sexta-feira, 28 de setembro de 2018

A higienização petista

O ex-presidente Lula da Silva disse diversas vezes que “sempre” aceitou o resultado das várias eleições que perdeu. “Quando perdi, nunca fui para rua reclamar. Voltava para casa e discutia com minha mulher e com meu partido. Depois, me preparei para disputar uma nova eleição”, declarou em 2016 o demiurgo petista, repetindo pela enésima vez essa fábula na expectativa de enganar os inocentes. Pois Lula e o PT nunca aceitaram o resultado das eleições presidenciais que perderam e jamais enxergaram legitimidade nos presidentes aos quais faziam oposição - basta lembrar que o partido pediu o impeachment de Fernando Collor, de Itamar Franco e de Fernando Henrique, além de liderar uma campanha pela destituição do presidente Michel Temer.

Essa reiterada demonstração do espírito antidemocrático do PT e de Lula precisa ser relembrada no momento em que está em curso uma tentativa de higienizar a trajetória flagrantemente autoritária do partido e de seu líder para, com isso, marcar diferença em relação ao candidato Jair Bolsonaro (PSL). Segundo essa versão imaginosa, somente o truculento ex-capitão representaria uma ameaça real à democracia, enquanto o PT, malgrado seus eventuais arroubos, sempre se pautou pelas “regras do jogo”.

Provas disso, segue a lenda, seriam não somente a alegada disposição de Lula da Silva de aceitar os resultados das eleições que perdeu, como também o suposto comportamento exemplar do partido quando esteve no poder. Segundo se diz, o PT passou 14 anos no poder sem ameaçar a ordem institucional e a Constituição, razão pela qual não haveria nenhum motivo para temer uma ruptura se o lulopetismo voltar ao governo.


Já com Bolsonaro, sustenta essa narrativa, a história é bem outra. O ex-capitão já elogiou o regime militar e os torturadores de presos políticos, além de ter em sua chapa, como vice, um general que admite publicamente a hipótese de que o presidente da República dê um “autogolpe” se houver “anarquia”. Isso bastaria para demonstrar que o País estaria à beira de uma ditadura militar caso Bolsonaro venha a ganhar a eleição, enquanto com o PT esse risco não existiria.

Ora, não é preciso grande esforço para atestar a falácia de tal versão. Ameaças à democracia não se dão somente sob a forma de golpes militares clássicos, como o que Bolsonaro é acusado de estar tramando. É possível arruinar a democracia por meio de sua desmoralização paulatina e constante, como faz o PT sistematicamente há mais de três décadas.

O PT nunca admitiu contestação à sua ideologia. Impôs-se pela arrogância, patrulhando o pensamento e instaurando aquilo que John Stuart Mill, em seu clássico Sobre a Liberdade, chamou de “tirania da opinião e dos sentimentos dominantes”. Para isso, estendeu seus tentáculos sindicais e militantes às universidades e ao mundo artístico, atrelando o debate acadêmico e cultural à doutrina lulopetista. Quando esteve a ponto de ser destruído em razão dos muitos esquemas de corrupção que capitaneou - esquemas que, aliás, são também uma forma de minar a democracia -, o PT renasceu capturando a causa dos chamados movimentos identitários - de luta por reconhecimento de diversas minorias - e a transformou em arma partidária para dividir ainda mais o País. O PT viceja na discórdia radical e insuperável, inviabilizando o debate democrático.

Ademais, o partido não titubeou em fazer campanha sórdida, inclusive internacional, contra o Judiciário, o Congresso e a imprensa, classificando magistrados, parlamentares e veículos de comunicação como “golpistas” - todos, é claro, mancomunados para perseguir o PT. Não bastasse corroer a democracia por dentro, envenenando as relações entre os cidadãos e atacando as instituições, o PT ainda foi capaz de emprestar entusiasmado apoio a ditaduras como a de Cuba e a da Venezuela, sinalizando perigoso apreço por regimes de força tão ou mais violentos que a ditadura militar brasileira, a qual os petistas vivem denunciando.

A ameaça de Bolsonaro se restringe, por ora, a palavras toscas - e isso é muito ruim. Tão ruim quanto o PT, que já pôde demonstrar, na prática e extensivamente, seu espírito antidemocrático.

Pensamento do Dia


Sem nexo

O que aconteceria num país que teve quase catorze anos seguidos da mais ruinosa administração econômica que se possa imaginar, com direito à maior recessão na história de sua economia?

Além das repetidas tentativas de suicídio econômico, armou-se ao longo deste período o que provavelmente tenha sido o mais alucinante sistema de corrupção jamais visto na administração pública mundial.

A máquina do Estado foi privatizada em favor dos partidos que apoiavam os governos, primeiro o do ex-presidente Lula e depois o de Dilma Rousseff. Milhares de cargos públicos foram entregues a militantes do PT e outros coletivos de esquerda.


Bilhões de reais desapareceram do Tesouro Nacional e foram acabar nos bolsos de dirigentes de “movimentos sociais”, ONGs, governantes de países estrangeiros que não se submetem à lei internacional, ditadores africanos, filhos de ditadores africanos que são pegos na alfândega do Brasil com malas abarrotadas de dinheiro vivo.

O ex-presidente está na cadeia, condenado a doze anos por corrupção e lavagem de dinheiro. Estão presos ex-ministros, diretores de estatais e outros barões do seu governo, quase todos réus confessos ─ e por aí afora. Muito bem.

A única resposta possível para a pergunta feita no parágrafo inicial, dentro da lógica comum, é a seguinte: na primeira eleição que aparecesse, os responsáveis diretos pelas calamidades descritas acima receberiam da maioria dos eleitores uma ordem clara de cair fora do governo e ficar o mais longe possível dele, de preferência para sempre. Mas o país dessa história é o Brasil, e no Brasil as coisas raramente fazem nexo.

O problema não está tanto no comportamento do eleitorado, que segundo as “pesquisas de intenção de voto” põe numa situação privilegiada, quase de favorito, o candidato que promete abertamente ressuscitar a catástrofe dos governos Lula e Dilma.

Num eleitorado em que a maioria dos 150 milhões de votantes não têm nenhum preparo para escolher nada, qualquer farsante bem treinado para mentir mais que os outros candidatos sempre terá chances excelentes de ganhar.

O curioso, na atual eleição presidencial, é que grande parte da elite empresarial brasileira ─ aquela que se imagina mais avançada, vê a si própria como merecedora de uma cota de sócia no mundo civilizado, lê os jornais e revistas de Nova York ou Londres, etc., etc., etc. ─ esteja achando que o candidato que promete voltar ao governo passado é o mais adequado para ocupar o governo futuro.

Não que Fernando Haddad seja o homem ideal, claro.

Nossos mais distintos magnatas e seus guias espirituais prefeririam um Emmanuel Macron, digamos, ou coisa que o valha; mas Monsieur Macron não está disponível. A saída, então, é se arrumar com esse Haddad mesmo. É verdade que ele tem, entre todos os candidatos, o mais bem armado projeto de destruição do Brasil.

O que se vai fazer, porém?

A alternativa é eleger um homem de extrema direita ─ e isso deixa passando mal os nossos capitães de indústria, comércio e finanças ─ ou, pelo menos, é o que dizem. Haddad, imaginam, é uma pessoa com quem daria “para conversar”.

De mais a mais, é essa a instrução que recebem no momento do The Economist─ e nos últimos anos, por razões de ordem psicológica que talvez sejam melhor esclarecidas no futuro, o The Economist virou uma espécie de Almanaque Capivari para os empresários brasileiros da modalidade “civilizada-liberal-contemporânea”.

Acreditam no que é publicado ali como se acredita na tábua de marés da Marinha Nacional ─ e ali estão dizendo que Haddad, além de ter sido um prefeito “de êxito” em São Paulo, poderia inclinar-se para uma abordagem mais liberal da economia. Quem pode levar a sério um disparate desses?

Mais gente do que você pensa.

Empreiteiros de obras públicas, banqueiros preocupados em manter o monopólio que tanto dinheiro lhe deu nos governos Lula-Dilma, fornecedores de sondas nacionais para a Petrobras, Joesleys, Eikes e todo o resto da turma estão prontos para assinar embaixo.

O mau vem do pior

Os piores males que a humanidade já teve de suportar foram infligidos por maus governos
Ludwig von Mises

O voto nos tempos da cólera

Um fato notável desta eleição é o derretimento das forças políticas de centro. O Brasil se dividiu entre direita e esquerda, sem espaço para discurso moderado. O debate se radicaliza, se é que existe debate. Não deveria ser surpresa, já vimos acontecer em outros cantos do planeta. É assim que funciona a nossa cabeça no tempo das redes sociais, um mundo guiado por sinais binários, 'like' ou 'dislike'.

A tecnologia digital mudou o mundo. Mudou, especialmente, a organização dos meios de comunicação, talvez os primeiros a sentirem as transformações. A indústria fonográfica desapareceu. Jornais, revistas e editoras são fechados a cada semana. As TVs enfrentam a competição do streaming. Google, Facebook, Amazon, Netflix estão entre as maiores empresas do mundo. Não há mais representantes das mídias tradicionais nesta lista.


O meio é a mensagem, pregava Marshall McLuhan, maior interprete da comunicação de massa, na Galáxia de Guttenberg. Ainda repetimos o enunciado. Mas a revolução da tecnologia permitiu a multiplicação dos canais de comunicação. Todos temos voz através do Facebook, do Whatsapp, do Twitter, do Youtube, do Instagram... Os meios perderam sua exclusividade. A comunicação se faz de forma direta, sem a intermediação de um “veículo” de comunicação. Eu sou a mensagem, talvez seja mais apropriado dizer hoje em dia.

A comunicação direta tem uma lógica diferente daquela que pautou os meios de comunicação, desde a invenção da imprensa. Os jornais tinham a tarefa de exercer a curadoria sobre os fatos que seriam reportados. Para tanto, criaram regras e normas de conduta. Como mostrar todos os lados da notícia, checar fatos e procurar o contraditório.

Na comunicação direta não existe este compromisso. As mensagens de Trump pelo Twitter são a essência de seu pensamento. Não há espaço para ouvir o outro lado, ou checar fatos. Não foi por acaso que se tornou o campeão das fake news e dos fatos alternativos.

Se alguém quiser contestar, que use outros canais. E, no caso americano, para Trump, qualquer outro canal será um “traidor vendido”, mesmo que seja uma instituição da liberdade de pensamento, como o New York Times.

Se o meio é a mensagem, as mídias sociais começam a modelar nosso pensamento. Elas são diretas, carregam uma mensagem clara, sem nuances. Estão endereçadas a um grupo de seguidores, que, por definição, estão alinhados com o pensamento que expressam. A mensagem é espalhada em rede, construindo uma comunidade. Quem recebe o texto tem duas opções, aprovar ou criticar.

Quem trabalha com redes sociais sabe que este é um território pautado por 'lovers' e 'haters'. O que faz com que um assunto ou outro apareça entre os mais vistos é a manifestação de “apoiadores” e “detratores”. São os que se expressam e dominam a rede, ainda que não sejam maioria. A tradução é imprecisa, mas a denominação é apropriada, porque revela a disposição de trabalhar por uma causa, sem questionamentos, sutilezas ou limites. Está dado o território do vale-tudo, no qual cada um cuida da sua mensagem e tenta destruir a mensagem do outro. Parece com alguma coisa que estamos vivendo?

Nestas eleições, pelo que nos revelam as pesquisas até agora, o PSDB viu escapar entre seus dedos o histórico de antagonismo ao PT. Pouco adiantou para Alckmin a construção de uma aliança capaz de garantir metade do tempo de televisão. O seu eleitor quer um discurso mais duro: quer prender bandidos, não quer disputar vaga de trabalho com mulheres, negros e minorias, quer alguém que reordene o mundo e acabe com “os vermelhos”. Bolsonaro roubou seu discurso.

Do outro lado, Ciro gostaria de herdar parte do legado eleitoral de Lula. Mas evitou radicalismos, tentou se apresentar mais moderado, menos intempestivo que nas suas últimas aparições. Pontuou bem nas pesquisas até Haddad assumir os votos de Lula. Chegou a se apresentar como uma terceira via, até para eleitores do PSDB. Marina teve estratégia parecida. Mas foi pulverizada pela radicalização da disputa.

Veja que, nesta conversa, não há espaço para discutir os candidatos, currículo, preparo, partidos, trajetórias, projetos, nada. Não importa se um desdenha da Constituição e outro segue a liderança de um preso. Não há conversa. É direita e esquerda. Bolsonaro e Haddad não chegam a ter 30% da intenção de votos. Juntos têm metade do eleitorado, apenas. Mas arrastam o voto de quem é contra um ou outro. #ForaPT,#Elenão. Não é à toa que o índice decisivo do pleito não é a preferência pelo candidato, mas a sua rejeição. Aí, sim, os candidatos arrancam a manifestação de quase 80% dos eleitores.

Quando o eleitor for votar, domingo, 7 de outubro, vai tratar a urna como se acostumou a se relacionar com o seu celular. Vai clicar 'like' ou 'dislike'. Resta saber que voto vai prevalecer: o quero ou o não quero. O voto raivoso é sempre perigoso.

Do velho Eça


Dez dias decisivos

O norte-americano John Reed (1887-1920) é um grande mito do jornalismo político. Filho de um milionário de Portland, formou-se em Havard e se tornou repórter. Após aderir às ideias socialistas, resolveu escrever reportagens sobre os movimentos sociais da sua época, o que lhe valeu algumas prisões e o levou ao México, em 1914, para fazer a cobertura da revolução liderada por Pancho Vila, de quem se tornou próximo. Depois, virou correspondente nos campos de batalhas da Primeira Guerra Mundial, nos Países Baixos, na Alemanha, na França, na Romênia, na Bulgária, na Turquia e na Grécia, até chegar à Rússia, o que lhe possibilitou escrever a sua obra mais famosa: Dez dias que abalaram o mundo.

O pequeno livro, narrado no calor dos acontecimentos em forma de crônicas, é a obra seminal da reportagem moderna, considerado pela Universidade de Nova York como um dos 10 melhores trabalhos jornalísticos do século XX. Reed acompanhou de perto a atuação dos principais líderes da Revolução de Outubro, entre os quais Lênin e Trotsky, no curto período de tempo da insurreição que levou os bolcheviques ao poder. Reed chegou a Petrogrado (São Petersburgo) em agosto de 1917 e permaneceu na Rússia até morrer, em 17 de outubro de 1920, em Moscou. Sua narrativa da Revolução Russa lhe valeu um enterro com honras junto às muralhas do Kremlin, onde seu túmulo é visitado, diariamente, por milhares de turistas.

“Jack” Reed, como era chamado, até hoje inspira jovens repórteres. Seus livros renderam dois clássicos do cinema: Outubro (1927) e Viva México! (1931), de Sergei Eisenstein. Em 1981, Warren Beatty dirigiu Reds, no qual conta a vida do jornalista romântico e revolucionário, cujo papel interpretou no filme. Dez dias que abalaram o mundo encheu de esperanças e frustrou gerações ao longo de um século; sua releitura mostra a essência de tudo o que viria a acontecer depois da tomada do poder, inclusive os “vícios de origem” que levaram o modelo socialista ao colapso.


Vivemos num mundo muito diferente daquele que Reed nos relatou em seus livros. Sem dúvida, muito mais conectado do que aquele no qual os acontecimentos eram descritos por meio de cartas e telegramas, fotos e filmes em preto e branco. O que vai acontecer nos próximos dias ninguém sabe. O que se anuncia é um formidável choque de concepções e interesses, num processo eleitoral radicalizado, de desfecho imprevisível quanto ao vencedor. Não é algo que emergiu no processo eleitoral, muito pelo contrário, vem se anunciando desde 2013, quando ficou patente o descolamento entre a sociedade e sua representação política. Até agora, os mecanismos constitucionais existentes foram capazes de absorver essas tensões, inclusive as do impeachment da presidente Dilma Rousseff e as da Operação Lava-Jato.

O que acontece no Brasil desperta amplo interesse na imprensa internacional. Não é fácil entender muito bem a trama da política brasileira, com seus pontos fortes e fracos. Na abertura da Assembleia Geral da ONU, na terça-feira, chefes de Estado de todo o mundo ouviram o presidente Michel Temer anunciar que passará o poder ao futuro presidente eleito com o país em ordem e a economia funcionando. Para quem acreditou na narrativa do golpe, nada como a teimosia dos fatos para demonstrar que vivemos numa democracia robusta.

Desperta certa inveja entre as nações a realização de eleições livres cujas urnas são apuradas no mesmo dia, sem fraudes, com o povo escolhendo seus representantes pelo voto direto e secreto. Como entender a polarização política protagonizada por um político preso, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cuja candidatura foi impugnada, e Jair Bolsonaro (PSL), um ex-capitão do Exército, que está hospitalizado em razão de uma facada recebida em plena campanha eleitoral, sem que tais fatos não tenham causado uma guerra civil ou um golpe militar? Tudo indica, pelas pesquisas divulgadas ontem, que teremos segundo turno. É um bom sinal, pois isso significa que haverá necessidade de moderação e entendimentos políticos no futuro próximo, ainda que nestes 10 dias que faltam para o primeiro o turno a radicalização persista.