segunda-feira, 8 de maio de 2017
A imensa Sucupira
A gente gosta de novela. Exageradamente. Tanto que ficamos viciados em histórias que nunca terminam. Narrativas que se desobrigam de fazer sentido. Onde tudo é binário. Mocinhos e bandidos. E pronto. E, quando a audiência claudica, viradas improváveis que invertem o papel revelando as maldades daqueles que antes pareciam bom.
E assim vamos levando a vida. Sem sequer ter a preocupação de aceitar os fatos, olhar as evidencias, ouvir o outro lado, enfim. Por isso tanto drama. E nenhuma resolução. Nada que uma. Tudo que separa.
Somos realmente capazes de carnavalizar tudo. Precisa ter sempre uma conspiração, uma perseguição. Não conseguimos aceitar a aplicação da lei a todos. Colocamos alguns acima dela. E todo o resto, abaixo.
No país tropical onde Deus por alguma razão desconhecida pode ter abençoado, nada mesmo faz muito sentido. E a gente tem dificuldade de se acostumar quando o sentido existe. E enquanto a gente leva a vida em clima de Fla-Flu, a caravana passa.
Seguimos preocupados com a próxima virada da trama. Assistindo decisões bizarras expostas em desfiles de interpretações que sempre mudam de acordo com a conveniência. No país da novela e do carnaval, critica só vale se for a favor. E a democracia somente aceita se vier com hegemonia. A gente realmente não gosta de instituições. Afinal, são chatas, previsíveis, sem emoção.
Enquanto isso, o país vai se isolando. Perdendo qualquer importância que tenha tido. E, por razoes que escapam a racionalidade, segue fabricando pobres, envelhecendo e protegendo interesses corporativos. Sempre enrolados em alguma bandeira. Com drama. Muito carnaval. E sem razão. Para diversão dos poucos que ainda nos olham. Existe muito entretenimento em terras bananeiras.
A gente realmente gosta de novela. E escolhemos viver em uma. Criamos o próprio enredo, escolhemos a fantasia, vivemos o drama. Matéria prima não faltou.
Transformamos tudo em uma imensa Sucupira.
E assim vamos levando a vida. Sem sequer ter a preocupação de aceitar os fatos, olhar as evidencias, ouvir o outro lado, enfim. Por isso tanto drama. E nenhuma resolução. Nada que uma. Tudo que separa.
No país tropical onde Deus por alguma razão desconhecida pode ter abençoado, nada mesmo faz muito sentido. E a gente tem dificuldade de se acostumar quando o sentido existe. E enquanto a gente leva a vida em clima de Fla-Flu, a caravana passa.
Seguimos preocupados com a próxima virada da trama. Assistindo decisões bizarras expostas em desfiles de interpretações que sempre mudam de acordo com a conveniência. No país da novela e do carnaval, critica só vale se for a favor. E a democracia somente aceita se vier com hegemonia. A gente realmente não gosta de instituições. Afinal, são chatas, previsíveis, sem emoção.
Enquanto isso, o país vai se isolando. Perdendo qualquer importância que tenha tido. E, por razoes que escapam a racionalidade, segue fabricando pobres, envelhecendo e protegendo interesses corporativos. Sempre enrolados em alguma bandeira. Com drama. Muito carnaval. E sem razão. Para diversão dos poucos que ainda nos olham. Existe muito entretenimento em terras bananeiras.
A gente realmente gosta de novela. E escolhemos viver em uma. Criamos o próprio enredo, escolhemos a fantasia, vivemos o drama. Matéria prima não faltou.
Transformamos tudo em uma imensa Sucupira.
Afinal, quem é Lula, hoje?
Lula foi desmascarado uma centena de vezes. A única vez que se sentiu envergonhado e desconcertado foi na primeira aparição pública para explicar o “mensalão”, há mais de uma década. Pessoas que estão hoje dirigindo empresas ou fazendo seu doutorado ou dando duro para sustentar família eram garotos nessa época, não se lembram ou nem viram isso. Dez anos no Brasil conta muito. Lula na frente das câmeras, nesse episódio, mesmo em programa preparado pelo PT, fazia movimentos com os olhos um tanto esquisitos, e em determinado momento surgiu o branco nos olhos, em um estranho sumiço da menina do globo ocular, como ocorre em certas mulheres na hora do gozo. Mas se na mulher isso significa prazer, em Lula foi a tentativa de buscar ausência de dor. Lula estava já acostumado a mentir, mas a partir de uma invenção adrede preparada, não em cima de acusação tão evidente e voltada diretamente contra ele. Foi um fiasco. Boris Casoy foi o único jornalista que comentou aquele “estranho movimento dos olhos”.
Desde aquela época até hoje, mantenho a minha tese de que Lula não criou o sistema de propina das empresas e demais corrupções. Ele herdou a prática e a implementou por meio de Zé Dirceu e Palloci, estes sim os cabeças da coisa toda. Lula jamais teve competência e gosto por cálculos. Dirceu se envolveu nisso por considerar que a “democracia burguesa” não é democracia e que a legalidade que vivemos não é legal. Palocci se envolveu nisso porque já estava “escolado”, a partir das falcatruas da prefeitura de Ribeirão Preto, que comandou. O PT tratou de ficar quieto, claro.
A maior parte dos senadores, deputados, prefeitos e vereadores não conseguiram dizer não ao dinheiro que fez do Partido dos Trabalhadores uma máquina eleitoral de grande porte. O PT passou rapidamente a ser quem mais gastava em campanha, oficialmente, contra todos os partidos “dos ricos”, “das elites” ou “da burguesia”.
Quando Lula teve que se defender na TV ele já estava imerso até o pescoço nessa lama toda, e o PT já nem mais pensava em sobreviver sem a corrupção. Junto com isso, veio o sucesso do “milagre brasileiro”, o semi-repeteco do que ocorreu na Ditadura Militar: pessoas que não podiam comprar, começaram a comprar. E isso significa, não raro, em lugar pobre, uma boa anestesia na consciência crítica.
Lula foi premiado internacionalmente. Deu palestras reais e deu palestras fictícias. Gostou da ficção. E começou a dizer que iria provar que o “mensalão” não havia existido. Fora na TV se desculpar, e então, passado um tempo, esqueceu essa desculpa e resolveu reescrever sua biografia, quase que desafiando a Justiça no sentido de dizer que Zé Dirceu estava preso injustamente. A militância cega do partido acreditou. Precisa acreditar para continuar a ser a militância do PT.
Os eleitores, diante do “perigo Aécio” (o “playboy da cocaína”), retornaram a pôr alguma última fé no partido e deram um voto de confiança a Lula: escolheram Dilma. Aécio perdeu até para os votos nulos e brancos.
Dilma foi um desastre. Mas o desastre já vinha de antes. E a corrupção dos governos Lula e Dilma juntos deram ao Brasil o último lugar na relação entre impostos e benefícios. Veio a crise econômica, o Impeachment de Dilma, e enfim o terremoto da Lava Jato sobre o PT e outros partidos, inclusive o PSDB que, claro, nunca foi santo. O Lula de agora, acuado, resolveu pegar o único caminho existente: torcer para que as provas diretas contra ele não sejam tangíveis e fazer com quer a militância cega se insurja contra a Lava Jato.
Lula se tornou um mentiroso para si mesmo de modo aperfeiçoado, que é o segredo de Polichinelo que todo bom mentiroso tem na manga. Para mentir bem é necessário mentir bem para si mesmo. É necessário anular o enrubescer. É preciso mandar para o cemitério as bochechas que coram ou então beber para se manter sempre vermelho, bem corado!
Até aí o que falei é da política. A filosofia entra agora. O “conhece-te a ti mesmo” é délfico. Sócrates o adotou. Mas Sócrates criou também o lema complementar: “uma vida não examinada não vale a pena ser vivida”. Com esses dois lemas, passou a filosofar. Só que o exame do eu jamais foi feito por Sócrates como o exame do eu d estilo moderno e contemporâneo, que aprendemos com a introspecção cartesiana e, posteriormente, com a análise freudiana. Sócrates não trabalhava com a ideia de uma consciência cristalina e transparente, do eu investigando o self, ou com uma consciência acoplada a uma subconsciência, que se revela nos tropeços da linguagem.
Sócrates não foi um antecessor de Descartes e nem Freud. Sócrates trabalhava com a ideia de um “duplo” ou, como costumava explicar Hannah Arendt, um “dois em um”. Ou seja, o outro de Sócrates se compunha também na primeira pessoa, e assim era investigado. Investigar a si mesmo era ter de conversar consigo mesmo sem a noção de self, mas com a noção de ter junto de si um eu com poder de surpresa, independente, também seguidor das boas regras da lógica. Sócrates chegava a dizer desse outro que era um parente seu, um primo rude, tosco, que morava na sua casa, e que precisava das coisas muito bem explicadas para entender – um chato!
Com isso em mãos, Sócrates criou o seu “intelectualismo”. A moral depende do intelecto. A doutrina socrática: ninguém faz o mal pelo mal, ninguém opta pelo erro, mas se o mal ou o erro ocorrem, é por conta da ignorância do agente. Essa doutrina então concluiu: se faço o mal, ele é algo pior para mim do que para quem é atingido por ele. Se sou um assassino, quem mais sofre sou eu, pois tenho que dormir com esse assassino, e pior ainda, tenho de ficar angustiado por conta de que esse assassino é culpado mesmo e pode ser pego pela lei.
Se olharmos Lula com esse instrumento antigo, sem as sofisticações de Descartes e Freud, podemos entendê-lo talvez melhor do que ele próprio se entende. Lula está desesperadamente tentando anular esse outro do “dois em um”, que se manifestou quando do início do “mensalão”.
Ele está tentando se unificar em um só eu, o Lula que não erra, que governou com dez mil corruptos sem ser um deles, o Lula que deu um prato de comida para o pobre e por isso é perseguido não mais pelas elites, mas por um grupo de procuradores da Justiça, o Lula que agora é viúvo e sofre, o Lula que precisa salvar o PT, o Lula de oposição que é capaz de dizer que há uma crise e que ela não é dele e sim de Temer. Esse Lula pode voltar à cena.
Não mente para si mesmo, pois anulou de vez o self, o outro, o bandido que estava dormindo com ele. Lula perdeu o “dois em um” ou, como dizemos na psicologia popular, “perdeu a consciência”, perdeu a vergonha. A vergonha é o olhar do alter-ego sobre o ego. Mas o alter-ego de Lula está com um travesseiro na boca, no rosto, sufocado para todo o sempre.
Lula está de tal modo unificado solitariamente que se mostrarem para ele uma foto com os nove dedos dele no cofre alheio ele será capaz de dizer, de modo sincero (sim, sincero, eu disse), que ele não estava ali pegando dinheiro, mas pondo, fazendo uma doação para algum destino nobre. Lula não tem mais aquele primo chato morando com ele, como Sócrates disse ter.
Afinal, Lula é o homem que disse que se soubesse que a Odebrecht era corrupta, ele jamais teria feito uma palestra para ela, no exterior. Ora, mas Lula não é mais o nosso grande problema. Nosso problema é que nós ainda estamos procurando outro Lula. O chamado Lula apolítico – como era o tal Lula de 1982.
Sócrates não foi um antecessor de Descartes e nem Freud. Sócrates trabalhava com a ideia de um “duplo” ou, como costumava explicar Hannah Arendt, um “dois em um”. Ou seja, o outro de Sócrates se compunha também na primeira pessoa, e assim era investigado. Investigar a si mesmo era ter de conversar consigo mesmo sem a noção de self, mas com a noção de ter junto de si um eu com poder de surpresa, independente, também seguidor das boas regras da lógica. Sócrates chegava a dizer desse outro que era um parente seu, um primo rude, tosco, que morava na sua casa, e que precisava das coisas muito bem explicadas para entender – um chato!
Com isso em mãos, Sócrates criou o seu “intelectualismo”. A moral depende do intelecto. A doutrina socrática: ninguém faz o mal pelo mal, ninguém opta pelo erro, mas se o mal ou o erro ocorrem, é por conta da ignorância do agente. Essa doutrina então concluiu: se faço o mal, ele é algo pior para mim do que para quem é atingido por ele. Se sou um assassino, quem mais sofre sou eu, pois tenho que dormir com esse assassino, e pior ainda, tenho de ficar angustiado por conta de que esse assassino é culpado mesmo e pode ser pego pela lei.
Se olharmos Lula com esse instrumento antigo, sem as sofisticações de Descartes e Freud, podemos entendê-lo talvez melhor do que ele próprio se entende. Lula está desesperadamente tentando anular esse outro do “dois em um”, que se manifestou quando do início do “mensalão”.
Ele está tentando se unificar em um só eu, o Lula que não erra, que governou com dez mil corruptos sem ser um deles, o Lula que deu um prato de comida para o pobre e por isso é perseguido não mais pelas elites, mas por um grupo de procuradores da Justiça, o Lula que agora é viúvo e sofre, o Lula que precisa salvar o PT, o Lula de oposição que é capaz de dizer que há uma crise e que ela não é dele e sim de Temer. Esse Lula pode voltar à cena.
Não mente para si mesmo, pois anulou de vez o self, o outro, o bandido que estava dormindo com ele. Lula perdeu o “dois em um” ou, como dizemos na psicologia popular, “perdeu a consciência”, perdeu a vergonha. A vergonha é o olhar do alter-ego sobre o ego. Mas o alter-ego de Lula está com um travesseiro na boca, no rosto, sufocado para todo o sempre.
Lula está de tal modo unificado solitariamente que se mostrarem para ele uma foto com os nove dedos dele no cofre alheio ele será capaz de dizer, de modo sincero (sim, sincero, eu disse), que ele não estava ali pegando dinheiro, mas pondo, fazendo uma doação para algum destino nobre. Lula não tem mais aquele primo chato morando com ele, como Sócrates disse ter.
Afinal, Lula é o homem que disse que se soubesse que a Odebrecht era corrupta, ele jamais teria feito uma palestra para ela, no exterior. Ora, mas Lula não é mais o nosso grande problema. Nosso problema é que nós ainda estamos procurando outro Lula. O chamado Lula apolítico – como era o tal Lula de 1982.
Quem será julgado
Eike Batista está pronto para delatar Lula. Mas Antonio Palocci deverá fazê-lo antes. Na semana passada foi Renato Duque, ex-diretor da Petrobras, que delatou o ex-presidente.
Nas anteriores, Léo Pinheiro, sócio da OAS, e João Santana, o marqueteiro da campanha de Lula à reeleição em 2006 e das campanhas de Dilma em 2010 e 2014.
Apesar disso, Lula se exibe por aí como vítima de uma suposta conspiração.
Dá para acreditar que todas essas pessoas, estreitamente ligadas a Lula, amigas dele de muito tempo ou parceiras, tenham decidido entregá-lo como único meio possível de escapar dos rigores da Lava Jato?
Sem falar de tantas outras que também o apontaram como o poderoso chefão da organização criminosa que tentou se apoderar do aparelho do Estado via mensalão e, depois, via o assalto à Petrobras.
Lula era o chefe, contou o ex-senador Delcídio do Amaral (PT-MS), que a pedido dele tentou subornar Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobras, para que não delatasse.
Lula era o chefe, e Palocci o administrador de suas propinas, disseram Emílio e Marcelo Odebrecht.
Sem a participação direta de Lula, nada do que hoje se conhece poderia ter acontecido, escreveu Rodrigo Janot, Procurador-Geral da República.
Como teria sido possível a toda essa gente presa em Curitiba, em casa ou ainda solta, combinar relatos que se encaixam quase à perfeição e forjar provas sabendo que a mentira lhe custará mais dolorosos anos de cadeia?
Lula já virou réu em cinco ações penais, acusado de crimes de corrupção (17 vezes), lavagem de dinheiro (211 vezes), tráfico de influência (quatro vezes) e obstrução da Justiça (uma vez).
Seria absurdo imaginar que todas as acusações restarão provadas. Mas igualmente absurdo seria imaginar o contrário – que todas ruirão.
Basta que uma, apenas uma, se sustente para que Lula seja condenado em breve pelo juiz Sérgio Moro e, mais adiante acabe preso e impedido de disputar as eleições do próximo ano por decisão da segunda instância da Justiça.
Sim, sempre haverá o Supremo Tribunal Federal...
Quem está em julgamento não é o retirante da seca nordestina, filho de mãe analfabeta, que sobreviveu à miséria, perdeu um dedo no torno mecânico, comandou greves no interior paulista, fundou o Partido dos Trabalhadores e se elegeu presidente da República, o primeiro de origem operária da história do Brasil.
Muito menos o pai dos pobres e mãe dos ricos que deixou a presidência com quase 90% de aprovação.
Em julgamento está aquele que cooptou e foi cooptado pelas elites criminosas, chegou ao poder como a alma mais honesta do país, e uma vez lá, valeu-se de recursos ilícitos para governar e enriquecer.
Com uma diferença crucial em relação aos que o antecederam: promoveu a corrupção à categoria de política de Estado. Distribuiu migalhas aos pobres. Atentou gravemente contra a democracia.
Por toda parte, a democracia sempre foi e sempre será uma obra inacabada. Aqui, ela mal nasceu ou renasceu mal.
Que democracia é esta em que políticos corrompem e se deixam corromper, em que se compra com dinheiro vivo o apoio de partidos, em que se desvia dinheiro público em prejuízo de melhores condições de vida para os mais pobres, e em que uma Justiça de classes serve de preferência aos que podem mais? Ai das togas!
Assim como Dilma foi julgada no processo do impeachment pelo conjunto de sua obra e não só pelas pedaladas fiscais que cometeu, também Lula o será.
Nas anteriores, Léo Pinheiro, sócio da OAS, e João Santana, o marqueteiro da campanha de Lula à reeleição em 2006 e das campanhas de Dilma em 2010 e 2014.
Apesar disso, Lula se exibe por aí como vítima de uma suposta conspiração.
Dá para acreditar que todas essas pessoas, estreitamente ligadas a Lula, amigas dele de muito tempo ou parceiras, tenham decidido entregá-lo como único meio possível de escapar dos rigores da Lava Jato?
Sem falar de tantas outras que também o apontaram como o poderoso chefão da organização criminosa que tentou se apoderar do aparelho do Estado via mensalão e, depois, via o assalto à Petrobras.
Lula era o chefe, e Palocci o administrador de suas propinas, disseram Emílio e Marcelo Odebrecht.
Sem a participação direta de Lula, nada do que hoje se conhece poderia ter acontecido, escreveu Rodrigo Janot, Procurador-Geral da República.
Como teria sido possível a toda essa gente presa em Curitiba, em casa ou ainda solta, combinar relatos que se encaixam quase à perfeição e forjar provas sabendo que a mentira lhe custará mais dolorosos anos de cadeia?
Lula já virou réu em cinco ações penais, acusado de crimes de corrupção (17 vezes), lavagem de dinheiro (211 vezes), tráfico de influência (quatro vezes) e obstrução da Justiça (uma vez).
Seria absurdo imaginar que todas as acusações restarão provadas. Mas igualmente absurdo seria imaginar o contrário – que todas ruirão.
Basta que uma, apenas uma, se sustente para que Lula seja condenado em breve pelo juiz Sérgio Moro e, mais adiante acabe preso e impedido de disputar as eleições do próximo ano por decisão da segunda instância da Justiça.
Sim, sempre haverá o Supremo Tribunal Federal...
Quem está em julgamento não é o retirante da seca nordestina, filho de mãe analfabeta, que sobreviveu à miséria, perdeu um dedo no torno mecânico, comandou greves no interior paulista, fundou o Partido dos Trabalhadores e se elegeu presidente da República, o primeiro de origem operária da história do Brasil.
Muito menos o pai dos pobres e mãe dos ricos que deixou a presidência com quase 90% de aprovação.
Em julgamento está aquele que cooptou e foi cooptado pelas elites criminosas, chegou ao poder como a alma mais honesta do país, e uma vez lá, valeu-se de recursos ilícitos para governar e enriquecer.
Com uma diferença crucial em relação aos que o antecederam: promoveu a corrupção à categoria de política de Estado. Distribuiu migalhas aos pobres. Atentou gravemente contra a democracia.
Por toda parte, a democracia sempre foi e sempre será uma obra inacabada. Aqui, ela mal nasceu ou renasceu mal.
Que democracia é esta em que políticos corrompem e se deixam corromper, em que se compra com dinheiro vivo o apoio de partidos, em que se desvia dinheiro público em prejuízo de melhores condições de vida para os mais pobres, e em que uma Justiça de classes serve de preferência aos que podem mais? Ai das togas!
Assim como Dilma foi julgada no processo do impeachment pelo conjunto de sua obra e não só pelas pedaladas fiscais que cometeu, também Lula o será.
Só cadeia não dá jeito na roubança
Um cafajeste da gangue de Sérgio Cabral compôs um verbete lapidar do dicionário do diabo da roubança institucionalizada, soube-se na semana que passou. "Meu chapa... Podemos passar pouco tempo na cadeia... Mas nossas putarias têm que continuar", escreveu esse Sérgio Côrtes, ex-secretário de Saúde (!) do Rio, para um comparsa.
Um tempo na cadeia, a evasão de parte do roubo confesso e planos de continuar no crime não são considerações estratégicas apenas desse sujeito, Côrtes, como tem sido possível perceber pelo descobrimento da história da corrupção neste século. Para muito político, servidor, empresário e executivo, ser flagrado ou preso parece apenas um momento ruim e reversível dos negócios.
Torna-se mais claro, como sempre deveria ter sido, que impunidade é apenas parte do problema. O suborno federal ganhou volume da descoberta do mensalão (2005) até bem depois do primeiro aniversário da Lava Jato. A taxa de investimento em propina da Odebrecht chegou ao auge no ano das condenações do mensalão (2012).
As punições parecem insuficientes. Perda de direitos políticos por oito anos ou ficha suja são ora restrições leves. Multas para empresas também: algum método de expropriação deve ser considerado na lei, além de longas inabilitações para o direito de ocupar cargos de direção em companhias. Não estamos tratando de corrupção episódica, ainda que frequente, mas de subornocracia.
No entanto, isso tudo é remédio e remendo. Os quase 80 anos em que muita grande empresa brasileira foi cevada pelo Estado contribuíram para essa degeneração terminal. Os 30 anos de apodrecimento negocista do sistema partidário e de seleção perversa de políticos, também (esse sistema que era "funcional" para muito cientista político).
Mas, posto assim, o diagnóstico é genérico e amplo demais para permitir tratamentos viáveis, alguns de urgência, pois o país está carcomido, à beira de ruir.
Um passo é apartar empresas do Estado, não importa se nem todas as grandes se aproveitaram, mamaram ou saquearam. O Estado é sócio de pelo menos 22 das 50 maiores empresas. Das 25 maiores, uma dúzia está metida nos escândalos que explodiram desde 2014. Nem se mencionem subsídios, empréstimos subsidiados ou proteções e reservas de mercado variadas. É nocivo que o BNDES seja sócio de mais de 30 grandes empresas.
Gente no governo quer acabar com subsídios via empréstimos, inclusive no crédito rural. Além de distorcer preços, juros etc., subsídio via banco estatal amplia o poder de arbítrio. O plano, velho, é dar subsídio direto, se for o caso, discutido pelo Congresso e registrado no Orçamento.
Parece bonito, em tese. Mas, dado que parlamentares vendiam a rodo leis para empresas, não se sabe bem como o troço pode funcionar. Também não se desmontam as participações acionárias do Estado de hora para outra. Mas a reforma tem de começar já, ao lado de privatizações tradicionais (e estes são poucos exemplos de mudanças necessárias). Talvez o país precise até de novas empresas ou agências estatais de desenvolvimento. Mas seriam outras e poucas. Isso que está aí em geral está podre ou morto.
Além de cana dura, precisamos de muita reforma institucional, sobre o que não estamos falando.
Um tempo na cadeia, a evasão de parte do roubo confesso e planos de continuar no crime não são considerações estratégicas apenas desse sujeito, Côrtes, como tem sido possível perceber pelo descobrimento da história da corrupção neste século. Para muito político, servidor, empresário e executivo, ser flagrado ou preso parece apenas um momento ruim e reversível dos negócios.
As punições parecem insuficientes. Perda de direitos políticos por oito anos ou ficha suja são ora restrições leves. Multas para empresas também: algum método de expropriação deve ser considerado na lei, além de longas inabilitações para o direito de ocupar cargos de direção em companhias. Não estamos tratando de corrupção episódica, ainda que frequente, mas de subornocracia.
No entanto, isso tudo é remédio e remendo. Os quase 80 anos em que muita grande empresa brasileira foi cevada pelo Estado contribuíram para essa degeneração terminal. Os 30 anos de apodrecimento negocista do sistema partidário e de seleção perversa de políticos, também (esse sistema que era "funcional" para muito cientista político).
Mas, posto assim, o diagnóstico é genérico e amplo demais para permitir tratamentos viáveis, alguns de urgência, pois o país está carcomido, à beira de ruir.
Um passo é apartar empresas do Estado, não importa se nem todas as grandes se aproveitaram, mamaram ou saquearam. O Estado é sócio de pelo menos 22 das 50 maiores empresas. Das 25 maiores, uma dúzia está metida nos escândalos que explodiram desde 2014. Nem se mencionem subsídios, empréstimos subsidiados ou proteções e reservas de mercado variadas. É nocivo que o BNDES seja sócio de mais de 30 grandes empresas.
Gente no governo quer acabar com subsídios via empréstimos, inclusive no crédito rural. Além de distorcer preços, juros etc., subsídio via banco estatal amplia o poder de arbítrio. O plano, velho, é dar subsídio direto, se for o caso, discutido pelo Congresso e registrado no Orçamento.
Parece bonito, em tese. Mas, dado que parlamentares vendiam a rodo leis para empresas, não se sabe bem como o troço pode funcionar. Também não se desmontam as participações acionárias do Estado de hora para outra. Mas a reforma tem de começar já, ao lado de privatizações tradicionais (e estes são poucos exemplos de mudanças necessárias). Talvez o país precise até de novas empresas ou agências estatais de desenvolvimento. Mas seriam outras e poucas. Isso que está aí em geral está podre ou morto.
Além de cana dura, precisamos de muita reforma institucional, sobre o que não estamos falando.
Navegações
eu é que sou turbulento,
o país navega, dizem,
eu é que me arrebento
eu é que sempre invento
toda esta ventania
eu é que não me contento
com o rumo da romaria
não sei se a sorte é cega
ou eu que vivo a teimar:
sei que eu sou o barco
o marinheiro
e o mar.
o país navega, dizem,
eu é que me arrebento
eu é que sempre invento
toda esta ventania
eu é que não me contento
com o rumo da romaria
não sei se a sorte é cega
ou eu que vivo a teimar:
sei que eu sou o barco
o marinheiro
e o mar.
Abel Silva
Ministro contra a Saúde
Instituições públicas responsáveis pela saúde existem para controlar, reduzir riscos ambientais e sociais e propiciar assistência a grupos populacionais e indivíduos desde o diagnóstico até a recuperação. No Reino Unido, o objetivo declarado do Sistema Nacional de Saúde é a atenção à saúde de alta qualidade para todos, no presente e nas futuras gerações. Os compromissos da administração pública francesa da saúde são a promoção da coesão social e da solidariedade. Países como o Canadá assumiram responsabilidades que incluem até a regulação da radiação emitida por telefones celulares. Um sistema de saúde se constitui a partir das respostas que oferece aos riscos e agravos e abrangência de suas atividades relativas à proteção de indivíduos e populações.
O Ministério da Saúde do Brasil é oficialmente um dos órgãos encarregados de assegurar qualidade de vida e assistência à saúde para toda a população. Bons objetivos saíram do papel com ministros e quadros profissionais competentes. A experiência internacional e nacional sugere que são dois os perfis adequados ao cargo. O eminentemente técnico e o político, sensível às especificidades da saúde, que convoca e valoriza os melhores especialistas. O atual ministro tem feição diversa. Além de nenhuma familiaridade com a área, loteou as principais estruturas do ministério com quadros de seu partido político, que, à imagem e semelhança do chefe, pouco entendem de saúde.
Entraram para o anedotário do país as proezas discursivas da invasão de uma organização, inerentemente conectada com a produção de conhecimentos científicos, por personagens que apoiam governos em troca de postos que rendem votos e negócios. As opiniões do ministro sobre as causas de problemas de saúde — “a obesidade infantil é motivada pelo fato de as crianças não terem a oportunidade de aprender a descascar alimentos com as mães”, “homens trabalham mais que mulheres e por isso não acham tempo para cuidar da saúde” — são similares às piadas baseadas na atribuição ao pobre da culpa pela pobreza. A constatação de que “o Aedes aegypti é indisciplinado”, na vigência da epidemia tríplice de dengue, zika e chicungunha, pertence ao gênero das frases irresponsáveis, incorretas, absurdas.
A justificativa para a escolha e continuidade do ministério leigo em saúde, mas perito em astúcias genéricas, é o “mal menor”. Entregar a Saúde para o Partido Progressista seria um preço barato para manter uma coalizão governamental sem apoio popular, mas que conta com a maioria dos votos do Congresso Nacional. Mas a administração de uma superdosagem de pragmatismo às instituições públicas de saúde não significa apenas permuta ocasional entre cargos e suporte político. Não saber identificar, equacionar e resolver problemas e não ter a quem recorrer induz ao raciocínio e convicção de que as alternativas e soluções inexistem. Ricardo Barros parece persuadido da inutilidade das ações de saúde pública, quando bate no peito e diz “sou ministro da Saúde, não sou ministro do SUS”, ao declarar que “sistema de saúde para todos é sonho e seus defensores são ideólogos” ou, ainda, decretando que “uma pessoa que tem um plano privado está contribuindo para o financiamento da saúde no Brasil, e como os planos terão menor cobertura, parte do atendimento continuará sendo feito pelo SUS”.
A ignorância sobre as causas dos problemas e das alternativas para reduzi-los, a pouca proximidade com as evidências sobre saúde e sistemas de saúde e o descrédito no SUS, combinados com muitas certezas sobre as melhores estratégias para alavancar uma carreira política, resultaram no uso e abuso do cargo para finalidades particulares. Em março, a Comissão de Ética Pública da Presidência da República advertiu o ministro por ter aproveitado a agenda oficial de trabalho para prometer a liberação de recursos em atos de candidatos a prefeitos em várias cidades do Paraná. Na semana passada, o diretor do Departamento Geral de Hospitais do Rio de Janeiro, indicado pelo ministro, foi afastado em decorrência de acusações de envolvimento com a operação Fatura Exposta.
Entre os afazeres do ministro em campanhas eleitorais e os relacionadas com a contratação de serviços desnecessários ou superfaturados, ainda sobrou tempo para apoiar as demandas de empresas de planos de saúde. Aumento de valores e obrigatoriedade de copagamentos, claramente associados com a piora dos padrões de qualidade dos serviços oferecidos, serão agora autorizados. Em meio à recessão, ao desemprego e às imensas dificuldades do setor, o relato debochado de Eliseu Padilha, a aplicação caricatural do termo notável à seleção de um quadro do PP que manteria a coesão da bancada perdeu literalmente a graça. Ricardo Barros é notável. Já fez por merecer o notório título de pior ministro da Saúde do Brasil de todos os tempos.
Ligia Bahia
O Ministério da Saúde do Brasil é oficialmente um dos órgãos encarregados de assegurar qualidade de vida e assistência à saúde para toda a população. Bons objetivos saíram do papel com ministros e quadros profissionais competentes. A experiência internacional e nacional sugere que são dois os perfis adequados ao cargo. O eminentemente técnico e o político, sensível às especificidades da saúde, que convoca e valoriza os melhores especialistas. O atual ministro tem feição diversa. Além de nenhuma familiaridade com a área, loteou as principais estruturas do ministério com quadros de seu partido político, que, à imagem e semelhança do chefe, pouco entendem de saúde.
A justificativa para a escolha e continuidade do ministério leigo em saúde, mas perito em astúcias genéricas, é o “mal menor”. Entregar a Saúde para o Partido Progressista seria um preço barato para manter uma coalizão governamental sem apoio popular, mas que conta com a maioria dos votos do Congresso Nacional. Mas a administração de uma superdosagem de pragmatismo às instituições públicas de saúde não significa apenas permuta ocasional entre cargos e suporte político. Não saber identificar, equacionar e resolver problemas e não ter a quem recorrer induz ao raciocínio e convicção de que as alternativas e soluções inexistem. Ricardo Barros parece persuadido da inutilidade das ações de saúde pública, quando bate no peito e diz “sou ministro da Saúde, não sou ministro do SUS”, ao declarar que “sistema de saúde para todos é sonho e seus defensores são ideólogos” ou, ainda, decretando que “uma pessoa que tem um plano privado está contribuindo para o financiamento da saúde no Brasil, e como os planos terão menor cobertura, parte do atendimento continuará sendo feito pelo SUS”.
A ignorância sobre as causas dos problemas e das alternativas para reduzi-los, a pouca proximidade com as evidências sobre saúde e sistemas de saúde e o descrédito no SUS, combinados com muitas certezas sobre as melhores estratégias para alavancar uma carreira política, resultaram no uso e abuso do cargo para finalidades particulares. Em março, a Comissão de Ética Pública da Presidência da República advertiu o ministro por ter aproveitado a agenda oficial de trabalho para prometer a liberação de recursos em atos de candidatos a prefeitos em várias cidades do Paraná. Na semana passada, o diretor do Departamento Geral de Hospitais do Rio de Janeiro, indicado pelo ministro, foi afastado em decorrência de acusações de envolvimento com a operação Fatura Exposta.
Entre os afazeres do ministro em campanhas eleitorais e os relacionadas com a contratação de serviços desnecessários ou superfaturados, ainda sobrou tempo para apoiar as demandas de empresas de planos de saúde. Aumento de valores e obrigatoriedade de copagamentos, claramente associados com a piora dos padrões de qualidade dos serviços oferecidos, serão agora autorizados. Em meio à recessão, ao desemprego e às imensas dificuldades do setor, o relato debochado de Eliseu Padilha, a aplicação caricatural do termo notável à seleção de um quadro do PP que manteria a coesão da bancada perdeu literalmente a graça. Ricardo Barros é notável. Já fez por merecer o notório título de pior ministro da Saúde do Brasil de todos os tempos.
Ligia Bahia
Quem paga pelos direitos adquiridos?
Afinal de contas, por quanto tempo seremos reféns das corporações?
Desde o ano passado, diversas reformas que propõem tratar os iguais como iguais e dar transparência aos gastos com pessoal têm sido veementemente rejeitadas por grupos de servidores públicos.
No exemplo mais recente, a deliberação sobre a reforma da Previdência, alguns chegaram a invadir a Câmara, ameaçando os deputados em defesa dos seus privilégios.
Com violência e intimidação, argumentam que defendem o bem comum, merecendo receber salários muito acima da renda média do brasileiro, e ficam revoltados quando o Congresso delibera sobre as suas aposentadorias precoces.
Talvez esteja na hora de discutir os direitos adquiridos e a estabilidade dos servidores públicos, sobretudo quando usam de violência ou põem em risco a vida dos cidadãos.
Não é aceitável a ameaça aos deputados nem a paralisação dos serviços de segurança pública - além do mais, ilegal.
Por que alguns servidores públicos têm que ser ressarcidos pelas despesas comezinhas que todos nós pagamos com nossos impostos?
Todos, menos os servidores de alguns poderes públicos, que recebem salários várias vezes maiores do que a renda média no Brasil, além de auxílios que, supostamente, indenizam-nos pelos seus gastos com moradia e educação dos seus filhos, entre muitos outros.
Existe a corrupção inaceitável em meio a ilícitos injustificáveis, como o caixa dois. Existem também corporações privilegiadas com benefícios pagos com recursos do público.
Muitos servidores não aceitam a revisão dos seus benefícios, pois argumentam que essa era a regra quando optaram pela carreira pública. Alguns reagem com violência às propostas de reforma da Previdência ou de maior transparência aos auxílios que recebem para suas despesas comezinhas.
Para o setor privado, no entanto, não existem direitos adquiridos.
Uma fábrica produz por muitos anos e a decisão de construí-la requer analisar o desempenho esperado do mercado para verificar a sua viabilidade, e depende das regras tributárias e das obrigações trabalhistas. Com frequência, porém, essas regras são alteradas depois da fábrica pronta, reduzindo o resultado esperado; às vezes, inviabilizando-a.
Por que é aceitável alterar as regras que afetam o setor privado e não os benefícios dos servidores? Afinal, todos tomamos decisões com base nas regras existentes, da mesma forma que as pessoas que optam pelo serviço público.
A defesa de direitos adquiridos dos servidores lembra os argumentos dos proprietários de escravos no fim do século 19. A seu ver, todos temos que trabalhar para sustentar os seus privilégios.
Desde o ano passado, diversas reformas que propõem tratar os iguais como iguais e dar transparência aos gastos com pessoal têm sido veementemente rejeitadas por grupos de servidores públicos.
No exemplo mais recente, a deliberação sobre a reforma da Previdência, alguns chegaram a invadir a Câmara, ameaçando os deputados em defesa dos seus privilégios.
Com violência e intimidação, argumentam que defendem o bem comum, merecendo receber salários muito acima da renda média do brasileiro, e ficam revoltados quando o Congresso delibera sobre as suas aposentadorias precoces.
Talvez esteja na hora de discutir os direitos adquiridos e a estabilidade dos servidores públicos, sobretudo quando usam de violência ou põem em risco a vida dos cidadãos.
Não é aceitável a ameaça aos deputados nem a paralisação dos serviços de segurança pública - além do mais, ilegal.
Todos, menos os servidores de alguns poderes públicos, que recebem salários várias vezes maiores do que a renda média no Brasil, além de auxílios que, supostamente, indenizam-nos pelos seus gastos com moradia e educação dos seus filhos, entre muitos outros.
Existe a corrupção inaceitável em meio a ilícitos injustificáveis, como o caixa dois. Existem também corporações privilegiadas com benefícios pagos com recursos do público.
Muitos servidores não aceitam a revisão dos seus benefícios, pois argumentam que essa era a regra quando optaram pela carreira pública. Alguns reagem com violência às propostas de reforma da Previdência ou de maior transparência aos auxílios que recebem para suas despesas comezinhas.
Para o setor privado, no entanto, não existem direitos adquiridos.
Uma fábrica produz por muitos anos e a decisão de construí-la requer analisar o desempenho esperado do mercado para verificar a sua viabilidade, e depende das regras tributárias e das obrigações trabalhistas. Com frequência, porém, essas regras são alteradas depois da fábrica pronta, reduzindo o resultado esperado; às vezes, inviabilizando-a.
Por que é aceitável alterar as regras que afetam o setor privado e não os benefícios dos servidores? Afinal, todos tomamos decisões com base nas regras existentes, da mesma forma que as pessoas que optam pelo serviço público.
A defesa de direitos adquiridos dos servidores lembra os argumentos dos proprietários de escravos no fim do século 19. A seu ver, todos temos que trabalhar para sustentar os seus privilégios.
Caminho tortuoso dificulta acesso de cidadãos à transparência pública
Mesmo com quase cinco anos de vigência a Lei de Acesso à Informação (LAI) ainda enfrenta diversas dificuldades de implementação. A Contas Abertas recebe seguidos casos de desrespeito à legislação. Nessa semana, por exemplo, reportagem do site Campo Grande News, do Mato Grosso do Sul, contou com análise da Contas Abertas sobre os caminhos tortuosos da transparência no Estado.
De acordo com a matéria, caso resolva exercer seu direito de controlar as contas públicas, o cidadão que se enveredar pelos portais da transparência dos poderes vai se deparar com uma variedade de tabelas e a frustração de, na prática, os números não reportarem as informações pretendidas. Apesar de melhorias e mudanças, a transparência ainda desafia.
Um dos princípios da legislação é que o portal tenha ferramenta de pesquisa de conteúdo que permita o acesso à informação de forma objetiva, transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão.
"Na verdade, não existe meia transparência, como não existe meia grávida. Todos esses requisitos devem ser cumpridos. O poder federal tem feito desta forma e estados e municípios devem agir da mesma maneira. Mas, apesar de a Lei de Acesso à Informação completar cinco anos de vigência em maio, muitos não a aplicam completamente. O que é lamentável", afirma o fundador e secretário-geral do Contas Abertas, Gil Castelo Branco.
Segundo ele, o maior tabu é o salário. "E não é por acaso. Na iniciativa privada, o patrão sabe o quanto ganha o funcionário. No serviço público, os patrões somos nós. O cidadão tem o direito de saber o quanto paga a cada servidor. Se o servidor não gostar, que vá para a iniciativa privada", defende.
Com nota máxima em transparência aferida pela Rede de Controle de Gestão Pública, o portal do governo de Mato Grosso do Sul, por exemplo, não oferece fácil visualização para o dado sobre o repasse mensal (duodécimo) aos Poderes.
A informação foi buscada nas abas "Repasses e Convênios" e "Despesas". Sobre os demais poderes - Ministério Público do Estado (MPE), Tribunal de Contas do Estado (TCE), Defensoria Pública, TJ/MS (Tribunal de Justiça) e Assembleia Legislativa - o portal remete para as páginas de transparência dos órgãos.
Por meio do Serviço de Informação ao Cidadão (SIC), a reportagem solicitou em 27 de janeiro o total de servidores que recebem valor acima de R$ 15.235. A resposta foi de que o pedido deveria ser mais claro e específico para atender determinação da Lei Estadual 4.416/2013, a Lei de Acesso à Informação.
"Outrossim, visando atender à solicitação é necessário informar qual o parâmetro de valor que deveremos observar, ou seja, o valor dos rendimentos fixos do servidor ou, o total de rendimentos, incluindo outras vantagens eventuais ou, o valor líquido recebido, descontado as obrigações previdenciárias e fiscais ou, até mesmo, outro parâmetro que o(a) solicitante possa indicar", respondeu o SIC.
Por outro lado, a aba "Pessoal" permite vários tipos de consulta e oferece a remuneração e nome dos servidores.
No Portal da Transparência da Assembleia Legislativa, o desafio foi encontrar a remuneração nominal dos deputados estaduais. A aba "subsídio" abre para três arquivos. Após a consulta a todos, encontra-se o valor de R$ 25.332,25, mas sem nomes.
Para verificar a remuneração dos demais servidores, é preciso abrir duas tabelas. A lista com nomes traz o símbolo do cargo. Para ver o salário, o usuário tem que abrir um segundo anexo, em que os símbolos correspondem a vencimentos. No aspecto positivo, o site traz o repasse atualizado do duodécimo, que totalizou R$ 77,8 milhões entre janeiro e abril deste ano.
O Tribunal de Contas apresenta diversas tabelas, mas não tem lista de remuneração nominal.
Após consultar quadro de servidores e tabela remuneratória, a pessoa se depara com dados isolados de classe, referência e vencimentos, mas não se consegue estabelecer conexão com a relação de servidores, que traz os nomes e cargos, porém, não permite cruzar os dados com as demais tabelas.
Quanto aos conselheiros, consta somente a remuneração do cargo, R$ 30.471,11 sem descontos. Abaixo, é informado que o valor tem adicional de 35% para presidente e de 30% nos cargos de vice e corregedor.
Após anos com acesso livre, o TJ/MS passou a exigir em 2017 dados como nome, CPF e data de nascimento de quem for consultar remuneração paga a magistrados e servidores.
Em janeiro, o Campo Grande News divulgou que de uma folha de pessoal de quase R$ 43 milhões, relativa a outubro de 2016, a maior remuneração paga pelo tribunal foi para um analista judiciário de Campo Grande: crédito de R$ 104.980,49. A exigência dos dados tem aval em resolução do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Já na parte contábil, o portal do Poder Judiciário não informa o valor do duodécimo repassado pelo governo do Estado.
A Câmara Municipal informa, mês a mês, a lista nominal e o pagamento a cada vereador. A consulta é fácil, basta acessar "subsidio de vereadores".
Contudo, os salários dos servidores não constam em lista nominal. A opção do portal também é apresentar uma lista com nomes e cargos, mas sem detalhes fundamentais como a sigla de padrão, que vai informar, quando se abre outro documento, a remuneração.
Por exemplo, a lista "relação servidores efetivos" informa que X é procurador. Na tabela de "relação cargos e composição remuneratória", consta que um procurador municipal pode ser classificado em padrão CM 40 a CM 49, com salário de R$ 2.575,76 a R$ 3.995,90. No quesito verba indenizatória, a consulta pelo ano de 2017 reporta "nenhum registro encontrado".
Por mês, cada parlamentar pode utilizar até R$ 8.400 para ressarcimento de despesas como: locomoção, alimentação, aquisição de combustível, contratação de consultoria, auditoria e apoio técnico.
A luta por terras e resgate da memória dos gamela, apagada desde o Brasil colônia
Por volta das 16h do último domingo, 30 de abril, uma batalha campal se iniciava em Viana, município de 50.000 habitantes a pouco mais de 200 quilômetros da capital maranhense, São Luís. Em uma região em que quatro de cada dez pessoas é pobre, começava ali uma luta violenta de quem tem pouco contra quem tem quase nada. De um lado estavam indígenas da etnia gamela, que ocupavam uma área que reivindicam pertencer a seus ancestrais, expulsos dali no passado. Do outro, agricultores, alguns donos de uma quantia de gado possível de se contar nos dedos, que pretendem manter seu pedaço de chão para poder plantar. O enfrentamento deixou dezenas de feridos, vários deles com marcas de bala rasgadas pelo corpo. Quatro ainda estão internados em hospitais da capital. Dois indígenas tiveram as mãos quase arrancadas a golpes de facão, em uma cena que lembrou a alguns o tratamento dado, por vezes, a animais que ignoram cercas e entram em terra vizinha. Na pequena cidade, as imagens da barbárie ainda atormentam a população.
Naquele 30 de abril chegava ao ápice uma "tragédia anunciada", conforme descrevem pessoas de ambos os lados. Era o clímax de um conflito que se agrava há mais de um ano, sem que as autoridades agissem para evitá-lo. No final de 2015, os gamela decidiram iniciar no município uma onda de "retomadas", expressão usada pelos indígenas para definir a ocupação de um território ancestral retirado de seus parentes no passado. E, desde então, já ocuparam oito áreas onde antes existiam habitações de não-índios, incluindo a de um político local e a de uma juíza, contam eles.
Naquele domingo, fariam a nona. Pouco depois da hora do almoço chegaram em certa de 30 pessoas ao sítio Ares Pinto, uma área de 22 hectares (cerca de 22 campos de futebol) no povoado Bahia. Entraram no local onde encontraram a mulher do caseiro Carlos Augusto Pinto do Nascimento. Ao mesmo tempo, a cerca de quatro quilômetros dali acontecia um evento intitulado "Marcha pela Paz", em que, segundo os organizadores, cerca de 5.000 proprietários de terras de Viana, Penalva e Matinha, municípios vizinhos com áreas reivindicadas pelos indígenas, discutiam a situação das retomadas indígenas na região, com a presença do deputado federal Aluísio Mendes (PTN), que em uma entrevista em uma rádio, dias antes, chamou os gamela de "pseudo-índios".
Na cidade, diante das investigações e da repercussão do caso, é difícil achar quem afirme ter participado do fato. Em uma versão corroborada pelo caseiro, durante a confusão um grupo de não-índios cercou ainda dois gamela já caídos após terem sido alvejados por tiros. Foi nessa hora que, após uma bala atingir suas costas, Aldeli de Jesus Ribeiro foi atacado nos dois braços pelos golpes de facão. Uma foto registrou o estado de seus membros: totalmente abertos e ensanguentados. Ele está hoje na cama de um hospital, com ferros nos dois punhos e em uma das pernas, também dilacerada. Está acompanhado por José Ribamar Mendes, que também acabou com cortes profundos na mão direita, e por José André Ribeiro, que levou pauladas na cabeça e um tiro no peito. Uma parente que os acompanha no hospital, em São Luís, e pediu para ter a identidade preservada, afirma que Aldeli disse ter se fingido de morto para que as agressões cessassem. "Ele diz que gritavam: deixa esse desgraçado que eu vou matar e botar fogo." Na confusão, os outros índios correram e atravessaram uma mata fechada, que separa a propriedade que eles pretendiam retomar de uma área já retomada por eles em 2015. Muitos ainda mancam devido às feridas causadas pelos espinhos e os troncos com que toparam no caminho.
Naquele 30 de abril chegava ao ápice uma "tragédia anunciada", conforme descrevem pessoas de ambos os lados. Era o clímax de um conflito que se agrava há mais de um ano, sem que as autoridades agissem para evitá-lo. No final de 2015, os gamela decidiram iniciar no município uma onda de "retomadas", expressão usada pelos indígenas para definir a ocupação de um território ancestral retirado de seus parentes no passado. E, desde então, já ocuparam oito áreas onde antes existiam habitações de não-índios, incluindo a de um político local e a de uma juíza, contam eles.
Encomendado pelo Ministério do Interior em 1967, o Relatório Figueiredo, com mais de 7 mil páginas, produzido pelo Procurador Jader de Figueiredo Correia, é um documento condenatório do genocídio indígena no país. Entre os documentos está a foto da mãe da tribo Cinta Larga, que teve o filho assassinado com tiro na cabeça e depois cortada ao meio (Fonte: Metamorfose Digital)
Naquele domingo, fariam a nona. Pouco depois da hora do almoço chegaram em certa de 30 pessoas ao sítio Ares Pinto, uma área de 22 hectares (cerca de 22 campos de futebol) no povoado Bahia. Entraram no local onde encontraram a mulher do caseiro Carlos Augusto Pinto do Nascimento. Ao mesmo tempo, a cerca de quatro quilômetros dali acontecia um evento intitulado "Marcha pela Paz", em que, segundo os organizadores, cerca de 5.000 proprietários de terras de Viana, Penalva e Matinha, municípios vizinhos com áreas reivindicadas pelos indígenas, discutiam a situação das retomadas indígenas na região, com a presença do deputado federal Aluísio Mendes (PTN), que em uma entrevista em uma rádio, dias antes, chamou os gamela de "pseudo-índios".
Nascimento, o caseiro da terra ocupada pelos índios naquele domingo, conta ter saído para comprar farinha pouco antes do ocorrido. Quando voltou para o sítio e percebeu que os gamela haviam tomado a propriedade, pegou sua moto e foi até a reunião, onde a viatura da Polícia Militar da cidade estava estacionada. Aos berros, avisou à multidão, já de ânimos exaltados pelas falas inflamadas, que sua mulher se tornara "refém" dos gamela, algo que os índios negam. Os policiais entraram no carro e se dirigiram até o local, mas foram embora logo depois, quando perceberam que a turba enfurecida, decidida a fazer justiça com as próprias mãos, chegava ao local em dezenas de motos e carros. Segundo o tenente-coronel, José Maria Aires Neto, os PMs tiveram de sair para buscar reforço, já que não havia sinal para a chamada naquela região, mas voltaram apenas quando a desgraça já estava feita e entraram na área da mata com suas lanternas, em busca de possíveis corpos, conta o caseiro. "Você já viu uma multidão enfurecida? Quatro policiais não conseguem evitar isso. De jeito nenhum", diz o comandante.
Aldeli de Jesus Ribeiro, que teve as mãos quase arrancadas a golpes de facão |
Os gamela acusam os não-índios de terem orquestrado um ataque. "Não foi um confronto o que aconteceu. Foi um massacre. Quem somos nós, com flechas, para confrontar armas de fogo?", afirma Francisco Gamela, de 60 anos. Mas também são acusados pelo outro lado de atirar contra eles com armas de fogo. Em uma família de agricultores, três parentes foram baleados. Segundo a família, por armamentos do índios. Segundo os gamela, por armamentos dos não-índios, durante a confusão generalizada. Um deles, Domingos Gomes Rabelo, ainda se encontra no hospital e corre o risco de perder os movimentos de uma das mãos, conta a mulher, Margarete de Jesus. "Meu marido estava na reunião e foi até lá porque conhecia esses que se dizem índios. Ele tentou negociar quando foi atacado. Juntaram e encheram ele de paulada. Ele levou tiros nas mãos e nas pernas. Meu filho foi ajudar e também foi agredido. Depois aconteceu o mesmo com o irmão do meu marido."
Na cidade, diante das investigações e da repercussão do caso, é difícil achar quem afirme ter participado do fato. Em uma versão corroborada pelo caseiro, durante a confusão um grupo de não-índios cercou ainda dois gamela já caídos após terem sido alvejados por tiros. Foi nessa hora que, após uma bala atingir suas costas, Aldeli de Jesus Ribeiro foi atacado nos dois braços pelos golpes de facão. Uma foto registrou o estado de seus membros: totalmente abertos e ensanguentados. Ele está hoje na cama de um hospital, com ferros nos dois punhos e em uma das pernas, também dilacerada. Está acompanhado por José Ribamar Mendes, que também acabou com cortes profundos na mão direita, e por José André Ribeiro, que levou pauladas na cabeça e um tiro no peito. Uma parente que os acompanha no hospital, em São Luís, e pediu para ter a identidade preservada, afirma que Aldeli disse ter se fingido de morto para que as agressões cessassem. "Ele diz que gritavam: deixa esse desgraçado que eu vou matar e botar fogo." Na confusão, os outros índios correram e atravessaram uma mata fechada, que separa a propriedade que eles pretendiam retomar de uma área já retomada por eles em 2015. Muitos ainda mancam devido às feridas causadas pelos espinhos e os troncos com que toparam no caminho.
O Brasil é governado por uma organização criminosa?
Hoje estão operando no território brasileiro quatro grandes organizações criminosas: (1ª) o crime organizado dos poderes privados, que exploram particularmente a venda de drogas e se caracterizam pelo uso constante da violência (PCC, PGC, CV, Alcaeda, Narcotráfico dos morros do RJ etc.); (2ª) o crime organizado das milícias (que exploram favelas e bairros pobres de muitas cidades); (3ª) o crime (mais ou menos) organizado que emerge de dentro das bandas podres das polícias (que praticam assassinatos, desaparecimentos, extorsão, roubos, sequestros e que também morrem amiúde); e (4ª) o crime organizado multibilionário, composto por poderosos bandidos do colarinho branco (membros da plutocracia, da política e dos altos escalões administrativos), que eram chamados (nos EUA) no século XIX de “barões ladrões”.
Por meio de fraudes, proteções, monopólios e conluios licitatórios (carteis), como nos casos da Petrobra$ e do metrô$P, o crime organizado multibilionário está estruturado sobre a base de uma troyka maligna (partidos, políticos, e outros agentes públicos + intermediários (brokers) + agentes econômicos e financeiros) que se unem em Parceria Público/Privada para a Pilhagem do Patrimônio Público.
Vejamos: o crime organizado privado como o PCC governa os presídios (mais de 90%, conforme Camila Dias, “PCC – Hegemonia nas Prisões e Monopólio da Violência”, Editora Saraiva); as milícias substituem o Estado prestando ajudas sociais às favelas e aos bairros pobres; os policiais da banda podre organizada são representantes diretos do Estado (e governam a segurança pública); por fim, o crime organizado multibilionário (incluindo o da Petrobra$, do metrô$P etc.).
O topo do crime é comandado por integrantes da plutocracia nacional ou estrangeira (que governa o Estado por meio do poder do dinheiro das grandes riquezas, que cooptam o poder político mediante o “financiamento” das caríssimas campanhas eleitorais, “comprando-o” dessa maneira).
Por meio de fraudes, proteções, monopólios e conluios licitatórios (carteis), como nos casos da Petrobra$ e do metrô$P, o crime organizado multibilionário está estruturado sobre a base de uma troyka maligna (partidos, políticos, e outros agentes públicos + intermediários (brokers) + agentes econômicos e financeiros) que se unem em Parceria Público/Privada para a Pilhagem do Patrimônio Público.
O Estado brasileiro, como um dos paraísos da cleptocracia, vem provando a experiência de compartilhar suas funções com as organizações criminosas citadas, que exercem ou comandam várias das suas funções (ou seja: os ladrões “estão governando” porções consideráveis do Estado).
Vejamos: o crime organizado privado como o PCC governa os presídios (mais de 90%, conforme Camila Dias, “PCC – Hegemonia nas Prisões e Monopólio da Violência”, Editora Saraiva); as milícias substituem o Estado prestando ajudas sociais às favelas e aos bairros pobres; os policiais da banda podre organizada são representantes diretos do Estado (e governam a segurança pública); por fim, o crime organizado multibilionário (incluindo o da Petrobra$, do metrô$P etc.).
O topo do crime é comandado por integrantes da plutocracia nacional ou estrangeira (que governa o Estado por meio do poder do dinheiro das grandes riquezas, que cooptam o poder político mediante o “financiamento” das caríssimas campanhas eleitorais, “comprando-o” dessa maneira).
Não encontrando obstáculos sociais (reação enérgica da sociedade civil, que continua inerte e indiferente), a cleptocracia avança e o resultado mais nefasto acontece quando ela “substitui ao Estado de Direito” ou, pior, o utiliza indevidamente (ver Ugo Mattei e Laura Nader, “Pilhagem”), para se apropriar do poder e do dinheiro público, como se fosse patrimônio privado (patrimonialismo). O estágio último (já alcançando píncaros inimagináveis) dessa degenerada construção societal e estatal se aperfeiçoa quando se concretiza a captura do sistema público governamental pela junção da corrupção política com a econômica (empresarial).
Bem poucos são (parafraseando João Francisco Lisboa, “Jornal de Timon”) os que confidencialmente e nas conversações particulares (reservadas) não reconhecem e confessam a situação deplorável a que chegou nosso paraíso da cleptocracia, governado não só por gente de bem, senão também por ladrões e organizações criminosas de todas as estirpes e colorações ideológicas e partidárias.
Bem poucos são (parafraseando João Francisco Lisboa, “Jornal de Timon”) os que confidencialmente e nas conversações particulares (reservadas) não reconhecem e confessam a situação deplorável a que chegou nosso paraíso da cleptocracia, governado não só por gente de bem, senão também por ladrões e organizações criminosas de todas as estirpes e colorações ideológicas e partidárias.
Mesmo assim, muitos ainda continuam a se prestar de instrumento (por ação ou por omissão, que nesse caso significa conivência) para a perpetuação do exercício dessa infernal política falaz e perniciosa praticada diuturnamente por ladrões sem consciência e amor à pátria, à nação. É bem provável que o despotismo de uma causa tão mesquinha acabe por amortecer nos corações dos que o sofrem o brio da independência, da luta, do grito de libertação, que emergiria inconteste e retumbante de todas as gargantas se elas fossem alimentadas pelo fogo do patriotismo e do amor pela construção de uma verdadeira e decente nação.
Nosso grito de libertação (se acontecer) precisa ter destino certo: (a) tolerância zero com os políticos corruptos (cassação imediata dos que comprovadamente praticaram corrupção); (b) rígido controle da coisa pública, que inclui punições severas (dentro do Estado de Direito) a todos os bandidos do colarinho branco; (c) o fim da reeleição para cargos no executivo e (d) o fim do político profissional (limitação de mandatos no legislativo).
Nosso grito de libertação (se acontecer) precisa ter destino certo: (a) tolerância zero com os políticos corruptos (cassação imediata dos que comprovadamente praticaram corrupção); (b) rígido controle da coisa pública, que inclui punições severas (dentro do Estado de Direito) a todos os bandidos do colarinho branco; (c) o fim da reeleição para cargos no executivo e (d) o fim do político profissional (limitação de mandatos no legislativo).
O juiz de Bruzundanga
A República de Bruzundanga, de Lima Barreto, completa 95 anos, uma efeméride pouquíssimo lembrada, a não ser por alguns estudantes de Literatura. Às vésperas de Natal de 2014, ela já havia sido abalada por um escândalo envolvendo a maior empresa estatal do país, uma petroleira, e os donos da nação, entre os quais estavam a Mandachuva — a primeira mulher a assumir a Presidência — e seu padrinho, o Mandachuva que a antecedera. O problema é que ninguém ainda sabia disso, a não ser o cronista que reconta essa história, num tributo ao escritor carioca maldito (ele era pobre, mulato e gay).
No país imaginário de Lima Barreto, a esposa do presidente de uma grande empresa que estava preso ameaçara contar tudo o que sabia à polícia e à Justiça sobre o maior escândalo de corrupção da nação, se o marido passasse o Ano Novo na cadeia. Estava revoltada porque os donos da empresa decidiram demitir todos os executivos e foram passar o Natal em um balneário do Caribe, depois de encerrar os negócios no ramo da construção para viver de outras fontes de renda. O recado veio cifrado numa nota de coluna de jornal.
Por essa razão, o executivo foi solto, chegou a fazer uma delação premiada, mas ela foi incinerada pelas autoridades porque houve um vazamento do conteúdo para jornais e revistas sensacionalistas, que insistiam em escandalizar o povo com os podres da República. O problema é que ele não desistiu, negociou nova delação, com mais 40 executivos da empresa. Em sua obra póstuma, o mestre do escárnio já havia desnudado a essência de Bruzundanga. Quase cem anos depois, nada havia mudado quanto aos costumes políticos. Só as velhas patacas foram substituídas pelo barusco, a moeda criada em homenagem ao ex-diretor da petroleira local que resolveu denunciar as falcatruas que escandalizavam o mundo naquele Natal. Mas já estavam inflacionadas pela enxurrada de dólares que jorraram das plataformas da petroleira para misteriosas contas no exterior.
O ex-mandachuva continuou a trajetória como aquele personagem de Todos os homens são mortais, de Simone de Beauvoir, o Conde Fosca, já citado em 2014, quando começou a Operação Enxuga Devagar. Se vocês não se lembram, por ser imortal, esse personagem podia decidir o que quisesse, os outros pagavam com a própria vida quando algo dava errado. Naquele Natal, a esposa de um executivo da petroleira que havia sido preso procurara o secretário particular do ex-mandachuva e avisara que contaria tudo se o marido continuasse em cana. Ele também foi solto a tempo de participar do amigo oculto da família, graças à Mandachuva, que gastou um dos cartuchos que tinha no tribunal para conseguir-lhe um habeas corpus. Coisas que ainda aconteciam em Bruzundangas.
Mas havia um juiz ferrabrás numa das províncias que resolveu subverter a ordem natural das coisas e pôs em cana todos os envolvidos no escândalo ao seu alcance. O ex-diretor da petroleira, convencido pela família, resolveu falar o que sabia. Relatou três encontros com o ex-mandachuva, que tinha conhecimento de tudo o que se passava na petroleira e agora ele está na iminência de ser preso. O executivo da estatal também entregou a ex-mandachuva, que meteu as mãos pelos pés e, no passado, acabou apeada do poder. Agora, também corre o risco de ser condenada e presa.
No meio de tanta confusão, o vice-mandachuva assumira o poder. Nele ainda se equilibra para terminar o mandato e chegar às eleições nacionais do ano que vem. A situação no país continua delicada. Durante a crise mundial, o povo viveu no mundo da fantasia, gastando mais do que podia, como naquela fábula da cigarra e da formiga. Agora, a saída é acabar com os privilégios e reinventar a economia, mas a elite política, os empresários que mamam nas tetas do governo e a alta burocracia resistem às reformas. Afinal, o que seria de Bruzundangas se todos tivessem a mesma aposentadoria e os mesmos direitos? O escândalo na petroleira virou o país de cabeça pra baixo. Quem foi mandachuva em Bruzundanga jamais perde a majestade. Na quarta-feira, ele será interrogado pelo juiz ferrabrás. O problema é que o tal magistrado veio de Curitiba.
No país imaginário de Lima Barreto, a esposa do presidente de uma grande empresa que estava preso ameaçara contar tudo o que sabia à polícia e à Justiça sobre o maior escândalo de corrupção da nação, se o marido passasse o Ano Novo na cadeia. Estava revoltada porque os donos da empresa decidiram demitir todos os executivos e foram passar o Natal em um balneário do Caribe, depois de encerrar os negócios no ramo da construção para viver de outras fontes de renda. O recado veio cifrado numa nota de coluna de jornal.
Por essa razão, o executivo foi solto, chegou a fazer uma delação premiada, mas ela foi incinerada pelas autoridades porque houve um vazamento do conteúdo para jornais e revistas sensacionalistas, que insistiam em escandalizar o povo com os podres da República. O problema é que ele não desistiu, negociou nova delação, com mais 40 executivos da empresa. Em sua obra póstuma, o mestre do escárnio já havia desnudado a essência de Bruzundanga. Quase cem anos depois, nada havia mudado quanto aos costumes políticos. Só as velhas patacas foram substituídas pelo barusco, a moeda criada em homenagem ao ex-diretor da petroleira local que resolveu denunciar as falcatruas que escandalizavam o mundo naquele Natal. Mas já estavam inflacionadas pela enxurrada de dólares que jorraram das plataformas da petroleira para misteriosas contas no exterior.
O ex-mandachuva continuou a trajetória como aquele personagem de Todos os homens são mortais, de Simone de Beauvoir, o Conde Fosca, já citado em 2014, quando começou a Operação Enxuga Devagar. Se vocês não se lembram, por ser imortal, esse personagem podia decidir o que quisesse, os outros pagavam com a própria vida quando algo dava errado. Naquele Natal, a esposa de um executivo da petroleira que havia sido preso procurara o secretário particular do ex-mandachuva e avisara que contaria tudo se o marido continuasse em cana. Ele também foi solto a tempo de participar do amigo oculto da família, graças à Mandachuva, que gastou um dos cartuchos que tinha no tribunal para conseguir-lhe um habeas corpus. Coisas que ainda aconteciam em Bruzundangas.
Mas havia um juiz ferrabrás numa das províncias que resolveu subverter a ordem natural das coisas e pôs em cana todos os envolvidos no escândalo ao seu alcance. O ex-diretor da petroleira, convencido pela família, resolveu falar o que sabia. Relatou três encontros com o ex-mandachuva, que tinha conhecimento de tudo o que se passava na petroleira e agora ele está na iminência de ser preso. O executivo da estatal também entregou a ex-mandachuva, que meteu as mãos pelos pés e, no passado, acabou apeada do poder. Agora, também corre o risco de ser condenada e presa.
No meio de tanta confusão, o vice-mandachuva assumira o poder. Nele ainda se equilibra para terminar o mandato e chegar às eleições nacionais do ano que vem. A situação no país continua delicada. Durante a crise mundial, o povo viveu no mundo da fantasia, gastando mais do que podia, como naquela fábula da cigarra e da formiga. Agora, a saída é acabar com os privilégios e reinventar a economia, mas a elite política, os empresários que mamam nas tetas do governo e a alta burocracia resistem às reformas. Afinal, o que seria de Bruzundangas se todos tivessem a mesma aposentadoria e os mesmos direitos? O escândalo na petroleira virou o país de cabeça pra baixo. Quem foi mandachuva em Bruzundanga jamais perde a majestade. Na quarta-feira, ele será interrogado pelo juiz ferrabrás. O problema é que o tal magistrado veio de Curitiba.
Não é o 'Rei', é o réu
A noção petista de democracia
Para os petistas, o Brasil vive hoje em pleno estado de exceção. Não há dúvida, segundo a versão petista dos fatos, de que Dilma Rousseff foi vítima de um “golpe” que a tirou da Presidência da República. Também não há dúvida, para essa turma, de que o grande líder petista, Lula da Silva, é um perseguido político e corre o risco de ser condenado à prisão pelo “crime” de ter governado “para os pobres”. Não faltam nem os que consideram o governo do presidente Michel Temer uma “ditadura”.
Enquanto isso, esses mesmos petistas são capazes de defender a ditadura – sem aspas – de Nicolás Maduro na Venezuela. A embaixada venezuelana no Brasil divulgou recentemente uma série de vídeos em seu canal no YouTube nos quais três deputados do PT manifestam apoio a Maduro no momento em que este reprime violentamente manifestações de oposição ao regime bolivariano – mais de 20 pessoas já foram mortas.
Um dos deputados é Paulo Pimenta (RS), que, em sua página no Facebook, já se referiu ao governo Temer como “ditadura”. No vídeo, o parlamentar diz: “Estamos juntos com o povo da Venezuela. A luta pela sua soberania, pelo direito de escolher e construir o seu futuro... Resistam contra o avanço da direita fascista! Vamos às ruas em defesa do projeto da revolução bolivariana! Contem conosco, estamos juntos nessa luta”.
Outro que aparece para prestar “a mais alta solidariedade ao povo da Venezuela e ao governo popular da Venezuela de Maduro” é o deputado petista João Daniel (SE). Segundo ele, “há um terrorismo na América Latina, financiado pelo imperialismo, para derrubar os governos populares”. Foi o que aconteceu também no Brasil, de acordo com o parlamentar. Por esse motivo, acrescentou, “a luta em defesa do governo da Venezuela pertence a todo o povo latino-americano”.
Por fim, o líder do PT na Câmara, deputado Carlos Zarattini – que no dia do impeachment de Dilma Rousseff, há um ano, pediu a mobilização dos brasileiros contra a tentativa de “implantar uma ditadura civil” no País –, gravou mensagem em que diz que o “governo popular” de Maduro é vítima de “uma estratégia de desestabilização”. Segundo Zarattini, o desabastecimento, a inflação e a profunda crise social que afetam a Venezuela, causando até mesmo fome, são provocados pelas “forças reacionárias”, cujo objetivo seria “instalar o caos para que, a partir disso, o povo clame por uma solução de força”. Por esse motivo, disse o deputado, “o povo venezuelano está certo em lutar fortemente para defender o que é seu e o seu governo”.
Nem se deve perder tempo tentando argumentar contra tão rematados despautérios, inspirados no despudor de Lula da Silva, que um dia declarou que a Venezuela chavista tem “excesso de democracia”. Mas é particularmente grave que detentores de mandato parlamentar no Brasil, que se dizem defensores da democracia, venham a público manifestar solidariedade ao governo de um país vizinho que está claramente violando os mais básicos direitos dos cidadãos.
Depois de ter arruinado economicamente a Venezuela, Nicolás Maduro hoje nada faz a não ser estimular um confronto civil no seu país. Não contente em reprimir protestos e prender centenas de opositores, anunciou que pretende armar milhares de milicianos para “defender a soberania nacional” contra o “imperialismo” – que, como sempre, está por trás de tudo. Aproxima-se rapidamente de um ponto do qual dificilmente se retorna sem um banho de sangue, razão pela qual qualquer apoio a Maduro, hoje, é irresponsável.
Nos tempos da diplomacia lulopetista, ditadores como Maduro eram tratados como queridos companheiros, pela simples razão de que se opunham aos Estados Unidos. Essa atitude típica de grêmio estudantil felizmente foi abandonada no Brasil e na Argentina, deixando Maduro mais isolado do que nunca, salvo apenas pelo apoio dos que, como os solidários deputados petistas, consideram que democracia e direitos humanos são conceitos válidos somente para quem é da patota.
Enquanto isso, esses mesmos petistas são capazes de defender a ditadura – sem aspas – de Nicolás Maduro na Venezuela. A embaixada venezuelana no Brasil divulgou recentemente uma série de vídeos em seu canal no YouTube nos quais três deputados do PT manifestam apoio a Maduro no momento em que este reprime violentamente manifestações de oposição ao regime bolivariano – mais de 20 pessoas já foram mortas.
Um dos deputados é Paulo Pimenta (RS), que, em sua página no Facebook, já se referiu ao governo Temer como “ditadura”. No vídeo, o parlamentar diz: “Estamos juntos com o povo da Venezuela. A luta pela sua soberania, pelo direito de escolher e construir o seu futuro... Resistam contra o avanço da direita fascista! Vamos às ruas em defesa do projeto da revolução bolivariana! Contem conosco, estamos juntos nessa luta”.
Outro que aparece para prestar “a mais alta solidariedade ao povo da Venezuela e ao governo popular da Venezuela de Maduro” é o deputado petista João Daniel (SE). Segundo ele, “há um terrorismo na América Latina, financiado pelo imperialismo, para derrubar os governos populares”. Foi o que aconteceu também no Brasil, de acordo com o parlamentar. Por esse motivo, acrescentou, “a luta em defesa do governo da Venezuela pertence a todo o povo latino-americano”.
Nem se deve perder tempo tentando argumentar contra tão rematados despautérios, inspirados no despudor de Lula da Silva, que um dia declarou que a Venezuela chavista tem “excesso de democracia”. Mas é particularmente grave que detentores de mandato parlamentar no Brasil, que se dizem defensores da democracia, venham a público manifestar solidariedade ao governo de um país vizinho que está claramente violando os mais básicos direitos dos cidadãos.
Depois de ter arruinado economicamente a Venezuela, Nicolás Maduro hoje nada faz a não ser estimular um confronto civil no seu país. Não contente em reprimir protestos e prender centenas de opositores, anunciou que pretende armar milhares de milicianos para “defender a soberania nacional” contra o “imperialismo” – que, como sempre, está por trás de tudo. Aproxima-se rapidamente de um ponto do qual dificilmente se retorna sem um banho de sangue, razão pela qual qualquer apoio a Maduro, hoje, é irresponsável.
Nos tempos da diplomacia lulopetista, ditadores como Maduro eram tratados como queridos companheiros, pela simples razão de que se opunham aos Estados Unidos. Essa atitude típica de grêmio estudantil felizmente foi abandonada no Brasil e na Argentina, deixando Maduro mais isolado do que nunca, salvo apenas pelo apoio dos que, como os solidários deputados petistas, consideram que democracia e direitos humanos são conceitos válidos somente para quem é da patota.
Banhos de água fria
Para a saúde, beleza, circulação – até para sexo! Se todo mundo soubesse quanta coisa a água fria faz de bem até pararia de usar essa expressão para falar de decepção, desilusão, ou de quando alguém estraga tudo o que nos empolgava. Tô boba. Mas na verdade vocês bem imaginam porque pensei nisso. Nesse nosso enorme banho coletivo de água fria, de chuveirada. Precisamos botar água na chaleira para ferver
No Jornal da Tarde, histórias, gente, fatos, imagens, detalhes da vida, calor dos fatos, eram os ingredientes que o tornavam uma delícia diária de ver, ler, em textos escritos pelos que ainda hoje considero – e o são – mestres da palavra.
Mas, enfim, foi trabalho árduo de um dia inteiro conseguir detalhes importantes, alguns dramáticos, outros muito emocionantes sobre a vida da menina, a quem me coube construir o perfil. Seria uma grande matéria: abri a mala que ela havia deixado no abrigo, o que equivalia ali a conhecer todos os seus bens. O colega Fausto Macedo, por outro lado, levantava o perfil do mirrado e violento Galileia.
Já passava das dez da noite quando regressamos para a redação. Já batucava entusiasmada a máquina de escrever quando veio uma ordem de cima: a matéria não seria publicada. “Aqui não queremos o mundo cão” – era o recado seco que – lembro como se fosse hoje – me encharcou e nos deixou, eu e Fausto, arrasados.
As histórias nunca foram publicadas. Eu nunca perdi esse sentimento do banho de água fria. Com ele preparei-me para todos os outros tantos que viriam ao longo dessa vida, garanto que já não foram poucos de todas as águas doces e salgadas.
Temos tomado muitos banhos bem frios na cabeça. Quando a gente acha que uma coisa vai, ela nem vem, quanto mais reformada. Agora deu outra moda, a dos mesmos de sempre mudarem – certamente por vergonha, os nomes de seus partidos, jurando que fazem isso pelo nosso bem com um blábláblá de fazer bicho preguiça querer correr. Notou? Livres, Mudamos, Avante, Podemos. Se fizer DNA vai dar consanguinidade.
Como uma de minhas missões é sempre tentar ajudar, finalizo listando algumas das qualidades que encontrei e alardeiam sobre o tal banho de água fria na real, vejam só. Melhora a irrigação sanguínea. Alivia as tensões dos músculos. Aumenta o brilho do cabelo. Previne a calvície e elimina a caspa. Serve para combater a depressão e ativa as funções cerebrais. Ajuda a despertar e por o organismo em alerta. Ameniza varizes. É afrodisíaco; em homens aumentaria a testosterona. Finalmente, e a minha preferida: eleva a autoestima, com benefícios mentais e emocionais. Por quê? O sentimento de vitória por ter conseguido tomar o tal banho de água gelada.
Fica a dica, porque as coisas ainda vão esquentar muito, e a energia, literalmente, pode acabar. Nós temos de ser vitoriosos.
Marli Gonçalves
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