sexta-feira, 30 de setembro de 2016

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Rotatividade delituosa

O titular é a pessoa que avalia e monitora atos presidenciais – aqui incluído o exame prévio da constitucionalidade de cada um deles –, acompanha a execução de ações governamentais da Presidência e demais ministérios, supervisiona o andamento das propostas do Executivo no Congresso, passa o pente-fino em cada palavra a ser publicada no Diário Oficial, analisa o mérito dos projetos, fiscaliza o andamento das propostas, faz a interface com o Parlamento, toca, enfim, a República.

Explicito isso para que o prezado leitor e a cara leitora tenham a exata noção do que significa o posto ocupado nos governos dos variados partidos e do PT por nove titulares. Daí talvez lhes facilitem a compreensão sobre a gravidade de cinco deles serem acusados, condenados ou investigados por corrupção.

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O primeiro e mais poderoso, José Dirceu, cumpriu pena em decorrência do processo do mensalão e foi preso outra vez por decisão do juiz responsável pelo caso do petrolão. Certamente sofrerá novas condenações. Dirceu é aquele cujo braço direito nos primórdios do governo de Luiz Inácio da Silva, Waldomiro Diniz, foi pego pela exibição de um vídeo em que tentava extorquir o bicheiro, dito empresário, Carlos Cachoeira.

Um tempo risonho. Franco e de alguma forma até ingênuo a julgar o que viria depois. Dirceu sucumbiu ao escrutínio do Supremo Tribunal Federal e antes sofreu a cassação do mandato na Câmara numa situação muito semelhante à de Eduardo Cunha, sendo um todo-poderoso que não resistiu aos fatos. Isso numa época em que a votação para esses casos era secreta.

Deu-se um trauma no governo Lula que, para superá-lo, nomeou Dilma Rousseff, a ministra de Minas e Energia de então, para o posto. Já na ideia de construção da candidatura de uma “mulher honesta” que viria a parecer tudo menos honesta. Elegeu-se presidente e no mandato subsequente sofreu o segundo impeachment em menos de 25 anos da história brasileira.

Em seguida a Dilma, ocupou a Casa Civil Erenice Guerra, até então o chamado braço direito dela. Não durou no cargo, do qual precisou abrir mão quando das evidências de prática de influência dela e da família no governo. Erenice hoje está na mira de Curitiba.

Por breve período de dois meses durante a campanha eleitoral de 2010, Carlos Eduardo Esteves foi o chefe da Casa Civil enquanto Dilma cuidava da própria campanha da qual, uma vez eleita, nomeou Antonio Palocci para a Casa Civil. Isso a despeito de o personagem já ter tido várias denúncias, dentre as quais as do recebimento de propinas por causa de um repentino aumento de patrimônio e de ter, por isso, perdido o cargo de ministro da Fazenda.

Hoje Palocci está preso, sob a acusação de extorquir R$ 128 milhões da empreiteira Odebrecht. Sua sucessora, Gleisi Hoffmann, encontra-se nas malhas da Lava Jato por obra do caixa 2 da Petrobrás do qual, segundo os investigadores, teria recebido R$ 1 milhão resultante de propinas acertadas por ocasião de contratos firmados pelo governo com a Petrobrás.

Depois de Gleisi foram nomeados Aloizio Mercadante, Jaques Wagner e Eva Chiavon (militante do MST), descontada a fracassada tentativa de acolitar Lula na Casa Civil para protegê-lo da ação do juiz Sérgio Moro. Não se protegeu nem impediu abertura de procedimento por obstrução de Justiça.

De onde é de se concluir que a Casa Civil foi tratada nos anos do PT no poder como a casa da mãe Joana.

O ex-futuro presidente ideal

Do início do governo Lula até o mensalão, me tornei um grande admirador de Antonio Palocci, imaginava que ele poderia suceder Lula em 2006, estava disposto não só a votar como a fazer campanha para ele. Em contraste com a grossura e a bravataria de Lula, ele era sóbrio e eficiente, de uma discreta simpatia interiorana, habilíssimo em negociações políticas e na condução da economia, um moderado moderno, inteligente e competente, com prestígio politico, experiência administrativa e credibilidade com o empresariado e com todos os partidos. O presidente ideal, que muita gente, até quem não gostava do PT, sonhava. Uma espécie de síntese dialética de Lula e FHC.

Palocci falava, e pensava, com clareza e precisão desconhecidas por Dilma, apesar da língua presa, que não impediu Lula de ser presidente e Cazuza um popstar. É melhor que língua solta e rabo preso.


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Como leitor de romances, fiquei fascinado com o escândalo da “casa dos prazeres” da turma de Ribeirão Preto, regado a garotas bonitas e bons negócios, mas, como eleitor, fiquei arrasado quando Palocci caiu. Não porque estava roubando, fraudando licitações ou arrecadando dinheiro para o partido, pensava-se, caiu por medo da mulher, do que teria que dizer em casa, “pela família”. E perdeu a chance de ser candidato a presidente, com apoio até de parte da oposição.

Para piorar, foi vítima da delação de seu aliado Rogério Buratti, a quem havia recomendado entusiasticamente uma das garotas da casa. Buratti gostou tanto que se apaixonou e rompeu um casamento de 20 anos para se casar com ela. E ficou com ódio eterno de Palocci ...rsrs.

Estava liquidado. Mas não, ele foi decisivo para a eleição de Dilma, ganhou poder e autoridade, e era uma esperança de competência e sensatez na Casa Civil. Poderia ter minimizado os desatinos de Dilma e talvez impedido a grande gastança e a contabilidade criativa. E se credenciado para sucedê-la.

Mas não, preferiu faturar 20 milhões de reais com consultorias duvidosas. Trocou, duas vezes, por dinheiro e por mulheres, a chance de mudar a História do Brasil. E acabou preso. Que história !

Nelson Motta

Imagem do Dia

Frauenkirche, em Dresden (Mirko Seidel)

O padrão político do PT

A decisão unânime da 2.ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) de aceitar a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) e seu marido, o ex-ministro dos governos petistas Paulo Bernardo, por corrupção e lavagem de dinheiro, reflete uma realidade que se enquadra no “contexto de corrupção sistêmica dentro da Petrobrás”, de acordo com entendimento do ministro-relator Teori Zavascki. Essa realidade, que o acúmulo de evidências torna irrefutável, na verdade extrapola o âmbito da Petrobrás e se estende a todo o aparato governamental da era lulopetista. Reflete o método político pelo qual Lula e seu PT optaram, na desastrada tentativa de consolidar um projeto de poder populista.

Chamado a prestar contas à Justiça, o casal de militantes petistas – ela senadora, com passagem pela chefia da Casa Civil de Dilma; ele quadro partidário de primeira linha do lulopetismo, ministro do Planejamento (2005 a 2011) e das Comunicações (2011 a 2015) – surge como símbolo da impostura de um partido político que chegou ao poder prometendo impor padrões morais rígidos à gestão da coisa pública e de ser um defensor intransigente das classes menos favorecidas, provedor infalível e generoso de suas necessidades materiais.

Um fenômeno relevante nos 36 anos de existência do PT ajuda a entender os desvios da trajetória político-programática estabelecida na fundação do partido. Numa primeira etapa, intelectuais e líderes religiosos que haviam ajudado a fundar o partido e a consolidar suas primeiras conquistas foram praticamente expulsos de suas fileiras pela ala sindical, mais rude e direta. Em seguida, após se ter transformado em partido eleitoralmente competitivo e depois de ter conquistado o Planalto, o PT passou a sofrer defecções importantes no seu quadro de lideranças, motivadas pela decepção com os novos caminhos que estavam sendo trilhados sob o comando de Lula e José Dirceu. A liderança remanescente acomodou-se sem maiores problemas em conveniente tolerância à adesão de Lula às práticas políticas de seus novos aliados, que no passado condenara com veemência. Essa gente sempre soube que corrupção é crime. Apenas passou a admitir que é impossível governar sem concessões a ela.

Os resultados da “luta em benefício das causas populares” foram a gastança descontrolada dos recursos públicos, a “nova matriz econômica” que resultou na recessão econômica, no estouro da inflação – que afeta principalmente os mais pobres – e nos mais de 12 milhões de desempregados em todo o País.

O casal Gleisi e Paulo Bernardo simboliza quase à perfeição o substrato do lulopetismo, que tem como uma de suas características mais marcantes a hipocrisia. A senadora, que como dirigente da cúpula partidária e ex-chefe da Casa Civil convivia necessariamente com a corrupção generalizada no governo, teve a ousadia de proclamar, no plenário do Senado, que ali ninguém tinha “autoridade moral” para julgar Dilma Rousseff. E, ao saber que se tornara ré no STF, afirmar que, finalmente, poderia contar a seu favor com o “benefício da dúvida” que lhe teria sido negado na fase de investigação da Lava Jato.

O ex-ministro do Planejamento, por sua vez, fez mais. Estava à frente da pasta quando o “governo popular” implantou a cobrança de uma taxa debitada compulsoriamente na conta de todos os aposentados beneficiários de crédito consignado. Um golpe que possibilitou a arrecadação de R$ 100 milhões que teriam sido destinados aos cofres do PT, descontada a milionária comissão que teria sido embolsada. A investigação relativa a esse golpe, por conta do qual Paulo Bernardo passou alguns dias encarcerado em junho último, não é a mesma que agora leva o STF a transformá-lo em réu. Essa é relativa à acusação de que ele teria recebido dinheiro do esquema do petrolão para abastecer a candidatura de sua cara metade ao Senado, em 2010.

Em seu relatório a favor do recebimento da denúncia, o ministro Zavascki destacou que se sentia à vontade para acolher o pedido da PGR porque evidências contidas no processo vão “muito além das declarações prestadas em colaboração premiada”. Poderia ter dito, em outras palavras, que o jeito petista de fazer política é reconhecível à primeira vista.

Livrai-nos do mal

Estamos às vésperas de mais uma carnavalesca "festa da democracia" assim denominada pelos maus intencionados. Ninguém vai, por obrigação, à festa a que não foi convidado muito menos a um convescote de pilantras conhecidos, sem ética desde criancinha.

As eleições, no Brasil, continuam a ser uma dádiva democrática dos políticos. A festança é deles, não do eleitor, ainda mero coadjuvante de presença obrigatória na peça marqueteira.

O Brasil democrático de hoje atua debaixo dos panos quando se trata de política e governança. O cidadão, traído a cada dia pelas falcatruas "legais", é o último a saber e o primeiro a quem se cobra a conta.

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A democracia da carochinha, praticada nas últimas décadas, se converteu em regra, quando deveria ser exceção. Candidatos, que na verdade só abrem a boca para dizer besteiras, divulgam a cantilena de defender o povo. Mentira manjadíssima, pois estão concorrendo para defender interesses próprios e dos camaradas. Se realmente cumprissem promessa, as cidades não estariam neste miserê nem edis e vereadores viveriam na bonança.

Nas cidades médias e pequenas, prolifera ainda o pós-voto de cabresto, ligado ao assistencialismo, às promessas de água, esgoto e asfalto, como se não fosse obrigação, mas dádiva, sem contar as melhorias na educação e saúde que ficam na propaganda eleitoral.

Os tempos são para pensar seriamente numa reforma política que privilegie o eleitor, o mais importante ator da democracia e não mero financiador deste Circo Brasil sem transparência e Justiça eleitoral andando de carona em carro de boi.

O fim da obrigatoriedade do voto, a extinção do Fundo Partidário, no qual todo mundo contribui para todos os partidores viverem à fartura, um basta às famigeradas coligações servirão para dar mais poder ao eleitor e a restrição da boquinha comissionada - compra de votos legalizada - são outras medidas para tirar o osso da cachorrada.

Há que se exigir urgentemente uma reforma para evitar que já em 2018 o eleitor não seja ainda uma peça no jogo dos poderosos. Os políticos, perdão, canalhas do Brasil devem ser postos no devido lugar de verdadeiros eleitos para servir ao povo, não dele se servirem. Se há mau eleitor, cretino como seu candidato, é porque foi amestrado e traz de berço o DNA da síndrome de Gerson (coisa que uma boa injetada de ética não cure). Uma faxina na legislação vai dar uma boa desratização e só continuará a ser exceção o bandido de raiz.

Quanto a domingo, comecemos a rezar para que as urnas despejem nas prefeituras e câmaras municipais menos calhordas e cretinos.

"Não nos deixeis cair em tentação e livrai-nos do mal"
Luiz Gadelha

Onde foi que erramos? Onde nos perdemos?

Não quero mais escrever nada. Ficar no lero-lero que nada constrói, nada conserta. E então faço o quê? Chutar pedrinhas na rua já não dá, é tarde pra isso, vou é cair, escorregar, levar um tombo. Saudade, Deus meu, de quando dava seis horas da tarde e logo após essa hora da ave-maria, que alguém no rádio rezava (Júlio Louzada?) com grande audiência, e eu podia ouvir Jerônimo, o Herói do Sertão.

O rádio era muito acompanhante e os programas, mais ingênuos, de riso quase bobo.

Muita saudade do meu pai, da minha mãe que ouvia as novelas do Cashmere Bouquet andando de um lado pro outro. Ela não sentava, acho que se afligia, não sei bem.

Éramos uma família em paz. Lá fora também havia paz. Onde foi que erramos? Onde nos perdemos? O que será da nova geração que vem por aí? Que tropeços ela precisará enfrentar, lutar para ultrapassar?

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Eu era feliz sem computador, sem celular. A TV começou a distrair a família do aconchego, dos causos que ouvíamos em comunhão com o passado paterno. Éramos um grupo. Éramos uma família.

Minha mãe fazia questão da ‘hora da mesa’, quando não se podia falar qualquer coisa sem ouvir ‘ó , é hora da mesa’.

Quero meu passado de volta, a paz que ele me trazia e hoje não encontro em nenhuma modernidade.

Quero de volta o seo Lucas, o ‘expressinho’ da injeção em seringas de vidro, que vinha em casa e ainda aplicava o remédio na bunda.

Quero de volta os armazéns do seo Carlos, do seo Bastos, na esquina, onde Aurélio, irmão da Quina, tirava as beiradas do bacalhau cru. Onde eu via vizinhos que faziam compras no caderno para acertar no pagamento.

Quero de volta dona Amelinha e a filha dela, Tereza com Z, professoras que davam aula de reforço na grande varanda da casa, em volta de uma mesa comprida com bancos inteiriços. E eu quis porque quis, mesmo sem precisar, fazer como outras meninas faziam: comparecer a essas aulas.

Minha mãe sorriu da minha vontade. E por um período lá estava eu em volta da grande mesa.
Lembro de uma coisa que errei. Dona Amelinha me pediu para fazer uma frase com a palavra cartaz. Errei porque escrevi: “Sonia tem um grande cartaz”. Era sobrinha da dona Sílvia e seo Olavo, uma menina bonita de olhos verdes e muito espevitada pra época.

Esse seo Olavo foi o mesmo vizinho que me olhou com os olhos cheios d’água ao me ver inteira na delegacia, após eu ligar pra casa e avisar minha mãe que o ônibus havia batido no carro do meu pai quando eu voltava da escola em que trabalhava.

Quero minha vida de volta, a paz daqueles dias em família, o sossego nas ruas.

Devolvo tudo: o computador, o smartphone, a TV de led de não sei quantas polegadas, os cartões de banco que facilitam minha vida em não sei quantas agências no mesmo bairro.

Quero que confiram minha assinatura no livro de capa preta do Banco Mineiro da Produção, onde meu pai tinha conta. Quero de volta o bonde que me levava à escola, ainda que meu pai usasse o carro.

Quero as empregadas amigas que atravessaram gerações em perfeita comunhão conosco. Como a Ana, babá do meu avô ‘nhô’ Chico; Samaria e o filho Joaquim, que subiu na mangueira pra pegar meu irmão lá em cima porque ele não sabia descer; quero Geralda, filha da Samaria, quero a Margarida, que se casou com o Fernando, que pintava a nossa casa. Maria Pretinha ainda está com Tia Zilda e as filhas, com direito a tudo: do plano de saúde ao amor incondicional da família que ajudou a criar e que é dela também.

E que bem lá atrás tomava conta de mim no quarto do vovô e vovó e me perguntava quem eu preferia: a Marlene ou Emilinha?

Pra onde foi tudo isso? Pra onde foi essa felicidade que não volta mais? Não está nos cinemas, não está nos teatros nem nas ruas e em nenhuma viagem. Está no passado. E o passado passou. Envelheceu comigo.

Piano Brasileiro

Juventude transviada e o custo do atraso

Há no momento uma grande necessidade de comunicação entre profissionais da área de ciências sociais e a população em geral, sobre as medidas discutidas de ajuste fiscal. A comunicação é dificultada pelo fato de se tratarem de medidas impopulares. Um caminho possível é deixar claro que são medidas amargas de fato, mas inequivocamente mais amargas se tomadas amanhã, ao invés de hoje. O mote da argumentação pode ser o custo do atraso no ajuste.

O risco que se corre não é de uma fila de aposentados ou funcionários públicos federais sem receber seus proventos em dia. Isto pode ocorrer com um estado, como no Rio. Mas é difícil de imaginar quando há recurso implícito à emissão monetária.

Mesmo no caso limite no qual o endividamento público adicional se torna impossível por falta de credores adicionais, a história de vários países mostra que as forças políticas acabam por levar o Banco Central a emitir moeda para pagamento das contas públicas federais.

O Brasil não corre assim, como se tem dito, o risco de se transformar em um grande Estado falido. Mas sim o risco de retroceder 25 anos, transformando-se de novo em um país com uma inflação demasiadamente alta.

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Como no filme “Juventude transviada”, de 1955, a situação de hoje guarda correlação com aquela dos dois carros que correm lado a lado em direção a um precipício. Neste conhecido jogo, quem salta por último e mais perto do precipício ganha a disputa. O problema é que mostrar-se mais corajoso do que o colega ao volante do outro carro implica altíssimo risco.

De um lado, tem-se o carro da política fiscal, reagindo às forças políticas com o pé no fundo do acelerador das despesas. Do outro lado, o carro da política monetária, este com o pé no fundo de outro acelerador, o dos juros. Reagindo à política fiscal expansionista e tentando controlar a inflação. À frente de ambos, o precipício do desemprego, já beirando 13 milhões de trabalhadores. E a ameaça de uma situação ainda pior, que pode rapidamente fugir ao controle.

Se o carro da política fiscal parar primeiro, o motorista da política monetária pode frear o seu carro logo adiante, evitando o desastre que ocorre no filme. Baixa os juros. Por outro lado, se o carro da política fiscal seguir firme em frente, sem dar ao carro da monetária a sensação de que vai parar, o motorista da monetária não tem opção senão se jogar do carro antes do precipício, a exemplo do que faz James Dean no filme.

Isto significa que o motorista da monetária perdeu o jogo. Daí para a frente, seu carro segue desgovernado emitindo moeda para pagar a todos os credores do governo. É o cenário ao qual os cinéfilos de plantão dão o nome de “dominância do carro fiscal”. A inflação se eleva rápida e fortemente e passa a equilibrar as contas públicas taxando majoritariamente os mais pobres.

James Dean à parte, qual o custo do atraso? Tendo-se como ponto de partida uma dívida do governo geral da ordem de 68,5% do PIB ao final de junho de 2016, um cenário possível, se continuarmos postergando o ajuste fiscal, indica algo em torno de R$ 23 bilhões adicionais apenas de pagamento de juros um ano depois. Somem-se a este montante as oportunidades e os investimentos continuamente perdidos em função da incerteza. Bem como a perda da arrecadação fiscal daí decorrente.

Ou seja, ajustar as contas custa cada vez mais caro. O custo do atraso transforma o país, dia a dia, em paraíso para o rentista e inferno para o trabalhador.

Rubens Penha Cysne

Desinteresse e irritação

Vem se aproximando perigosamente do dia da eleição dois fatores que as pesquisas eleitorais não consideram, pelo contrário, fogem deles como o diabo da cruz: o desinteresse e a irritação. Os candidatos, os partidos políticos, a justiça eleitoral e até a mídia omitem e abominam esses dois sentimentos que acompanharão boa parte do eleitorado e demonstrarão a pouca importância que o cidadão comum vem dando ao processo político.

Vamos aguardar os resultados, mas há quem preveja boa parte do eleitorado deixando de comparecer às urnas, por desinteresse amplo, geral e irrestrito.

Outros que não comparecem ou que votam por obrigação estarão com raiva de tudo o que os candidatos representam. A irritação diante daqueles que mentiram a mais não poder durante as campanhas torna-se evidente em qualquer conversa. “Votar nesses bandidos que nos exploram, para quê?”
Os acontecimentos recentes, do mensalão ao petrolão, da Operação Lava Jato ao juiz Sérgio Moro, deixaram o eleitor com raiva da política e dos políticos. “Para que votar se eles vão roubar?”


Essas previsões dependem de comprovação, porque milagres às vezes acontecem. Pode ser que a maioria do eleitorado decida cumprir o seu dever, assim como existirá, entre os candidatos a prefeito e a vereador, um grupo de gente honesta e capaz de trabalhar pelo povo. Mas é bom não apostar, porque o desinteresse e a irritação batem à porta, faltam só 48 horas.

Houve tempo em que as eleições não eram informatizadas e tínhamos de votar colocando no envelope um papelzinho com o nome do candidato. Era grande o número de eleitores que rabiscavam ofensas e até palavrões em vez do nome do candidato, ou até preferencialmente deixando os dois. A justiça eleitoral proibiu a divulgação daquelas opiniões, e agora ficou impossível exprimir nossa irritação num teclado de computador. Mas a raiva permanece a mesma.

Em suma, vale aguardar a noite de domingo, quando já se conhecerão os prefeitos recém-eleitos, com possibilidade de segundo turno nas cidades com mais de 200 mil eleitores. O desinteresse poderá ser expresso pela ausência, a abstenção e o voto em branco. A irritação, porém, seguirá com o eleitor.

A vergonhosa doutrinação nas escolas

Há dois dias circula nas redes sociais um vídeo com a fala de um professor doutrinador. O vídeo foi publicado por uma estudante e reforça o debate em torno da doutrinação em sala de aula que, apesar de cansativo, é profundamente necessário, dado que existem sujeitos mentindo sobre sua existência. Tal como escrevi em um texto anterior, só os doutrinadores negam a doutrinação e aqueles que de fato não enxergam são os mais aguerridos.

Segue a transcrição do que o professor diz:
“Da mesma maneira que aconteceu em 37, a classe trabalhadora, no caso, vocês, né, estão completamente alijados e alienados do que aconteceu. Apenas a classe média, branca, é quem foi à rua vestido de camisa do Brasil querendo que o governo fosse deposto. Mas é porque a classe média que foi à rua, galera, tava insatisfeita com o fato de pobre tá pegando avião no aeroporto […] com o fato de ter mais negro e gente de periferia dentro de universidade. Gente da origem de vocês. A classe média que foi à rua […] tava insatisfeita porque pobre tava financiando carro. Infelizmente, como a gente tem uma sociedade de analfabetos políticos, as pessoas não se deram conta disso[…] devidamente manipuladas pela Globo.”

Que discurso clichê! É precisamente a pregação da esquerda que quer injetar ódio classista nas mentes dos alunos. Antes que um “pedagogo freireano” venha dizer que os estudantes não são recipientes vazios que devam ser preenchidos, respondo: eu sei! Todavia, negar a influência dos professores na formação dos estudantes, para o bem ou para o mal, é pura falsidade e dissimulação de quem pretende doutriná-los.

Mas analisemos mais pormenorizadamente a fala do professor militante.Ele diz que somente a classe média branca foi às ruas pedir o Impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e que seus alunos pertencem à classe trabalhadora que está alienada do que realmente acontece. Assim, se levarmos em consideração que a aluna, que não é branca e que, para o professor, faz parte da “classe trabalhadora alienada”, está filmando e ri do que ouve, ela deve ter ido às ruas ou apoiado as manifestações. Logo, o argumento dele é falacioso.

Além disso, ele alega que a classe média estaria insatisfeita com o fato de “pobre tá pegando avião no aeroporto”, “de ter mais negro e gente de periferia dentro de universidade” e “financiando carro”. Diz também que essa gente é “da origem de vocês”, isto é, dos estudantes. Portanto, se pessoas da “origem deles” são aquelas “odiadas” pela classe média, os alunos devem ser contrários a ela e odiá-la. Isto nada mais é do que a preparação do terreno para o cultivo da mentalidade esquerdista.

Por fim, o doutrinador diz: “Infelizmente, como a gente tem uma sociedade de analfabetos políticos, as pessoas não se deram conta disso […] devidamente manipuladas pela Globo.” Novamente um clichê de causar espanto. Primeiro que ele, como todo militante esquerdista, acredita que todos aqueles que não concordam com a esquerda são “analfabetos políticos”, menos eles e sua classe de bolcheviques modernos e covardes. Esse pessoal sempre se julga clarividente e capaz de mudar o mundo a partir de suas teorias e frases de efeito. Por último, outro chavão da militância: falar mal da Globo.

Todos sabem que insultar esta emissora, falar mal dos Estados Unidos e do capitalismo é lugar-comum do catecismo marxista. Aliás, pergunte ao professor doutrinador do vídeo o que ele pensa sobre o projeto Escola Sem Partido. Já sabemos a resposta. Não seria nenhuma novidade.

Em suma, o que é isso tudo senão uma pregação da luta de classes? É sempre a mesma coisa, o mesmo mantra esquerdista repetido para fins de lavagem cerebral e criação de autômatos. Felizmente isso tem mudado e, diferentemente do que o professor doutrinador acredita, negros e moradores de periferia também raciocinam e sabem quando estão perante um demagogo barato.

Caminhemos, pois!

Razão de viver...o belo ao chão!:
Uma caminhada de manhã cedo é uma bênção para todo o dia
Henry David Thoreau

Incontinência verbal

Foi o romancista, dramaturgo e político inglês Edward Bulwer-Lytton (1803/1873) quem cunhou a frase que, para mim, mais reconhece o valor da palavra: "a pena é mais poderosa do que a espada".

Se você, Leitor, considerar que mais importante do que o que se fala é o que se ouve, tenho certeza que verá cristalinamente o valor da palavra. E a delicadeza com que essa ferramenta mais forte que a espada deve ser utilizada.

Sei que a Liberdade de Expressão é o mantra sagrado de nossos dias. Mas será que ela deve ser absoluta, essa sacrossanta liberdade, ou seria melhor que fosse equilibrada e muito bem pensada antes de ser utilizada?


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O Leitor leu sobre uma palestra que a professora de filosofia Marilena Chauí deu no Colégio Oswald de Andrade, na segunda-feira 26 de setembro, a alunos de 13 a 18 anos, sobre o tema “A Fragilidade da Democracia”? Em seu palavrório, a professora declarou que “a família é uma invenção do final do século XVIII e princípio do século XIX”. Achou pouco: disse também que os pais são déspotas e que quem defende a família é uma “besta”.

Tendo a concordar, já que as “bestas” pagam a esse colégio mensalidades bem salgadas para seus filhos ouvirem pessoas tipo a Chauí que já declarara, em tempos idos, que “a classe média é uma abominação política, porque é fascista, é uma abominação ética porque é violenta, e é uma abominação cognitiva porque é ignorante”. Não sei a que classe dona Marilena pertence, sei que ela se veste e decora sua casa exatamente como um membro da classe média alta brasileira (Revista Cult).

Os políticos também andam abusando do direito de falar sem pensar e matraquear tal papagaios. Ouvir certos candidatos a prefeito é doloroso. É verdade que depois de falar sem pensar, eles pedem perdão pelo que disseram. Esquecem que “perdão” não é borracha!

Exemplo? Um candidato a prefeito de Curitiba, Rafael Greca, disse “A primeira vez que eu coloquei um pobre dentro do meu carro, vomitei por causa do cheiro”.

Aqui no Rio tivemos um momento inacreditável de grosseria no debate entre os candidatos a prefeito. Alessandro Molon e Flávio Bolsonaro trocaram opiniões conflitantes, natural nesses debates, e o candidato Bolsonaro não soube responder à altura. O que fez o pai do candidato, que estava na plateia? No primeiro intervalo usou seu 'magnífico' direito à Liberdade de Expressão para dizer o seguinte ao concorrente do filho: “Você é um merda, um bosta, cuzão. Não bato em você porque se apaixona (sic) por mim".

Mas tem mais e que vem mais do alto: o ministro do STF, Ricardo Levandovski, que todos vimos cuidar do andamento do processo de impeachment da ex-presidente, numa palestra na USP, no dia 28 de setembro, qualificou o processo como um tropeço na democracia: “A cada 25, 30 anos temos um tropeço na nossa democracia. Lamentável, quem sabe vocês jovens conseguem mudar o rumo da história”. Já vi o impeachment ser chamado de muitas coisas, mas de tropeço? Essa foi nova.

A incontinência verbal, doença aparentemente incurável, não grassa só aqui. Nos EUA há um contaminado em alto grau: Donald Trump. Sujeito estranho, muito estranho, dos cabelos aos gestos que, aos 70 anos, está no terceiro casamento, sabe-se lá por quais motivos, mas que se deu ao direito de fazer um comentário machista e burro a respeito da vida do casal Clinton: “Se Hillary não consegue satisfazer seu marido, o que faz pensar que conseguiria satisfazer a América?”.

Trump usa as palavras não para construir alguma coisa, mas para destruir tudo que não seja uma Trump Tower, dinheiro que ele se gaba de saber empilhar. Dos negros diz que são preguiçosos por natureza. E que odeia ver negros contando seu dinheiro. Para essa ‘nobilíssima’ função, Donald diz que só gosta daqueles homens de baixa estatura com um solidéu na cabeça!

Quando será que descobrirão uma vacina?

O silêncio lusitano

Tão em moda no inicio deste ano, arrefeceram-se por aqui as notícias do golpe, depois do impeachment da Dilma. Noticia-se mais hoje a prisão do staff de Lula – Palocci e Mantega –, estampada nos principais jornais daqui. Nota-se, entre os portugueses, um certo espanto com as notícias e já se percebe uma percepção deles com o que aconteceu no Brasil no governo do PT. Existe, porém, um certo ceticismo em relação ao Temer, uma ligeira desconfiança do que será o seu governo e o que ele vai produzir daqui para frente para tirar o país do caos econômico, atrair investimentos estrangeiros e colocar o Brasil nos trilhos novamente depois da terra arrasada petista.

Quando estive aqui em maio deste ano, discutia-se com fervor a legalidade ou não do impeachment da Dilma. Os portugueses mostravam-se influenciados pelo que liam e viam na televisão produzido por seus correspondentes no Brasil. Depois do impeachment, compreende-se melhor a legalidade constitucional do ato, chancelado pelo presidente do STF, e é evidente o desencanto de muitos com o PT depois da notícia da denúncia de Lula pelos crimes de corrupção e da prisão de seus dois ex-ministros da Fazenda, coisa até então inimaginável para o povo português.

A imprensa lusitana já não trata com tanto destaque a prisão dos petistas no Brasil. Acostumou-se ao noticiário da Lava Jato, as delações premiadas dos empresários e políticos e os escândalos de corrupção que se alastraram pelas empresas públicas com a partipação dos ex-ministro da Dilma e do próprio ex-presidente Lula. A Dilma, algumas vezes, tem sido contemplada com notas de rodapés dos jornais, nada mais do que isso. Sua versão de que fora arrastada do poder por um golpe de estado esvaziou-se. Aqui, como no Brasil, ela está indo para a história como uma presidente tonta e desequilibrada, que desgovernou o país atabalhoadamente durante os seis anos.

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Como era de se esperar, a estrela entre os portugueses é o juiz Sérgio Moro. Para alguns jornalistas e políticos, o magistrado conseguiu inibir a corrupção no Brasil e mostrou, com ousadia, que a elite, que tanto beneficiou o PT com dinheiro roubado, também está sendo punida. Acreditam que o Lula não escapa das garras da justiça porque seus ex-ministros da Fazenda, pressionados pelas investigações que os apontam como intermediários do dinheiro sujo, devem fazer delação premiada. Não querem apodrecer na cadeia, a exemplo de Zé Dirceu e dos ex-tesoureiros do PT.

Muitos dos lusitanos não entendem como um prefeito do interior de São Paulo conseguiu movimentar uma fortuna na campanha. Antônio Palocci, que já respondeu a processos quando esteve à frente da prefeitura de Ribeirão Preto, foi denunciado pelo pessoal da Odebrecht como o homem que fazia as transações do dinheiro sujo para as campanhas do PT. Portanto, se resolver realmente abrir o bico tanto Lula como Dilma vão ter que esclarecer o caixa dois que rolou nas campanhas presidenciais. A indisponibilidade dos 30 milhões de reais, encontrados em sua conta pessoal, impossibilita Palocci de se movimentar e até gastar com seus advogados. Uma medida acertada.

A revelação de que os principais homens de Lula estão envolvidos em corrupção e no assalto aos cofres públicos tem esfriado por aqui os movimentos daqueles que ainda acreditavam na inocência de alguns petistas e de que o governo do PT estava sendo realmente injustiçado. Com as últimas prisões a ficha dos portugueses caiu. Agora eles sabem que o Brasil lava roupa suja diariamente manchada pelas falcatruas e as maracutaias da quadrilha petista que governou o país.

Mas para os portugueses o atual governo também está amordaçado. Não caminha com as próprias pernas porque ainda é refém de um amontoado de ideias desencontradas e de projetos duvidosos para tirar o país do caos. Não consegue inclusive se comunicar com eficiência sobre os seus feitos por absoluta incompetência. E no momento em que deveria falar também para o público externo, mandou desligar o sinal da TV Brasil que transmitia sua programação para Portugal tão usada pelos petistas para combater o impeachment e propagar o golpe.

Quanta trapalhada, meu Deus!

Ucrânia lembra 75 anos do massacre de Babi Yar

No período de dois dias, quase 34 mil judeus foram mortos no maior fuzilamento em massa feito pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial 

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Vasily Mikhailovsky ainda se lembra muito bem daquele dia no final de setembro de 1941. Ele tinha 4 anos quando, de repente, apareceram folhetos na Kiev ocupada pela Alemanha. Eles convocavam os judeus a se reunirem num local específico na periferia da cidade. Era um dia de outono ensolarado. "Um grande número de pessoas se colocou a caminho", recorda Mikhailovsky. "Eles puxavam carrinhos com seus pertences."

Mikhailovsky estava com sua babá, Nadia. A mãe havia morrido logo após o seu nascimento. O pai fora capturado pelos alemães como soldado do Exército Vermelho, mas conseguiu escapar. Em seu retorno a Kiev, foi morto a tiros.

O administrador do prédio disse a Nadia que levasse "a criança judia para Babi Yar". Nadia, que, na memória de Mikhailovsky, "não era particularmente bonita, mas muito, muito simpática", obedeceu a instrução. Na manhã seguinte, os dois fizeram o caminho até a ravina, localizada a sete quilômetros de distância, juntamente com milhares de outros.
"Eu estava muito feliz porque pensei que era uma manifestação, como no Primeiro de Maio ou no dia da revolução", diz Mikhailovsky, em entrevista à DW. "Eu dizia para Nadia: 'Compra para mim um balão ou uma bandeirinha. Mas aquele não era um dia de festa".

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Vasily Mikhailovsky se lembra muito bem
 daquele final de setembro de 1941
O que aconteceu naquele dia foi, em vez disso, o maior fuzilamento em massa realizado pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial. No período de dois dias, quase 34 mil judeus foram executados em Babi Yar.

Quando Mikhailovsky e Nadia se aproximaram das demais pessoas na ravina, os soldados se alinhavam na beira da estrada e forçaram as pessoas para dentro da área das execuções. "Eles batiam nas pessoas, as empurravam a coronhadas e cassetetes e as tocavam como gado", recorda-se Mikhailovsky. "Em algum momento, chegamos a uma espécie de cancela."

Ele ainda se lembra de como Nadia mostrou seu passaporte para o policial e disse "eu sou ucraniana, eu sou ucraniana". Um dos guardas a agarrou pelo colarinho e a arrastou para o outro lado da cancela. "Ele apontou para uma pequena passagem e disse 'vá e coloque a criança ali'", diz Mikhailovsky.

Enquanto esperavam, podiam ouvir o que acontecia às pessoas que haviam chegado ao fim da passagem. "Ouvimos gritos e choro, mas os aviões que voavam sobre nós abafavam o barulho", conta Mikhailovsky. "Em algum lugar sobre nós tocava música."

Durante décadas, o que aconteceu naquela ravina não fez parte da história oficial da Ucrânia. No início, as autoridades soviéticas se negaram a reconhecer o massacre. Quando elas finalmente ergueram um monumento – uma enorme estátua de bronze com figuras curvadas em sofrimento – as vítimas foram simplesmente denominadas de "cidadãos soviéticos".

Quando a União Soviética chegava a seu fim, grupos judeus ergueram um monumento de formas mais simples, perto da ravina onde ocorreu a tragédia. Após a independência do país, o governo de Kiev começou a lembrar o evento com cerimônias oficiais.

Neste ano, por ocasião do 75º aniversário, a liderança ucraniana e a comunidade internacional homenageiam as vítimas com um amplo programa, que inclui conferências, exibições de filmes, concertos e exposições. Grupos judaicos querem construir perto do local um grande museu do Holocausto.

Mas a lembrança do ocorrido também gera polêmicas. Os judeus não foram os únicos a serem assassinados em Babi Yar durante a Segunda Guerra Mundial. Também ciganos da etnia rom, prisioneiros de guerra soviéticos, doentes físicos e mentais estão entre as vítimas.

No entanto, a esmagadora maioria dos mortos era de origem judaica. Alguns observadores temem que, com a ênfase no caráter multiétnico da vala comum, o papel de Babi Yar como um dos principais monumentos do Holocausto possa ser diluído.
(O livro "Babi Yar", de Anatoly Kuznetsov, retrata o terror daqueles dois dias e a fumaça da queima dos corpos que por dias encheu a região com a fuligem e o cheiro de carne queimada. A visão e o olfato da imaginação não deixam leitor nenhum imune à atrocidade)

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Cautela na Lava-Jato

Todos os dias a imprensa nos alerta sobre a possibilidade de a Operação Lava-Jato estar sendo sabotada. Uma das narrativas adotadas para sustentar Dilma Rousseff na Presidência era até mesmo a de que o então vice-presidente, Michel Temer, tentaria controlar as investigações, caso assumisse seu lugar.

Entretanto, na hora em que o ministro da Justiça do hoje presidente Temer, em um ataque boquirroto, diz que a Lava-Jato vai continuar e terá desdobramentos imediatos instala-se uma grita contra ele. Para entender se a Operação Lava-Jato será sabotada, devemos saber como tal sabotagem poderia ocorrer.

Basicamente, de três formas. Uma delas é aprovando-se medidas legislativas que afetem o andamento das investigações. Ou promovendo uma anistia, conforme ocorreu na Espanha e na Itália. A terceira forma seria fazendo uma espécie de acordão, no STF, para neutralizar os efeitos das investigações e dos julgamentos na primeira instância.

Não há medida legislativa que possa paralisar a Lava-Jato. A questão da punição ao abuso de poder por parte de autoridade não é empecilho para quem age dentro da lei. A aprovação de uma anistia, de forma a livrar da cadeia os que forem severamente punidos, não está fora de questão. Porém, ela dificilmente será aprovada.

Tampouco vejo o STF com a intenção de limar os efeitos das investigações. Em especial, quando os processos chegam bem calçados em suas denúncias. O STF sabe da relevância de tudo o que está acontecendo, assim como sabe do volume extraordinário de provas apuradas.

Em que pese a Operação Lava-Jato ser palco tanto de acontecimentos extraordinários quanto de certo ativismo judicial, não há como sabotar seu andamento. Enfim, o que conta é que a Operação, iniciada em 2014 e que vai chegar, pelo menos, até 2018, caminha para ser o maior sucesso da história da humanidade no combate à corrupção.

Nada do que foi feito na Operação Mãos Limpas, na Itália, e em operações similares na Espanha se compara ao que está acontecendo e ainda vai acontecer na Lava-Jato. A operação está mudando o modo de se fazer política no Brasil, assim como as relações entre os fornecedores do governo e os políticos.

A magnitude dos resultados impõe ao jovem time de investigadores e procuradores à frente da Operação cautela adicional e total comprometimento com a letra constitucional. Para que tudo não termine ruindo como um castelo de areia.

Fogo-fátuo

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Lá vem a nega Luzia/ No meio da cavalaria/ Vai correr lista lá na vizinhança/ Pra pagar mais uma fiança/ Foi cangebrina demais/ Lá no xadrez/ Ninguém vai dormir em paz/ Vou contar pra vocês/ O que a nega fez/ Era madrugada/ Todos dormiam/ O silêncio foi quebrado/ Por um grito de socorro/A nega recebeu um Nero/ Queria botar fogo no morro
Wilson Batista e Jorge de Castro, ‘Nega Luzia’
Desde o primeiro momento em que o impeachment da então presidente da República, Dilma Rousseff, foi aventando por setores da oposição a seu governo, ilustres dirigentes petistas e líderes de movimentos sociais, seus aliados, passaram a proclamar em alto e bom som que tal desígnio seria intolerável sob todos os aspectos. Caracterizado como golpe, deveria ser obstado por todos os meios possíveis e imagináveis. Os métodos, quaisquer que fossem, de defesa do governo seriam justificáveis, já que se tratava de impedir uma armação contra o poder popular, montada por forças de direita, majoritárias no Congresso Nacional, legitimada pelo Judiciário arbitrário e pela mídia monopolista e reacionária.

Com esse entendimento, as advertências aos propósitos ou tentações golpistas ganharam modulação estridente. O presidente da CUT, Vagner Freitas, prometeu inédita mobilização dos trabalhadores, “para ir às ruas entrincheirados de armas nas mãos”. João Pedro Stédile, dirigente do MST, advertiu que colocaria seu exército de trabalhadores rurais nas ruas. Guilherme Boulos, líder do MTST, ameaçou botar fogo no Brasil. No mesmo diapasão, Lula anunciou que poderia “incendiar o País” – os golpistas haveriam de arder em praça pública ou queimar no fogo do inferno. Os ímpetos sediciosos e as obsessões piromaníacas, que visavam a atemorizar velhos e novos inimigos, transformaram-se, porém, em meros blefes e não encontraram ressonância nem em seus supostos representados.

Tal qual a barafunda promovida pela “nega Luzia”, o caso da reação loquaz ao pretenso golpe da direita por aqueles personagens íntimos do poder, tendo ou não recebido “um Nero”, envolvido ou não “cangebrina demais”, é fato que a suposta resistência se limitou, ao fim e ao cabo, a algumas bravatas, esperneios e espasmos de oratória retumbante. Tirante algumas tentativas de demonstração de força, afirmações de desagravo e prédicas altissonantes de indignação para o público interno, aqui e ali, até mesmo a direção do PT pareceu resignada e – por que não? – aliviada com o desfecho. Parte significativa dos filiados ou coligados, em especial deputados e senadores, governadores e prefeitos, vereadores e comissários, procurou rapidamente salvaguardar sua carreira; muitos até ignoram o governo destituído, fazendo de conta que nada tinham que ver com ele. Alguns dirigentes consideram mesmo que o impedimento da presidente foi uma espécie de tábua de salvação, oportunidade excepcional de unir o partido pela vitimização, além de conveniente para livrá-los do compromisso de sustentar companheira-governante incômoda que só causava desgaste à imagem partidária.

Como explicar que um governo que chegou a ter uma poderosa base aliada no Congresso, com altos índices de popularidade, que parecia contar com o apoio compacto da sociedade civil e estar solidamente incrustado nos aparatos do Estado, repentinamente, viu-se isolado e apeado do mando, abandonado à própria sorte?

A resposta, entendemos, envolve um conjunto complexo de fatores e questões, sobretudo as de natureza política. Entre eles, há alguns que podem ajudar na compreensão desse processo: 1) o inusitado estelionato eleitoral de 2014, quando a coligação PT-PMDB não só camuflou a real situação de crise do Estado e da economia, como prometeu o paraíso e entregou o inferno; 2) o acúmulo de práticas e valores políticos antirrepublicanos, deficitários de ética e democracia, saturados de patrimonialismo e clientelismo; 3) ao contrário do expresso na retórica e no marketing, da implementação de um projeto nacional desenvolvimentista, a economia política dos governos petistas redundou em recessão e, a seguir, numa depressão econômica sem precedentes; 4) o desarranjo da governabilidade, ancorada na aliança PT-PMDB e partidos satélites, organizada e operada por meio da negociação de cargos, da oferenda de verbas e de recompensas políticas e pecuniárias; 5) ao deixar de ser um partido da e para a sociedade civil, o PT, concomitantemente, estatizou e/ou cooptou movimentos sociais, organizações, entidades (CUT, MST, MTST, UNE, etc.) – procedendo dessa forma, imobilizou-os e despojou-os de suas finalidades e quando, alijado do poder, deles necessitou, viu sua capacidade mobilizatória obstada.

Os elementos acima enumerados, juntamente com outros fatos e contingências, acarretaram a corrosão lenta e contínua da credibilidade do governo, conduzindo-o à perda de legitimidade política. Possibilitada, outrossim, pelo fato de o PT não ter sido capaz de conceber e implementar um projeto de hegemonia política. Optou por exercer o poder pelo domínio, desconsiderando as exigências para se habilitar como dirigente. Ao contrário, restabeleceu antiquados métodos de mando das velhas classes dominantes brasileiras: cooptação de parte da sociedade civil e política pelo aliciamento ou pela submissão, mercadejando patrimônio e fundos públicos. Isso criou condições para o revigoramento da cultura política e de forças antidemocráticas, hiperconservadoras e fisiológicas (expressas hoje no “centrão”), que medraram à sombra ou em zonas soturnas do poder petista, alimentadas pelo clientelismo, pelo patrimonialismo e pelo corporativismo.

Apagado o fogo, de seu rescaldo protagonismo capital poderá vir a ter, no processo político reconstituinte, uma esquerda democrática com práxis renovada e com projeto reformista vigoroso, capaz de superar concepções e práticas antidemocráticas, que permita a desobstrução de condutos que dificultam o livre curso da dinâmica democrática.

Eficientes na destruição

Quanto tempo, dinheiro, energia e criatividade o pessoal da Odebrecht gastou para montar e manter por tantos anos o tal “Departamento de Operações Estruturadas”? O sistema supervisionava, calculava e executava os pagamentos de comissões — propinas, corrige a Lava-Jato — referentes a grandes obras no Brasil inteiro e em diversos outros países. Considere-se ainda que os pagamentos deviam ser dissimulados, o que trazia o trabalho adicional de esconder a circulação do dinheiro e ocultar os nomes dos destinatários. Coloquem na história os funcionários que criavam os codinomes dos beneficiários — Casa de Doido, Proximus, O Santo, Barba Verde, Lampadinha — e a gente tem de reconhecer: os caras eram eficientes.

Nenhuma economia cresce sem companhias eficientes. Elas extraem mais riqueza do capital e do trabalho e, com isso, reduzem o custo de produção, entregando mercadorias e serviços melhores e mais baratos.


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Pois o “Departamento de Operações Estruturadas” foi eficiente na geração de uma enorme ineficiência. Tudo aquilo é parte do custo Brasil — encarece as obras, elimina a competição, afasta empresas de qualidade e simplesmente rouba dinheiro público.

Há aqui dois roubos: um direto, o sobrepreço que se coloca nas obras para fazer o caixa que alimenta as propinas; o outro roubo é indireto e mais espalhado. Está no aumento dos custos de toda a operação econômica.

Na última terça, a Fundação Dom Cabral divulgou a versão 2016 do ranking mundial de competitividade, que produz em associação com o Fórum Econômico Mundial. O Brasil apareceu no 81º lugar, pior posição desde que o estudo é feito, atrás dos principais emergentes, bem atrás dos demais países do Brics.

Mais importante ainda: se o Brasil caiu 33 posições nos últimos seis anos, os demais emergentes importantes ganharam posições com reformas e mais atividade econômica. Prova-se assim, mais uma vez, que a crise brasileira é “coisa nossa”, genuína produção nacional.

Os governos Lula 2 e Dilma foram tão eficientes na geração do desastre quanto a Odebrecht com suas operações estruturadas. Uma política econômica que provoca recessão — por três anos seguidos — com inflação em alta, juros elevadíssimos e dívida nas alturas, tudo ao mesmo tempo, com quebradeira geral das maiores estatais — eis uma proeza que parecia impossível.

Para completar, a eliminação de qualquer critério de mérito na montagem do governo e suas agências arrasou a eficiência da administração pública e, por tabela, da empresa privada que tinha negócios com esse governo.

Em circunstâncias normais, numa economia de mercado, a empresa privada opera tendo como base as leis e as regulações que devem ser neutras e iguais para todos. A Petrobras precisava ter regras públicas para contratação de obras e serviços.

Em vez disso, o que a Lava-Jato nos mostrou? Um labirinto de negociações escondidas, operações dissimuladas, manipulações de lei e regras.

Às vezes, a gente pensa: caramba, não teria sido mais simples fazer a coisa legal? Sabe o aluno que gasta enorme energia e capacidade bolando uma cola eficiente e acaba descobrindo que gastaria menos estudando?

A diferença no setor público é que o estudo não dá dinheiro. A cola dá um dinheirão para partidos, seus políticos, amigos e companheiros.

Nenhum país fica rico sem ganhos de produtividade. O Brasil da era PT perdeu produtividade. Mas, pior que isso, criou sistemas ineficientes e corruptos desde os principais setores da economia — construção civil, indústria de óleo e gás — até os mais simples serviços públicos, como a concessão de bolsa-pescador ou auxílio-doença.

SOBRANDO DINHEIRO

Como o Brasil do pré-sal, a Noruega também descobriu enormes jazidas de petróleo. Também constituiu uma estatal — a Statoil — para extração e produção.

Mas os noruegueses tomaram a decisão de guardar a receita do óleo. Constituíram um fundo soberano, alimentado com os ganhos da Statoil, fundo este que passou a investir sobretudo em ações pelo mundo afora. Esses investimentos deram lucros — e este dinheiro, sim, é gasto pelo governo. E o fundão é reserva para as aposentadorias.

O fundo norueguês é hoje o maior do mundo — tem um capital investido de US$ 880 bilhões.

Já o Brasil gastou antes de fazer o dinheiro.

O pré-sal está atrasado, perdemos o boom dos preços astronômicos do petróleo e a Petrobras é a empresa mais endividada do mundo. Outro dia mesmo, vendeu um poço para a Statoil, para fazer caixa. E Dilma dizia que estava construindo o futuro. De quem?

Carlos Alberto Sardenberg 

Consultoria de Palocci é exemplo a ser seguido

A Lava Jato descobriu a solução para a crise econômica. Todo brasileiro desempregado deveria desistir do seu ofício e reorganizar-se como consultor. Entre um escândalo e outro, o médico sanitarista Antonio Palocci fez isso. Colocado no olho da rua por Lula e também por Dilma, dedicou-se à sua firma, a Projeto Consultoria Empresarial e Financaeira Ltda.. O resultado foi estupendo.

Nesta quarta-feira, o Banco Central informou a Sérgio Moro que executou a ordem de bloqueio dos recursos depositados nas contas de Palocci. Nas contas pessoais do ex-ministro, bloquearam-se R$ 814 mil. Nas contas de sua empresa, foram aprisionados R$ 30 milhões. Não chega perto dos R$ 128 milhões que o juiz da Lava Jato mandara bloquear. Mas já impressiona.

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No ano passado, o Coaf, órgão federal que controla as atividades financeiras, já havia atestado o sucesso de Palocci. Em documento datado de 23 de outubro de 2015, a repartição anotara: “A empresa Projeto […] foi objeto de comunicações de operações financeiras […] com valor associado de R$ 216.245.708,00, reportados no período de 2008 a 2015, dos quais R$ 185.234.908,00 foram registrados em suas contas correntes e o restante em contas de terceiros…”

A crise poupou Palocci. Tudo poupou Palocci. A vida, a história, o Supremo Tribunal Federal, os correligionários, os eleitores… Palocci parecia ter descoberto a camuflagem perfeita para passar pelo mundo incólume. Disfarçara-se de Antonio Palocci, o consultor. Nenhuma revelação conseguia abarlar o seu prestígio. Até que a Lava Jato o alcançou. O PT deve ter razão. Só pode ser perseguição a um talento insuspeitado.

O banco seguro

A sensibilidade nas ilustrações de Sungwon. ~ Pêssega d'Oro:
Sungwon
O único banco em que podemos depositar nossas economias é o banco das lembranças. É o único que jamais falirá
Ievguêni Ievtuchenko

O vazio das eleições municipais

Pesquisas costumam ganhar eleições majoritárias, ainda que surpresas possam acontecer. Em São Paulo, Rio e Belo Horizonte parecem vitoriosos João Dória, Marcelo Crivella e João Leite, ainda que nessas três capitais paire a sombra do segundo turno.

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O denominador comum das eleições de domingo é a falta da ideologia há anos verificada ao redor dos vencedores. Deles e da maioria dos candidatos favoritos nas capitais dos demais estados, agora. O fracasso dos indicados pelo PT abre um vazio de razoáveis proporções na ortodoxia política. Ainda que a Direita continue indo muito bem, por conta do imobilismo, a Esquerda escafedeu-se, mais do que se dividir.

A projeção desse fenômeno para as eleições gerais de 2018 está em aberto. Não dá para supor que daqui a dois anos, ao votar para o novo Congresso, os governos estaduais e a presidência da República, o eleitor venha a seguir as tendências do próximo domingo, que, aliás, não significam nada. O que representam João Dória, Marcelo Crivella e João Leite, em termos ideológicos? No máximo, identificam-se com o mais do mesmo. Deverão ser eleitos por conta da ausência de programas e de doutrinas.

Essa a lição das eleições municipais imediatamente seguintes à implosão do PT: o vazio. A falta de uma estrutura capaz de substituir aquilo que os companheiros não conseguiram emplacar.

Bufão acintoso

No clássico romance “Os Irmãos Karamazov”, Dostoievski nos fala de um personagem abjeto, Fiodor Pavlovitch, o Karamazov pai, sujeito que embute na alma corrompida a “volúpia de mentir”. O gigante russo, abarcando como nenhum outro os abismos da alma humana, considera, com agudo senso psicológico, que o sujeito que mente a si próprio e que mergulha na própria mentira, acaba por não poder mais discernir a verdade, nem em si mesmo, nem em torno de si, deixando, portanto, de respeitar a si próprio e aos outros.

Dostoievski tem o velho Karamazov, assassinado pelo próprio filho (Smerdiakov), na conta de um debochado contumaz e lança suas luzes sobre o tipo: “Os embusteiros calejados, que passam a vida inteira mentindo, têm momentos que tomam o seu papel tão a sério que chegam a chorar e a tremer de emoção, embora nesse mesmo instante (ou um segundo depois) possam dizer a si próprios: - Mentes, velho sem-vergonha; não passas de um palhaço, apesar de toda tua ‘santa’ ira e do teu ‘santo’ minuto de cólera”.

Tudo bem medido e pesado, não há diferença básica entre o tragicômico personagem do romancista russo e a figura farsesca de Lula. No caso do vosso velho sindicalista, o exercício diuturno da mentira, para além de manifesta degeneração de caráter, revela uma forma voluptuosa de prazer: no frigir dos ovos, Lula da Silva goza mentindo – e eis a explicação pertinente encontrada pelo escritor russo, que, ademais, no romance, associa o vício incontrolável de mentir à histeria compulsiva do Karamazov pai.


Muito bem. Desde o episódio em que o Ministério Público Federal, baseado em fatos, denunciou o líder do PT como “comandante máximo” do esquema de corrupção montado para saquear a nação, armou-se, em pífia resposta, a encenação de lastimável ópera-bufa. Nela, como émulo do Karamazov pai, saracoteia a figura de Lula da Silva, a um só tempo, patética e burlesca.

Com efeito, sem argumentos válidos para contestar a denúncia sobre os milhões subtraídos dos cofres públicos, o milionário do ABC, no centro do picadeiro habitual, depois de beijar a camisa vermelha, chorar, bufar, esganiçar e se comparar a Getúlio Vargas, JK, Jango e ainda, num ato de estúpida bravata, ao próprio Jesus Cristo - terminou por jurar que, uma vez comprovada sua culpa, “ia a pé”, de São Bernardo a Curitiba, “para ser preso” .

Pior: mais tarde – mesmo sabendo que a mulher de Guido Mantega fazia simples exame de colonoscopia, considerado procedimento de rotina pela filha do ex-ministro preso – Lula vociferou, roufenho de tanto mentir, que a prisão do encalacrado petista era uma falta de “humanitarismo” da PF, silenciando, no entanto, quanto ao achaque de Mantega ao trêfego Eike Batista, o empresário “forte” do governo petista cevado na grana manipulável do BNDES.

Como todos sabem, os comunistas vivem da e para a mentira. Fidel Castro, o Vampiro do Caribe, por exemplo, se jactava de mentir em discursos enfadonhos nos quais castigava o povo cubano (a ouvi-lo de pé) por mais de 12 horas; Stalin, genocida por vocação, mentia sem pestanejar, em especial quando promovia jantares para homenagear camaradas do PC que mandava fuzilar no dia seguinte; por sua vez Lenin, carniceiro-mor, mentia de forma consciente quando iludia o povo com promessas de fortuna igualitária nunca estabelecida na malfada Rússia dos Sovietes; e Mao, o grande pedófilo, sacrificou literalmente 75 milhões de chineses com a campanha do “Grande Salto Para Frente”, mentindo que iria melhorar a vida da população em tempo recorde.

E Lula? Bem, este mente por convicção. Certa vez escrevi que Lula mente até quando diz a verdade – se isto é possível. Mário Morel, autor da biografia “Lula, o Metalúrgico”, narra episódio em que um jovem aprendiz de torneiro mecânico pede ao patrão para fazer hora extra, aos sábados, pois precisa de dinheiro. O dono da fábrica de autopeças resiste, depois cede e avança algum dinheiro ao aprendiz, que não cumpre o trabalho. Cobrado pela falta, Lula, em resposta, diz que estava mentindo e, no deboche, pelas costas, manda o patrão “tomar no cu”.

O “Comandante máximo”, que se acha um sujeito “safo” na sua eterna permissividade, é um péssimo exemplo que nos leva à desídia e à dissolução. Nunca se matou tanto, nunca se roubou tanto, nunca se mentiu tanto no Brasil.

Chegou a hora de trancafiá-lo.

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O terceiro beijo no poderoso dom Paló

Nunca antes na História deste país um ex-ministro da Fazenda havia sido preso na vigência do Estado Democrático de Direito. Agora foram dois numa semana. O primeiro, o economista Guido Mantega, foi acusado de haver achacado um grande empresário, Eike Batista, estrela do time dos privilegiados amigos do reizinho Lula entre os campeões mundiais no usufruto de benesses do BNDES. O outro, o sanitarista Antônio Palocci, dom Paló, é suspeito de ter beneficiado a maior empreiteira brasileira, a Odebrecht, para a qual trabalhou como despachante de luxo na mais alta cúpula do governo federal, que, na prática, foi posto por ele a serviço dela em negócios escusos em África, Zoropa e Bahia. Ambos, como é público e notório, foram ministros de Lula e Dilma. Mas, como é voz geral no território nacional e no planeta, Lula e Dilma são gente honrada.

A frase que abre o primeiro parágrafo deste texto é reconhecida como parte essencial da retórica grandiloquente, arrogante e fantasiosa com que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva vendeu o sonho do consumo compartilhado, que virou pesadelo coletivo. Ao longo de 13 anos, 4 meses e 12 dias, ele e sua afilhada, protegida e sucessora, Dilma Vana Rousseff Linhares, assumiram o poder na República por três mandatos e quase a metade do quarto, todos abençoados pela vontade popular. A última frase parodia um dos mais brilhantes textos já produzidos por um poeta e dramaturgo, o britânico William Shakespeare. Na tragédia Júlio César, Marco Antônio, candidato a sucessor do conquistador e, como este, também um brilhante tribuno, carregando nos braços o cadáver esfaqueado do chefe político e militar que com tropas e leis erigiu a Europa, insistia o tempo todo que seu assassino, Brutus, era um homem honrado. Com a junção dessas frases, este autor pretende desmascarar a verdade dolosa e dolorosa que começa a emergir da ilusão gloriosa com um legado de miséria e dor de uma era de mentira e engodo.

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Guido Mantega subiu com vagar os degraus do panteão petista até atingir o máximo que poderia alcançar, prestando os serviços que dele poderiam esperar seus manipuladores. Economista formado na USP, professor da Fundação Getúlio Vargas, virou espírito santo de orelha do grande líder popular quando o colega Aloizio Mercadante Oliva caiu em desgraça por ter soprado um palpite infeliz e fatal na primeira eleição disputada pelo chefe contra o sociólogo, também da USP, Fernando Henrique Cardoso. Filho do general Oliva, que fez carreira militar na ditadura, ocupando postos de comando à época da guerra suja contra a esquerda armada, Mercadante convenceu o candidato do PT à Presidência em 2002 a denunciar o Plano Real do adversário tucano como “estelionato eleitoral”. Mantega fora assessor de Paul Singer, figurão petista, quando o respeitado colega chefiara a Secretaria de Planejamento na gestão municipal de Luiza Erundina em São Paulo. Mantega publicou seu livro de estreia com prefácio do figurão tucano. Depois, com Palocci e Mercadante Oliva no ostracismo, foi ministro do Planejamento, presidente do BNDES e, enfim, ministro da Fazenda, após um escândalo ter derrubado o ex-guerrilheiro e ex-prefeito de Ribeirão Preto do alto posto no qual conspirava contra o chefe da Casa Civil de então, José Dirceu, pela ambicionada sucessão do chefão de todos no lugar mais alto da República.

Não dá para comparar Guido Mantega com Antônio Palocci Filho. Este passou pela prefeitura de Ribeirão Preto, onde, prestando um tributo ao passado de lutas, instalou um escritório de representação das Farc colombianas no município que governava. Lá deixaria um rastro de suspeitas da corrupção. Por elas, contudo, passou, incólume colosso, administrando com jeito, talento e sorte seu surfe na crista da onda do poder petista. Tudo começou quando Celso Daniel foi executado e Palocci ocupou o lugar do ex-prefeito de Santo André no comando da primeira campanha vitoriosa do chefão do PT à Presidência. Em seu governo tornou-se poderoso czar da economia, como antes haviam sido Delfim Netto na ditadura e Pedro Malan no duplo mandarinato do PSDB sob a égide do Real. Fiador do compromisso do ex-sindicalista com o mercado financeiro local e mundial, afugentou na campanha a ameaça do calote internacional e deu continuidade à gestão da política austera e bem-sucedida do antecessor. Tornou-se enfant gaté da burguesia cabocla, jogando por terra quaisquer desconfianças e construindo um sólido pacto com o capitalismo, de forma a dar a impressão de que nada mais deteria a prosperidade com conteúdo social, que parecia tornar possível um futuro sustentável de fartura e paz.

Mas Palocci protagonizou um dos espetáculos mais nefandos da História da República ao violar, para evitar a própria degola, o sigilo bancário do caseiro de uma mansão suspeita montada por amigos do interior de São Paulo, onde circulavam prostitutas de luxo e malas de dinheiro. Francenildo dos Santos Costa nunca mais se recuperou dos danos provocados pelo asqueroso episódio. Mas muito não tardou para o ex-guerrilheiro que virou jardineiro do fino canteiro de flores da plutocracia nacional voltar por cima do filé com champã. Coordenou a campanha da sucessora indicada pelo sindicalista, Dilma Rousseff. E dom Paló assumiu a Casa Civil, enquanto seu antigo rival José Dirceu enfrentava dissabores com a polícia e a Justiça no mensalão. Só que, uma vez mais, derrubaram-no seus métodos heterodoxos de usar os cargos de poder na República como vias ilícitas para lhe engordar as contas privadas. O instrumento da trajetória, uma consultoria, devolveu-o ao conforto do esquecimento. Mas não à pobreza. Em recente entrevista coletiva, auditores da Receita, procuradores da República e policiais federais contaram à imprensa detalhes de como ele continuou acumulando fortuna no oblívio.

Seu advogado, ex-presidente da OAB e também defensor de Mantega e Lula, José Roberto Batochio, apelou para uma comparação estapafúrdia com a ditadura de 1964 para livrá-lo de todo mal, amém. O criminalista também acusou o preconceito contra a origem peninsular de dois dos clientes e dele próprio de comprovar que a denominação da Operação Omertà (do dialeto napolitano humildade, que define o pacto de silêncio dos mafiosos) deve-se a preconceito contra oriundos da Itália. É compreensível. Que mais argumentar para enfrentar a lógica implacável e os detalhes inquestionáveis dos fatos arrolados pela acusação?

Uma semana antes, o sucessor de Palocci no comando da economia sob Lula, e que foi mantido por exigência deste no governo Dilma, já tinha sido preso para não destruir provas na Operação Arquivo X. Nela o outro ex-ministro da Fazenda fora acusado de achacar, como nunca antes tinha ocorrido, um empresário e beneficiário da “nova matriz da política econômica” que infelicita o povo pobre do Brasil. O jeito foi Batochio acusar o juiz federal que decretou a prisão, Sergio Moro, de desumanidade, pois a ordem de prisão foi cumprida no estacionamento do hospital, no qual acompanhava a dita mulher num procedimento de saúde.

Nossa tragédia bufa é um ex-ministro da Fazenda de dois ex-presidentes da República ser preso, sob a acusação de achacar no próprio gabinete e o juiz que manda prendê-lo, criticado, porque a mulher do dito cujo tem câncer. E, em seguida, outro, flagrado gerindo uma conta conjunta do partido dito operário com uma empreiteira, ser tratado como vítima de um novo Estado de exceção por seu ilustre causídico na semana em que, numa ironia da deusa da História, Clio, as Farc depunham as armas na Colômbia. O poderoso dom Paló é duro na queda e já sobreviveu a dois tropeções. Resta saber se, após este terceiro beijo mortal da justa, o cappo di famiglia sairá vivo. Assim como o chefe de todos os chefes e sua herdeira presuntiva.

Mas não tem nada, não: que importância tem isso, se o ilibado Lula de nada sabia e a imaculada Dilma nunca nada autorizou? E se sua melhor defesa é, ao ser pilhado, perguntar sempre com ar de espanto: cadê os outros?

José  Nêumanne

Eu sei, mas não devia

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.

A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

Maori Sakai
A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.

A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez vai pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer, a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.
Marina Colasanti

Eleições muito estranhas

As eleições municipais do próximo domingo são, por várias razões, atípicas. No plano mais estrutural, o pleito ocorre sob o signo da penúria. Por decisão do STF, candidatos e partidos não podem mais receber doações de empresas. Estão se virando como podem para custear suas campanhas e produzir os programas veiculados no rádio e na TV, que também sofreram um belo corte de tempo.

A brutal redução dos recursos financeiros disponíveis combinada com a diminuição das oportunidades de exposição dos candidatos deveria ser uma força a beneficiar o "statu quo", isto é, os políticos já estabelecidos e conhecidos do eleitor. Essa tendência, porém, se de fato existe, é contrabalançada pelas ondas de choque do terremoto político que o país atravessa desde 2014.

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As investigações da Lava Jato criaram um clima que coloca todos os políticos automaticamente sob suspeita. Isso faz com que postulantes que se exibem como "outsiders" levem uma vantagem. Não é coincidência que o primeiro colocado nas pesquisas em São Paulo, João Doria (PSDB), insista em vender-se como empresário e não como político, mesmo que essa descrição não se coadune muito bem com a realidade.

Outra anomalia no pleito deste ano é que o mais tradicional partido de esquerda do país, o PT, está acuado. Além de constar como um dos principais envolvidos nos esquemas de corrupção revelados pela Lava Jato, o PT ainda tem de enfrentar o desgaste de ser a legenda da ex-presidente Dilma Rousseff, cujo governo colocou o Brasil na maior recessão de sua história. Não parece exagero prever uma onda antipetista, especialmente no Sudeste. Um sintoma disso é que Fernando Haddad (PT-SP), apesar de segurar a normalmente poderosa caneta de prefeito, não está muito cotado para conseguir vaga para disputar o segundo turno.

Por tudo isso, essas serão eleições muito, muito estranhas.

Narcoestados, presente ou futuro na realidade brasileira?

O crime organizado está nacionalizado no Brasil. A exportação para outros estados do modelo de facções e milícias, criado no Rio de Janeiro e em São Paulo, parece definitivamente não estar sendo percebida pelo Ministério da Justiça. A ausência de um projeto brasileiro integrado de combate a esses grupos facilita a expansão deles em escala industrial por capitais e cidades médias. As políticas baseadas na repressão policial feita em trincheiras, esquina por esquina, não levam em conta a extensão territorial do país e a capilaridade das diversas facções.

Não é mais somente o monopólio da venda de drogas ou do gás no varejo que deve ser levado em questão, mas também a ocupação das cidades por facções e milícias que se impõem como um poder paralelo instituído através de ações violentas, torturas e assassinatos, que disseminam o medo em qualquer um que levante a voz contra seus interesses.


Esses grupos criminosos agem no vácuo deixado pelo Estado, que perde territórios urbanos ao se anular negando políticas públicas, estrutura e direitos básicos às periferias. Cada região abandonada é uma nova área livre a ser ocupada pelo poder paralelo, que enxerga nesses vazios enorme potencial lucrativo através da exploração criminosa.


Cidades como Fortaleza, João Pessoa, Natal, Vitória e Maceió, para citar algumas, assistem impassíveis à expansão de facções que se afirmam pichando suas siglas em muros e postando relatos de dominação no YouTube. Esses grupos se atentaram para a importância da disputa do poder institucional, e hoje buscam espaço na política partidária financiando campanhas e indicando candidatos em algumas dezenas de municípios brasileiros.

Somente no estado do Ceará, advogados de partidos políticos com os quais conversei reservadamente estimam 14 cidades com candidatos a prefeitos, que podem ser eleitos no próximo domingo, indicados pelo tráfico de drogas.

Os traficantes desconhecem dificuldades financeiras e bancam campanhas através de cidadãos laranjas que emprestam, muitas vezes coercitivamente, seus nomes e CPFs para pequenas doações que, somadas, chegam a milhões. Subterrâneas, essas facções não são vistas pelos Tribunais Regionais Eleitorais, que estão atentos apenas a possíveis fraudes no âmbito político-partidário, e que sequer têm capilaridade e força investigativa para deter a expansão deste assombroso fenômeno.

Estamos diante da formação de narcoestados brasileiros que, como um câncer, se instalam silenciosamente, inspirados no modelo mexicano em que o crime se faz representado no Poder Executivo e Legislativo, ditando leis não somente através da política do terror e do medo, mas defendendo também os interesses de seu “negócio”.

Nossas instituições não estão percebendo, ou não querem ver, a profissionalização do crime, seja através de milícias ou facções que se embrenham cada vez mais no Estado, tornando-se parte dele como um cupim que pode, aos poucos, corroer toda a sua estrutura. Será que acordaremos a tempo de combater esse fenômeno, ou já é tarde demais?

Chico Regueira

Candidato sustentável

No próximo domingo vamos votar para eleger os prefeitos e vereadores que irão operar as políticas públicas mais próximas do dia a dia dos cidadãos, incluindo uma boa parte da agenda de sustentabilidade. Aqui vão quatro destes temas em que a administração municipal é fundamental: mobilidade, saneamento, florestas e compras públicas.

A mobilidade é regulada e orientada pela prefeitura. Aqui a lógica é simples: a cidade deve criar as condições para que as pessoas andem, pedalem, usem o transporte público e, apenas como exceção, façam uso de veículos particulares. E, quando esta for a opção, que seja de baixa emissão (biocombustível ou elétrico).

O saneamento e a gestão de resíduos, mais do que um dos mais fundamentais investimentos de saúde básica, é também um elemento fundamental para manter um ambiente equilibrado e saudável para a biodiversidade terrestre e aquática e para as pessoas. A presença de áreas verdes e arborização urbana — ou espaços de natureza — reduz a sensação de calor ou frio (um espaço com árvores pode estar até 20 graus mais fresco que um espaço de concreto ou asfalto).

Além disso, melhora a qualidade do ar e aumenta a absorção de água da chuva, entre outros benefícios físicos. Mas, talvez mais importante, a maior revisão dos estudos sobre benefícios de áreas verdes conclui que conhecer e experimentar a natureza nos fazem mais felizes e saudáveis. Atrás das políticas de mobilidade, saneamento, áreas verdes e todas as outras estão as decisões de compra e contratação de produtos e serviços para implementá-las.

Estas decisões de compra pública envolvem contratos de curto prazo (por exemplo, construção de uma escola) e também contratos de longo prazo, como iluminação pública, coleta e tratamento de resíduos e transporte público. É fundamental que os editais e contratos reflitam claramente critérios de sustentabilidade.

No curto prazo, os condicionantes e incentivos precisam se limitar ao possível no presente (energia solar nos prédios públicos, por exemplo). Já nos contratos de longo prazo, pode-se ir mais longe. Por exemplo, um contrato de 40 anos para ônibus urbanos deve prever emissão zero ao longo de sua vigência — talvez não factível em um contrato de curto prazo, mas totalmente realista para o longo prazo.

Em essência, é preciso constituir cidades sustentáveis, que envolvem decisões de todos os dias e de longo prazo. Avaliar o compromisso dos candidatos a prefeito e vereador com esta visão é o objetivo de uma série de iniciativas da sociedade civil, como o Projeto Ficha Verde, no Amazonas, ou Piracicaba Sustentável, no interior São Paulo.

E você? Sabe quais as propostas do seu candidato?