sexta-feira, 9 de agosto de 2019

Mito do Brasil


Moro esta aprendendo machismo na escola de seu chefe Bolsonaro?

Já vi publicadas, talvez mais e com maior ênfase no exterior do que no Brasil, as motivações que o ex-juiz Sérgio Moro, hoje ministro da Justiça do Governo ultradireitista de Jair Bolsonaro, apresentou para justificar o crescente número de feminicídios perpetrados no Brasil. Por ocasião, dias atrás, do décimo aniversário da lei María da Penha, de combate à violência machista, Moro afirmou: “Talvez nós, homens, nos sintamos intimidados pelo crescente papel da mulher em nossa sociedade. Por conta disso, parte de nós recorre, infelizmente, à violência física ou moral para afirmar uma pretensa superioridade que não mais existe”. Nas redes, pouco depois, escreveu: “O mundo mudou. Temos muito a aprender. Diz isso não o ministro, mas o filho, marido e pai de mulheres fortes”.


Em seguida, a antropóloga Debora Diniz, que se mudou para os Estados Unidos depois de ter recebido ameaças de morte por seu protagonismo na defesa da mulher e de seu direito a decidir sobre seu corpo e sua sexualidade, escreveu: “Ministro Moro, por favor, apague essa mensagem. É uma questão de dignidade. Os homens que ameaçam a mulher são apenas covardes”.

Há quem tenha ironizado que a ideia de Moro sobre a violência machista, segundo a qual se deveria ao fato de que a mulher adquiriu maior poder na sociedade moderna e ameaça o homem, não parece aprendida na ilustre Universidade de Harvard, onde se formou, mas na nova escola de seu chefe, o presidente Bolsonaro. Foi ele, conhecido misógino, que disse à deputada Maria do Rosário que só não a estupraria porque ela era feia e não o merecia, e que ofendeu sua filha pequena ao confessar que “deu uma fraquejada”, já que ele teria preferido mais um filho homem. Teria sido o quarto.

Parece que Moro, de repente, se esqueceu de que vive no país que aparece em quinto lugar entre os 84 países com maior taxa de feminicídios. Que de acordo com a BBC, todos os dias há uma média de 13 assassinatos de mulheres no país. Talvez Moro ignore que três quartos dos crimes cometidos por machismo são contra mulheres negras e de baixa renda. Será que também elas intimidam os homens pela consciência que de repente adquiriram sobre seu poder na sociedade?

Será que a experiência que Moro teve como filho, marido e pai o levou a ter medo das mulheres fortes como ele as qualifica? Sim, a grande maioria das mulheres que hoje são sacrificadas no altar do machismo mais primitivo são mulheres fortes, é verdade, mas com a fortaleza da dura experiência da pobreza e de serem condenadas pela cor da pele como escória da sociedade. Elas são conscientes não de seu poder, mas de terem nascido, como recitavam os velhos códigos patriarcais ainda hoje vigentes no Brasil, só para dar ao homem prazer e filhos. Essa força interior da mulher negra e pobre não é a que segundo Moro intimida hoje os homens que matam suas companheiras. Eles as matam porque, no fundo, se sentem mais fortes do que elas e protegidos pelo manto da impunidade.

Não apenas personagens de primeira ordem da Igreja, como Santo Tomás de Aquino, chegaram a duvidar de que a mulher tivesse alma e, portanto, era apenas um objeto nas mãos dos homens. Desde os tempos de Adão e Eva, no mito da criação, há mais de três mil anos, aparece claro que a culpada de todos os males sempre foi e continua sendo a mulher. No paraíso, interrogado por Deus sobre o pecado de ter comido o fruto proibido, Adão imediatamente culpou Eva: “A mulher que pusestes ao meu lado apresentou-me deste fruto, e eu comi” (Gênesis 3,11 e seguintes).

Teria sido melhor que Moro, o juiz mito, que não tremeu a mão na hora de levar à cadeia centenas de personagens do mundo político e empresarial, começando pelo carismático, amado e popular ex-presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, tivesse aterrissado no Governo extremista de Bolsonaro para trazer novos ventos de democracia e modernidade em vez de aparecer também ele hoje como discípulo aplicado na escola do obscurantismo, do machismo e do desprezo à mulher e seus melhores valores.

Se for verdade que Moro vislumbra horizontes políticos que se resolveriam nas urnas, não deveria se esquecer de que a maioria dos milhões que votam no Brasil é composta por mulheres. E não acredito que as mulheres, das menos cultas às mais modernas, tenham gostado do deslize antifeminista do ministro que minimizou a tragédia e a dor de milhares de mulheres que no Brasil são condenadas à morte por seus maridos ou ex-maridos. Não porque elas já se sintam liberadas e empoderadas e imponham intimidação e medo aos homens, mas porque continuam sendo carne de canhão fácil do poder que o homem ainda exerce sobre elas.

É muito triste.

Direita sem máscara

Muito injusta essa perseguição ao presidente. Seu jeitão de “sou assim mesmo” e suas declarações sinceras ajudam o Brasil a se confrontar consigo mesmo e com sua História. Jair faz a extrema-direita sair do armário e arreganhar os dentes, todos salivando contra o próximo, contra dados negativos sobre a pátria ou contra o mero debate de ideias. 


Jair obriga o isentão a se posicionar e sair do muro. Com seus arroubos, pitis e ataques, Jair estimula a imprensa a dar o maior duro, em tempo real, para esclarecer a população e desmascarar mentiras. Quem sabe, um dia, Jair personificará tanto ódio, preconceito e desumanidade que uma oposição inteligente surgirá em nosso país. 

Jovens e velhos, aproveitem as trevas e busquem a luz e a informação. Já sabiam que o pai do presidente da OAB havia sido sequestrado e assassinado sob custódia do Estado durante a ditadura militar? Ou só souberam porque Bolsonaro resolveu vociferar e inventar que os companheiros de guerrilha o tinham executado?

Sabiam que o desmatamento da Amazônia quase quadruplicou? Ou só souberam depois das provocações de Bolsonaro ao físico e presidente do Inpe, Ricardo Galvão, exonerado por “falta de clima”? Aliás, todos já conheciam o Inpe – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – ou só depois da guerra ambientalista de Bolsonaro? Eu não sabia que a Noruega doa tantos bilhões para o Fundo Amazônia. Confesso que estou aprendendo muito com Bolsonaro no poder. 

Sabiam que a Ancine viabiliza o cinema e o audiovisual brasileiros? Só “A Turma da Mônica” teve 2 milhões de espectadores. Por implicar com filmes “pornográficos” como Bruna Surfistinha, Jair declarou: “Vamos buscar a extinção da Ancine. Não tem nada que o poder público tenha que se meter a fazer filme.” Por causa do Jair, O Globo mostrou que, em 2018, biografias, família, relacionamentos e religião foram temas de 40% dos 185 filmes. Prostituição, 1%. Um filme religioso teve a maior bilheteria no ano passado. Eu não fazia ideia.

Sabiam que, dos 62 presos mortos em Altamira, no Pará, 26 ainda aguardavam julgamento e não tinham condenação? Talvez não chegássemos a saber se Jair tivesse reagido dignamente às bárbaras decapitações. Em vez de pensar na dor das famílias, disse: “Pergunta para as vítimas (dos presidiários decapitados) o que elas acharam”. 

Sabiam da corrida de garimpeiros em terras indígenas, ou só estão se informando depois do auê causado pelo Jair? Ele tentou transferir da Funai para a Agricultura a demarcação das terras, peitou o Congresso, feriu a Constituição e depois recuou. 

Sabiam no Sudeste o nome do governador da Paraíba, antes de Jair se referir pejorativamente aos nordestinos como “paraíbas” e deflagrar uma guerra orçamentária contra a região, acusando o Nordeste de querer “a divisão do país”? Sabiam que 1,8 milhão de crianças trabalham ilegalmente em vez de estudar? Conheciam a dimensão do trabalho escravo, que Jair vê com condescendência?


Medidas Provisórias e decretos presidenciais têm levado o Brasil a entender mais de: porte e posse de armas; estações ecológicas; papel do Itamaraty; repressão policial. Jair está excitado com o pacote anticrime porque agora os criminosos “vão morrer na rua igual barata”(sic). 

Um terço dos brasileiros pensa e age como o presidente. Atacam com ofensas, ameaças e palavrões qualquer um que não se alinhe com o bolsonarismo. Jair tirou a máscara da extrema-direita. E isso é bom.

Agora aguentem

Como defendemos a democracia, Bolsonaro é o que temos até 2022. Mesmo com discurso autoritário, ele sempre foi eleito pelas urnas, desde os tempos de parlamentar até a presidente
Rodrigo Maia, presidente da Câmara

A Amazônia irá salvar os direitos humanos?

As árvores da Amazônia estão caindo, líderes indígenas estão sendo mortos. Presidente Bolsonaro compara a floresta Amazônica “a uma virgem que todo tarado de fora quer”, e desautoriza os dados e evidências de cientistas que provam o vertiginoso crescimento do desmatamento. No lugar de cientistas sérios, assumem burocratas subservientes que dizem “aquecimento global não é minha praia” e concordam com a censura governamental de que “dados alarmistas” serão revisados pelo Governo antes de serem públicos. As políticas autoritárias e depredatórias de Bolsonaro foram capa da The Economist e tema de um artigo provocador de Stephen Walt, professor de relações internacionais da Universidade de Harvard, na Foreign Policy.

Walt pergunta “quem irá salvar a Amazônia?”, e parte de uma cena fantasiosa de política internacional de 2025, em que o futuro presidente dos Estados Unidos ameaçaria invadir o Brasil para evitar uma catástrofe global. A provocação é sobre o uso de sanções militares, econômicas e políticas aplicadas a países em crises humanitárias (como anunciou recentemente o presidente Trump à Venezuela), caso se mantivessem as políticas ambientais depredatórias no Brasil. Se a Amazônia é de interesse global e sua destruição terá efeitos para além das fronteiras do país, a analogia parece servir: assim como o direito internacional reconhece a legitimidade do uso da força para salvar povos em extermínio, similarmente o faria para recuperar um bem que é de interesse da humanidade, o meio ambiente.


“Diferentemente de Belize ou Burundi, o que o Brasil faz pode ter um grande impacto”, atesta Walt, que cuida de não fazer uma defesa explícita da intervenção militar, mas de operar no campo hipotético entre o uso legitimado da força para proteger direitos humanos de populações ameaçadas, como ocorre na Síria, ou analogicamente para salvar o meio ambiente. Walt sabe que não é só a história que o separa da realidade de um enfrentamento de potências globais contra o Brasil: é o que descreve como “paradoxo cruel” — os países que mais ameaçam o meio ambiente são também grandes potências nucleares ou econômicas, como China, Estados Unidos, Índia, Japão e Rússia.

O paradoxo é ainda mais cruel do que traça Walt: poder militar e econômico determinam o silêncio sobre políticas ambientais e de direitos humanos. Não por coincidência que muitas das potências militares-econômicas que ameaçam o meio ambiente também são violadoras de direitos humanos. Novamente o Brasil de Bolsonaro é um caso paradigmático: a alegoria da floresta Amazônica como uma “virgem” e sua posse como o desejo de um “tarado” estrangeiro denuncia, como diz Jason Stanley, alguns dos sintomas da política fascista, como a “ansiedade sexual” e a “hierarquia” que move a “irrealidade” dos líderes. Mesmo que alinhado a políticas ultraconservadoras globais, como as instauradas na Hungria de perseguição aos estudos de gênero nas universidades, Bolsonaro estabelece sua própria lógica hierarquizante do mundo: “eles” são todos aqueles contra os interesses econômicos e militares que movem sua agenda desenvolvimentista de exploração do meio ambiente e espoliação dos povos indígenas.

É na irrealidade da fantasia fascista que os líderes mentem e promovem a perseguição a cientistas e universidades, o “anti-intelectualismo” descrito por Stanley. Não sem razão que o presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais do Brasil foi demitido após demonstrar o crescimento de 40% no desmatamento da floresta Amazônia nos últimos doze meses. É um dado alarmista e, por isso, “antinacionalista”. Mas, inesperadamente, pode ser a Amazônia a oferecer o salva-vidas a um país em naufrágio pelas políticas fascistas. O papa Francisco se disse preocupado com a “mentalidade cega e destruidora que privilegia o lucro sobre a justiça”, e convocou o Sínodo da Amazônia para definir o papel da Igreja Católica na defesa da floresta e dos povos indígenas. É certo que são diferentes agentes políticos, pois a mesma igreja que promove a homofobia e a misoginia que encanta os líderes ultraconservadores, é a que se lança contra as políticas ambientais predatórias. Por isso, deve haver esperança de que na fragmentação das alianças de poder a Amazônia salve os direitos humanos.
Debora Diniz, pesquisadora da Universidade de Brown/ Giselle Carino, diretora da IPPF/WHR.

Pensamento do Dia


Dissonância cristã

Caros brasileiros,

o Cacá Diegues deve ter razão: Deus é brasileiro – e ele precisa tirar umas férias. Ele deve estar sobrecarregado já há alguns anos. Afinal, a busca pelo apoio divino está grande. Parece que o Brasil inteiro está rezando por um futuro melhor. Na missa, no estádio, na rua, na praia, na comunidade, na prisão, no Congresso e no Planalto.

Por isso, como cristã e membro da comunidade luterana peço a vocês: deixem Deus descansar! Tirem Deus da agenda política! Poupem o Senhor dos abismos de Brasília e do Planalto. Pois a palavra de Deus é grande demais para se enquadrar em campanhas eleitorais ou em programas de partidos.

Aliás, poucas palavras da Bíblia bastam para chegar à conclusão de que é melhor separar fé pessoal de políticas públicas. Na sua epístola aos Gálatas, o apóstolo Paulo escreveu que "o fruto do Espírito de Deus é caridade, alegria, paz, paciência, afabilidade, bondade, fidelidade" (Gálatas 5,22).


No Sermão da Montanha, o apostolo Mateus advertiu: "Cuidado com os falsos profetas! Vêm ter convosco como se fossem ovelhas, mas por dentro são lobos ferozes. Pelos seus frutos é que vocês os hão-de reconhecer. Porventura podem colher-se uvas das silvas ou figos dos cardos? (Mateus 7, 15-16).

O presidente Jair Bolsonaro parece mais um "falso profeta" do que um "fruto do Espírito de Deus". O seu lema "Brasil acima de tudo, Deus acima de todos" sugere fé. Mas essa fé em Deus que move milhões de brasileiros pelos quais tenho profunda admiração, para Bolsonaro parece mais uma ferramenta de campanha política do que um guia pessoal.

Bolsonaro não age sozinho. Na campanha eleitoral, os crentes eram cobiçados por diversos pré-candidatos. E a poderosa bancada evangélica no Congresso, que reúne 195 deputados e oito senadores, muitas vezes também se apresenta na pele de ovelha. Pois pautas como o porte de armas e a redução da maioridade penal não refletem o mandamento cristão do amor ao próximo.

Os planos do presidente e de seus aliados não se restringem a esses projetos legislativos. Poucos dias atrás, Bolsonaro avisou que quer indicar para o Supremo Tribunal Federal um ministro "terrivelmente evangélico". Na sua conta no Twitter ele postou: "O Estado é laico, sim. Mas o Presidente da República é cristão, como aproximadamente 90% do povo brasileiro também o é."

Está certo. O Brasil é um Estado laico desde 1889. A Constituição brasileira defende a liberdade de religião bem como a liberdade de não ter religião nenhuma. E graças a essa garantia, o católico Bolsonaro teve a liberdade de mudar de religião, de se converter de católico para evangélico. Em maio de 2016, ele foi batizado nas águas do rio Jordão, em Israel, pelo pastor da Assembleia de Deus Everaldo Dias Pereira, ex-candidato a presidente da República pelo PSC.

Mas infelizmente, com Bolsonaro, chegou ao poder um cristão que prega o evangelho, mas na prática o desrespeita. Um presidente que ainda como deputado, em 2014, ofendia uma colega dizendo que ela não merecia ser estuprada por ele porque era "muito feia" e não fazia seu "tipo". Um presidente que disse que "direitos humanos no Brasil só defendem bandidos". Um presidente que defende a tortura, a violência policial, o trabalho infantil e o desmatamento da Amazônia.

Imagino que essa dissonância cristã deve doer nos ouvidos divinos. Por isso imploro a vocês: pelo amor de Deus, parem de gritar e abusar do nome Dele! Tenho certeza que ele preferiria preces silenciosas a posts polêmicos nas redes sociais. Se Deus é brasileiro, o Diabo também é.
Astrid Prange de Oliveira

Herói da tortura


Um herói nacional que evitou que o Brasil caísse naquilo que a esquerda hoje em dia quer 
Jair Bolsonaro recebendo a viúva do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra acusado de prática de tortura no regime militar

Ela veio para ficar

O Brasil vive um paradoxo: é uma democracia presidida por um líder autoritário que, por palavras e atos, despreza os valores básicos da ordem democrática. Até por isso, está na ordem do dia avaliar quem e quantos são os bolsonaristas de raiz —aqueles que apoiam incondicionalmente o chefe.

Com o cientista político Fernando Guarnieri, do Iesp-Uerj, analisamos resultados das pesquisas de intenção de voto feitas pelo Datafolha no ano das eleições. Em junho de 2018, quando a campanha não começara, Bolsonaro era o preferido de 17% dos entrevistados.

À época, o eleitor típico do capitão era homem, jovem (25 a 34 anos), branco ou amarelo, com renda familiar entre 20 e 50 salários mínimos, evangélico, empresário ou autônomo regular, morador das regiões norte, sul e centro-oeste. A probabilidade de um cidadão com esse perfil declarar-se disposto a votar em Bolsonaro beirava os 90%.

Já em outubro, na última pesquisa realizada imediatamente antes do primeiro turno o índice subiu para 95%. Ou seja, praticamente todos os eleitores com tais características pretendiam votar no candidato do PSL. Esse parece ser o núcleo duro do bolsonarismo.


Marcos Coimbra, diretor do Instituto Vox Populi, em artigo publicado na revista Carta Capital, chega a conclusão semelhante quanto ao porte dessa parcela do eleitorado —embora divirja sobre as suas características sociais. "Os encantados com o capitão", assinalou, "são predominantemente mais velhos e ricos".

Dias atrás, este jornal publicou informações coletadas pelo Datafolha nos últimos meses e que permitem avaliar o apoio da população às posições mais extremadas de Bolsonaro. Elas revelam que aproximadamente 1/3 dos entrevistados —número semelhante aos dos seus eleitores no primeiro turno e dos que continuam a apoiá-lo— acredita que a política ambiental prejudica o desenvolvimento, que o governo deve reduzir as áreas destinadas às reservas indígenas, que o golpe de 31 de março de 1964 deve ser comemorado e que a posse de armas deveria ser um direito. Na mesma linha, pouco menos de 1/3 concorda que a segurança seria maior se a polícia matasse mais suspeitos e, enfim, que o Brasil deve dar preferência aos Estados Unidos em comparação com outros países.

Em suma, focalizando apenas o núcleo inicial dos adeptos do capitão, constituído por homens brancos de renda alta, ou o grupo mais amplo que hoje forma a sua base de apoio, a extrema direita é minoria. Minoria, porém considerável, que parece ter vindo para ficar e é suficiente para levar seu candidato ao segundo turno em 2022. Seja ele o próprio Bolsonaro ou outro "mito" qualquer.
Maria Hermínia Tavares de Almeida

Bolsonaro submete Sérgio Moro a encolhimento

Há na praça um Sergio Moro diferente. É um personagem menor do que aquele juiz respeitado que migrou da 13ª Vara Federal de Curitiba para o Ministério da Justiça. A diminuição de Moro não se deve apenas à divulgação das mensagens que ele trocou com o chefe da Lava Jato, Deltan Dallagnol, no escurinho do Telegram. Nos últimos dias, o que mais contribui para o encolhimento do personagem é o comportamento de Jair Bolsonaro.


No início do governo, o presidente endossou a prioridade de Sergio Moro —um pacote anticrime e anticorrupção— e editou medida provisória entregando a ele a engrenagem do Coaf. Hoje, Bolsonaro avisa que o pacote de Moro não é mais prioritário. E passou a chamar de "perseguição política" a investigação em que o Ministério Público do Rio de Janeiro maneja dados do Coaf para apurar o que o primogênito Flávio Bolsonaro fez no verão passado.

O Congresso devolveu para Paulo Guedes, ministro da Economia, a engrenagem do Coaf. Dizia-se que Guedes manteria intacta a equipe de Moro. Quem acreditou fez papel de bobo. Bolsonaro encomendou a cabeça de Roberto Leonel, um auditor fiscal que Moro colocou no comando do Coaf. Leonel ousou criticar decisão do ministro Dias Toffoli, do Supremo, que aproveitou um recurso de Flávio Bolsonaro para suspender investigações fornidas com dados do Coaf.

Digamos que há alguns meses Sergio Moro tivesse uma biografia impecável, estabilidade no emprego, um pacote anticrime, uma promessa de poltrona no Supremo Tribunal Federal e uma mulher chamada Rosângela. Hoje, o ministro precisa levar flores diariamente para Rosângela. Ela pode ser a única coisa que lhe resta. Quanto a Bolsonaro, embora o capitão ainda não tenha notado, seu comportamento deixa seu discurso sem nexo.

Mundo precisa de outra dieta alimentar para combater crise climática

A crise climática alcançou tal dimensão e rapidez — 2019 encadeia recordes de temperaturas mês após mês, enquanto se sucedem ondas de calor e secas — que já não basta se fixar em apenas um setor para tentar manter o aquecimento dentro de limites manejáveis. Não será suficiente, por exemplo, que o setor energético reduza suas emissões de gases do efeito estufa, que segundo a maioria dos cientistas estão por trás da mudança climática. São necessárias mudanças profundas em outras áreas, como a da produção global de alimentos e a gestão dos solos. E também nos hábitos alimentares.

Essa conclusão permeia todo o relatório especial sobre mudança climática e terra do IPCC, o painel internacional de especialistas que assessoram a ONU. A análise, apresentada nesta quinta-feira em Genebra (Suíça), teve a participação de 107 especialistas de 52 países, apontando a necessidade de mudanças para combater o desmatamento, a desertificação e o desperdício. O estudo ressalta que este último, sozinho, é responsável por entre 8% e 10% de todas as emissões de gases do efeito estufa geradas pelo ser humano. Entre 25% e 30% do total de alimentos produzidos no mundo se perde ou se desperdiça, ressaltam os especialistas da ONU em seu relatório.


O IPCC observa que “dietas equilibradas”, baseadas em alimentos de origem vegetal, como cereais secundários, grãos, frutas e verduras, são benéficas para a luta contra a mudança climática. Incluem-se também alimentos de origem animal, mas produzidos de maneira sustentável, com baixas emissões. “Algumas opções dietéticas exigem mais terra e água”, disse Debra Roberts, uma das cientistas que coordenaram o estudo, “e provocam mais emissões de gases”.

Há 10 meses, em outubro de 2018, outro relatório do IPCC sacudiu o mundo. Porque os cientistas alertavam que o ser humano estava ficando sem tempo para cumprir o Acordo de Paris, que estabelece como meta limitar o aquecimento médio até o final do século em até dois graus Celsius acima dos níveis pré-industriais (final do século XIX) — e na medida do possível mantê-lo em menos e 1,5 grau. Com um aumento que já ronda um grau Celsius e a acumulação de CO2 na atmosfera em níveis nunca vistos, aquele relatório do IPCC advertia para a necessidade de uma redução sem precedentes e em curtíssimo prazo das emissões de gases de efeito estufa se o mundo quiser realmente cumprir os compromissos de Paris.

Agora, a análise monotemática do IPCC sobre o uso da terra no planeta ressalta a importância do setor alimentar nesta luta e a necessidade de tomar medidas urgentes: “Agir agora pode evitar ou reduzir os riscos e prejuízos e gerar benefícios para a sociedade”, afirma o texto. “As rápidas ações de adaptação e mitigação climáticas, alinhadas à gestão sustentável da terra e ao desenvolvimento sustentável (...), poderiam reduzir o risco para milhões de pessoas expostas a fenômenos extremos do clima, desertificação, degradação da terra e insegurança alimentar”.

Porque a terra, com o uso que o ser humano lhe dá, é ao mesmo tempo uma vítima da mudança climática e uma causa desse aquecimento. O crescimento da população mundial e as mudanças nas dietas e no consumo desde meados do século passado levaram a “taxas sem precedentes de uso da terra e da água”, aponta o IPCC. Por exemplo, cerca de 70% do consumo mundial de água doce se destina à agricultura. “Estas mudanças contribuíram para o aumento total de emissões de gases de efeito estufa, perda de ecossistemas naturais e diminuição da biodiversidade.” O relatório recorda que desde meados do século passado o consumo per capita de gorduras vegetais, carnes e calorias disparou. Essas mudanças nos padrões alimentares levaram à existência de dois bilhões de pessoas com obesidade ou sobrepeso no planeta.

O relatório estabelece que 23% de todos os gases do efeito estufa emitidos pelo homem provêm da agropecuária, a silvicultura e o uso da terra. Mas, incluindo-se outras emissões associadas à produção mundial de alimentos, essa cifra pode chegar a 37%. “Prevê-se que as emissões pela produção agropecuária subam, impulsionadas pelo crescimento da população e da renda e pelas mudanças nos padrões de consumo”, adverte o relatório.
Impactos

O IPCC ressalta que a mudança climática já impacta a segurança alimentar, ao alterar os padrões pluviais e aumentar a frequência e intensidade de fenômenos extremos que danificam as lavouras. E as projeções não são boas: “Prevê-se que a frequência e intensidade das secas cresçam particularmente na região mediterrânea e na África meridional”.

Mas se prevê que um impacto planetário: na Ásia e África haverá mais pessoas submetidas a desertificação; na América, Mediterrâneo, sul da África e Ásia Central se preveem mais incêndios florestais; nos trópicos e subtrópicos cairá o rendimento dos cultivos... Além disso, estas consequências, que podem incrementar as migrações associadas a fatores ambientais, serão maiores à medida que o aquecimento aumentar.
Soluções

O relatório aponta a algumas soluções, como mudanças nas dietas e no consumo. Ou ações de maior envergadura, como os “muros verdes” com espécies vegetais nativas que sejam protegidas para frear a desertificação. Os cientistas do IPCC explicam que há ações com “impactos imediatos” positivos, como a conservação de ecossistemas em turfeiras, pântanos, pradarias, mangues e florestas, que armazenam enormes quantidades de gases do efeito estufa, as quais são liberadas quando ocorre o desmatamento, contribuindo para o aquecimento. Outras intervenções, como o reflorestamento, exigem décadas para serem efetivas.

Em todo caso, o IPCC recorda que a terra tem que continuar sendo “produtiva para manter a segurança alimentar”, dado o aumento da população previsto e os impactos negativos do aquecimento. “Isto significa que há um limite para a contribuição da terra na luta contra a mudança climática”, observa o painel de especialistas, que adverte para os riscos que a bioenergia pode causar para a “segurança alimentar, a biodiversidade e a degradação da terra”.

O IPCC propõe a necessidade de uma resposta rápida ao desafio da mudança climática: “Retardar a ação (...) poderia dar lugar a alguns impactos irreversíveis em alguns ecossistemas”. E isto por sua vez geraria mais gases do efeito estufa, que aqueceriam ainda mais o planeta.

Manuel Planelles