sábado, 11 de agosto de 2018

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Cerveja, orgasmo e eleição

Só um desvairado pode pretender juntar cerveja, orgasmo e eleição. Mas se os poetas rimam amor com dor, por que não juntar a cervejinha que alivia com um processo eleitoral singular e repleto de surpresas como um orgasmo?

Um processo revelador do nosso viés aristocrático-legal, que iguala no papel, mas produz diferenças imorais entre eleitos e eleitores?

Hoje sabemos que roubar patologicamente no (e do) governo é a nossa marca registrada.

A disputa eleitoral livre é análoga ao orgasmo. Em ambos há competição aberta até o arremate a ser comemorado com cerveja.

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A conjunção fica ainda mais intensa quando se vive um processo eleitoral expressivo de uma república sem princípios como em 1890, dizia Joaquim Nabuco no Jornal do Comércio. Veja o paradoxo: Lula, o político mais popular do País e o que o presidiu por dois mandatos e fez de Dilma a nossa primeira presidente; Lula, o que pregava uma igualdade radical, não resistiu à matriz aristocrática do papel de presidente e fez o que Nabuco previu: um regime autossuficiente o qual reproduz a monarquia, fazendo “reis com o título de presidentes”. A manipulação do sistema agenciou uma era de corrupção e pobreza. O político mais amado se tornou o mais criminalizado e está preso. E o seus partidários reacionariamente rejeitam o cerne do republicanismo, asseverando que ele está acima da lei. A cadeia, porém, deflagra outro contratempo: ela neutraliza as polaridades tradicionais do palco político, pondo no trono um potente “centrão” – esse primo do “esquerdão” e do “direitão” – zona na qual a ideologia política é englobada pela jamais denunciada ética dos relacionamentos. Dos favores e compadrios que sem limites estão em toda a parte. 

Há nisso tudo uma ironia. O partido do povo enricou; o presidente operário criou uma corte; a promessa de governar com o povo foi desmascarada: governou-se realizando um leilão do Brasil. No poder, a esquerda subverteu o bom senso. Enterramos tanto Joaquim Nabuco quanto Raymundo Faoro e Sérgio Buarque de Holanda e, no lugar deles, surge em sua malandra pequenez o extremo formalismo que “soluciona” problemas sociais com leis. Sem querer, a elite nacional desmascarou a dissimulação e começou a ouvir verdades. Essas verdades que a “ideologia” (branca, bem paga e acadêmica) sempre escondeu.

Pode vir a ser um orgasmo nacional.

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Se, para muitos, o universo se resume em direita e esquerda, a transformação da esquerda num dos “donos do poder” mostra o lado formal da divisão. Se ser de esquerda é estar aberto ao igualitarismo; é lutar pela igualdade de gêneros e etnias e pela igualdade econômica; ser contra a República dos banqueiros; demonizar o mercado e pensar que tudo se resolve com políticas públicas sem engajamento social concreto e penoso, minha avó é bicicleta...

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Se Tocqueville, estudioso da primeira experiência democrática do planeta, fosse lido, ver-se-ia que esquerda e direita são atravessadas por um eixo transversal, que está no centro da crise brasileira. Refiro-me à oposição entre universalismo e particularismo, base do igualitarismo meritocrático e da mobilidade democrática.

O universalismo regula, sem banir, leis particulares (os privilégios). É justamente a dialética entre o universal e o particular que viabiliza o igualitarismo como um valor, obrigando o individualismo a entender-se com suas obrigações coletivas.

O axioma da lei para todos aterroriza as elites brasileiras, justamente porque ele é o construtor do cidadão comum. Nos regimes populares, mas particularistas, uma nomenclatura subsistiu ao baronato e o populismo disfarça o jogo particularista dos compadrios, amizades e parentescos ladravazes. Onde ainda não se aquilatou o peso do eixo universalismo/particularismo para a construção da ordem democrática, a dissimulação é moeda corrente. É ela quem faculta os orgasmos da corrupção.

Os sentimentos do poste

Oscar Wilde se queixava de que as pessoas viviam dizendo pelas suas costas as verdades mais terríveis e absolutas a seu respeito. Bem, isso foi naquele tempo. Hoje, dizem-se as mesmas verdades pela frente e em letra de forma, e ninguém mais se ofende. Chamar alguém de poste, por exemplo.

Deixou de ser desaforo classificar de poste uma pessoa que é escolhida para ocupar o lugar de outra, na ausência temporária desta, e não só por ser leal e confiável, mas principalmente por ser passiva, anódina, irrelevante — ou seja, incapaz de ofuscar o titular. É como receber um atestado de desadmiração vindo dos seus próprios pares.


Tento me colocar na pele de uma pessoa escalada para esta triste função. Como se sentirá ao saber que é isso —que não tem personalidade ou vontade própria— que seus companheiros pensam dela? A que níveis sua ausência de autoestima terá chegado para aceitar o papel de ectoplasma de si mesma e, ainda assim, estar pronta a desocupar o banquinho assim que for solicitada? Terá havido um dia em que essa pessoa alimentou objetivos pessoais e lutou por eles?

Um poste, como se sabe, é feito para sustentar uma lâmpada, mas esta só se acende ou apaga a partir de comandos emanados de uma usina longe ou perto dali. No caso do poste humano, some-se a isto o fato de que, ao abrir a boca, ele só poderá emitir palavras e pensamentos elaborados na cabeça do titular, como na velha arte do ventriloquismo.

Nos anos 30 e 40, havia ventríloquos famosos, como o americano Edgar Bergen, pai da estrela Candice Bergen, e o brasileiro Baptista Junior, pai das cantoras Linda e Dircinha Baptista. A diferença é que seus bonecos eram de pau.

Um dia, inevitavelmente, o poste passa a acreditar que gera sua própria energia e se volta contra seu mentor. É a sua única chance de recuperar o autorrespeito e superar a humilhante condição a que o reduziram.

Lewandowiski descobre vocação para sindicalista

O ministro Ricardo Lewandowski se autoconverteu em presidente do sindicato dos magistrados. Nessa posição, sentiu-se à vontade para justificar o pedido de reajuste salarial de 16,38% para os ministros do Supremo. Insinuou que a Lava Jato resolveu o problema de caixa: “Vocês repararam que os juízes de Curitiba devolveram R$ 1 bilhão de dinheiro desviado da Petrobras?” Realçou que a cifra supera o custo estimado da tonificação dos contracheques dos juízes: R$ 780 milhões anuais


A insinuação de Lewandowski ofende a inteligência alheia, pois ignora princípios elementares das finanças e da aritmética. A verba da folha sai das arcas do Tesouro, que não se confudem com os cofres da Petrobras. A devolução à estatal do dinheiro que lhe fora roubado é um repasse único. O reajuste cria uma despesa eterna. Para complicar, escorre pelo organograma do Estado, num efeito cascata que engordará a folha em mais de 4 R$ bilhões por ano. A água já começou a de$cer. E a União, quebrada, não dispõe dessa verba.

Considerando-se que o brasileiro paga tributos europeus para receber serviços públicos africanos, Lewandowski comporta-se mais ou menos como Diógenes de Sinope, filósofo grego a quem se atribui a estruturação do movimento filosófico batizado de “cinismo”. Alexandre, o Grande, com poderes tão supremos quanto os que Lewandowski julga possuir, perguntou a Diógenes o que poderia fazer por ele. E o sábio: “Posicione-se um pouco menos entre mim e o Sol.”

A diferença entre Lewandowski e Diógenes é que o neo-sindicalista da Suprema Corte brasileira alcançou um inédito grau de sofisticação filosófica. Inaugurou a era do pós-cinismo. Na Segunda Turma do Supremo, Lewandowski ajuda a colocar em prática a política de celas abertas. É visto como um adversário do esforço anticorrupção. Mas não se constrange de encostar suas pretensões salariais no êxito da Lava Jato.