quinta-feira, 4 de junho de 2015
Tudo dentro da lei...
Nossa agremiação recebeu propinas pagas a obras não realizadas e contratos superfaturados, mas tudo impecavelmente aprovado pelos tribunais da Terra e dos céus
Somos legalizantes, legalistas, legalóficos e legalomaníacos. Cremos que a vida social e seus costumes mais arraigados; ou os seus laços mais sagrados, mudam com a lei. Mudamos a lei para não mudar o nosso conforto e a nossa perene má-fé. Em outras palavras, para não segui-la.
Vivemos recessão, inflação e depressão causadas pelos nossos projetos onipotentes, mas tudo dentro da lei. Ficamos imensamente ricos roubando contratos e emitindo notas falsas, mas de acordo com um programa e, é lógico, dentro da lei. Ultrapassamos todos os limites dos nossos papéis de administradores temporários dos bens públicos e confundimos nossas vidas com instituições do partido e do Estado, mas de acordo com a lei.
A mentira em nome do povo tem sido a nossa moeda corrente, mas tudo dentro da lei. Preferimos dar cargos públicos a gente nossa, gente boa, gente do nosso coração, alijando pessoas capacitadas, mas tudo dentro da lei. Encorajamos a confusão entre o pessoal e o público, o local e o nacional, o nacional e o internacional, mas tudo dentro da lei. Tentamos controlar a maquina pública naquilo que ela pudesse nos prejudicar e em tudo que ela pudesse nos ajudar, mas tudo dentro da lei.
A lei nos agasalha, protege, guia e nos ajuda a acusar, a patrulhar e a perseguir os nossos inimigos.
Somos, acima de tudo, legais.
Bons companheiros e camaradas. Amigos de cofre e de mesa, de boa arte e comidas. Tudo dentro da lei. Transformamos interesses pessoais e partidários em leis e instituições, dentro da lei.
Combatemos o bom combate eleitoral usando tudo o que estava e não estava ao nosso alcance, mas dentro da lei. Rigorosamente dentro da lei. Nossa agremiação recebeu propinas pagas a obras não realizadas e contratos superfaturados, mas tudo dentro da lei. Tudo impecavelmente aprovado pelos tribunais da Terra e dos céus.
Aliás, antes de existir o mundo, as pessoas, os bichos, o vasto oceano, as montanhas, as tempestades; os terremotos, as cheias e as secas; a neve, a chuva e o sol de rachar. Antes da praia e do mar azul que poluímos; antes do arroz com feijão, da pipoca, do pirão, do peixe frito e da empada. Antes do cachorro-quente, do circo, da novela, da bossa nova e do carnaval. Antes da guerra, das grandes e pequenas batalhas, inclusive as de confete. Antes da tortura e da Abolição da Escravatura. Aliás, antes mesmo da Linha de Tordesilhas que dividia o mundo entre Espanha e Portugal; e antes do Brasil, havia a lei.
Ela nasceu de um buraco negro e criou a realidade. Construindo-a, ela permite desfazê-la. A nosso gosto e prazer, é claro. Sem amor ou ódio, sem proposito ou alvo, pois a lei é paras todos. Mas, como diz a própria lei, ela é mais para nós do que para eles.
Nossa fraternidade — há quantos anos eu te conheço? — é melhor e, sejamos legais, muito mais honesta e correta do que a deles. A lei pende sempre para o nosso lado, mesmo que ela tenha essa mania estúpida e liberal de ser para todos.
Seria ilegal tratar o querido companheiro como todo mundo. Como reza a lei, a igualdade não é possível. A honestidade, então, nem é bom falar. Ambas são um ardil liberal-capitalista desenhado pelo mercado. Ouça uma coisa e espalhe outra. Assim criaremos um mundo mais justo e perfeito. A boa-fé e a verdade são para o outro mundo.
No mundo do poder pode-se até mesmo esquecer e anular os crimes e a História, desde que seja dentro da lei. A prescrição como figura legal é uma engenhosa máquina do tempo. Com ela, fazemos o tempo retornar para anular crimes. Até Hitler teria sua prescrição especial e compreensiva entre nós.
Lei, lei, lei e lei. Contra a verdade, a lei. Contra a ingenuidade, a lei. Contra o outro, a lei. Contra a boa vontade, a lei. Não insistam: nosso maior adversário não são o crime e a ausência de responsabilidade pública encapsulados imbecilmente como um moralismo barato e de direita: é a lei. Vamos revoga-la? Jamais. Vamos, isso sim, reformá-la e usá-la em nosso benefício como sempre temos feito. O legal é maior que o justo e o real. Adoramos a lei em sua majestade paragrafada, subdividida em sentenças claras, escrita por linhas tortas, mas sempre certas quando nós a temos nas mãos e a aplicamos. Na mentira, na hipocrisia e, acima de tudo, na desfaçatez, fiquem sempre com a lei e pela lei. Somos por todas as legalidades, inclusive e sobretudo pela legalidade da ilegalidade.
Somos um dos países mais corruptos, injustos e desiguais do mundo, mas temos um orgulho: estamos sempre dentro da lei!
Roberto DaMatta
Somos legalizantes, legalistas, legalóficos e legalomaníacos. Cremos que a vida social e seus costumes mais arraigados; ou os seus laços mais sagrados, mudam com a lei. Mudamos a lei para não mudar o nosso conforto e a nossa perene má-fé. Em outras palavras, para não segui-la.
A mentira em nome do povo tem sido a nossa moeda corrente, mas tudo dentro da lei. Preferimos dar cargos públicos a gente nossa, gente boa, gente do nosso coração, alijando pessoas capacitadas, mas tudo dentro da lei. Encorajamos a confusão entre o pessoal e o público, o local e o nacional, o nacional e o internacional, mas tudo dentro da lei. Tentamos controlar a maquina pública naquilo que ela pudesse nos prejudicar e em tudo que ela pudesse nos ajudar, mas tudo dentro da lei.
A lei nos agasalha, protege, guia e nos ajuda a acusar, a patrulhar e a perseguir os nossos inimigos.
Somos, acima de tudo, legais.
Bons companheiros e camaradas. Amigos de cofre e de mesa, de boa arte e comidas. Tudo dentro da lei. Transformamos interesses pessoais e partidários em leis e instituições, dentro da lei.
Combatemos o bom combate eleitoral usando tudo o que estava e não estava ao nosso alcance, mas dentro da lei. Rigorosamente dentro da lei. Nossa agremiação recebeu propinas pagas a obras não realizadas e contratos superfaturados, mas tudo dentro da lei. Tudo impecavelmente aprovado pelos tribunais da Terra e dos céus.
Ela nasceu de um buraco negro e criou a realidade. Construindo-a, ela permite desfazê-la. A nosso gosto e prazer, é claro. Sem amor ou ódio, sem proposito ou alvo, pois a lei é paras todos. Mas, como diz a própria lei, ela é mais para nós do que para eles.
Nossa fraternidade — há quantos anos eu te conheço? — é melhor e, sejamos legais, muito mais honesta e correta do que a deles. A lei pende sempre para o nosso lado, mesmo que ela tenha essa mania estúpida e liberal de ser para todos.
No mundo do poder pode-se até mesmo esquecer e anular os crimes e a História, desde que seja dentro da lei. A prescrição como figura legal é uma engenhosa máquina do tempo. Com ela, fazemos o tempo retornar para anular crimes. Até Hitler teria sua prescrição especial e compreensiva entre nós.
Lei, lei, lei e lei. Contra a verdade, a lei. Contra a ingenuidade, a lei. Contra o outro, a lei. Contra a boa vontade, a lei. Não insistam: nosso maior adversário não são o crime e a ausência de responsabilidade pública encapsulados imbecilmente como um moralismo barato e de direita: é a lei. Vamos revoga-la? Jamais. Vamos, isso sim, reformá-la e usá-la em nosso benefício como sempre temos feito. O legal é maior que o justo e o real. Adoramos a lei em sua majestade paragrafada, subdividida em sentenças claras, escrita por linhas tortas, mas sempre certas quando nós a temos nas mãos e a aplicamos. Na mentira, na hipocrisia e, acima de tudo, na desfaçatez, fiquem sempre com a lei e pela lei. Somos por todas as legalidades, inclusive e sobretudo pela legalidade da ilegalidade.
Somos um dos países mais corruptos, injustos e desiguais do mundo, mas temos um orgulho: estamos sempre dentro da lei!
Roberto DaMatta
Por que os fundos de pensão do Brasil perderam 31 bi em 2014?
Em agosto de 2003, o então presidente Lula reuniu seus ministros e os presidentes de Funcef (Caixa Econômica), Previ (Banco do Brasil) e Petros (Petrobras), os três maiores fundos de pensão do país, para pedir a colaboração no financiamento de projetos de infraestrutura no país. Desde então, esses e outros fundos de previdência complementar com patrocinadores públicos se tornaram protagonistas de vários projetos governamentais, como as recentes concessões de aeroportos à iniciativa privada, mas também passaram a levantar suspeitas sobre a forma como são geridos. Após dois anos seguidos de resultados negativos (de 22 bilhões de reais em 2013 e 31 bilhões de reais em 2014), o cerco se fecha contra os fundos, que devem ser alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Congresso Nacional.
Na época em que Lula pediu o auxílio desses investidores, os então 361 fundos de pensão do país (de patrocinadores públicos e privados) detinham um patrimônio de 208 bilhões de reais. Hoje, os cerca de 320 somam 704 bilhões de reais e ostentam o oitavo patrimônio mundial do setor, atendendo a sete milhões de pessoas. O aparente sucesso, resultado de uma rentabilidade de quase 300% nos últimos 11 anos, não parece capaz de blindar os planos após o segundo déficit consecutivo do setor, principalmente depois de o Postalis, fundo de pensão dos Correios, fechar o terceiro ano seguido com resultado negativo, desta vez de 5,6 bilhões de reais, como consequência de duvidosos investimentos em títulos públicos da Venezuela e da Argentina e nas empresas do empresário Eike Batista, entre outros (leia "Quem paga a conta?").
Tem sido muito forte a vontade de se desligar e deixar tudo para trás
Por uma ou por outra, a expressão “está tudo muito estranho” foi usada por Sacha e por mim. Sacha a ouviu do ministro Marco Aurélio Mello, eu, da minha fadiga crescente, que, na verdade, não é só minha, mas de nós três, que temos hoje, ao nosso lado, o apoio declarado de uma multidão de brasileiros cansados e decepcionados, dentre os quais se destacam jornalistas e intelectuais que ainda falam…
Sacha manifestou enorme cansaço não apenas nas entrelinhas do que escreveu, mas também no e-mail que me enviou dizendo que meu artigo “exprimiu o nosso desencanto” – meu, dele e, também, da ex-candidata ao governo de Minas e ex-deputada federal pelo PT (do qual se desligou). No final do e-mail, me confessou que tem tido “vontade de parar e ir embora”. Só não capitula e se manda, completou, porque se acha “no dever de denunciar”. Sandra Starling, em seu artigo, confessa que pensou “em intitular como um circo o que anda acontecendo no Congresso. Mas os circos merecem meu respeito e minha saudade. Um mau teatro? Dele podemos escapar: é só não ir”.
Fiz questão, na terça-feira passada, de ficar ligado ao que discursavam as Suas Excelências que integram a Câmara Federal e o Senado. Ora ouvia os deputados, ora os senadores. Que tristeza! E, antes de ler o artigo de Sandra Starling – que se refere ao incrível caso do ex-senador Gim Argello (“quase” ministro do TCU, pelas mãos de Dilma e Renan…), que sumiu do mapa para dar lugar ao cidadão Jorge Afonso Argello, seu nome verdadeiro, que o levará, pelo menos por algum tempo, ao anonimato –, concluí comigo mesmo: como existe o mau teatro, o mau cinema, há também, Sandra, o mau circo. O nosso atual Congresso Nacional não passa de um circo mambembe, vale dizer, de má qualidade, medíocre, ordinário. Mas ele reflete, continuei concluindo comigo mesmo, e com muita precisão, o que de fato somos.
Vai daí que esbarro, antes de preparar estas linhas, com a entrevista da ex-porta-voz da agência das Nações Unidas para refugiados Laura Boldrini. A italiana deixou o cargo e se candidatou à Câmara Federal do seu país. Eleita deputada, logo após iniciados os trabalhos, ela assumiu a presidência da Casa. Dentre as boas coisas que disse, principalmente sobre financiamento de campanhas, nos brindou com esta concisão: “A política é o espelho da sociedade. Se há problema de corrupção na política, significa que também há na sociedade”. E é disso que se trata: a sociedade brasileira está doente. E não é de agora. Em qualquer setor, privado ou público, a corrupção grassa. A doença se agrava de maneira espantosa. A política, pós-ditadura militar, sepultou vocações e deu vida ao que há de pior. O estudo das causas fica para os cientistas, mas uma coisa precisa ser dita logo: o Brasil sofre a ausência de lideranças efetivas, desprendidas, convincentes, honestas – qualidades próprias do homem público, cujo objetivo é só um: o bem comum. Uma expressão chata! Coisa de velho!
E o problema não está apenas no PT. Está em todos os partidos. Deixemos de hipocrisia e comecemos o tratamento pela sociedade. Por nós, eleitores, que somos os maiores responsáveis!
Brasil, o filho pródigo caiu em si?
Quando decidi renovar meu velho blog, dando a ele o formato atual em www.puggina.org, escolhi duas frases para aparecerem intermitentemente na “testa” do site: “O bom liberal sabe que há princípios e valores que se deve conservar” e “O bom conservador deve ser um defensor das liberdades”.
Creio nisso e me vejo, como católico, identificado com as duas vertentes. A liberdade é um dom esplêndido, que Deus respeita como atributo de suas criaturas muito mais do que elas mesmas costumam respeitar. E as responsabilidades que obviamente advêm da liberdade recaem sobre os indivíduos, sobre as pessoas concretas e não sobre grupos sociais, coletivos ou sistemas como alguns querem fazer crer.
É aí que entram os valores que balizam as condutas individuais e, por extensão, a ordem social e os códigos. É socialmente importante saber conservar o que deve ser conservado e mudar o que deve ser mudado. O bom conservador rejeita a revolução, a ruptura da ordem, a substituição da política pela violência, reconhece o valor da tradição e aprecia a liberdade como espaço para realização digna dos indivíduos e dos povos.
Não é por outro motivo que o movimento revolucionário e os que com ele colaboram atacam vigorosamente uns e outros. Liberais e conservadores são identificados, corretamente, como os adversários a serem vencidos. Essa batalha se trava no mundo da cultura. Gramsci descobriu isso e fez escola. Seus discípulos brasileiros, ditos intelectuais orgânicos, em poucas décadas tomaram o sistema de ensino das mãos dos educadores cristãos, inclusive na maior parte das instituições confessionais.
Nos anos setenta, incorporaram-se a essa tarefa inúmeros novelistas, diretores e produtores de programas de televisão em canal aberto. Tratei deles em meu artigo anterior “Acabou! Acabou! ”. Enquanto o comunismo era propagandeado como expressão sublime da bondade humana (!), coube àqueles profissionais a tarefa de destruir os valores da sociedade, em ação de lago espectro. Assim, foram zombando do bem, exaltando o mal, pregando a libertinagem e depreciando tudo que merecesse respeito. Foi um longo e bem sucedido processo de destruição moral do qual a corrupção que hoje reprovamos é mero subproduto. A população de patifes, canalhas e sociopatas aumentou em proporções vertiginosas.
Houve um relaxamento até mesmo entre as consciências bem formadas. Gravíssima a omissão de quantos a isso deveriam resistir, nas famílias, nas escolas, nas igrejas e nas instituições! Devemos reconhecer, então: há muito mais culpados entre os omissos do que entre os efetivos agentes do processo de destruição dos valores. As liberdades recuaram simultaneamente porque esse era o objetivo final do projeto de dominação cultural: estabelecer a hegemonia política, com o Estado avançando sobre as autonomias dos indivíduos, das famílias e da sociedade e das liberdades econômicas. Foi assim que assistimos, durante décadas, sucessivas derrotas dos conservadores e dos liberais, tão numerosos quanto acomodados.
Felizmente, a cada dia que passa, cresce o número de brasileiros conscientes das causas da desgraça que acometeu a sociedade brasileira. São as pesquisas que o indicam com clareza. Foi tamanha a lambança, tão generalizada a degradação moral, tão impertinentes os abusos do Estado, a cascavel, enfim, tanto agitou seu chocalho que acabou despertando as consciências de sua letargia. A nação dá claros sinais de estar refletindo sobre o que fez de si mesma.
Percival Puggina
Creio nisso e me vejo, como católico, identificado com as duas vertentes. A liberdade é um dom esplêndido, que Deus respeita como atributo de suas criaturas muito mais do que elas mesmas costumam respeitar. E as responsabilidades que obviamente advêm da liberdade recaem sobre os indivíduos, sobre as pessoas concretas e não sobre grupos sociais, coletivos ou sistemas como alguns querem fazer crer.
É aí que entram os valores que balizam as condutas individuais e, por extensão, a ordem social e os códigos. É socialmente importante saber conservar o que deve ser conservado e mudar o que deve ser mudado. O bom conservador rejeita a revolução, a ruptura da ordem, a substituição da política pela violência, reconhece o valor da tradição e aprecia a liberdade como espaço para realização digna dos indivíduos e dos povos.
Não é por outro motivo que o movimento revolucionário e os que com ele colaboram atacam vigorosamente uns e outros. Liberais e conservadores são identificados, corretamente, como os adversários a serem vencidos. Essa batalha se trava no mundo da cultura. Gramsci descobriu isso e fez escola. Seus discípulos brasileiros, ditos intelectuais orgânicos, em poucas décadas tomaram o sistema de ensino das mãos dos educadores cristãos, inclusive na maior parte das instituições confessionais.
Nos anos setenta, incorporaram-se a essa tarefa inúmeros novelistas, diretores e produtores de programas de televisão em canal aberto. Tratei deles em meu artigo anterior “Acabou! Acabou! ”. Enquanto o comunismo era propagandeado como expressão sublime da bondade humana (!), coube àqueles profissionais a tarefa de destruir os valores da sociedade, em ação de lago espectro. Assim, foram zombando do bem, exaltando o mal, pregando a libertinagem e depreciando tudo que merecesse respeito. Foi um longo e bem sucedido processo de destruição moral do qual a corrupção que hoje reprovamos é mero subproduto. A população de patifes, canalhas e sociopatas aumentou em proporções vertiginosas.
Houve um relaxamento até mesmo entre as consciências bem formadas. Gravíssima a omissão de quantos a isso deveriam resistir, nas famílias, nas escolas, nas igrejas e nas instituições! Devemos reconhecer, então: há muito mais culpados entre os omissos do que entre os efetivos agentes do processo de destruição dos valores. As liberdades recuaram simultaneamente porque esse era o objetivo final do projeto de dominação cultural: estabelecer a hegemonia política, com o Estado avançando sobre as autonomias dos indivíduos, das famílias e da sociedade e das liberdades econômicas. Foi assim que assistimos, durante décadas, sucessivas derrotas dos conservadores e dos liberais, tão numerosos quanto acomodados.
Felizmente, a cada dia que passa, cresce o número de brasileiros conscientes das causas da desgraça que acometeu a sociedade brasileira. São as pesquisas que o indicam com clareza. Foi tamanha a lambança, tão generalizada a degradação moral, tão impertinentes os abusos do Estado, a cascavel, enfim, tanto agitou seu chocalho que acabou despertando as consciências de sua letargia. A nação dá claros sinais de estar refletindo sobre o que fez de si mesma.
Percival Puggina
BNDES esquece o Brasil para subsidiar países amigos do PT
Para quem conhece o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social e trabalhou lá, é inacreditável o festival de protecionismo oferecido pelos governos de Lula e Dilma Rousseff a países da América Latina e da África. Nunca antes, na História deste país, houve tamanha libertinagem com os recursos públicos manejados pelo BNDES, que opera com repasses do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) e do Tesouro Nacional, através de títulos públicos remunerados como a taxa Selic, que atualmente é de 13,25%.
Levantamento realizado pela revista Veja mostra que 70% dos 11,9 bilhões de dólares emprestados entre 2007 e 2014 a esses países foram financiamentos a juros abaixo de 5% ao ano. Isso equivale a 58% dos 516 contratos firmados no exterior neste intervalo.
Diante desses juros ridículos, inacessíveis a qualquer empresário brasileiro, fica explicada a insistência do BNDES e do governo em tentar manter ilegalmente em sigilo as operações do banco de fomento, com a presidente Dilma Rousseff até mesmo arriscando seu mandato, ao vetar irregularmente uma lei aprovada no Congresso para dar transparência aos financiamentos.
O fato é que nos governos do PT os empréstimos do BNDES foram tornados secretos, apesar de existir expressa obrigatoriedade de divulgação na Lei do Sigilo Bancário, que o governo insistiu em descumprir, sujeitando a presidente Dilma à cassação por crime de responsabilidade, vejam a que ponto chegou a insensatez destas autoridades.
Segundo a revista Veja, “do total de 682 milhões de dólares que a instituição liberou para a construção do Porto de Mariel, na ilha dos irmãos Castro, 400 milhões de dólares foram cedidos a um custo entre 4,4% e 4,8% ao ano – abaixo da TJLP (Taxa de Juros de Longo Prazo) e do custo de captação do FAT”. No caso da Venezuela, a operação foi semelhante.
As condições dos empréstimos para Cuba, Venezuela e outros países amigos não são “normais”. Pelo contrário, são absolutamente “anormais”. Nos mais baratos financiamentos do BNDES para empresários nacionais ou estatais com o a Petrobras, não existem juros abaixo de 5%, porque é cobrada a TJLP, que hoje é de 6% ao ano, mais a taxa de apoio financeiro, por volta de 1,5%, acrescida da taxa de risco, em média de 1,0, já atingem um total de 8,5%.
Como os juros cobrados aos países latino-americanos e africanos são inferiores à TJLP, isso significa que o Brasil está subsidiando o desenvolvimento dessas nações, ao invés de estar fomentando a economia nacional, que por lei é (ou seria) a finalidade única do BNDES. Mas que importância tem a lei para os governos do PT?
O BNDES sempre foi implacável com relação a garantias. Foi o que salvou o banco de uma exposição maior no caso das empresas de Eike Batista, cujo prejuízo principal ficou com os bancos comerciais que intermediaram as operações.
No caso dos empréstimos a Cuba, segundo o jornalista Claudio Tognoli, do Yahoo, as garantias são oferecidas pelo próprio governo brasileiro, através de um fundo garantidor que é gerido pelo BNDES.
“Entrei no site do BNDES Transparência e chequei o seguinte: os empréstimos a Cuba são tutelados por esse fundo garantidor, que é do Ministério da Fazenda do Brasil”, escreveu Tognoli.
Não é preciso dizer mais nada. E não vai acontecer nada, porque estamos num país de cidadãos politicamente emasculados, digamos assim.
Dilma premia com sinecuras que a ajudou a se reeleger
A presidente Dilma Rousseff é grosseira. Trata mal seus subordinados. E devota um desprezo especial aos políticos. Mas ingrata não é. Nem mesmo com Lula, por mais que ele se queixe.
A merecida fama de pessoa grata foi reforçada, ontem, com as nomeações de Maurício Requião e Roberto Amaral para conselheiros da usina Itaipu Binacional (Brasil-Paraguai).
Maurício, psicólogo, professor, é irmão do senador Roberto Requião (PMDB-PR). Em 2008, quando governava seu Estado, Requião nomeou Maurício conselheiro do Tribunal de Contas do Estado.
O emprego era vitalício. Maurício ganharia R$ 26 mil mensais e teria direito a auxílio-moradia no valor de R$ 4,3 mil, carro com motorista e gasolina, além de outros benefícios.
O sonho de Maurício não durou muito. Acabou afastado do cargo pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Sua nomeação feriu a lei que proíbe o nepotismo – o emprego de parentes de primeiro grau.
Dilma deve muitos favores ao senador Requião. No ano passado, ele se candidatou ao governo e apoiou a reeleição dela. No Senado, ajudou-a a aprovar o nome do jurista Luiz Fachin para vaga no STF.
Roberto Amaral não fica atrás no número de favores que Dilma lhe deve. E não somente ela. O PT também. E o próprio Lula. Amaral sempre foi um petista (ou lulista) infiltrado no PSB.
Em 2002, presidente do PSB de Miguel Arraes, Amaral concordou com o apoio do partido à candidatura de Garotinho a presidente da República. Arraes quis e pronto. Estamos conversados.
No segundo turno, Amaral empurrou o PSB para apoiar Lula contra José Serra. Uma vez eleito, Lula retribuiu promovendo Amaral a ministro da Ciência e Tecnologia.
Foi substituído antes do fim do primeiro mandato de Lula. Amaral defendeu a produção da bomba atômica brasileira. Uma asneira! Para preservar a imagem do governo, Lula mandou-o embora.
Voltou-se a saber de Amaral quando Dilma se elegeu pela primeira vez apoiada pelo PSB de Arraes e do Eduardo Campos. Dilma deu-lhe a mão. E Amaral ganhou uma sinecura. Uma não. Duas.
Amaral tornou-se membro do Conselho de Administração da Itaipu – o mesmo emprego que agora voltará a ocupar. E membro também do Conselho de Administração da Nuclebras
Embolsando por mês algo como R$ 40 mil, Amaral ficou nos dois empregos até o PSB lançar a candidatura de Eduardo a presidente. O partido obrigou-o a devolver os cargos ao governo.
Amaral tudo fizera para demover Eduardo da ideia de sair candidato. Depois da morte dele na queda de um helicóptero, tudo fez para que o PSB não apoiasse a candidatura de Marina Silva.
No segundo turno, defendeu que o PSB não apoiasse nem Aécio nem Dilma. Mas quando o partido decidiu apoiar Aécio, Amaral lançou uma nota apoiando Dilma e criticando o PSB.
Ele e Maurício Requião ganharão, cada um, R$ 20.804,13 mensais para participar de ao menos seis reuniões anuais do Conselho de Administração de Itaipu, uma a cada dois meses.
Receberão ainda remunerações variáveis como diárias de viagem e bônus por lucro, conforme ocorreu com o ex-conselheiro de Itaipu e ex-tesoureiro nacional do PT João Vaccari Neto.
Réu por corrupção e lavagem de dinheiro na Operação Lava Jato, Vaccari deixou o posto de conselheiro em janeiro e foi substituído pelo secretário-geral da Presidência Giles Azevedo, amigo de Dilma.
Nos últimos sete anos, Vaccari declarou à Justiça Federal renda bruta de 3,4 milhões de reais – mais da metade, cerca de 2 milhões de reais, vieram de rendimentos de Itaipu.
O novo-velho emprego de Amaral não exigirá muito dele – pelo contrário. Basta que referende as decisões tomadas pela diretoria executiva do capítulo brasileiro da hidrelétrica. Moleza!
A merecida fama de pessoa grata foi reforçada, ontem, com as nomeações de Maurício Requião e Roberto Amaral para conselheiros da usina Itaipu Binacional (Brasil-Paraguai).
O emprego era vitalício. Maurício ganharia R$ 26 mil mensais e teria direito a auxílio-moradia no valor de R$ 4,3 mil, carro com motorista e gasolina, além de outros benefícios.
O sonho de Maurício não durou muito. Acabou afastado do cargo pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Sua nomeação feriu a lei que proíbe o nepotismo – o emprego de parentes de primeiro grau.
Dilma deve muitos favores ao senador Requião. No ano passado, ele se candidatou ao governo e apoiou a reeleição dela. No Senado, ajudou-a a aprovar o nome do jurista Luiz Fachin para vaga no STF.
Roberto Amaral não fica atrás no número de favores que Dilma lhe deve. E não somente ela. O PT também. E o próprio Lula. Amaral sempre foi um petista (ou lulista) infiltrado no PSB.
Em 2002, presidente do PSB de Miguel Arraes, Amaral concordou com o apoio do partido à candidatura de Garotinho a presidente da República. Arraes quis e pronto. Estamos conversados.
No segundo turno, Amaral empurrou o PSB para apoiar Lula contra José Serra. Uma vez eleito, Lula retribuiu promovendo Amaral a ministro da Ciência e Tecnologia.
Foi substituído antes do fim do primeiro mandato de Lula. Amaral defendeu a produção da bomba atômica brasileira. Uma asneira! Para preservar a imagem do governo, Lula mandou-o embora.
Voltou-se a saber de Amaral quando Dilma se elegeu pela primeira vez apoiada pelo PSB de Arraes e do Eduardo Campos. Dilma deu-lhe a mão. E Amaral ganhou uma sinecura. Uma não. Duas.
Amaral tornou-se membro do Conselho de Administração da Itaipu – o mesmo emprego que agora voltará a ocupar. E membro também do Conselho de Administração da Nuclebras
Embolsando por mês algo como R$ 40 mil, Amaral ficou nos dois empregos até o PSB lançar a candidatura de Eduardo a presidente. O partido obrigou-o a devolver os cargos ao governo.
Amaral tudo fizera para demover Eduardo da ideia de sair candidato. Depois da morte dele na queda de um helicóptero, tudo fez para que o PSB não apoiasse a candidatura de Marina Silva.
No segundo turno, defendeu que o PSB não apoiasse nem Aécio nem Dilma. Mas quando o partido decidiu apoiar Aécio, Amaral lançou uma nota apoiando Dilma e criticando o PSB.
Ele e Maurício Requião ganharão, cada um, R$ 20.804,13 mensais para participar de ao menos seis reuniões anuais do Conselho de Administração de Itaipu, uma a cada dois meses.
Receberão ainda remunerações variáveis como diárias de viagem e bônus por lucro, conforme ocorreu com o ex-conselheiro de Itaipu e ex-tesoureiro nacional do PT João Vaccari Neto.
Réu por corrupção e lavagem de dinheiro na Operação Lava Jato, Vaccari deixou o posto de conselheiro em janeiro e foi substituído pelo secretário-geral da Presidência Giles Azevedo, amigo de Dilma.
Nos últimos sete anos, Vaccari declarou à Justiça Federal renda bruta de 3,4 milhões de reais – mais da metade, cerca de 2 milhões de reais, vieram de rendimentos de Itaipu.
O novo-velho emprego de Amaral não exigirá muito dele – pelo contrário. Basta que referende as decisões tomadas pela diretoria executiva do capítulo brasileiro da hidrelétrica. Moleza!
A diferença
Paralelos são melhores para identificar diferenças do que para iluminar semelhanças. Na Itália, o partido da esquerda desempenhou papel relevante, mas acessório, na derrota dos juízes de Milão. No Brasil, o lulopetismo é a principal ameaça às investigações conduzidas pelo juiz e pelos procuradores de Curitiba.Demétrio Magnoli
País dos desdentados
Quase 75% dos atendimentos de saúde bucal aconteceram na rede privada, diz pesquisa do IBGE
O Brasil tem 11% da sua população sem nenhum dente, o que corresponde a um montante de 16 milhões de pessoas. Entre as mulheres, essa porcentagem sobe para 13,3% e, entre os homens, cai para 8,4%. Das pessoas com 60 anos ou mais, 41,5% já perderam todos os dentes. E 22,8% dos brasileiros sem nenhuma instrução ou sem ensino fundamental concluído estão completamente desdentados
Além disso, 23% dos brasileiros perderam 13 dentes ou mais, e 33% usam algum tipo de prótese dentária.Os números constam da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), divulgada nesta terça-feira pelo IBGE, que, em convênio com o Ministério da Saúde visitou cerca de 80 mil domicílios, em 1.600 municípios de todo o país no segundo semestre de 2013.
A pesquisa também mostra que o atendimento odontológico no país acontece majoritariamente na rede privada. Entre os brasileiros com mais de 18 anos que buscaram atendimento de saúde bucal, 74,3% recorreram a consultórios particulares. As unidades básicas de saúde foram responsáveis por apenas 19,6%.
Leia mais
'Desenvolver não significa diminuir desigualdades'
Em 1974, Celso Furtado escreveu um pequeno livro que ainda hoje impressiona pela sua capacidade crítica em relação a um dos fundamentos da noção econômica de progresso. Nele, a própria noção de desenvolvimento econômico era descrita como um “mito”.
Furtado se bateu constantemente contra a maneira com que a visão do desenvolvimento se circunscrevia à lógica dos meios, ou seja, como a simples ampliação quantitativa do “crescimento”, do “investimento”, da “exportação” nunca nos levaria a uma real transformação. Daí por que ele dizia que a fixação em tal mito do desenvolvimento econômico era responsável pela paralisia da criatividade social.
Nesse contexto, “criatividade” significava a capacidade de transformar globalmente o horizonte do progresso da vida social, colocando em questão meios e fins para abrir o espaço à constituição de novas formas de vida.
Agora, no momento em que o Brasil termina um ciclo de desenvolvimento que teria durado uma década e recebeu o nome de “lulismo”, é salutar voltar os olhos à teoria de Celso Furtado a fim de se perguntar se, afinal de contas, ela não foi a mais bem acabada expressão de um “mito”.
Não se trata aqui de negar como, no final de 2010, assistimos a fenômenos como a ascensão social de 42 milhões de pessoas com sua ampliação da capacidade de consumo, a elevação do salário mínimo a 50% acima da inflação, entre outros.
Mas trata-se de perguntar se a circunscrição do pretenso sucesso do modelo econômico lulista à tal “lógica dos meios” não expressa claramente a incapacidade de setores hegemônicos da esquerda brasileira de assumir como tarefa maior a crítica do mito de desenvolvimento econômico e a absorção da “criatividade social” como conceito fundamental para a definição do que pode ser entendido como “progresso”.
Por não ter pensado o desenvolvimento fora da chave de sempre, o lulismo foi mais um capítulo de um mito que a própria esquerda brasileira havia diagnosticado há 40 anos.
Desajuste fiscal
O ajuste fiscal é o principal tema nacional do momento, mas pouco se discute sobre as causas e responsabilidades pelo desajuste fiscal que caracteriza o presente e sobre as bases históricas do desajuste estrutural. Há décadas o Brasil adia reformas estruturais. Há anos alertamos sobre os riscos provocados por decisões irresponsáveis com as finanças públicas, mas os alertas foram repudiados.
A euforia ilusória que o atual governo propagandeou à opinião pública, realimentando-se dela, impediu que a realidade em marcha fosse vista. Além da cegueira, a lógica de governar para atender reivindicações imediatas de grupos específicos e a ganância eleitoral levaram a irresponsabilidades desajustadoras. O resultado é a triste necessidade de ajustes, que, além de trazer retrocessos para a economia e a sociedade, ainda enfrentam resistências que talvez impeçam seu êxito.
A primeira dificuldade para superação do atual quadro está no fato de que o ajuste é patrocinado e executado pelo mesmo governo que provocou o desajuste. A presidente parece não ter entendido a dimensão do problema nem aceita reconhecer que a crise decorre de seus erros. Assim, fica difícil conseguir entendimento para formular e credibilidade para executar as medidas necessárias.
A segunda dificuldade decorre do tamanho do país. Em outros tempos, já estaríamos de volta ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para obter empréstimo que cobrisse o déficit fiscal. Mas nossos problemas são maiores do que as soluções que os organismos internacionais podem proporcionar. Tampouco podemos contar com receitas extras, como as do pré-sal, pois o Brasil não cabe num poço de petróleo. Nossa dívida bruta é de R$ 3,48 trilhões. A conta de juros nominais do setor público, que exigiu R$ 396,6 bilhões nos 12 meses terminados em março de 2015, supera o PIB de 116 países. Isso dá a dimensão do problema a ser enfrentado para controlarmos o crescimento da dívida e podermos pensar em retomar minimamente os investimentos.
A terceira dificuldade para superação da crise vem da falta de um sentimento nacional. O país está dividido em corporações e grupos preocupados com interesses específicos e imediatos, banqueiros ou trabalhadores, sem considerar o interesse coletivo e o futuro. Isso se agravou com a radicalização da política e com o uso de instrumentos marqueteiros, sectários e descomprometidos com a verdade, como aqueles a que recorreu a presidente Dilma durante a campanha eleitoral de 2014.
Mas a maior dificuldade decorre dos desajustes estruturais e históricos de uma sociedade que não fez as escolhas certas no passado, não teve a devida responsabilidade, nem fiscal nem social, aceitando cair na inflação, na desigualdade e na ineficiência. O Brasil é grande demais, imediatista demais, descrente demais e desgovernado demais para superar as atuais dificuldades sem um entendimento político, necessário para ajustar nossas contas públicas e corrigir nossos desajustes estruturais.
A euforia ilusória que o atual governo propagandeou à opinião pública, realimentando-se dela, impediu que a realidade em marcha fosse vista. Além da cegueira, a lógica de governar para atender reivindicações imediatas de grupos específicos e a ganância eleitoral levaram a irresponsabilidades desajustadoras. O resultado é a triste necessidade de ajustes, que, além de trazer retrocessos para a economia e a sociedade, ainda enfrentam resistências que talvez impeçam seu êxito.
A segunda dificuldade decorre do tamanho do país. Em outros tempos, já estaríamos de volta ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para obter empréstimo que cobrisse o déficit fiscal. Mas nossos problemas são maiores do que as soluções que os organismos internacionais podem proporcionar. Tampouco podemos contar com receitas extras, como as do pré-sal, pois o Brasil não cabe num poço de petróleo. Nossa dívida bruta é de R$ 3,48 trilhões. A conta de juros nominais do setor público, que exigiu R$ 396,6 bilhões nos 12 meses terminados em março de 2015, supera o PIB de 116 países. Isso dá a dimensão do problema a ser enfrentado para controlarmos o crescimento da dívida e podermos pensar em retomar minimamente os investimentos.
A terceira dificuldade para superação da crise vem da falta de um sentimento nacional. O país está dividido em corporações e grupos preocupados com interesses específicos e imediatos, banqueiros ou trabalhadores, sem considerar o interesse coletivo e o futuro. Isso se agravou com a radicalização da política e com o uso de instrumentos marqueteiros, sectários e descomprometidos com a verdade, como aqueles a que recorreu a presidente Dilma durante a campanha eleitoral de 2014.
Mas a maior dificuldade decorre dos desajustes estruturais e históricos de uma sociedade que não fez as escolhas certas no passado, não teve a devida responsabilidade, nem fiscal nem social, aceitando cair na inflação, na desigualdade e na ineficiência. O Brasil é grande demais, imediatista demais, descrente demais e desgovernado demais para superar as atuais dificuldades sem um entendimento político, necessário para ajustar nossas contas públicas e corrigir nossos desajustes estruturais.
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