domingo, 5 de janeiro de 2025

Pensamento do Dia

 


O tempo passa rápido

Às vezes, quando me encontro com velhos amigos, lembro-me da rapidez com que o tempo passa. E isso faz-me pensar se temos utilizado o nosso tempo de forma adequada ou não. A utilização adequada do tempo é tão importante. Enquanto tivermos este corpo e especialmente este cérebro humano incrível, eu acho que cada minuto é algo precioso. O nosso dia-a-dia é muito vivido à base de esperança, embora não exista a garantia do nosso futuro. Não há garantia de que amanhã a esta hora estejamos aqui. Mas estamos sempre na expectativa de que isso aconteça, puramente na base da esperança. Por isso, precisamos de fazer o melhor uso possível do nosso tempo. Acredito que a utilização adequada do tempo é a seguinte: se você puder, esteja disponível para as outras pessoas, ou para outros seres sensíveis. Se não, pelo menos, abster-se de os prejudicar. Eu acho que esta é toda a base da minha filosofia.

Concluindo, precisamos de refletir no que é realmente de valor na vida, o que dá sentido às nossas vidas, e definir as nossas prioridades com base nisso. O propósito da nossa vida precisa de ser positivo. Nós não nascemos com o propósito de causar problemas, prejudicando outros. Para que a nossa vida seja de valor, acho que devemos desenvolver boas qualidades humanas básicas – o calor, a bondade, a compaixão. Então, a nossa vida torna-se significativa e mais pacífica, mais feliz.

Dalai Lama, "A Arte da Felicidade"

Malditos sejam os pecadores

No idioma aramaico, que Jesus e seus apóstolos falavam, uma mesma palavra significa dívida e pecado.

Dois milênios depois, os pobres do mundo sabem que a dívida é um pecado que não tem expiação. Quanto mais você paga, mais você deve; e no Inferno está a sua espera o castigo dos credores.

Eduardo Galeano, "Os filhos dos dias"

Para que serve o jornalismo?

Quando entrei naquela casa, o chão tinha acabado de ser lavado. A tijoleira cheirava a detergente e tudo estava impecavelmente limpo e arrumado, cada coisa no seu sítio e no meio um vazio gigante. Aquela mãe tinha acabado de ficar sem os seus sete filhos menores e abria-me a porta para que lhe contasse a história. Nas semanas seguintes, recebi cartas, e-mails e até visitas na redação de pessoas que tinham histórias parecidas. Cheguei a ir a uma casa, longe de tudo, num bairro muito pobre e periférico, aonde não chegavam transportes públicos, e onde uma mãe me abriu as gavetas de uma cómoda para me mostrar as roupinhas de um bebé que nunca conseguiu trazer da maternidade para casa, por ter já outros dois filhos adolescentes sinalizados.

Como não sabia fazer outra coisa, escrevia. Escrevi sempre as histórias, na esperança de que contá-las ajudasse alguma coisa. Sabia que quem me procurava esperava isso de mim. Vinham ter comigo quando tudo o resto tinha falhado. Os que se sentiam injustiçados, os que não tinham a quem recorrer, os que estavam indignados, os que queriam travar a corrupção. Todos, cada um à sua maneira, viam em mim uma parte da salvação.

Eu duvidava. Mas ouvia e escrevia. Ouvir é sempre a primeira coisa que se pode fazer por alguém que precisa de ajuda e já perdeu toda a esperança. Quando nos dispomos a ouvir quem está desesperado, começamos a ajudar. Porque lhes parece que já mais ninguém os ouve e que aquele problema sem solução começa a ser invisível para todos e, por isso, impossível de partilhar. À medida que tomava notas, ia sentido que uma parte daquele fardo se desfazia. Era como se começássemos a partilhar o peso.

Então, atirava-me ao computador e escrevia. Sentia-lhes a impaciência. “Quando é que sai? Quando vai ser publicado?” A dúvida sempre era uma distração para alguns, para outros mais uma ansiedade. “Nunca vai sair, pois não? Desistiu da história?”

E então, às vezes muito tempo de depois, lá aparecia em letra impressa sobre papel de jornal ou revista ou num ecrã, debaixo de um título sempre demasiado pequeno para conter todo o problema, o texto. Estava cá fora. E a ansiedade de quem me tinha passado a história estava agora em mim. Agora, era eu quem sustinha a respiração à espera das reações.

Às vezes, não acontecia nada. Outras vezes, alguma coisa se resolvia. Quase sempre me agradeciam. Mas também havia quem se esfumasse para sempre sem me chegar a dizer se o meu texto tinha servido para alguma coisa. Raramente, alguém se queixava. E eu ficava sempre na dúvida: teria mesmo feito a diferença?

Há muitas maneiras de fazer jornalismo. Mas esta é aquela que mais se parece com um serviço. E é uma que tende a ser esquecida. Poucas pessoas param para pensar na importância que pode ter contar a história de alguém.

Raramente, a história de alguém é só dessa pessoa. Na maior parte das vezes, o que fazemos é dar uma cara e um nome a um problema em que até aí ninguém reparou. É esse corpo que torna visível aquilo que tendíamos a ignorar coletivamente.

Foi quando escrevi pela primeira vez o nome de Odair Moniz que ele deixou de ser o “suspeito” anónimo que vinha descrito no auto policial. E foi quando lhe vimos a cara que nos interrogámos sobre como se pode acabar morto depois de ter desrespeitado uma ordem da polícia. Cada um pode ter tirado conclusões diferentes sobre essa interrogação, mas foi quando o jornalismo contou essa história que descobrimos a estatística segundo a qual uma pessoa negra tem 21 vezes mais probabilidades de ser morta pela polícia em Portugal do que uma pessoa branca.

Contar as histórias, procurar as causas, revelar os números, explicar os mecanismos, expor versões contraditórias, confrontar quem tem poder. É isso que faz o jornalismo. É isso que torna o jornalismo diferente de qualquer outra forma de comunicação.

Escrevo este texto em dias de grande perturbação para a redação da VISÃO. Vivemos numa enorme incerteza. E haverá quem culpe o mercado, quem nos diga que é o futuro inexorável que aí vem, com os seus algoritmos e inteligências artificiais, quem ache que não faremos falta e quem se regozije com a possibilidade de ver desaparecer quem interroga, quem incomoda, quem escrutina e expõe. A todos gostaria de pedir que parassem para pensar e imaginassem esse futuro sem jornalismo.

Não é um exercício difícil. É só voltar atrás. Ao passado em que as atrocidades se cometiam em silêncio, os povos eram comandados sem questionar, as verdades eram divinas e o poder uma coisa obscura.

Foram precisos séculos, revoluções e muitas lutas para fugir a essa escuridão. No que me toca, vou tentar não deixar que a luz se apague.

O inconfesso sonho teocrático da América

Nos EUA, o novo ano tem o mesmo número de um plano conservador chamado "Projeto 2025", ainda mal conhecido entre nós. Elaborado pela Heritage Foundation e por gente que auxilia Trump desde seu primeiro mandato, o plano visa a um regime autocrático, por meio do debilitamento da Constituição, com abolição de direitos femininos que vão do aborto ao voto. É projeto explícito de um "revival" dos anos 50, quando uma patriarquia protestante dirigia o país.

Não se trata, portanto, de mais uma bizarrice trumpista. A retrospecção parte do período em que despontou com força entre nacionalistas cristãos, bilionários e a John Birch Society, a ideia de um Estado teocrático. Isso foi corroborado nos anos 80 pelo presidente Reagan, que estimulou a politização dos grupos cristãos de extrema direita e a penetração extremista em alas republicanas. Depois, as presidências dos Bush, pai e filho, fizeram avançar esse movimento com a introdução de ensino religioso em escolas públicas (cerca de 30% da população é secular, não adere a nenhuma religião) e fundos públicos para escolas privadas cristãs.


As preocupações liberais com as inclinações teocráticas dessa tendência política estão bem delineadas no livro "Terror Sagrado", de Jim Siegelman e Flo Conway, aclamado nos anos 80, quando Reagan deu sinal verde para os batistas do Sul e os evangélicos de um modo geral. É o mesmo dado por Trump aos nacionalistas cristãos, os bilionários e o republicanos do Maga, empenhados numa "América novamente grande".

Entende-se assim por que gente como Elon Musk e figurões corporativos de menor porte pairam sobre o aparelho estatal trumpista. Uma teocracia tecnológica permitiria, acima dos entraves constitucionais, uma mega desregulamentação suscetível de manter os EUA como principal competidor no mercado mundial.

Esse pano de fundo é uma sombra ominosa que torna nada risíveis as conhecidas bizarrices de Trump. Não tem mesmo nenhum motivo para sorrir a classe trabalhadora que o apoiou na última eleição. O que Musk, os tecnocratas e agora Trump privilegiam são imigrantes altamente treinados para ingresso nas indústrias competitivas. Essa clivagem tem algum potencial para cindir a base republicana, mas sem relevância na ótica do Projeto 2025, lastreado por uma ideologia religiosa que nivela "god" a "gold".

Resta determinar a natureza dessa religião, em que cristianismo é só um "branding" de mercado. Nada a ver com espiritualidade, e sim com o fetiche de uma prosperidade ilusória, além de protocolos rasteiros de conduta. Em vez da negatividade implícita nos mandamentos cristãos (a dialética do "não"), o livre trânsito empreendedor.

Para tanto conflui uma mistura de coaching e autoajuda, que não ajuda ninguém, mas atenua a angústia com fragmentos verbosos de mitos consoladores. É espantoso o relato de um imigrante brasileiro marcado para a deportação, mas que ainda assim apoia Trump. Outra versão da síndrome do torturado que ama o torturador.

Tudo isso já reverbera entre nós há muito tempo. Não serve a grandes tecnocratas empreendedores, que aqui não existem. Mas agrada a um tipo novo de capitalismo, que não precisa se assustar com fantasmas do passado como a teologia da libertação. E é um maná pastoral para a extorsão predatória de manés.
Muniz Sodré

Genocídio em Gaza não merece celebrações

Enquanto imagens brilhantes exibindo fogos de artifício em várias capitais do mundo marcavam o início de 2025, as manchetes de notícias sobre o genocídio em andamento em Gaza apontam para um contraste horrível na vida dos palestinos:

* Nos acampamentos lotados de Gaza, as mulheres lutam com uma vida sem privacidade;

* Ataque aéreo israelense atinge zona humanitária em Gaza;

* Ataques israelenses em Gaza matam pelo menos 50 pessoas, incluindo várias crianças;

* Nascidos no calor da guerra, mortos pelo frio: as crianças de Gaza estão morrendo de frio.

Portanto, não é surpresa que, em seu último apelo urgente, o chefe da Agência das Nações Unidas para os Refugiados da Palestina (UNRWA) tenha mais uma vez enfatizado a necessidade de um cessar-fogo.

O comissário-geral Philippe Lazzarini enfatizou que nenhum lugar e ninguém em Gaza está seguro desde o início da guerra em outubro de 2023.


“No início do ano, recebemos relatos de mais um ataque a Al Mawasi com dezenas de pessoas mortas e feridas”, disse ele, chamando isso de “outro lembrete de que não existe zona humanitária, muito menos uma 'zona segura'”.

Ele alertou que “cada dia sem cessar-fogo trará mais tragédia”.

Além disso, para destacar o destino desesperador da vulnerável população civil de Gaza, dois especialistas independentes nomeados pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU pediram o fim do "flagrante desrespeito ao direito à saúde em Gaza" após o ataque da semana passada ao Hospital Kamal Adwan, no norte, e a prisão e detenção arbitrárias de seu diretor.

O Dr. Tlaleng Mofokeng, Relator Especial sobre o direito à saúde física e mental, e Francesca Albanese, Relatora Especial sobre a situação dos direitos humanos no Território Palestino Ocupado, expressaram suas preocupações em uma declaração.

“Por mais de um ano de genocídio, o ataque flagrante de Israel ao direito à saúde em Gaza e no resto do território palestino ocupado está atingindo novos patamares de impunidade”, disseram eles.

A declaração acrescenta que eles ficaram “horrorizados e preocupados” com os relatos do Norte de Gaza, “especialmente o ataque aos profissionais de saúde, incluindo o último dos 22 hospitais agora destruídos: o Hospital Kamal Adwan”.

E ecoando a condenação de um número crescente de profissionais de saúde, Mofokeng e Albanese expressaram grande preocupação com o destino do diretor do Hospital Kamal Adwan, Dr. Hussam Abu Safiya, descrevendo-o como "mais um médico a ser assediado, sequestrado e arbitrariamente detido pelas forças de ocupação, em seu caso por desafiar ordens de evacuação para deixar seus pacientes e colegas para trás".

Eles disseram que tal ação “faz parte de um padrão de Israel para bombardear, destruir e aniquilar completamente a realização do direito à saúde em Gaza”.

Em contraste com o clima de celebração em muitas partes do mundo e, estranhamente, em países árabes como os Emirados Árabes Unidos e a Arábia Saudita, a dura realidade é que os palestinos em Gaza estão tendo que enterrar bebês que morreram congelados.

Um fato que parece não incomodar a chamada “Comunidade Internacional”, que efetivamente é composta pelos EUA e pela OTAN, é que Israel, como potência ocupante, tem uma obrigação moral e legal, sob o Direito Internacional, de respeitar e proteger o direito à vida e à saúde em Gaza e no resto do Território Palestino Ocupado.

Entretanto, regimes desonestos liderados por criminosos de guerra que têm mandados de prisão emitidos pelo Tribunal Penal Internacional contra eles não dão atenção às convenções globais, como é evidente no genocídio em andamento em Gaza.

Mofokeng e Albanese nos lembram que mais de 1.057 profissionais de saúde e médicos palestinos foram mortos até agora e muitos foram presos arbitrariamente.

“As ações heroicas dos colegas médicos palestinos em Gaza nos ensinam o que significa ter feito o juramento médico. Elas também são um sinal claro de uma humanidade depravada que permitiu que um genocídio continuasse por bem mais de um ano”, disseram.

Salientando que o pessoal médico goza de proteções especiais sob o direito internacional humanitário, os especialistas em direitos humanos disseram que “eles não são alvos legítimos de ataque, nem podem ser legitimamente detidos por exercerem sua profissão”.

A anomalia é que, enquanto Netanyahu continua se gabando de ter derrotado o Hamas e alegremente afirmando que ele não é uma ameaça, seu exército assassino de bandidos continua sua matança sob suas ordens.

Prolongar o genocídio para proteger seu destino político egoísta é a avaliação feita por muitos analistas, incluindo especialistas israelenses.

Dan Perry está entre eles que alega que Netanyahu bloqueou qualquer esforço para pôr fim ao conflito em Gaza.

“Ele usa o fato – de que se Israel se retirasse hoje, o Hamas provavelmente ainda manteria o poder na faixa – como sua desculpa para prolongar a guerra.”

Perry ressalta que uma retirada completa de Israel em troca dos reféns — um acordo oferecido pelo Hamas e desejado por mais de 70% dos israelenses — é contestada pela extrema direita, o que ameaça derrubar o governo de Netanyahu.

Relacionado ao ritual diário e gratuito de matança de palestinos inocentes em Gaza e na Cisjordânia ocupada, está a supressão da liberdade de imprensa.

A proibição da mídia internacional de operar e noticiar dentro de Gaza pelo regime de Netanyahu foi e continua sendo uma grande violação dos direitos que os jornalistas possuem, consagrados em inúmeras convenções relacionadas à liberdade de imprensa.

O fato de tal acesso a jornalistas internacionais ser negado demonstra os esforços desesperados de Israel para manter o controle de uma narrativa que está de acordo com seus objetivos políticos e militares enganosos.

A Autoridade Palestina (AP) também não está excluída da censura por seguir servilmente os ditames de Israel, liberando suas forças de segurança para caçar qualquer forma de resistência contra a colônia ilegal de colonos, mas também para fechar a rede da Al Jazeera.

A linguagem usada pela AP para justificar suas ações contra a agência de mídia não é diferente da de Israel: transmitir “materiais incitantes” que “enganam e provocam conflitos”.

A supressão da liberdade de opinião e expressão, juntamente com a crueldade infligida aos palestinos por um regime auxiliado e apoiado pelos Estados Unidos, pela OTAN e por regimes clientes árabes, certamente não é digna de comemoração.