sábado, 2 de fevereiro de 2019

No léxico do Brasil

'Pequena Era do Gelo': extermínio de indígenas nas Américas causou resfriamento do clima

A colonização das Américas no fim do século 15 matou tanta gente que afetou o clima na Terra. Esta é a conclusão de cientistas da University College London (UCL), no Reino Unido.

Os pesquisadores afirmam que o massacre decorrente da colonização europeia levou ao abandono de imensas áreas de terras agrícolas, que acabaram sendo reflorestadas.

A recuperação da vegetação tirou dióxido de carbono (CO₂) suficiente da atmosfera para resfriar o planeta.

Este período de resfriamento costuma ser chamado nos livros de história de "Pequena Era do Gelo" - uma época em que o Rio Tâmisa, em Londres, costumava congelar durante o inverno no hemisfério norte.


Tâmiosa, congelado

"O massacre dos povos indígenas das Américas levou ao abandono de áreas desmatadas suficientes para afetar a absorção de carbono terrestre, com impacto que pôde ser observado tanto no dióxido de carbono na atmosfera quanto na temperatura do ar na superfície da Terra", escreveram Alexander Koch, um dos autores da pesquisa, e seus colegas no estudo publicado na revista científica Quaternary Science Reviews.

A equipe revisou todos os dados populacionais que conseguiu reunir sobre quantas pessoas viviam nas Américas antes da chegada dos europeus ao continente em 1492.

Em seguida, avaliaram como os números mudaram nas décadas seguintes, à medida que os continentes foram devastados por doenças (varíola, sarampo, etc.), guerras, escravidão e questões sociais.

Os cientistas estimam que 60 milhões de pessoas viviam nas Américas no fim do século 15 (cerca de 10% da população total do mundo), e que este número foi reduzido a apenas cinco ou seis milhões em cem anos.

Eles calcularam a quantidade de terra cultivada por povos indígenas que teria caído em desuso, e qual seria o impacto se essas terras fossem substituídas por florestas e savanas.

A área em questão teria cerca de 56 milhões de hectares, quase o mesmo tamanho de um país moderno como a França.

Acredita-se que esta escala de renovação do solo absorveu CO₂ suficiente do ar para a concentração do gás na atmosfera apresentar uma queda de 7-10ppm (isto é, de 7-10 moléculas de CO₂ para cada um milhão de moléculas no ar).

"Para colocar isso no contexto moderno - basicamente queimamos (combustíveis fósseis) e produzimos cerca de 3 ppm por ano. Então, estamos falando de uma grande quantidade de carbono que está sendo sugada da atmosfera", explica Mark Maslin, coautor do estudo.

"Há um resfriamento acentuado por volta dessa época (1500/1600) que é chamada de Pequena Era do Gelo, e o interessante é que podemos observar processos naturais que resultam em algum resfriamento, mas a verdade é que para obter o resfriamento total - o dobro dos processos naturais - você tem que ter essa queda no CO₂ gerada pelo genocídio."

Incompreensão


A única magia que existe é estarmos vivos e não entendermos nada disso. A única magia que existe é a nossa incompreensão
Caio Fernando Abreu

Ambivalência

O primeiro mês da gestão de Jair Bolsonaro indica as imensas dificuldades vividas pela nova equipe governamental. Essa conclusão não é novidade para quem analisou a carreira do capitão deputado federal, figura irrelevante da Câmara ao longo de 28 anos.

Tratado por mito, Bolsonaro não precisou, ainda mais como vítima de atentado à faca, dizer a que vinha, ausente de todos os debates e limitando-se às poucas palavras cabíveis em mensagens por WhatsApp. Defensor da violência policial, e até mesmo da tortura, era sua marca fazer gestos de revólver ou espingarda, figurando-se como inimigo incansável do crime.

Dois fatos importantes, ligados ao seu campo de preferência, ou seja, ao uso de armas, merecem destaque neste mês: a ligação de seu filho, o senador Flávio Bolsonaro, com o ex-capitão da PM do Rio de Janeiro Aureliano Nóbrega, chefe de perigosa milícia da zona oeste da cidade; e o decreto que ampliou em muito o direito de posse de revólver ou espingarda pelos brasileiros de todo o País.


O vínculo do senador Flávio Bolsonaro com o ex-capitão Aureliano da Nóbrega, líder da milícia Escritório do Crime, constitui dado grave, pois, mesmo preso preventivamente sob acusação de homicídio, Aureliano recebeu, graças a Flávio, então deputado estadual, elevada comenda do Legislativo fluminense, a Medalha Tiradentes, igualmente outorgada ao major Ronald Pereira, outro líder da milícia. A mulher e a mãe de Aureliano trabalharam por anos, até novembro passado, no gabinete de Flávio Bolsonaro. O próprio presidente Bolsonaro na Câmara dos Deputados fez a defesa de Aureliano e exaltou as milícias.

Esses fatos levaram à tergiversação, pois em entrevista à TV a cabo Bloomberg o presidente disse: “Se por acaso Flávio errou e isso ficar provado, eu lamento como pai. Se Flávio errou, ele terá de pagar o preço por essas ações que não podemos aceitar”. Essa manifestação provocou elogios pela imparcialidade ante o erro, a ser punido mesmo que praticado por seu filho.

No entanto, logo em seguida, entrevistado pela TV Record, o presidente claudicou e no pior paternalismo disse sobre o filho: “Ele tem explicado tudo o que acontece com ele nessas acusações infundadas. Não é justo atingir um garoto para tentar me atingir... A pressão enorme em cima dele é para tentar me atingir. Ele esteve com o seu sigilo quebrado, fizeram uma arbitrariedade em cima dele”.

O senador transmuda-se em garoto, menino perseguido para atingir o pai, sofrendo “acusações infundadas”, a mostrar que era apenas breve jogo de cena a correta e digna exigência de sancionar o erro do filho, se constatada sua falta. Próprio da ambivalência do governo durante este mês, passou o presidente de postura corajosa de imparcialidade para mais do que mera defesa do filho, ao adotar o “coitadismo”, desenhando o senador como um garoto envolvido em rede de arbitrariedades e acusações infundadas.

A “luta contra o crime” já serviu para justificar homenagens aos criminosos chefes de milícia. Servirá agora como desculpa para não se investigar o novel senador da República?

No âmbito de pretensa defesa contra o crime, surgiu o decreto presidencial que ampliou a posse de armas, podendo cada brasileiro sem antecedentes deter até quatro armas, constando como condição para aquisição de revólver que o cidadão resida em unidade da Federação cujo índice de violência apresente mais de dez homicídios por 100 mil habitantes no ano de 2016, conforme os dados do Atlas da Violência 2018.

Valeram-se o presidente e sua equipe do Atlas da Violência produzido pela Ipea, mas se ignorou esse mesmo atlas no tocante ao capítulo relativo ao uso de armas, que enfatiza o papel central exercido pelo controle responsável de armas de fogo para a segurança de todos. Tanto é assim que destaca o atlas o aumento vertiginoso do número de homicídios nas Regiões Norte e Nordeste, tendo por uma das causas a não aplicação do Estatuto do Desarmamento.

Em 2016, manifesto de 57 especialistas, dentre os quais se pode lembrar Alba Zaluar, Cláudio Beato e Daniel Cerqueira, Sérgio Adorno, assevera: “Estudos levam à conclusão inequívoca de que uma maior quantidade de armas em circulação está associada a uma maior incidência de homicídios cometidos com armas de fogo. E fazem um alerta: a miséria da política de segurança no Brasil nasce quando leis são formuladas sem levar em conta o conhecimento científico acumulado em anos de pesquisa”.

Valiosa síntese dos mais importantes estudos sobre a posse de armas como indutora de crimes, e não como redutora da violência, é apresentada por Thomas Conti: “A literatura empírica disponível é amplamente favorável à conclusão que a quantidade de armas tem efeito positivo sobre os homicídios, sobre a violência letal e sobre alguns outros tipos de crime”. Examina Conti trabalho de Donohue e outros, reputado como a mais relevante pesquisa sobre posse de armas nos Estados Unidos, cuja conclusão é de que a liberação do uso de armas está associada a maiores taxas de crimes violentos.

Em momento constrangedor, o ministro da Justiça, Sergio Moro, ao ser entrevistado na GloboNews, disse serem não confiáveis as pesquisas indicativas do risco da posse de armas. O estudo do Ipea serviu como base para autorizar a posse de armas para brasileiros de todos os Estados, mas nega-se valor a esse mesmo estudo na parte relativa ao efeito da posse de armas.

Dois pesos e duas medidas: primeiro, o senador, se errado, deve ser punido; depois, o senador passa a ser um garoto perseguido. O Atlas de Violência dá o critério para posse de armas; depois é inconsistente ao destacar o malefício da posse de armas. Ambivalência: por ora, a marca do governo.

Filme da explosão da barragem de Brumadinho é do horror mais absoluto

É o mais apavorante dos filmes de terror jamais realizado e isto não é o início de uma crítica de "O massacre da serra elétrica", "A noite dos desesperados", "It" ou qualquer outro título que os especialistas em cinema já tenham declarado nas listas sobre os mais apavorantes de todos os tempos. O filme da explosão da barragem de 

Brumadinho, filmado pelos próprios assassinos, é do horror mais absoluto.

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Nem Hitchcock, nem Brian de Palma, nem Jack Nicholson com o machado vagando pelos corredores do hotel de "O Iluminado", nada passa mais desespero a qualquer espectador da história do cinema do que a cena dos carros de Brumadinho quando percebem a torrente de lama que se aproxima. Seus motoristas viram para um lado, rodopiam para o outro, e meia dúzia de segundos antes do ato final percebem que não sobreviverão. A lama que inicialmente vinha apenas pela frente já fez a volta, cercou os carros por todos os lados e não resta a eles se não a entrega à mais terrível das mortes.

Desta vez, não é o cinema catástrofe feito com miniaturas em Hollywood, com tudo reproduzido a uma exatidão impressionante e com as câmeras certas para dar a ilusão ao espectador no cinema de que a vida humana não vale nada e a qualquer momento a grande tragédia se abaterá sobre os homens. Desta vez, o pavor é de verdade. É tudo real o que está divulgado pela Vale. No canto à direita do filme, o trem com mais de uma dezena de vagões, sabe-se lá quantas pessoas dentro, é composto do mais concreto ferro, das mais exasperadas toneladas de aço, e ele vai sendo arrastado pela correnteza de dejetos, como se fosse um trem de plástico da Estrela.

A bruxa de Blair, "Carrie, a estranha", ou "Chuck, o boneco assassino", são criações de artistas geniais para quem gosta de pagar ingresso e se sentir a poucos passos do grande susto do momento fatal. O diretor do filme de Brumadinho não é Stanley Kubrick, o genial manipulador de sentimentos. É a Vale. Como se fosse um Hitchcock, que desenhava todas as cenas antes de realizá-las, a mineradora sabia que tudo aquilo poderia acontecer e que, no entanto, Brumadinho não era um set de filmagem. Mesmo assim não tomou providências. Deixou que o filme rolasse. No caso do diretor de cinema de Hollywood, a palavra mágica é "ação". Em Brumadinho, o que acionou a cena trágica foi a falta de ação.

É possível ver movimentação de vítimas tentando escapar do mar de rejeitos.

E eis que a câmera em cima do guindaste começa a filmar o horror da lama escorrendo, uma tomada mais apavorante do que todas as de "O inferno na torre", "Armageddon" ou de outro clássico do cinema catástrofe. Semana passada, o Brasil lamentou não ter qualquer filme concorrendo ao Oscar. Infelizmente, já temos. O terror é nosso.

Joaquim Ferreira dos Santos