sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

Pensamento do Dia

 


Trump 2 trata mais de 'Deus, pátria e família', menos comércio e dólar

Donald Trump vai impor imposto de importação extra sobre produtos de Canadá e México, a partir de sábado, como prometeu? "Talvez sim, talvez não", disse o presidente americano nesta quinta. O motivo da punição imperial seriam imigrantes e fentanil. Nada a ver estritamente com relações comerciais.

Trump ainda pode arruinar o que resta de ordem econômica mundial e dar tiros na própria testa dos EUA. Mas sua prioridade até agora tem sido a produção e exportação de ignorância escandalosa e apelos aos sentimentos mais baixos dos americanos e de hordas extremistas pelo mundo, como aqui no Brasil.


Trump não perde oportunidade de atacar planos de preservação ou de reparação de direitos de minorias violentadas de alguma maneira. Além de inflação, esse foi um tema principal da campanha. Mesmo antes de Trump 2, nos EUA havia reação contra essas ideias e políticas, não apenas na grande empresa (há montante de críticas até na esquerda, obviamente em outros termos). Até onde vai esse programa ideológico e quais consequências práticas? Seria apenas diversão inicial, até por fazer mais efeito, sem muito trabalho?

Trump vai destroçar agências de governo também por meio da caça a gente dada a progressismos? Em dois dias, agrediu a Agência Federal de Aviação e o Banco Central. Quando o império começa a solapar até suas burocracias funcionais e essenciais, a coisa parece mais perigosa.

Uma das políticas mais visíveis e incisivas de Trump têm sido o programa de incentivo à ignorância e de aterrorizar imigrantes pobres e funcionários públicos, neste caso com objetivo de erradicar princípios republicanos. Nomeia negacionistas da razão, ignorantes e lunáticos para vários postos de seu ministério, além de acólitos que anunciam perseguição de servidores e cidadãos recalcitrantes, como se fossem polícia política.

Promove a influência de Elon Musk, que financia ou apoia de outra maneira a extrema direita pelo mundo e promete montar comitês de difamação de políticos que contestem a propaganda disso que se quer um novo regime ou o começo de uma "nova era". Quem sabe conte com a ajuda de gangues armadas. Não libertou os terroristas do Capitólio?

Houve um acidente horrível de avião. Trump diz que a "diversidade" fez Agência Federal de Aviação contratar pessoas com "deficiências intelectuais e psiquiátricas graves", entre outros delírios. Ao lado dele, secretários [ministros] repetiam Trump e diziam que fariam uma limpa em seus departamentos. "Se o Fed tivesse gastado menos tempo em DEI [Diversidade, Equidade e Inclusão], em energia ‘verde’ e na falsa mudança climática, a inflação jamais teria sido um problema", escreveu Trump em post na sua rede social, na quarta, depois que o BC dos EUA manteve a taxa básica de juros.

Na quarta, memorando do Departamento de Administração de Pessoal, reforçou a diretriz do decreto do dia 20, do dia da posse: é preciso eliminar a "ideologia de gênero" em exigências de qualificação para empregos públicos, em contratos do governo e em contas sociais (só existem dois sexos, homem e mulher. Dizer o contrário é contra o "sistema americano").

Em um dos discursos do dia da posse, revisou seu ranking de "palavras mais bonitas". Mas Deus, religião e amor viriam antes de "tarifa".

É diversionismo? Ou o começo de um plano fundamentalista profundo?

'Os ossos da minha filha estavam espalhados pelo chão'


 - a busca angustiante pelos desaparecidos de Gaza
 
https://ichef.bbci.co.uk/news/800/cpsprodpb/21a0/live/6abbce40-d987-11ef-a37f-eba91255dc3d.png.webp Restos humanos entre os escombros em Rafah

Tudo se mistura. A mochila multicolorida da criança. Um tênis de corrida. Uma panela de aço perfurada por estilhaços. Pedaços de camas, cadeiras, fogões, abajures; o vidro de janelas quebradas, espelhos, copos. Pedaços de roupa.

Esses últimos itens triturados e cobertos de poeira podem ser marcadores. Frequentemente, eles pertencem aos mortos que jazem perto da superfície dos escombros.

"Desde que as forças de ocupação israelenses se retiraram de Rafah, recebemos cerca de 150 ligações de civis sobre a presença de corpos de seus parentes sob as casas", diz Haitham al-Homs, diretor de Serviços de Emergência e Ambulância da agência de Defesa Civil em Rafah, no extremo sul da Faixa de Gaza.

As autoridades de saúde palestinas estimam que 10.000 pessoas estão desaparecidas. Onde não há nenhum marcador óbvio como roupas na superfície, as equipes de busca confiam em informações de parentes e vizinhos, ou seguem o cheiro de morte que irradia das ruínas.

Restos humanos entre os escombros em Rafah

Haitham al-Homs, um homem vestindo um item laranja de alta visibilidade e equipamento forense de proteção, está em frente a uma ambulância em Rafah
Haitham al-Homs, diretor de serviços de emergência e ambulâncias em Rafah
O governo israelense proibiu a BBC e outras organizações internacionais de notícias de entrar em Gaza e reportar de forma independente. Dependemos de jornalistas locais confiáveis ​​para registrar as experiências de pessoas como aquelas que estão procurando pelos desaparecidos.

No final de cada dia, o Sr. Homs atualiza a lista dos encontrados. Sua equipe escava os escombros com cuidado, ciente de que estão procurando por fragmentos de humanidade quebrada. Frequentemente, o que é recuperado não passa de uma pilha de ossos. As bombas de alto explosivo de Israel explodiram e mutilaram em pedaços muitos dos mortos. Os ossos e restos de roupa são colocados em sacos brancos para cadáveres, nos quais o Sr. Homs escreve a palavra árabe "majhoul". Significa "não identificado".

Um morador de Rafah, Osama Saleh, voltou para sua casa após o cessar-fogo e encontrou um esqueleto lá dentro. O crânio estava fraturado. O Sr. Saleh calcula que o corpo ficou lá por quatro a cinco meses. "Somos humanos com sentimentos... Não consigo transmitir a vocês o quão miserável é a tragédia", ele diz.

Estar cercado todos os dias pelo cheiro de corpos em decomposição é uma experiência profundamente perturbadora, como aqueles que testemunharam as consequências de mortes em massa costumam testemunhar.

"Os corpos são assustadores. Estamos vendo terror", diz Osama Saleh. "Juro que é uma sensação dolorosa, eu chorei."

Famílias também estão chegando aos hospitais para procurar restos mortais. No pátio do Hospital Europeu no sul de Gaza, coleções de ossos e roupas estão espalhadas em sacos para corpos.

Abdul Salam al-Mughayer, 19, de Rafah, desapareceu na área de Shaboura; de acordo com seu tio, Zaki, era um lugar de onde você não voltava se fosse lá durante a guerra. "Então, não fomos procurá-lo lá por esse motivo. Não teríamos retornado."

Zaki acredita que um conjunto de ossos e roupas na frente dele pertencem ao desaparecido Abdul Salam. Ele está de pé com um funcionário do hospital, Jihad Abu Khreis, esperando o irmão de Abdul Salam chegar.

"Há 99% de certeza de que o corpo é dele", diz Abu Khreis, "mas agora precisamos da confirmação final de seu irmão, das pessoas mais próximas a ele, para ter certeza de que as calças e os sapatos são dele".

Logo depois, o irmão chegou do campo de refugiados de tendas de al-Mawasi, também no sul de Gaza. Ele tinha uma fotografia de Abdul Salam em seu telefone. Havia uma foto de seus tênis de corrida.

Ele se ajoelhou diante do saco para cadáver e puxou a tampa. Ele tocou o crânio, as roupas. Ele viu os sapatos. Havia lágrimas em seus olhos. A identificação estava completa.

Outra família se moveu ao longo da fileira de sacos para corpos. Havia uma avó, seu filho, uma irmã adulta e uma criança pequena. A criança foi mantida no fundo do grupo enquanto a mulher idosa e seu filho olhavam sob a cobertura do saco para corpos. Eles se encararam por alguns segundos e então se abraçaram em pesar.

Depois disso, a família, ajudada por funcionários do hospital, levou os restos mortais. Eles estavam chorando, mas ninguém gritou alto.

Aya al-Dabeh tinha 13 anos e vivia com sua família e centenas de outros refugiados em uma escola em Tal al-Hawa, na Cidade de Gaza, no norte. Ela era uma de nove crianças.

Um dia, no início da guerra, Aya foi ao banheiro no andar de cima da escola e - sua família diz - ela foi baleada no peito por um atirador israelense. As Forças de Defesa de Israel dizem que não têm civis como alvo e culpam o Hamas por atacar de áreas civis. Durante a guerra, o Escritório de Direitos Humanos da ONU disse que houve "tiros intensos por forças israelenses em áreas densamente povoadas, resultando em assassinatos aparentemente ilegais, incluindo de espectadores desarmados".

A família enterrou Aya ao lado da escola, e sua mãe, Lina al-Dabah, 43, a envolveu em um cobertor "para protegê-la da chuva e do sol", caso o túmulo fosse mexido e exposto aos elementos.

Quando os militares israelenses tomaram a escola, Lina fugiu para o sul. Ela foi com outras quatro crianças — duas filhas e dois filhos — para se reunir com o marido, que tinha ido antes com os outros filhos do casal. Lina não teve outra opção a não ser deixar a filha onde estava, esperando voltar e recuperar os restos mortais para um enterro adequado quando a paz chegasse.

"Aya era uma garota muito gentil, e todos a amavam. Ela amava a todos, seus professores e seus estudos, e era muito boa na escola. Ela desejava o bem a todos", diz Lina. Quando o cessar-fogo chegou, Lina pediu aos parentes que ainda viviam no norte para verificar o túmulo de Aya. A notícia foi devastadora.

"Eles nos informaram que a cabeça dela estava em um lugar, as pernas em outro, enquanto as costelas estavam em outro lugar. Quem foi visitá-la ficou chocado e nos enviou as fotos", ela conta.

"Quando a vi, não consegui entender como minha filha foi tirada do túmulo e como os cães a comeram? Não consigo controlar meus nervos."

Os parentes coletaram os ossos e em breve Lina e sua família viajarão para o norte para levar os restos mortais de Aya para um túmulo apropriado. Para Lina, há uma tristeza sem fim e uma pergunta que não tem resposta - a mesma pergunta que se coloca a tantos pais que perderam filhos em Gaza. O que eles poderiam ter feito diferente, as circunstâncias da guerra sendo as que eram?

"Eu não poderia tirá-la de onde ela estava enterrada", diz Lina. Então ela pergunta: "Para onde eu poderia tê-la levado?"
Fergal Keane

Vasto leque de indesejáveis

Adolf Hitler passou à história como responsável pela morte de seis milhões de judeus. Mas não só. Não sei se já se fez ou se será possível fazer uma contabilidade sobre outras minorias que ele perseguiu, supliciou e também matou: os comunistas e supostos comunistas, ciganos, eslavos, homossexuais, alcoólatras, toxicômanos, deficientes físicos e mentais. Hitler não admitia essas pessoas em suas fronteiras. Elas comprometiam a "pureza" e a "vitalidade" do povo alemão.

Certamente inspirado por Hitler, de quem era admirador (cumprimentava-o por telegrama em seus aniversários), nosso ditador Getulio Vargas emitiu em 4 de maio de 1938 o decreto-lei nº 406, dispondo sobre estrangeiros no Brasil: "Artigo 1º. Não será permitida a entrada de estrangeiros, de um ou de outro sexo, aleijados, mutilados, inválidos, cegos, surdo-mudos, indigentes, vagabundos, ciganos e congêneres, alcoolistas e toxicômanos; que apresentem afecção nervosa ou mental de qualquer natureza e lesões orgânicas com insuficiência funcional." Etc. Um vasto leque.


Pois, há dias, o presidente Donald Trump ordenou a demissão de todos os funcionários contratados pela Nasa pelo critério "Deia". "Deia" é a sigla em inglês para diversidade, igualdade, inclusão e acessibilidade —o que abrange a maioria das condições proscritas por Hitler e Getulio. Trump não quer saber de gente nessas condições em sua agência espacial.

Diante da absoluta similaridade nas medidas desses governantes, não há motivo para livrá-los de uma definição também única: eram ou são fascistas. Por que brindá-los com eufemismos e meias-palavras?

Trump fará o que quiser em seu país com mexicanos, brasileiros, colombianos e outros morenos, para ele criminosos natos. Mas sabe que não poderá deportar dos EUA os gays, cegos e mutilados. Ao visar a Nasa, no entanto, está protegendo os interesses de seu amigo Elon Musk, precavendo-se contra a entrada de indesejáveis no novo território de cuja posse Musk já se arrogou: o planeta Marte.

O aprendiz de imperador

Se quiser entender o presidente Donald Trump tem que assistir O Aprendiz (Prime Vídeo). O filme tem o mesmo título daquele programa de TV no qual ele massacrava candidatos à carreira de executivo.

O Aprendiz retrata a ascensão de Trump no ramo imobiliário até se tornar uma celebridade, nos anos 80. Nessa fase, teve como guru o advogado Roy Cohn, cujos ensinamentos questionáveis inspiraram a atuação empresarial e política do ainda futuro presidente dos EUA. A dupla se orientava por três princípios seguidos religiosamente até hoje por Trump: 1º Atacar, atacar, atacar; 2º Nunca admita seu erro nem sua culpa; 3º Em caso de derrota, afirme enfaticamente que venceu.

Nesse sentido, não reconheceu sua derrota para Biden e impeliu uma multidão de seguidores contra o Capitólio, colocando em risco a vida de milhares de pessoas. Já começou seu novo mandato atacando, atacando, atacando o mundo em várias frentes, com bravatas econômicas e militares contra o Canadá, Panamá, Groelândia, México, Oriente Médio, China, Colômbia e Rússia (atos de uma dramaturgia planejada, assim como a deportação em massa dos imigrantes).

Assim, segundo o diplomata Rubem Ricupero, apesar de serem ameaças de cunho internacional, o objetivo de Trump é jogar para a sua torcida interna. Desse modo, procura se afirmar como um imperador cowboy, capaz de qualquer coisa para defender o interesse da sua corte.


Por isso, “Make America Great Again”, não é uma estratégia real de recuperação econômica nacional, mas sim um slogan para dar esperança aos órfãos do American Way of Life. Com isso, fideliza seu eleitorado, obtendo engajamento dos desempregados de Detroit, dos americanos brancos de classe B, C e D, dos “negros de bem” e dos imigrantes legais em geral. Todos contra a imigração ilegal, a bandidagem, os terroristas, os comunistas, as ongs, a ONU, os cartéis e tudo mais que simbolize um risco para o renascimento prometido do sonho americano.

Trump sabe que os EUA têm as maiores reservas de petróleo do planeta (reforçadas pelos depósitos de petróleo e gás de xisto). Têm também uma população economicamente ativa cujo grau de envelhecimento médio ainda não é tão preocupante como o de outros países desenvolvidos. O País tem também um estoque de terras agricultáveis e habitáveis ainda intocadas. Conta com acesso aos dois principais oceanos e um isolamento terrestre que melhora a posição de defesa do seu território.

Como bom aprendiz de imperador, Trump pode se dar ao luxo de algum “mise en scène”. Somado a tantas vantagens geográficas e demográficas, sabe que dispõe ainda de uma poderosa marinha de guerra onipresente e do maior arsenal nuclear do mundo. Tem maioria na Suprema Corte e no Congresso e é apoiado por uma máquina de propaganda formada pelas maiores redes digitais da atualidade.

O Aprendiz revela um Donald Trump com intuição e pragmatismo aguçados. No centro de tudo está ele próprio, portador de um narcisismo em grau elevado e desprovido de afetos ou compromissos. Seduz ou descarta pessoas com a mesma naturalidade. É obcecado pelo sucesso e pela ostentação pessoal, tendo se tornado uma espécie de bezerro de ouro de si mesmo.

É bom lembrar que, antes de mais nada, Trump é um homem de negócios agressivo, acostumado a blefar, a jogar no limite do risco. Resta saber se ele vai orientar suas escolhas segundo a “racionalidade” que fundamenta o capitalismo clássico, ou se continuará seguindo os três princípios do seu guru Roy Cohn na hora de tomar decisões cruciais para os EUA (e para a humanidade).