sábado, 29 de fevereiro de 2020

Salve lindo pendão do Brasil Novo


Por que choram os brasileiros

O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), em polêmica com a jornalista de O Estado de S. Paulo Vera Magalhães, pelas manifestações anunciadas para o próximo dia 15 contra o Congresso e o STF, se perguntava irônico se os brasileiros chorariam no caso de “uma bomba H cair no Congresso”.

A verdade é que o pranto dos brasileiros seria outro diferente do sonho dos bolsonaristas mais radicais que prefeririam a volta da ditadura militar ao Brasil. Tanto é assim que uma pesquisa internacional acaba de revelar que entre os brasileiros está crescendo o amor pelos valores da democracia, talvez porque os vejam ameaçados.

Os brasileiros choram sim, em relação ao Congresso e há tempos, não porque prefeririam fechá-lo como gostaria esse punhado de bolsonaristas, e sim porque os que o ocupam, que deveriam responder somente e com o exemplo dos que os elegeram, se mostram tantas vezes indignos do cargo.

Choram os brasileiros não porque gostariam de ver o Congresso fechado, mas porque gostariam que fosse o que deveria ser pela Constituição, a casa do povo, com todos os sentidos abertos para ouvir os desejos e as dores das pessoas.

Choram porque em vez de oferecer um serviço à população dando exemplo de austeridade, porque o dinheiro gasto é das pessoas, fruto de seu trabalho às vezes pesado e mal remunerado, utilizam o cargo para aumentar seus privilégios, para enriquecer e enriquecer os seus. Choram porque parecem estar lá para pensar mais nos interesses pessoais e partidários do que nos problemas reais da nação.

Choram porque o que custam ao Estado, entre salário e privilégios, a maioria desnecessária e injustificável, acaba escandalizando os que precisam trabalhar duro para quase não chegar ao final do mês. Li que somente a lavagem dos carros oficiais dos deputados custa mais caro do que o orçamento separado ao Museu Nacional do Brasil.

Choram porque se perguntam se é necessário um Congresso com gastos bilionários com mais de 500 deputados quando na realidade os que estão verdadeiramente preparados à delicada tarefa de legislar à sociedade são uma pequena minoria. O restante passa anos sem produzir uma só lei importante, como foi o caso dos quase 30 anos como deputado do hoje presidente da República, Jair Bolsonaro, que já peregrinou por nove partidos menores e que sempre fez parte desse baixo clero que desprestigia a função sagrada do Congresso com suas maracutaias.

Choram porque gostariam que algum Governo tivesse a coragem de fazer uma profunda reforma da instituição sagrada do Congresso que representa os anseios de toda a sociedade. Uma reforma política séria, discutida com a nação, que reduzisse, por exemplo, a uma dezena os partidos políticos e não essa loucura de partidos sem identidade.


É o que estão pedindo os chilenos nas ruas contra os abusos dos políticos injustos e aburguesados mais preocupados em agradar o novo capitalismo excludente do que suas vítimas.

Choram os brasileiros porque gostariam de poder elegê-los com outro sistema eleitoral para que não chegassem ao Congresso candidatos que eles nunca teriam escolhido.

Querem um Congresso que seja capaz de escutar os gritos das ruas, os anseios mais verdadeiros das pessoas, de todos, não só de uma minoria de privilegiados.

Sim, choram os brasileiros porque gostariam de um Congresso mais sintonizado com os que mais sofrem, os sem trabalho, os das filas de espera da Bolsa Família, nos corredores dos hospitais, os que voltaram a cair na pobreza e até na miséria.

Choram os brasileiros das comunidades periféricas das cidades, carne de canhão de todas as violências juntas, a da pobreza e a do Estado incapaz de tirá-los de seu inferno e do da polícia, cada vez mais com carta branca para matar impunemente.

Choram os heroicos professores com salários de fome e seu assédio para que ensinem de acordo com as ordens do Governo e não com os critérios da moderna pedagogia para formar homens livres, capazes de se defender na vida contra a tirania das ideologias totalizantes.

Choram os trabalhadores que veem impotentes como perdem direitos conseguidos com tanta dor e tantas lutas ao longo de sua vida.

Choram os aposentados que precisarão trabalhar mais anos para compensar as aposentadorias dos privilegiados que continuarão aproveitando-as.

Choram os indígenas aos que pretendem expulsar de suas terras sagradas, de suas tradições, de sua sabedoria milenar para lançá-los ao inferno da alienação das periferias modernas.

Choram os artistas, os pensadores, os que fazem cultura, a quem desejariam castrar e domesticar sua criatividade que é o coração da democracia.

Choram as mulheres e todos os diferentes que não se encaixam nos modelos pré-fabricados pelo poder. Por que costumam ser eles os mais desprezados por todos os ditadores da história? Não será pelo medo que causam ao deixar a descoberto suas frustrações e misérias ocultas e inconfessáveis?

Esse é o pranto dos brasileiros que, apesar de ser vítimas de tantas injustiças, continuam confiando nas instituições e nos valores da democracia porque, os pobres, melhor do que ninguém, sabem que têm pouco a esperar da tirania dos ditadores.

Que não se iluda essa minoria de exaltados e saudosos do autoritarismo barato com vontade de voltar aos tempos das trevas que o Brasil já sofreu e condenou.

Não, os brasileiros não querem uma bomba H contra o Congresso como ironiza com raiva o filho deputado frustrado de Bolsonaro. Querem, pelo contrário, que alguém tenha a coragem de devolver a essa casa do povo sua verdadeira sacralidade para que deixe de ser, em expressão dura do evangelho, um “covil de ladrões”.

Que não se iludam Bolsonaro e família que os brasileiros sonhem como eles com modelos políticos autoritários. Essa país já viveu a atroz ditadura da escravidão e mais tarde a ditadura dos que fizeram da política um instrumento de domínio dos poderosos contra os mais fracos. Os brasileiros aprenderam a pensar e não querem ser transformados nos novos escravos dos modernos tiranos do momento.

Lembranças e tiroteios

Nascemos e fomos criados numa família que estava sempre esperando "qualquer coisa". "Qualquer coisa", no Recife, era um sinônimo de tiroteio, que se dizia discretamente, como uma senha, para não assustar as crianças, as mulheres e os velhos da casa. Os tios chegavam com os jornais debaixo do braço e sentavam mudos pelos cantos da sala. Os outros lhes faziam perguntas, com os olhos e eles, com os olhos, respondiam que, de fato, esperava-se "qualquer coisa".


Recife foi uma cidade que viveu em guerra até 1935. Guerra mesmo, com bandeiras, tiroteio e sangue, entre duas nações e dois povos, que se chamavam exército e polícia. O 21º Batalhão de Caçadores, ou 21, simplesmente, não se podia encontrar com a Força Pública Estadual – a polícia – que não houvesse tiroteio. Nunca houve uma Festa do Carmo, sem metralhadora cantando no vento alto da noite. Bala de fuzil assoviando nas cumeeiras das casas. Sinetas de ambulância, rua abaixo e acima. As novenas do Carmo iam bem até a oitava noite. Moças passeando de braços dados. Vestidos novos, tranças com laços de fita nas pontas. Piscar de olhos aos rapazes parados nas calçadas. Barracas de prendas sensacionais! Uma garrafa de vinho Telefone para quem lhe acertasse uma argola em volta do pedestal. Jogos vários e numerosos. Cisplandins, rodas fichets e jaburus. No jaburu, eram sete bichos e um tostão podia pagar até sete. Além disso, quem jogasse lua ou estrela ganhava quinze vezes mais. Nada mais fascinante que as rodas fichets (sei lá por que fichets, se o certo devia ser chamá-las de fichier – ficheiro), com 25 bichos pintados no oleado e mais as dezenas. Que pagavam oitenta vezes mais. O som de todas aquelas rodas, de todos aqueles dados, de todas aquelas vozes que apregoavam fortunas e felicidades, misturado à música dos carrosséis. A banda tocava dobrados inesquecíveis. Ah, o som dos pratos das bandas de música! Depois, os cheiros. As frituras de peixe, os beijus e tapiocas, os sarapatéis e os lumes de carbureto. O perfume das mangas-rosa, que o vendedor gabava ao apregoar:

– Olha a manga-rosa! A manga é pra comer! O cheiro é pra botar no lenço! Minha memória olfativa é a que mais resta. Também as aguardentes tinham nomes evocativos, que lembravam ou comemoravam engenhos e famílias, terras e senhores, escravos e sinhazinhas. As "monjopinas" do Engenho Monjope.

Era assim, em música e aroma, a Festa do Carmo, como eram todas as festas de rua, no Recife. As do interior, mais ricas ainda, por causa dos pastoris e dos bumbas-meu-boi. Em todas elas, o exército e a polícia, procurando um pé de briga. Tinha que ser na última novena, por volta da meia-noite. Bastava que um praça embriagado roçasse o ombro em outro praça. Um palavrão. A pancada de ferro, de um sabre contra o outro e, lá na esquina, já a metralhadora começava a cantar, como se estivesse esperando a ordem de fogo. As mulheres e as crianças começavam a chorar em vozes altas. Os homens, que sempre foram mais covardes, se metiam todos, ao mesmo tempo debaixo do coreto. Os que sobravam se deitavam no calçamento, com o rosto no chão, rezando jaculatórias. Quase sempre esqueciam um menino, que ficava sozinho na praça, andando como um tonto, sem chorar, sem saber direito o que estava havendo, chamando o nome da mãe, caminhando entre as balas, até que uma mulher de coragem viesse, de não sei onde, e carregasse com ele, para um pé de escada. De repente, a voz de um estudante, que arriscava a vida em cima de um caixão de querosene, para pedir, em nome de Deus e da Pátria, que parassem a fuzilaria. Um estudante de Direito, de cabeleira basta, a viver Castro Alves e Tobias Barreto. As moças o contemplavam com os olhos moles do amor. Um herói, de cujo coração saíam tantas palavras, era amado, em praça pública, no coração e na pele de todas as donzelas.

No dia seguinte, as primeiras notícias vinham nos jornais da manhã. O artigo de fundo, escrito pelo redator-chefe (não precisava assinar, todos lhe reconheciam o estilo flamejante) a responsabilizar o Governo pelas "tristes ocorrências", a lamentar o "sangue, que escorreu na calçada do Pátio do Carmo, sangue fraterno, perdido à toa, sem causa e sem motivo". As fotografias tiradas no pronto-socorro e nos quartéis. A portaria assinada pelo chefe de polícia e pelo comandante do 21. E, no fim de tudo, a advertência às famílias, para que fizessem reservas de mantimentos ou saíssem da cidade, porque, "lamentavelmente, a situação ainda era grave e as forças continuariam de prontidão". Em outras palavras, esperava-se ainda qualquer coisa. O tio mais pessimista, só ele, sabia das notícias que não saíam nos jornais. Homem soturno, que acreditávamos bem informadíssimo. Entrava, sentava-se à mesa e, quando lhe fazíamos, em volta, um público razoável, dizia, então, o que mais atemorizava:

– Minas está pegando fogo!

Foi assim que esperamos a "grande revolução", até outubro de 1930. Estávamos certos de que vinha de Minas, mas, começou lá mesmo, no Recife, sob o comando dos Lima Cavalcanti, após os discursos inflamados de João Neves, Luzardo e de Oscar Brandão, orador local e autor (se não estou enganado) da letra do Hino de Pernambuco: "Salve ó terra dos altos coqueiros, de beleza soberbo estendal. Nova Roma de bravos guerreiros, Pernambuco, imortal, imortal."

Anteontem, aqui no Rio, de madrugada, disseram que os tanques marchavam a caminho da cidade. Um alvoroço, em meu coração. Uma felicidade de criancice, porque todas as revoluções iam-se repetir dentro de mim e, com elas, minha casa, meus tios, meus irmãos, o manso olhar de minha mãe e todas as mangas-rosa de comer... cujo cheiro era para botar no lenço. Não vieram os tanques, não aconteceu nada e mais uma vez me convenci de que guerreiros mesmo só houve, no Brasil, os soldados da Força Pública e do 21º BC. Fomos dormir paulificados de não ter havido nada, já que tanto esperamos "qualquer coisa".

Antônio Maria, "O jornal de Antônio Maria"

A pequenez da Presidência

Bolsonaro parece agir como se tivesse ciência de sua inaptidão para exercer o elevado cargo e assim não vê alternativa a não ser rebaixar a instituição para nela caber
Opinião - O Estado de SP

Democracia infectada

O chavão diz que, no Brasil, o ano só começa depois do carnaval. Então, se Jair Bolsonaro resolveu ameaçar a democracia na terça-feira gorda, que ninguém esperasse uma grande reação até a outra segunda. Puxada por Fernando Henrique, Ciro Gomes e o decano Celso de Mello, porém, ela veio. Seguiu o padrão: o presidente da República atacou — reproduzindo vídeo convocando para manifestação contra o Congresso dia 15 — os integrantes das instituições deram declarações duras em resposta e Bolsonaro aparentemente ensaiou um recuo. Não houve golpe e a vida segue.


Só que as coisas não funcionam assim. A cada um de seus arroubos antidemocráticos, que vêm se repetindo, Bolsonaro inocula uma quantidade maior do vírus golpista no corpo do sistema político — que, infectado, tanto pode perder os movimentos e deixar de funcionar como ser tomado por uma convulsão. Há um perigoso efeito cumulativo em curso. Ainda que não se chegue a nenhum dos possíveis, embora improváveis, desfechos extremos — de um lado, o golpe; de outro, o impeachment — a saúde da democracia e o funcionamento de suas instituições vão ficando profundamente abalados.

Em meio ao agravamento da epidemia de coronavírus (que já chega ao Brasil), à estagnação da economia, ao risco de alastramento de motins como o da PM do Ceará, e de tantos outros problemas, o que o país menos precisa hoje é de uma democracia doente. Mas é isso o que terá numa situação em que o governo virou sinônimo de instabilidade, o Legislativo e o Judiciário vivem acuados por ameaças de milícias digitais bolsonaristas e as elites, perplexas, a tudo assistem caladas em nome da suposta esperança de botar de pé a agenda liberal de Paulo Guedes.

Uma vã esperança. O próximo sintoma da infecção da democracia será a paralisação de tais reformas no Congresso. Quem terá sossego para negociar uma reforma tributária nesse clima? Ou tratar das medidas da reforma administrativa? Ou votar a PEC Emergencial para botar as contas públicas em dia e atrair investidores para o país? Não virão. No mundo de hoje, ninguém investe numa democracia débil.

Não há sequer certeza se dose mínima de antibiótico para sobrevivência será ministrada. Bolsonaro recuou mesmo, ou está pronto para mais uma transmissão virótica? É bom notar que o presidente tergiversou ao afirmar não ter mandado convocação pública para a manifestação, e sim se limitado a reproduzir em lista pessoal do Whattsaap vídeos que recebeu. A turma dos panos quentes espalha que ele proibirá ministros de convocar ou participar do ato anti-Congresso do dia 15. Mas tudo indica que continuará na torcida. Desavisada, a atriz Regina Duarte já se juntou aos bolsominions no chamado pelas redes. Eduardo Bolsonaro, o filho do deputado, também injeta doses de veneno nessas veias.
Talvez a única forma de debelar a infecção, a esta altura, fosse um gesto simbólico. Quem sabe a demissão do personagem que criou a confusão mais recente, o general Augusto Heleno, que acusou os congressistas de chantagistas e sugeriu que os apoiadores do presidente fossem às ruas. Mas isso não vai acontecer, e a democracia vai continuar com febre.Helena Chagas

‘Custo Bolsonaro’ está envenenando a economia

Jair Bolsonaro deu sorte e até poderá culpar o coronavírus pela lenta recuperação da economia em um cenário de inflação e juros baixos, tão propício ao crescimento. Mas, que não haja engano, a culpa é cada vez mais dele.

Diante de algumas medidas econômicas acertadas e da pró-atividade do Congresso na aprovação da Previdência, fica nítido que o problema vem de cima: não passa uma semana sem que o presidente jogue água fria na confiança de empresários e consumidores.

Antes restrita à caricatura do posto Ipiranga, a falta de entendimento do presidente sobre a importância das expectativas em economia – e modo como ele atrapalha – vem ganhando contornos irreversíveis. O “custo Bolsonaro” impregnou o ambiente.



Como os seus 14 meses de governo demonstram, não resta muita esperança de uma transição mais tranquila em direção a um quadro de normalidade e confiança.

Ao contrário, a política tóxica de seu governo envenena o cenário econômico, como nos repetidos eventos em que o presidente e seus filhos, também políticos, desrespeitam o Congresso e outras instituições.

Depois de todo o trauma recente, como confiar na economia quando já se fala em crime de responsabilidade – e razões de impeachment – do presidente da República?

Ao contrário do que muitos de seus apoiadores e auxiliares acham, não se trata de acossar o presidente. Mas de respeito a uma Constituição que existe desde 1988, quando Bolsonaro nem vereador era.

Nas outras vezes em que o Brasil afundou em uma recessão, a recuperação deu-se em forma de V (queda e crescimento). Desta vez, com o corte radical na despesa pública diante do desarranjo fiscal, havia motivos para suspeitar que viveríamos uma espécie de U (queda, crescimento quase nulo por um tempo e recuperação).

Foi o que tivemos até o final de 2019. O PIB caiu forte em 2015/2016 e crescemos ao redor de 1% nos três últimos anos.

Por essa altura, o Brasil poderia estar crescendo bem mais, se não houvesse afugentado investidores, daqui e de fora, com polêmicas tão frequentes quanto inúteis – sujeitando a economia ao risco de um longo e constrangedor L, ou coisa ainda pior.