomava e libertava Auschwitz, na Polônia, o maior e mais terrível campo de concentração nazista, no qual milhares de judeus foram assassinados.

Devido a esse fato histórico, 27 de janeiro é o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto. Essa data foi instituída pelas Nações Unidas e faz com que jamais esqueçamos os milhões de seres humanos que foram brutalmente assassinados pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial para impor a insana ideologia política que haviam criado, a da supremacia ariana.

Há informações de que apenas em Auschwitz, na Polônia, cerca de 1,5 milhão de pessoas tenham sido exterminadas no período, tudo para atender à insanidade dos nazistas da propagada “supremacia étnica” ariana.

Esse triste período da humanidade é historicamente denominado Holocausto. Para os judeus, Shoah, palavra hebraica que significa, literalmente, “destruição, ruína, catástrofe”, é a expressão para denominar o aniquilamento metódico –perseguição, exclusão socioeconômica, expropriação, tortura, trabalho forçado, fome, prisão sem motivo e extermínio de seis milhões de judeus da Alemanha e da Europa ocupada entre 1933 e 1945 pelo regime nazista

Enfim, a prática e a contínua evolução da técnica do assassinato em massa de seres humanos objetivando um extermínio seletivo.

David Olère (1902-85), pintor de Auschiwitz, 

No período, os seis milhões de judeus assassinados – homens, mulheres e crianças – representavam 65% da população judaica europeia e 30% da população judaica mundial. O Holocausto tornou-se o símbolo representativo da barbárie do século XX.

Há diversas suposições que tentam explicar a ideia fixa dos nazistas de que o povo judeu era inferior e, portanto, deveria ser exterminado. Alguns até escreveram que a causa para a desmedida crueldade se deu por supostos fatos religiosos, já que judeus condenaram Jesus à morte – o que significa patente distorção da verdade, pois Jesus foi condenado pelos romanos. Jesus Cristo nasceu, viveu e morreu como judeu.

Porém, a teoria que mais parece merecedora de crédito é a que afirma que o objetivo do extermínio ocorreu devido à alta concentração de riqueza pelos judeus, principalmente pelo fato de muitos deles serem donos de instituições financeiras e empresas bem sucedidas. Assim, fica claro que o objetivo era tomar todos os bens dos judeus – em português claro: roubo, confisco.

O Holocausto não foi praticado de uma só vez, foi um processo doloso aplicado por etapas, sem Hitler ter levado em consideração que na Primeira Guerra Mundial cerca de 100 mil soldados judeus alemães lutaram pela Alemanha, tendo 12 mil morrido em combate.

A primeira etapa (1933/1935) foi a da identificação dos judeus, sua separação social e início da exclusão da vida pública, com medidas como proibição do exercício de profissões liberais, de frequência a escolas e universidades e de boicote contra lojas judaicas.

A segunda (1935/1938) foi a de isolamento e degradação dos judeus, etapa que se inicia com as Leis de Nuremberg. Os judeus deixavam se ser reconhecidos como cidadãos e eram proibidos de se casar com “arianos”. Se não obedecessem. eram punidos com a morte.

Na terceira fase (1938/1941), iniciada a partir da “Noite dos Cristais Quebrados” – a primeira chacina de judeus do século XX – assinala o princípio da violência física desmedida contra o povo judaico e o envio de seus membros para os campos de concentração.

Nessa fase, os judeus foram radicalmente expulsos da vida econômica e financeira na Alemanha. Todo o patrimônio foi confiscado pelo Estado alemão. Nesse período, começa a Segunda Guerra Mundial, a expansão do “espaço vital” da Alemanha nazista com a invasão de outros países, a forte elevação do número de vítimas, o aumento do número dos campos de concentração e também se inicia o confinamento dos judeus em guetos.

A quarta e última fase (1941/1945), é a denominada “Solução Final da Questão Judaica”: a do extermínio em massa dos judeus pelas “operações móveis de assassinato” formadas pela cruel SS (Schutzstaffel), nos campos de extermínio (Sobibor, Treblinka, Chelmno, Auschwitz e Majdanek) situados na Polônia, país onde se encontrava a maior concentração populacional judaica da Europa. Há registros que também consideram o campo de Jasenovac, na Croácia, como campo de extermínio.