sábado, 2 de novembro de 2019

Ódio e nojo

Eduardo Bolsonaro nasceu um mês antes de Tancredo Neves se desincompatibilizar do cargo de governador de Minas Gerais para disputar o Colégio Eleitoral e derrotar a ditadura militar. Saberia nada da repugnância do regime não fossem os livros de História. Ocorre que o garoto foi educado na escola dos professores Jair, Olavo e Eremildo. Os dois primeiros ensinaram a Eduardo que a História fora mal contada, que a verdade estava descrita no livro do torturador Brilhante Ustra. Com Eremildo ele aprendeu a discernir. Deu nisso.

Dizer que um novo AI-5 pode ser baixado se a esquerda radicalizar é parecido com afirmação feita anteriormente de que um soldado e um cabo seriam suficientes para fechar o Supremo. Mais grave, talvez, por supor um quadro que não existe nem na mais sombria das cabeças. A esquerda brasileira não consegue se mobilizar sequer para fazer oposição ao governo, imagine organizar-se para sequestrar aviões e embaixadores ou executar policiais nas ruas.


Foi um delírio extremo, de abundante tolice, que o pai bondoso chamou de sonho ao desautorizar o filho. Enganou-se mais uma vez o presidente. O que se viu foi um pesadelo emulado por uma boca torta. Eduardo Bolsonaro é filho de Jair e pensa como ele. Se pudesse escolher, fecharia o Congresso e o Supremo, empastelaria jornais e editaria medidas de exceção. Prenderia e arrebentaria. Tudo em nome do pai. Alguém duvida?

Depois ele pediu desculpas esfarrapadas que não convenceram a ninguém. Disse que não repetiria a afirmação se pudesse refazer a entrevista, “para não gerar esta polêmica toda”. Está claro que o arrependimento é falso. Ele salientou ainda que como deputado tem “imunidade parlamentar por opiniões, palavras e votos”. Significa que essa é a sua opinião, que ele tem direito de expressá-la. Outra rematada besteira. O que ele fez foi trair a Constituição que jurou defender.


Além de atrair contra si 16 partidos e muito provavelmente responder a um processo na Comissão de Ética da Câmara, Eduardo conseguiu contrariar até mesmo setores da direita nacional que apoiam incondicionalmente o governo de seu pai. O resultado da declaração é mais uma tormenta no governo. Mesmo nos bastidores do Planalto a afirmação foi considerada absurda. Só o general Heleno deu uma resposta enviesada, mas parece que ele não entendeu bem do que estava tratando.

O aluno aplicado de Eremildo conseguiu também jogar por terra um pequeno momento de comemoração da família em razão do episódio da visita de um dos assassinos de Marielle Franco ao condomínio do pai. Claro que o caso ainda precisa ser esclarecido. A história contada pelo porteiro tem que ser melhor esmiuçada pelo Ministério Público do Rio, sobretudo depois que descobriu-se que a perícia vapt-vupt das procuradoras foi realizada em apenas duas horas.

O mais incrível é que a Eduardo, dono dessa vasta sabedoria, foi entregue o papel de formulador político da família. Ao fã do torturador Ustra deveria ser entregue o discurso de Ulysses Guimarães, proferido no dia 5 de outubro de 1988, na promulgação da Constituição. Foi um discurso épico em defesa das leis, da Nação e dos seus cidadãos. “Traidor da Constituição é traidor da pátria. (...) Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. Amaldiçoamos a tirania onde quer que ela desgrace homens e nações”.

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