sábado, 2 de novembro de 2019

Relaxe


Moro desce mais um degrau

No balanço de perdas e ganhos, o ministro Sérgio Moro é o que sai pior até este momento no episódio do porteiro que ligou o presidente Jair Bolsonaro ao assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e do seu motorista.

Augusto Aras, o novo Procurador Geral da República, não se saiu bem. De cara, disse que tudo não passou de um “factoide” que só merecia ser arquivado – e arquivou. Mas Aras, por ter assumido o cargo recentemente, tem capital para desperdiçar.

As primeiras pesquisas de opinião encomendadas pelo governo mostram que não houve deserção entre os devotos de Bolsonaro que o veem como uma vítima inocente da Globo e como o santo guerreiro disposto a vencer sua cruzada contra os infiéis.


Mas Moro, não – pelo menos no entendimento da parcela mais crítica dos bolsonaristas, e não somente dela. O ministro da Justiça não pronunciou uma só palavra em defesa do presidente da República e pediu a Aras que mandasse investigar o porteiro.

O silêncio em relação a Bolsonaro descontentou aqueles que esperavam de Moro uma defesa veemente do patrão. O pedido para que o porteiro fosse investigado contrariou os que acham que esse papel não caberia ao ministro da Justiça.

Naturalmente, o juiz encarregado do inquérito que apura a morte de Marielle mandará – se é que ainda não o fez – investigar o porteiro para saber se ele disse a verdade, se apenas se enganou ou se mentiu. E se mentiu, por quê? Estaria a serviço de quem?

Moro tentou dar uma de esperto, espertíssimo. Não poderá ser acusado de ter se prestado mais uma vez ao papel de advogado de Bolsonaro porque nada disse a seu favor. Ao mesmo tempo, de fato prestou-se a tal papel ao pedir para que o porteiro fosse investigado.

Convidado para servir a quem se elegeu com a sua ajuda à frente da Lava Jato, Moro foi para o governo com a intenção de ser Ministro da Justiça do Brasil. Em 10 meses, viu-se reduzido à condição de Ministro da Justiça do governo e advogado de Bolsonaro.

Isso pode não lhe custar um único voto por enquanto, mas corrói gravemente a sua reputação. Tanto mais se ele quiser voltar um dia à toga que abandonou por excesso de vaidade e erro de cálculo.

Ódio e nojo

Eduardo Bolsonaro nasceu um mês antes de Tancredo Neves se desincompatibilizar do cargo de governador de Minas Gerais para disputar o Colégio Eleitoral e derrotar a ditadura militar. Saberia nada da repugnância do regime não fossem os livros de História. Ocorre que o garoto foi educado na escola dos professores Jair, Olavo e Eremildo. Os dois primeiros ensinaram a Eduardo que a História fora mal contada, que a verdade estava descrita no livro do torturador Brilhante Ustra. Com Eremildo ele aprendeu a discernir. Deu nisso.

Dizer que um novo AI-5 pode ser baixado se a esquerda radicalizar é parecido com afirmação feita anteriormente de que um soldado e um cabo seriam suficientes para fechar o Supremo. Mais grave, talvez, por supor um quadro que não existe nem na mais sombria das cabeças. A esquerda brasileira não consegue se mobilizar sequer para fazer oposição ao governo, imagine organizar-se para sequestrar aviões e embaixadores ou executar policiais nas ruas.


Foi um delírio extremo, de abundante tolice, que o pai bondoso chamou de sonho ao desautorizar o filho. Enganou-se mais uma vez o presidente. O que se viu foi um pesadelo emulado por uma boca torta. Eduardo Bolsonaro é filho de Jair e pensa como ele. Se pudesse escolher, fecharia o Congresso e o Supremo, empastelaria jornais e editaria medidas de exceção. Prenderia e arrebentaria. Tudo em nome do pai. Alguém duvida?

Depois ele pediu desculpas esfarrapadas que não convenceram a ninguém. Disse que não repetiria a afirmação se pudesse refazer a entrevista, “para não gerar esta polêmica toda”. Está claro que o arrependimento é falso. Ele salientou ainda que como deputado tem “imunidade parlamentar por opiniões, palavras e votos”. Significa que essa é a sua opinião, que ele tem direito de expressá-la. Outra rematada besteira. O que ele fez foi trair a Constituição que jurou defender.


Além de atrair contra si 16 partidos e muito provavelmente responder a um processo na Comissão de Ética da Câmara, Eduardo conseguiu contrariar até mesmo setores da direita nacional que apoiam incondicionalmente o governo de seu pai. O resultado da declaração é mais uma tormenta no governo. Mesmo nos bastidores do Planalto a afirmação foi considerada absurda. Só o general Heleno deu uma resposta enviesada, mas parece que ele não entendeu bem do que estava tratando.

O aluno aplicado de Eremildo conseguiu também jogar por terra um pequeno momento de comemoração da família em razão do episódio da visita de um dos assassinos de Marielle Franco ao condomínio do pai. Claro que o caso ainda precisa ser esclarecido. A história contada pelo porteiro tem que ser melhor esmiuçada pelo Ministério Público do Rio, sobretudo depois que descobriu-se que a perícia vapt-vupt das procuradoras foi realizada em apenas duas horas.

O mais incrível é que a Eduardo, dono dessa vasta sabedoria, foi entregue o papel de formulador político da família. Ao fã do torturador Ustra deveria ser entregue o discurso de Ulysses Guimarães, proferido no dia 5 de outubro de 1988, na promulgação da Constituição. Foi um discurso épico em defesa das leis, da Nação e dos seus cidadãos. “Traidor da Constituição é traidor da pátria. (...) Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. Amaldiçoamos a tirania onde quer que ela desgrace homens e nações”.

Peixe é inteligente

O peixe é um bicho inteligente. Quando ele vê uma manta de óleo ali, capitão, ele foge, ele tem medo. Então, obviamente, você pode consumir o seu peixinho sem problema nenhum. Lagosta, camarão, tudo perfeitamente sano, capitão
Jorge Seif Júnior, secretário de Aquicultura e Pesca

A geopolítica social da insurgência popular

O presidente, desde a posse, opina belicosamente sobre a situação política de países vizinhos. Tem saudade de Pinochet e de seu fascismo no Chile: as atuais manifestações de rua estariam ocorrendo porque a ditadura militar de lá acabou. Não sabe que acabou faz tempo.

Deu palpites agressivos nos rumos da campanha eleitoral argentina, censurou o candidato de oposição. Manteve pé atrás em relação a governos de outros países. Não sabe que a Segunda Guerra Mundial terminou, que o muro de Berlim caiu, que ideologia não é só a dos outros, mas também a sua. Trava combates como Dom Quixote combatia moinhos de vento. Falta-lhe um Sancho Pança no governo.

Já que se meteu em seara alheia, onde aliás não foi chamado, o presidente vem sendo derrotado politicamente, nestes dias, em todas essas suas “frentes internacionais”. Acaba de perder a eleição na Argentina. Da diplomacia do coturno, diz que sequer vai cumprimentar Alberto Fernández, o vitorioso.


Foi derrotado pela multidão nas ruas do Chile, que protestam contra a política econômica e os retrocessos sociais de Sebastián Piñera, basicamente a mesma política que está adotando aqui, guiado pelo cérebro de quem foi servidor do regime de Pinochet.

Um reajuste no preço das passagens do metrô de Santiago do Chile colocou nas ruas 1 milhão de pessoas em manifestações contra o governo conservador do país. O protesto foi detonado pelos centavos, mas gestado aos poucos pelas medidas e inovações dos gênios da economia neoliberal. Depois de mortos, feridos e prisioneiros, o presidente chileno tentou recuar. Falou de seu apreço pelo teor do protesto popular e pediu a seus ministros que renunciem. Quer recuar para ficar.

É uma indicação de que os desse naipe sabem que, nas medidas que tomam, estão fazendo uma experimentação para sentir até onde podem chegar nas iniquidades econômicas que praticam contra o povo de seu país. O que mostra que os políticos que se servem do neoliberalismo econômico para atenuar a democracia e assegurar o jugo do capital sobre a população têm medo. Sabem que se passarem do limite de tolerância desencadearão transformações políticas completamente fora do controle da racionalidade instrumental simplória que adotam para governar. Vale lá e vale aqui.

A fragilidade da prepotência antiliberal e anticapitalista ganhou um teste no Brasil, no medo manifestado pelo general Hamilton Mourão, vice-presidente da República, em relação ao que poderá ocorrer também aqui, já que este governo segue a mesma receita econômica do desastre social de lá. Ele deu indicações aos supostamente poderosos da economia brasileira do que está acontecendo no Chile.

Nas reformas econômicas daqui podem estar criando as condições políticas de explosões populares como as de lá.

Ou seja, ele sabe que o economicismo do governo brasileiro, sem consideração por seus limites sociais, é o alicerce de uma política de injustiças. Sustenta uma economia de favorecimento de poucos e que, no limite, não favorece a nação. Preocupado com geopolítica, ele já deve desconfiar de que existe, também, uma geopolítica social da insurgência popular. Boa parte do continente começa a tremer.

Centavos a menos no bolso de quem vive de uma crescente desvalorização econômica do trabalho pode assegurar milhões no lucro das empresas, mas levam aos prejuízos políticos de centenas de milhares nas ruas a contestar atos do governo e, no limite, a questionar sua legitimidade. Povo na rua significa governo de menos, frágil. Mas porrete não legitima o poder de ninguém. Sob diferentes formas sociais de manifestação, as revoluções continuam sendo um ativo das grandes tradições de expressão do descontentamento popular. Aqui, também.

Mourão dá indicações de saber que o povo brasileiro, ao optar por eles, em 2018, não estava necessariamente optando por aquilo que são e pensam. Nem renunciava à sua condição de fonte da legitimidade do mandato de governar.

Deveriam saber que chegaram ao poder na onda das manifestações de rua iniciadas em 2013. Talvez Mourão esteja levando em conta que, no Brasil, as manifestações de rua de 2016, por causa de um aumento de centavos no preço das passagens de ônibus, precipitaram o fim da hegemonia política do PT e inviabilizaram o poder para o sucessor.

O bolsonarismo chegou ao poder nessa mera brecha de legitimidade. Mas ainda não levou em conta que quem põe também tira. O bolsonarismo não é o finalmente de um processo político. É apenas o entretanto de um vazio decretado pela população que foi às ruas depois de somar as demonstrações de desapreço dos políticos que se equivocam na suposição falsa de que o voto foi renúncia ao direito de eleger para discordar.
José de Souza Martins

Brasil finado


Notícias do sanatório

A desordem e o retrocesso tomam conta do Sanatório. Como disse Chesterton, há quase sempre método na loucura. Ou deveria haver. Mas em nosso Sanatório, a loucura tomou conta e jogou pelas janelas o método e a ordem e adotou como parâmetro o retrocesso.

Começa que ninguém fala a mesma língua, a oficial da Nova Política. Chama-se Bolsonarês, é de difícil compreensão e nunca diz exatamente aquilo que parece estar dizendo.

Dou como exemplo Eduardo Bolsonaro que disse em entrevista à Leda Nagle que caso houvesse manifestações esquerdistas aqui no Brasil, como as que acontecem no Chile, ele sugeria que se editasse a volta do AI5. Disse isso com a cara limpa, em alto e bom tom. Falou em puro Bolsonarês. Afrontou a Constituição que jurou defender ao tomar posse como deputado federal por São Paulo.


A reação veio com a velocidade da luz. O pai do deputado, ao sentir que o filho lhe dera uma grave rasteira, fez ver ao garoto o crime que estava cometendo e esse, habituado ao vezo do “falou, mas não foi isso que quis dizer”, já deu outra declaração, dizendo que interpretaram mal o que ele quis dizer, afirmando que não tem nenhuma proposta para a volta do AI5. Ou seja, como bom aluno da língua oficial, o que ele disse não foi bem o que ouvimos, foi aquilo que ele queria que ouvíssemos.

Assim como o capitão e seus filhotes, o ministro do Meio Ambiente, também fluente em Bolsonarês, acusou num momento a ONG Greenpeace, que ele chamou de ‘greenpixe’, pelo vazamento de óleo nas praias do nosso Nordeste, mas menos de 48 horas depois desdisse o que disse e pior, desmentiu que algum dia tivesse dito o que disse! O desmentido aconteceu no programa Central Globo News no qual o que mais chamou minha atenção foi a expertise da defesa que Ricardo Salles faz de seu chefe. É justo que se diga, Salles é um bolsonarista leal e apaixonado, nunca vi nada igual.

Nesse programa, o jornalista Fernando Gabeira fez a pergunta que eu gostaria de ter feito: sobre a vontade demonstrada por Bolsonaro de transformar a Estação Ecológica de Tamoios, em Angra dos Reis, em uma reles Cancún. Resposta enfática de Salles, o defensor do capitão: o presidente não disse isso, ele apenas citou Cancún como exemplo de um resort que colabora para o progresso de seu país, o México. E onde a pesca não é multada, que foi o que aconteceu com Bolsonaro em Tamoios. Pois é...

Infelizmente, o eleitor brasileiro escolheu um homem destemperado, mal-educado, agressivo, para ser presidente do Brasil por quatro anos. Vamos ter que carregar essa cruz por mais três anos, com calma e paciência, mas sempre atentos para não deixar que os filhos do capitão extrapolem. O mais interessado em controlar os garotos é o pai. Até porque cada vez que eles movem uma peça no tabuleiro, eles prejudicam seu governo e diminuem o número de seus seguidores.

Creio ser urgente a contratação de tradutores-intérpretes bolsonarês/português, juramentados, para acompanhar, quando em Brasília ou em viagens, Jair Bolsonaro e seus filhos. Assim, a desculpa favorita deixará de funcionar. Tudo que eles disserem será traduzido para o português e não poderá ser desmentido e transformado em fumaça.

Mas não quero me despedir do Leitor sem comentar dois maravilhosos artigos publicados no jornal O Globo de 31 de outubro: Ascânio Seleme comentando sobre ‘A Ira Desnecessária’ do capitão e Cora Rónai, brilhante, lembrando a semelhança entre Jair Bolsonaro, lá em Rhiad, e Bruno Ganz, o grande ator alemão interpretando Hitler em ‘A Queda’. Simplesmente genial!</p>
Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa

Indignações engolidas rapidamente



As indignações demoram, hoje, o tempo de um fósforo - apesar da chama vigorosa, são depressa consumidas e substituídas por outras, com a mesma duração efémera. Se, em boa verdade, a maior parte das polémicas não merece mais do que esses cinco ou seis segundos de atenção, outras há que não deviam cair no esquecimento rápido e na fosso da normalização imediata, como se aquilo que antes parecia inadmissível pudesse depois, pelo cansaço da polémica, passar a ter justificação e a ser considerado normal
Rui Tavares Guedes

Mentes reacionárias

Em A Mente Naufragada, o cientista político norte-americano Mark Lilla explica que o espírito reacionário difere muito do conservador. Trata-se de invocar o passado para nele viver sem transformações, o que é muito diferente da atitude do conservador, que tem o passado e suas tradições como referência para agir no presente e construir o futuro. Partindo da análise das ideias de três pensadores do século XX — Franz Rosenzweig, Eric Voegelin e Leo Strauss —, Lilla investiga a mente reacionária e conclui que naufragou, porque olha para os destroços de um passado que lhe parece ameaçado, e luta para salvá-lo, porque não sabe conviver com as mudanças. Ironicamente, porém, isso faz do reacionarismo um fenômeno “moderno” no mundo da globalização e do multiculturalismo.

Lilla nos ajuda a entender a diferença entre o pensamento conservador, mesmo de viés autoritário, e o pensamento reacionário. E é um autor muito oportuno, porque explica o caráter ideológico do movimento que o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro, se propõe a organizar no Brasil no rastro da eleição de seu pai. O clã Bolsonaro flerta com a ideias propagadas pelo escritor Olavo de Carvalho, radicado nos Estados Unidos, guru da extrema direita brasileira. Há uma diferença, sutil mas relevante, entre a declaração de Eduardo Bolsonaro a favor da reedição do AI-5 em caso de mobilizações de protestos semelhantes às do Chile e a do general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), de que seria preciso estudar a forma de fazer isso. Um defendeu a volta da ditadura pura e simples; o outro, embora igualmente autoritário, sabe que os tempos mudaram e a história só se repete como tragédia ou farsa. Diante da reação negativa, o parlamentar se retratou.


O Ato Institucional nº 5, AI-5, baixado em 13 de dezembro de 1968, durante o governo do general Costa e Silva, foi um golpe de Estado dentro do golpe de 1964, que destituiu o presidente João Goulart. Foi o período de maior repressão da ditadura militar brasileira (1964-1985). Vigorou até dezembro de 1978, com poder de exceção para punir arbitrariamente os adversários como inimigos de Estado. O ano de 1968 havia sido marcado por manifestações estudantis em todo mundo. Eclodiram em Paris e logo chegaram ao Brasil. O lema “é proibido proibir” tinha mais a ver com as mudanças nos costumes, mas aqui se encaixou como uma luva na luta contra o regime militar.

O ambiente era de isolamento político dos militares. A Igreja atuava em defesa dos direitos humanos e as lideranças políticas cassadas pelo regime se uniam de forma, até então, inimaginável: Carlos Lacerda, Juscelino Kubitschek, João Goulart, com apoio do líder comunista Luís Carlos Prestes, em 1967, haviam criado a Frente Ampla, cujas atividades foram suspensas pelo ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva, em abril de 1968. O ministro do Trabalho, Jarbas Passarinho, exigia atestado de ideologia dos dirigentes sindicais. Mesmo assim, uma greve dos metalúrgicos de Osasco sinalizava que o movimento operário se incorporaria às mobilizações de massa de estudantes, intelectuais e artistas.

O ministro do Exército, Aurélio de Lira Tavares, exigia medidas mais enérgicas contra as “ideias subversivas”. Falava em “guerra revolucionária” liderada pelos comunistas, pois parte da esquerda se preparava para a “luta armada”. A gota d’água para a promulgação do AI-5 foi o pronunciamento do deputado Márcio Moreira Alves, do MDB, na Câmara, nos dias 2 e 3 de setembro, lançando um apelo para que o povo não participasse dos desfiles militares do 7 de Setembro e para que as moças, “ardentes de liberdade”, se recusassem a sair com cadetes das escolas militares. O deputado Hermano Alves, do mesmo partido, criticara duramente o regime em artigos no antigo Correio da Manhã. Por exigência do ministro do Exército, Costa e Silva, o governo solicitou ao Congresso a cassação dos dois deputados.

No dia 12 de dezembro, a Câmara recusou, por uma diferença de 75 votos (e com a colaboração da própria Arena, partido do governo), o pedido de licença para processar Márcio Moreira Alves. No dia seguinte, foi baixado o AI-5, que autorizava o presidente da República, sem apreciação judicial, decretar o recesso do Congresso Nacional; intervir em estados e municípios; cassar mandatos parlamentares; suspender, por 10 anos, os direitos políticos de qualquer cidadão; decretar o confisco de bens considerados ilícitos; e suspender a garantia do habeas corpus. No mesmo dia, foi decretado o recesso do Congresso Nacional por tempo indeterminado, sendo reaberto somente em outubro de 1969, para referendar a escolha do general Emílio Garrastazu Médici para a Presidência da República.

Na sequência imediata do AI-5, foram cassados 11 deputados federais, entre eles Márcio Moreira Alves e Hermano Alves. As cassações prosseguiram em janeiro de 1969, atingindo não só parlamentares, mas até ministros do Supremo Tribunal Federal. A forte reação dos partidos políticos, inclusive o PSL, e da sociedade civil às declarações de Eduardo Bolsonaro, que foi aconselhado a se retratar pelo próprio pai, o presidente Jair Bolsonaro, têm esse lastro da história. O AI-5, nas palavras do falecido senador Ernâni do Amaral Peixoto, um político conservador, foi “a morte da política”. Nem por isso, a nostalgia de Eduardo Bolsonaro deixa de ser perigosa: um golpe militar no Brasil exigiria um banho de sangue e não teria apoio internacional. O general Augusto Heleno sabe disso.

Treinando para fugir

Na terça da semana passada, Eduardo Bolsonaro, deputado federal e filho do presidente, saiu correndo pelo Congresso, fugindo dos repórteres que queriam entrevistá-lo. Eduardo Bolsonaro acabara de se entronizar como líder do PSL na Câmara, o que, para os jornalistas, justificava uma entrevista. Sem explicação, valeu-se de seu preparo físico, arrancou em disparada e fez comer poeira os que, perplexos, tentaram segui-lo.


Na corrida em que bateu o recorde de velocidade nos três anexos da Câmara, Eduardo Bolsonaro abalroou vários incautos que cometeram o erro de estar no seu caminho e voou por uma escada rolante, saltando de cinco em cinco degraus. Seu segurança, tentando acompanhá-lo, deixou cair o celular e, na obrigação de recuperar o aparelho, ficou vários focinhos atrás do patrão. E o pobre cinegrafista do Congresso em Foco tinha não só de correr além de suas forças como tentar manter a câmera minimamente sem tremer — o que, claro, não conseguiu. O vídeo, disponível na internet, lembra os filmes do antigo Cinema Novo.

Por que Eduardo Bolsonaro saiu correndo se ninguém ali o ameaçava, exceto talvez com perguntas? Uma hipótese seria a de um súbito e urgente compromisso no banheiro. Mas, então, por que escolher um banheiro tão longe? Ou talvez só não quisesse dar entrevista — direito que não lhe assiste. Pois surge agora outra hipótese: já prevendo o momento em que ameaçaria o país com um novo Ato Institucional nº 5 — e desconfiando que talvez não ficasse impune por tal afronta—, Eduardo Bolsonaro já começou a treinar para a eventualidade de, um dia, ter de fugir às pressas.

O Congresso, as Forças Armadas e o povo brasileiro sabem muito bem o que lhes custou o AI-5. Eduardo Bolsonaro parece não saber.

Mas, se o seu AI-5 não vier e a Constituição continuar em vigência, ele talvez não seja mais deputado federal.