quinta-feira, 4 de junho de 2015

O 'tapete' santo

elvis

Tudo dentro da lei...

Nossa agremiação recebeu propinas pagas a obras não realizadas e contratos superfaturados, mas tudo impecavelmente aprovado pelos tribunais da Terra e dos céus

Somos legalizantes, legalistas, legalóficos e legalomaníacos. Cremos que a vida social e seus costumes mais arraigados; ou os seus laços mais sagrados, mudam com a lei. Mudamos a lei para não mudar o nosso conforto e a nossa perene má-fé. Em outras palavras, para não segui-la.

Vivemos recessão, inflação e depressão causadas pelos nossos projetos onipotentes, mas tudo dentro da lei. Ficamos imensamente ricos roubando contratos e emitindo notas falsas, mas de acordo com um programa e, é lógico, dentro da lei. Ultrapassamos todos os limites dos nossos papéis de administradores temporários dos bens públicos e confundimos nossas vidas com instituições do partido e do Estado, mas de acordo com a lei.

A mentira em nome do povo tem sido a nossa moeda corrente, mas tudo dentro da lei. Preferimos dar cargos públicos a gente nossa, gente boa, gente do nosso coração, alijando pessoas capacitadas, mas tudo dentro da lei. Encorajamos a confusão entre o pessoal e o público, o local e o nacional, o nacional e o internacional, mas tudo dentro da lei. Tentamos controlar a maquina pública naquilo que ela pudesse nos prejudicar e em tudo que ela pudesse nos ajudar, mas tudo dentro da lei.

A lei nos agasalha, protege, guia e nos ajuda a acusar, a patrulhar e a perseguir os nossos inimigos.

Somos, acima de tudo, legais.

Bons companheiros e camaradas. Amigos de cofre e de mesa, de boa arte e comidas. Tudo dentro da lei. Transformamos interesses pessoais e partidários em leis e instituições, dentro da lei.

Combatemos o bom combate eleitoral usando tudo o que estava e não estava ao nosso alcance, mas dentro da lei. Rigorosamente dentro da lei. Nossa agremiação recebeu propinas pagas a obras não realizadas e contratos superfaturados, mas tudo dentro da lei. Tudo impecavelmente aprovado pelos tribunais da Terra e dos céus.


Aliás, antes de existir o mundo, as pessoas, os bichos, o vasto oceano, as montanhas, as tempestades; os terremotos, as cheias e as secas; a neve, a chuva e o sol de rachar. Antes da praia e do mar azul que poluímos; antes do arroz com feijão, da pipoca, do pirão, do peixe frito e da empada. Antes do cachorro-quente, do circo, da novela, da bossa nova e do carnaval. Antes da guerra, das grandes e pequenas batalhas, inclusive as de confete. Antes da tortura e da Abolição da Escravatura. Aliás, antes mesmo da Linha de Tordesilhas que dividia o mundo entre Espanha e Portugal; e antes do Brasil, havia a lei.

Ela nasceu de um buraco negro e criou a realidade. Construindo-a, ela permite desfazê-la. A nosso gosto e prazer, é claro. Sem amor ou ódio, sem proposito ou alvo, pois a lei é paras todos. Mas, como diz a própria lei, ela é mais para nós do que para eles.

Nossa fraternidade — há quantos anos eu te conheço? — é melhor e, sejamos legais, muito mais honesta e correta do que a deles. A lei pende sempre para o nosso lado, mesmo que ela tenha essa mania estúpida e liberal de ser para todos.


Seria ilegal tratar o querido companheiro como todo mundo. Como reza a lei, a igualdade não é possível. A honestidade, então, nem é bom falar. Ambas são um ardil liberal-capitalista desenhado pelo mercado. Ouça uma coisa e espalhe outra. Assim criaremos um mundo mais justo e perfeito. A boa-fé e a verdade são para o outro mundo.

No mundo do poder pode-se até mesmo esquecer e anular os crimes e a História, desde que seja dentro da lei. A prescrição como figura legal é uma engenhosa máquina do tempo. Com ela, fazemos o tempo retornar para anular crimes. Até Hitler teria sua prescrição especial e compreensiva entre nós.

Lei, lei, lei e lei. Contra a verdade, a lei. Contra a ingenuidade, a lei. Contra o outro, a lei. Contra a boa vontade, a lei. Não insistam: nosso maior adversário não são o crime e a ausência de responsabilidade pública encapsulados imbecilmente como um moralismo barato e de direita: é a lei. Vamos revoga-la? Jamais. Vamos, isso sim, reformá-la e usá-la em nosso benefício como sempre temos feito. O legal é maior que o justo e o real. Adoramos a lei em sua majestade paragrafada, subdividida em sentenças claras, escrita por linhas tortas, mas sempre certas quando nós a temos nas mãos e a aplicamos. Na mentira, na hipocrisia e, acima de tudo, na desfaçatez, fiquem sempre com a lei e pela lei. Somos por todas as legalidades, inclusive e sobretudo pela legalidade da ilegalidade.

Somos um dos países mais corruptos, injustos e desiguais do mundo, mas temos um orgulho: estamos sempre dentro da lei!

Roberto DaMatta 

Lição de Brasil

Por que os fundos de pensão do Brasil perderam 31 bi em 2014?


Em agosto de 2003, o então presidente Lula reuniu seus ministros e os presidentes de Funcef (Caixa Econômica), Previ (Banco do Brasil) e Petros (Petrobras), os três maiores fundos de pensão do país, para pedir a colaboração no financiamento de projetos de infraestrutura no país. Desde então, esses e outros fundos de previdência complementar com patrocinadores públicos se tornaram protagonistas de vários projetos governamentais, como as recentes concessões de aeroportos à iniciativa privada, mas também passaram a levantar suspeitas sobre a forma como são geridos. Após dois anos seguidos de resultados negativos (de 22 bilhões de reais em 2013 e 31 bilhões de reais em 2014), o cerco se fecha contra os fundos, que devem ser alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Congresso Nacional.

Na época em que Lula pediu o auxílio desses investidores, os então 361 fundos de pensão do país (de patrocinadores públicos e privados) detinham um patrimônio de 208 bilhões de reais. Hoje, os cerca de 320 somam 704 bilhões de reais e ostentam o oitavo patrimônio mundial do setor, atendendo a sete milhões de pessoas. O aparente sucesso, resultado de uma rentabilidade de quase 300% nos últimos 11 anos, não parece capaz de blindar os planos após o segundo déficit consecutivo do setor, principalmente depois de o Postalis, fundo de pensão dos Correios, fechar o terceiro ano seguido com resultado negativo, desta vez de 5,6 bilhões de reais, como consequência de duvidosos investimentos em títulos públicos da Venezuela e da Argentina e nas empresas do empresário Eike Batista, entre outros (leia "Quem paga a conta?").

Tem sido muito forte a vontade de se desligar e deixar tudo para trás


A advogada e cientista política Sandra Starling, o advogado e professor Sacha Calmon e eu, este pobre escriba, na semana passada, em artigos de jornal, manifestamos não só opiniões, mas sentimentos semelhantes. Ou seja: sem nenhum trato prévio, acertamos na temática do que escrevemos. Coincidência ou comunhão de ideias?

Por uma ou por outra, a expressão “está tudo muito estranho” foi usada por Sacha e por mim. Sacha a ouviu do ministro Marco Aurélio Mello, eu, da minha fadiga crescente, que, na verdade, não é só minha, mas de nós três, que temos hoje, ao nosso lado, o apoio declarado de uma multidão de brasileiros cansados e decepcionados, dentre os quais se destacam jornalistas e intelectuais que ainda falam…

Sacha manifestou enorme cansaço não apenas nas entrelinhas do que escreveu, mas também no e-mail que me enviou dizendo que meu artigo “exprimiu o nosso desencanto” – meu, dele e, também, da ex-candidata ao governo de Minas e ex-deputada federal pelo PT (do qual se desligou). No final do e-mail, me confessou que tem tido “vontade de parar e ir embora”. Só não capitula e se manda, completou, porque se acha “no dever de denunciar”. Sandra Starling, em seu artigo, confessa que pensou “em intitular como um circo o que anda acontecendo no Congresso. Mas os circos merecem meu respeito e minha saudade. Um mau teatro? Dele podemos escapar: é só não ir”.

Fiz questão, na terça-feira passada, de ficar ligado ao que discursavam as Suas Excelências que integram a Câmara Federal e o Senado. Ora ouvia os deputados, ora os senadores. Que tristeza! E, antes de ler o artigo de Sandra Starling – que se refere ao incrível caso do ex-senador Gim Argello (“quase” ministro do TCU, pelas mãos de Dilma e Renan…), que sumiu do mapa para dar lugar ao cidadão Jorge Afonso Argello, seu nome verdadeiro, que o levará, pelo menos por algum tempo, ao anonimato –, concluí comigo mesmo: como existe o mau teatro, o mau cinema, há também, Sandra, o mau circo. O nosso atual Congresso Nacional não passa de um circo mambembe, vale dizer, de má qualidade, medíocre, ordinário. Mas ele reflete, continuei concluindo comigo mesmo, e com muita precisão, o que de fato somos.

Vai daí que esbarro, antes de preparar estas linhas, com a entrevista da ex-porta-voz da agência das Nações Unidas para refugiados Laura Boldrini. A italiana deixou o cargo e se candidatou à Câmara Federal do seu país. Eleita deputada, logo após iniciados os trabalhos, ela assumiu a presidência da Casa. Dentre as boas coisas que disse, principalmente sobre financiamento de campanhas, nos brindou com esta concisão: “A política é o espelho da sociedade. Se há problema de corrupção na política, significa que também há na sociedade”. E é disso que se trata: a sociedade brasileira está doente. E não é de agora. Em qualquer setor, privado ou público, a corrupção grassa. A doença se agrava de maneira espantosa. A política, pós-ditadura militar, sepultou vocações e deu vida ao que há de pior. O estudo das causas fica para os cientistas, mas uma coisa precisa ser dita logo: o Brasil sofre a ausência de lideranças efetivas, desprendidas, convincentes, honestas – qualidades próprias do homem público, cujo objetivo é só um: o bem comum. Uma expressão chata! Coisa de velho!

E o problema não está apenas no PT. Está em todos os partidos. Deixemos de hipocrisia e comecemos o tratamento pela sociedade. Por nós, eleitores, que somos os maiores responsáveis!

Brasil, o filho pródigo caiu em si?

Quando decidi renovar meu velho blog, dando a ele o formato atual em www.puggina.org, escolhi duas frases para aparecerem intermitentemente na “testa” do site: “O bom liberal sabe que há princípios e valores que se deve conservar” e “O bom conservador deve ser um defensor das liberdades”.

Creio nisso e me vejo, como católico, identificado com as duas vertentes. A liberdade é um dom esplêndido, que Deus respeita como atributo de suas criaturas muito mais do que elas mesmas costumam respeitar. E as responsabilidades que obviamente advêm da liberdade recaem sobre os indivíduos, sobre as pessoas concretas e não sobre grupos sociais, coletivos ou sistemas como alguns querem fazer crer.

É aí que entram os valores que balizam as condutas individuais e, por extensão, a ordem social e os códigos. É socialmente importante saber conservar o que deve ser conservado e mudar o que deve ser mudado. O bom conservador rejeita a revolução, a ruptura da ordem, a substituição da política pela violência, reconhece o valor da tradição e aprecia a liberdade como espaço para realização digna dos indivíduos e dos povos.

Não é por outro motivo que o movimento revolucionário e os que com ele colaboram atacam vigorosamente uns e outros. Liberais e conservadores são identificados, corretamente, como os adversários a serem vencidos. Essa batalha se trava no mundo da cultura. Gramsci descobriu isso e fez escola. Seus discípulos brasileiros, ditos intelectuais orgânicos, em poucas décadas tomaram o sistema de ensino das mãos dos educadores cristãos, inclusive na maior parte das instituições confessionais.

Nos anos setenta, incorporaram-se a essa tarefa inúmeros novelistas, diretores e produtores de programas de televisão em canal aberto. Tratei deles em meu artigo anterior “Acabou! Acabou! ”. Enquanto o comunismo era propagandeado como expressão sublime da bondade humana (!), coube àqueles profissionais a tarefa de destruir os valores da sociedade, em ação de lago espectro. Assim, foram zombando do bem, exaltando o mal, pregando a libertinagem e depreciando tudo que merecesse respeito. Foi um longo e bem sucedido processo de destruição moral do qual a corrupção que hoje reprovamos é mero subproduto. A população de patifes, canalhas e sociopatas aumentou em proporções vertiginosas.

Houve um relaxamento até mesmo entre as consciências bem formadas. Gravíssima a omissão de quantos a isso deveriam resistir, nas famílias, nas escolas, nas igrejas e nas instituições! Devemos reconhecer, então: há muito mais culpados entre os omissos do que entre os efetivos agentes do processo de destruição dos valores. As liberdades recuaram simultaneamente porque esse era o objetivo final do projeto de dominação cultural: estabelecer a hegemonia política, com o Estado avançando sobre as autonomias dos indivíduos, das famílias e da sociedade e das liberdades econômicas. Foi assim que assistimos, durante décadas, sucessivas derrotas dos conservadores e dos liberais, tão numerosos quanto acomodados.

Felizmente, a cada dia que passa, cresce o número de brasileiros conscientes das causas da desgraça que acometeu a sociedade brasileira. São as pesquisas que o indicam com clareza. Foi tamanha a lambança, tão generalizada a degradação moral, tão impertinentes os abusos do Estado, a cascavel, enfim, tanto agitou seu chocalho que acabou despertando as consciências de sua letargia. A nação dá claros sinais de estar refletindo sobre o que fez de si mesma.

 Percival Puggina 

BNDES esquece o Brasil para subsidiar países amigos do PT

Para quem conhece o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social e trabalhou lá, é inacreditável o festival de protecionismo oferecido pelos governos de Lula e Dilma Rousseff a países da América Latina e da África. Nunca antes, na História deste país, houve tamanha libertinagem com os recursos públicos manejados pelo BNDES, que opera com repasses do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) e do Tesouro Nacional, através de títulos públicos remunerados como a taxa Selic, que atualmente é de 13,25%.

Levantamento realizado pela revista Veja mostra que 70% dos 11,9 bilhões de dólares emprestados entre 2007 e 2014 a esses países foram financiamentos a juros abaixo de 5% ao ano. Isso equivale a 58% dos 516 contratos firmados no exterior neste intervalo.

Diante desses juros ridículos, inacessíveis a qualquer empresário brasileiro, fica explicada a insistência do BNDES e do governo em tentar manter ilegalmente em sigilo as operações do banco de fomento, com a presidente Dilma Rousseff até mesmo arriscando seu mandato, ao vetar irregularmente uma lei aprovada no Congresso para dar transparência aos financiamentos.

O fato é que nos governos do PT os empréstimos do BNDES foram tornados secretos, apesar de existir expressa obrigatoriedade de divulgação na Lei do Sigilo Bancário, que o governo insistiu em descumprir, sujeitando a presidente Dilma à cassação por crime de responsabilidade, vejam a que ponto chegou a insensatez destas autoridades.

Segundo a revista Veja, “do total de 682 milhões de dólares que a instituição liberou para a construção do Porto de Mariel, na ilha dos irmãos Castro, 400 milhões de dólares foram cedidos a um custo entre 4,4% e 4,8% ao ano – abaixo da TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo) e do custo de captação do FAT”. No caso da Venezuela, a operação foi semelhante.

As condições dos empréstimos para Cuba, Venezuela e outros países amigos não são “normais”. Pelo contrário, são absolutamente “anormais”. Nos mais baratos financiamentos do BNDES para empresários nacionais ou estatais com o a Petrobras, não existem juros abaixo de 5%, porque é cobrada a TJLP, que hoje é de 6% ao ano, mais a taxa de apoio financeiro, por volta de 1,5%, acrescida da taxa de risco, em média de 1,0, já atingem um total de 8,5%.


Como os juros cobrados aos países latino-americanos e africanos são inferiores à TJLP, isso significa que o Brasil está subsidiando o desenvolvimento dessas nações, ao invés de estar fomentando a economia nacional, que por lei é (ou seria) a finalidade única do BNDES. Mas que importância tem a lei para os governos do PT?

O BNDES sempre foi implacável com relação a garantias. Foi o que salvou o banco de uma exposição maior no caso das empresas de Eike Batista, cujo prejuízo principal ficou com os bancos comerciais que intermediaram as operações.

No caso dos empréstimos a Cuba, segundo o jornalista Claudio Tognoli, do Yahoo, as garantias são oferecidas pelo próprio governo brasileiro, através de um fundo garantidor que é gerido pelo BNDES.

“Entrei no site do BNDES Transparência e chequei o seguinte: os empréstimos a Cuba são tutelados por esse fundo garantidor, que é do Ministério da Fazenda do Brasil”, escreveu Tognoli.

Não é preciso dizer mais nada. E não vai acontecer nada, porque estamos num país de cidadãos politicamente emasculados, digamos assim.

Dilma premia com sinecuras que a ajudou a se reeleger

A presidente Dilma Rousseff é grosseira. Trata mal seus subordinados. E devota um desprezo especial aos políticos. Mas ingrata não é. Nem mesmo com Lula, por mais que ele se queixe.

A merecida fama de pessoa grata foi reforçada, ontem, com as nomeações de Maurício Requião e Roberto Amaral para conselheiros da usina Itaipu Binacional (Brasil-Paraguai).


Maurício, psicólogo, professor, é irmão do senador Roberto Requião (PMDB-PR). Em 2008, quando governava seu Estado, Requião nomeou Maurício conselheiro do Tribunal de Contas do Estado.

O emprego era vitalício. Maurício ganharia R$ 26 mil mensais e teria direito a auxílio-moradia no valor de R$ 4,3 mil, carro com motorista e gasolina, além de outros benefícios.

O sonho de Maurício não durou muito. Acabou afastado do cargo pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Sua nomeação feriu a lei que proíbe o nepotismo – o emprego de parentes de primeiro grau.

Dilma deve muitos favores ao senador Requião. No ano passado, ele se candidatou ao governo e apoiou a reeleição dela. No Senado, ajudou-a a aprovar o nome do jurista Luiz Fachin para vaga no STF.

Roberto Amaral não fica atrás no número de favores que Dilma lhe deve. E não somente ela. O PT também. E o próprio Lula. Amaral sempre foi um petista (ou lulista) infiltrado no PSB.

Em 2002, presidente do PSB de Miguel Arraes, Amaral concordou com o apoio do partido à candidatura de Garotinho a presidente da República. Arraes quis e pronto. Estamos conversados.

No segundo turno, Amaral empurrou o PSB para apoiar Lula contra José Serra. Uma vez eleito, Lula retribuiu promovendo Amaral a ministro da Ciência e Tecnologia.

Foi substituído antes do fim do primeiro mandato de Lula. Amaral defendeu a produção da bomba atômica brasileira. Uma asneira! Para preservar a imagem do governo, Lula mandou-o embora.

Voltou-se a saber de Amaral quando Dilma se elegeu pela primeira vez apoiada pelo PSB de Arraes e do Eduardo Campos. Dilma deu-lhe a mão. E Amaral ganhou uma sinecura. Uma não. Duas.

Amaral tornou-se membro do Conselho de Administração da Itaipu – o mesmo emprego que agora voltará a ocupar. E membro também do Conselho de Administração da Nuclebras

Embolsando por mês algo como R$ 40 mil, Amaral ficou nos dois empregos até o PSB lançar a candidatura de Eduardo a presidente. O partido obrigou-o a devolver os cargos ao governo.

Amaral tudo fizera para demover Eduardo da ideia de sair candidato. Depois da morte dele na queda de um helicóptero, tudo fez para que o PSB não apoiasse a candidatura de Marina Silva.

No segundo turno, defendeu que o PSB não apoiasse nem Aécio nem Dilma. Mas quando o partido decidiu apoiar Aécio, Amaral lançou uma nota apoiando Dilma e criticando o PSB.

Ele e Maurício Requião ganharão, cada um, R$ 20.804,13 mensais para participar de ao menos seis reuniões anuais do Conselho de Administração de Itaipu, uma a cada dois meses.

Receberão ainda remunerações variáveis como diárias de viagem e bônus por lucro, conforme ocorreu com o ex-conselheiro de Itaipu e ex-tesoureiro nacional do PT João Vaccari Neto.

Réu por corrupção e lavagem de dinheiro na Operação Lava Jato, Vaccari deixou o posto de conselheiro em janeiro e foi substituído pelo secretário-geral da Presidência Giles Azevedo, amigo de Dilma.

Nos últimos sete anos, Vaccari declarou à Justiça Federal renda bruta de 3,4 milhões de reais – mais da metade, cerca de 2 milhões de reais, vieram de rendimentos de Itaipu.

O novo-velho emprego de Amaral não exigirá muito dele – pelo contrário. Basta que referende as decisões tomadas pela diretoria executiva do capítulo brasileiro da hidrelétrica. Moleza!

A diferença

Paralelos são melhores para identificar diferenças do que para iluminar semelhanças. Na Itália, o partido da esquerda desempenhou papel relevante, mas acessório, na derrota dos juízes de Milão. No Brasil, o lulopetismo é a principal ameaça às investigações conduzidas pelo juiz e pelos procuradores de Curitiba.
Demétrio Magnoli 

País dos desdentados

Quase 75% dos atendimentos de saúde bucal aconteceram na rede privada, diz pesquisa do IBGE

O Brasil tem 11% da sua população sem nenhum dente, o que corresponde a um montante de 16 milhões de pessoas. Entre as mulheres, essa porcentagem sobe para 13,3% e, entre os homens, cai para 8,4%. Das pessoas com 60 anos ou mais, 41,5% já perderam todos os dentes. E 22,8% dos brasileiros sem nenhuma instrução ou sem ensino fundamental concluído estão completamente desdentados 

Além disso, 23% dos brasileiros perderam 13 dentes ou mais, e 33% usam algum tipo de prótese dentária.Os números constam da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), divulgada nesta terça-feira pelo IBGE, que, em convênio com o Ministério da Saúde visitou cerca de 80 mil domicílios, em 1.600 municípios de todo o país no segundo semestre de 2013.

A pesquisa também mostra que o atendimento odontológico no país acontece majoritariamente na rede privada. Entre os brasileiros com mais de 18 anos que buscaram atendimento de saúde bucal, 74,3% recorreram a consultórios particulares. As unidades básicas de saúde foram responsáveis por apenas 19,6%.

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'Desenvolver não significa diminuir desigualdades'

Em 1974, Celso Furtado escreveu um pequeno livro que ainda hoje impressiona pela sua capacidade crítica em relação a um dos fundamentos da noção econômica de progresso. Nele, a própria noção de desenvolvimento econômico era descrita como um “mito”.

Furtado se bateu constantemente contra a maneira com que a visão do desenvolvimento se circunscrevia à lógica dos meios, ou seja, como a simples ampliação quantitativa do “crescimento”, do “investimento”, da “exportação” nunca nos levaria a uma real transformação. Daí por que ele dizia que a fixação em tal mito do desenvolvimento econômico era responsável pela paralisia da criatividade social.

Nesse contexto, “criatividade” significava a capacidade de transformar globalmente o horizonte do progresso da vida social, colocando em questão meios e fins para abrir o espaço à constituição de novas formas de vida.

Agora, no momento em que o Brasil termina um ciclo de desenvolvimento que teria durado uma década e recebeu o nome de “lulismo”, é salutar voltar os olhos à teoria de Celso Furtado a fim de se perguntar se, afinal de contas, ela não foi a mais bem acabada expressão de um “mito”.

Não se trata aqui de negar como, no final de 2010, assistimos a fenômenos como a ascensão social de 42 milhões de pessoas com sua ampliação da capacidade de consumo, a elevação do salário mínimo a 50% acima da inflação, entre outros.

Mas trata-se de perguntar se a circunscrição do pretenso sucesso do modelo econômico lulista à tal “lógica dos meios” não expressa claramente a incapacidade de setores hegemônicos da esquerda brasileira de assumir como tarefa maior a crítica do mito de desenvolvimento econômico e a absorção da “criatividade social” como conceito fundamental para a definição do que pode ser entendido como “progresso”.


Por exemplo, é claro que o que vimos no lulismo não foi o combate à desigualdade, mas a capitalização dos setores mais pobres da população, o que é muito diferente. Os rendimentos dos mais ricos continuaram aumentando, mesmo que os mais pobres tenham sido relativamente capitalizados. Com isso, os rendimentos dos mais ricos puxaram preços para cima, transformando São Paulo e Rio em algumas das cidades mais caras do mundo. Isso corroeu o ganho dos mais pobres, fazendo com que as conquistas do modelo rapidamente se esvaíssem, como vemos agora.

Por não ter pensado o desenvolvimento fora da chave de sempre, o lulismo foi mais um capítulo de um mito que a própria esquerda brasileira havia diagnosticado há 40 anos.

Desajuste fiscal

O ajuste fiscal é o principal tema nacional do momento, mas pouco se discute sobre as causas e responsabilidades pelo desajuste fiscal que caracteriza o presente e sobre as bases históricas do desajuste estrutural. Há décadas o Brasil adia reformas estruturais. Há anos alertamos sobre os riscos provocados por decisões irresponsáveis com as finanças públicas, mas os alertas foram repudiados.

A euforia ilusória que o atual governo propagandeou à opinião pública, realimentando-se dela, impediu que a realidade em marcha fosse vista. Além da cegueira, a lógica de governar para atender reivindicações imediatas de grupos específicos e a ganância eleitoral levaram a irresponsabilidades desajustadoras. O resultado é a triste necessidade de ajustes, que, além de trazer retrocessos para a economia e a sociedade, ainda enfrentam resistências que talvez impeçam seu êxito.


A primeira dificuldade para superação do atual quadro está no fato de que o ajuste é patrocinado e executado pelo mesmo governo que provocou o desajuste. A presidente parece não ter entendido a dimensão do problema nem aceita reconhecer que a crise decorre de seus erros. Assim, fica difícil conseguir entendimento para formular e credibilidade para executar as medidas necessárias.

A segunda dificuldade decorre do tamanho do país. Em outros tempos, já estaríamos de volta ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para obter empréstimo que cobrisse o déficit fiscal. Mas nossos problemas são maiores do que as soluções que os organismos internacionais podem proporcionar. Tampouco podemos contar com receitas extras, como as do pré-sal, pois o Brasil não cabe num poço de petróleo. Nossa dívida bruta é de R$ 3,48 trilhões. A conta de juros nominais do setor público, que exigiu R$ 396,6 bilhões nos 12 meses terminados em março de 2015, supera o PIB de 116 países. Isso dá a dimensão do problema a ser enfrentado para controlarmos o crescimento da dívida e podermos pensar em retomar minimamente os investimentos.

A terceira dificuldade para superação da crise vem da falta de um sentimento nacional. O país está dividido em corporações e grupos preocupados com interesses específicos e imediatos, banqueiros ou trabalhadores, sem considerar o interesse coletivo e o futuro. Isso se agravou com a radicalização da política e com o uso de instrumentos marqueteiros, sectários e descomprometidos com a verdade, como aqueles a que recorreu a presidente Dilma durante a campanha eleitoral de 2014.

Mas a maior dificuldade decorre dos desajustes estruturais e históricos de uma sociedade que não fez as escolhas certas no passado, não teve a devida responsabilidade, nem fiscal nem social, aceitando cair na inflação, na desigualdade e na ineficiência. O Brasil é grande demais, imediatista demais, descrente demais e desgovernado demais para superar as atuais dificuldades sem um entendimento político, necessário para ajustar nossas contas públicas e corrigir nossos desajustes estruturais.