terça-feira, 4 de julho de 2017
Sermão do bom político
O jesuíta Antonio Vieira (1608-1697) foi um pregador magistral, à frente de seu tempo e mergulhado nele. Ao ver a tragédia da violência urbana, que no meu Rio de Janeiro mata mãe e filha e atinge grávida prestes a dar à luz, ferindo gravemente o bebê, suspeito que o banditismo cotidiano é também inspirado pelo oficial, praticado nos palácios do poder.
Mesmo fora dessa monstruosa letalidade, o punguista da esquina certamente tem alguma informação sobre o roubo continuado dos recursos públicos por parte de quem devia dos engravatados. É provável que saiba, por exemplo, que o ex-poderoso e falastrão Sérgio Cabral, manda-chuva fluminense por quase uma década, está na cadeia, e dali não sairá tão cedo. “Se eles, ricos, afanam, por que não eu, que mais preciso?”, deve pensar...
Pois Vieira, em 1655, pregou numa igreja de Lisboa o seu “Sermão do Bom Ladrão”. Falou de Alexandre, O Grande, com sua poderosa armada a conquistar a Índia. O soberano repreendeu um pirata que roubava pescadores, levado à sua presença. Mas o pirata, que, diz Vieira, “não era medroso nem lerdo”, reagiu: “Basta, senhor, que eu, porque roubo em uma barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma armada, sois imperador?”. Vieira conclui, atualíssimo: “o roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza. O roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os Alexandres...”.
Esta situação, que se repete mais de três séculos e meio depois, não é uma condenação às sociedades humanas. Os valores republicanos da transparência e da moralidade pública existem, e há crescente cobrança popular para que sejam de fato praticados, no Brasil e em muitos outros países. Já há legislação, aqui e alhures, para que a corrupção seja contida. Muitas vezes burlada, é verdade. Inclusive por quem devia fazer Justiça.
Mas, além do combate sistêmico, a partir da constituição de estruturas cada vez mais transparentes e socialmente controladas, há também uma imprescindível postura individual (e compartilhada) dos agentes públicos. A estes se impõe austeridade pessoal e missão de serviço, de dedicação, sem ambições patrimonialistas.
Outro jesuíta, o papa Francisco, igualmente admirável, fez recentemente, em encontro com lideranças de movimentos populares, o que eu chamaria de “Sermão do Bom Político”. É uma exortação a todo mundo que está na vida pública: “a qualquer pessoa que tenha apego demais às coisas materiais, aos que gostam de dinheiro, de banquetes exuberantes, de mansões suntuosas, de trajes refinados, de automóveis de luxo, eu aconselharia que examinem o que está se passando em seu coração e que rezem para que Deus os livre dessas ataduras. Quem tem afeição por todas essas coisas, por favor, não se meta em política. Não entre no seminário também!”. Pepe Mujica, de nuestra America como Francisco, que estava nesse encontro, já tinha dito algo semelhante: “quem quer ganhar dinheiro que tente na indústria, no comércio. Não na política”.
Assim seja!
Mesmo fora dessa monstruosa letalidade, o punguista da esquina certamente tem alguma informação sobre o roubo continuado dos recursos públicos por parte de quem devia dos engravatados. É provável que saiba, por exemplo, que o ex-poderoso e falastrão Sérgio Cabral, manda-chuva fluminense por quase uma década, está na cadeia, e dali não sairá tão cedo. “Se eles, ricos, afanam, por que não eu, que mais preciso?”, deve pensar...
Pois Vieira, em 1655, pregou numa igreja de Lisboa o seu “Sermão do Bom Ladrão”. Falou de Alexandre, O Grande, com sua poderosa armada a conquistar a Índia. O soberano repreendeu um pirata que roubava pescadores, levado à sua presença. Mas o pirata, que, diz Vieira, “não era medroso nem lerdo”, reagiu: “Basta, senhor, que eu, porque roubo em uma barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma armada, sois imperador?”. Vieira conclui, atualíssimo: “o roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza. O roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os Alexandres...”.
Esta situação, que se repete mais de três séculos e meio depois, não é uma condenação às sociedades humanas. Os valores republicanos da transparência e da moralidade pública existem, e há crescente cobrança popular para que sejam de fato praticados, no Brasil e em muitos outros países. Já há legislação, aqui e alhures, para que a corrupção seja contida. Muitas vezes burlada, é verdade. Inclusive por quem devia fazer Justiça.
Mas, além do combate sistêmico, a partir da constituição de estruturas cada vez mais transparentes e socialmente controladas, há também uma imprescindível postura individual (e compartilhada) dos agentes públicos. A estes se impõe austeridade pessoal e missão de serviço, de dedicação, sem ambições patrimonialistas.
Outro jesuíta, o papa Francisco, igualmente admirável, fez recentemente, em encontro com lideranças de movimentos populares, o que eu chamaria de “Sermão do Bom Político”. É uma exortação a todo mundo que está na vida pública: “a qualquer pessoa que tenha apego demais às coisas materiais, aos que gostam de dinheiro, de banquetes exuberantes, de mansões suntuosas, de trajes refinados, de automóveis de luxo, eu aconselharia que examinem o que está se passando em seu coração e que rezem para que Deus os livre dessas ataduras. Quem tem afeição por todas essas coisas, por favor, não se meta em política. Não entre no seminário também!”. Pepe Mujica, de nuestra America como Francisco, que estava nesse encontro, já tinha dito algo semelhante: “quem quer ganhar dinheiro que tente na indústria, no comércio. Não na política”.
Assim seja!
A destruição da alma brasileira
Cândido Portinari |
O brasileiro está se tornando mestre na arte da dissimulação. Nada é o que parece, como o cônjuge traidor flagrado em ato sexual com a amante: “Posso explicar, não é o que você está pensando”, tenta, assim, enganar a esposa traída.
A moça cai na balada, sem hora para voltar, engravida de um desconhecido e justifica que não sabia onde estava com a cabeça. “Não sei o que deu em mim”, lamenta. E eu vou lá saber?
O sujeito acabou de assassinar o rival, é preso em flagrante e diz ao delegado: “Doutor, se eu não tivesse feito o que fiz, não sei do que seria capaz!”.
O marido espanca a mulher todos os dias, ou de vez em quando, tanto faz, e culpa a carestia ou a bebida por seus atos. “A vida está difícil, tudo subindo”, explica, ou diz que bebeu demais por causa dos problemas e perdeu a cabeça, mas quem perdeu a cabeça, ou uma parte dela, foi a vítima.
O corrupto desvia a merenda escolar, a comida dos presos, os remédios dos hospitais, os recursos do saneamento básico, a tornezeleira eletrônica, o Bolsa-Família, o dinheiro das obras e da segurança pública, mas diz que caiu em tentação e pede a Deus para livrá-lo de todo mal, amém!
Agora, flagrados com o papelão na linguiça e as difusoras de porco na carne, têm a ousadia de dizer que a Polícia Federal está a serviço dos Estados Unidos.
“Não é o que você está pensando”, diz, enganando o povo brasileiro, como faz o cônjuge flagrado em meio à fornicação, só que com a cabeça do porco na mão pensando que é um microfone.
A necessidade ininterrupta de mentir e de evitar a verdade, mostra Theodore Dalrymple, retira de todos aquilo que Custine (marquês de Custine, francês que escreveu La Russie em 1839, publicado em 1843) chamou de “os dois maiores dons de Deus – a alma e o verbo que comunica”, tornando as pessoas “hipócritas, maliciosas, desconfiadas, cínicas, silenciosas, cruéis e indiferentes ao destino de outros como resultado da destruição de suas próprias almas”.
Miguel Lucena
Fissuras na operação do Direito
O Poder Judiciário e o Ministério Público estão no centro da polêmica. Não se pense que apenas os Poderes Legislativo e Executivo padecem do discurso crítico que se expande nas correntes sociais, a partir do meio da pirâmide. E qual a razão para o Judiciário, o mais elevado no altar da Pátria, ser submetido a uma bateria de fortes críticas? Entre as causas, aponta-se a invasão de magistrados no território do Legislativo, como temos constantemente lembrado em nossa leitura semanal do cenário político-institucional.
O Ministério Público também engrossa o caldo azedo, principalmente nesse momento em que sai de seus vãos a denúncia contra o presidente da República. Há quem veja nas ações rancor do Procurador Geral da República, que se prepara para deixar o cargo em setembro próximo. É voz comum de ele luta para registrar seu nome na história como o “homem que derrubou o presidente”. Na postura dos jovens procuradores destila-se muito açodamento, a partir de Curitiba, donde se extrai a observação de que o MP assumiu a posição de quarto Poder da República.
Já o Judiciário, a partir do Supremo Tribunal Federal, caminha por um corredor bastante escuro, imagem aqui usada não para dizer que lhe falta transparência (a TV Justiça escancara os posicionamentos), mas para expor a ideia de que o ambiente reverbera intensas divisões. Ministros divergem uns dos outros, e tal discordância, ao invés de ser aplaudida no foro da democracia, traz certa preocupação, eis que deixa transparecer contrariedades pessoais e acusações de uns para outros, sugerindo, até, favorecimento a protagonistas. As dissensões internas e as relações entre os Três Poderes reforçam a hipótese de que as instituições vivem o ciclo mais tenso e agressivo da contemporaneidade.
Um aspecto que chama a atenção é a manifestação pública do Judiciário a respeito de política. Coisa que vem ocorrendo há tempos. Aprendemos que os juízes só devem falar nos autos, e agir com precaução, evitando juízos de valor sobre a política partidária. Francis Bacon, filósofo inglês, lembra em seus Ensaios: “os juízes devem ser mais instruídos que sutis, mais reverendos do que aclamados, mais circunspectos do que audaciosos. Acima de todas as coisas, a integridade é a virtude que na função os caracteriza”.
Essa é ainda a marca registrada de um juiz? Ou as coisas mudaram a ponto de exigirem de magistrados posturas condizentes com o espírito do tempo? Onde começa e termina o direito de julgadores de expressar publicamente opiniões sobre comportamento de autoridades públicas? Pode um juiz usar o direito de expressão de cidadãos comuns no espaço da responsabilidade que lhes cabe? Basta pesquisar os anais do STF para vermos os acervos opinativos com a visão peculiar de magistrados. A alegação é a de que o juiz não perde a condição de cidadão que pode, se assim o quiser, opinar sobre a política. O ministro Edson Fachin chegou a discursar, quando juiz em Curitiba, em comício do PT em favor da candidata Dilma Rousseff. Assumiu no palanque posição política.
Esse é um dado da polêmica. Mas o campo de divergências é mais largo. Vejam a última querela, desta feita envolvendo os atos do Procurador Geral da República no território da Operação Lava Jato e o ministro Gilmar Mendes, que desfere tiros no sistema de delações premiadas, nos atos do Procurador Geral e na própria Corte que integra, enxergando nessa mero instrumento de convalidação de acordos realizados pelo Ministério Público.
Gilmar, cujo perfil lembra a do juiz-cidadão que sempre põe o dedo na ferida, é uma metralhadora expressiva. Ao questionar a metodologia usada por procuradores nas delações premiadas e sua homologação, de forma monocrática, pelo relator da matéria no STF, o ministro Fachin, Mendes mexe com os brios dos pares, ao alertar que “a Corte tem dever de lealdade com a Constituição e não com a Procuradoria”. Não tem papas na língua, quando condena o sistema de delação, “porque o delator pode entregar histórias verídicas ou falsas…”, podendo, ainda, ser induzidos a citar nomes, condição para que os acordos sejam aceitos.
Coloca lenha na fogueira quando identifica um “direito penal de Curitiba, a nova jabuticaba que vem tornando impossível o controle da legalidade de várias práticas adotadas pela força tarefa da Lava Jato”. Seus colegas certamente devem ter ficado preocupados quando ouviram dele que a lealdade da Corte à Procuradoria equivale à imagem do “rabo balançando o cachorro.” Como se vê, na esteira da Operação Lava Jato, desenvolve-se renhida guerra entre os operadores do Direito, com foco nos limites funcionais das instituições do Estado.
Critica-se o posicionamento do Ministério Público que estaria extravasando os poderes que lhe são atribuídos; critica-se o próprio judiciário por abrigar larga agenda de questões polêmicas, algumas envolvendo práticas ilegais(queixas de advogados sobre a 1ª instância de Curitiba), judicialização da política(STF entrando no campo legislativo), papel subalterno da Corte nos acordos de delação premiada(convalidação de atos do MPF, segundo o próprio ministro Gilmar), indevida inserção na crise política e excessiva peroração de viés personalista(querelas verbais entre ministros) etc.
O que esperar da Justiça quando os próprios agentes envolvidos em sua operação se engalfinham, a ponto de chamar a atenção pela contundência discursiva? A impressão que se extrai da paisagem tão pontilhada de eventos nervosos é a de que um vulcão está prestes a explodir. A crise política ferve no caldeirão que junta centenas de protagonistas laçados na Lava Jato. O foco maior do incêndio queima as cercanias do Palácio do Planalto. As cúpulas côncava e convexa do Congresso estão também cercadas por fogo alto. E ali na Praça dos Três Poderes, até a deusa Thêmis tem dificuldade para segurar a balança que simboliza o equilíbrio da Justiça.
O sistema de pesos e contrapesos que o barão de Montesquieu criou para estabelecer a independência, a autonomia e a harmonia entre os Poderes, está completamente torto.
Gaudêncio Torquato
O Ministério Público também engrossa o caldo azedo, principalmente nesse momento em que sai de seus vãos a denúncia contra o presidente da República. Há quem veja nas ações rancor do Procurador Geral da República, que se prepara para deixar o cargo em setembro próximo. É voz comum de ele luta para registrar seu nome na história como o “homem que derrubou o presidente”. Na postura dos jovens procuradores destila-se muito açodamento, a partir de Curitiba, donde se extrai a observação de que o MP assumiu a posição de quarto Poder da República.
Já o Judiciário, a partir do Supremo Tribunal Federal, caminha por um corredor bastante escuro, imagem aqui usada não para dizer que lhe falta transparência (a TV Justiça escancara os posicionamentos), mas para expor a ideia de que o ambiente reverbera intensas divisões. Ministros divergem uns dos outros, e tal discordância, ao invés de ser aplaudida no foro da democracia, traz certa preocupação, eis que deixa transparecer contrariedades pessoais e acusações de uns para outros, sugerindo, até, favorecimento a protagonistas. As dissensões internas e as relações entre os Três Poderes reforçam a hipótese de que as instituições vivem o ciclo mais tenso e agressivo da contemporaneidade.
Um aspecto que chama a atenção é a manifestação pública do Judiciário a respeito de política. Coisa que vem ocorrendo há tempos. Aprendemos que os juízes só devem falar nos autos, e agir com precaução, evitando juízos de valor sobre a política partidária. Francis Bacon, filósofo inglês, lembra em seus Ensaios: “os juízes devem ser mais instruídos que sutis, mais reverendos do que aclamados, mais circunspectos do que audaciosos. Acima de todas as coisas, a integridade é a virtude que na função os caracteriza”.
Essa é ainda a marca registrada de um juiz? Ou as coisas mudaram a ponto de exigirem de magistrados posturas condizentes com o espírito do tempo? Onde começa e termina o direito de julgadores de expressar publicamente opiniões sobre comportamento de autoridades públicas? Pode um juiz usar o direito de expressão de cidadãos comuns no espaço da responsabilidade que lhes cabe? Basta pesquisar os anais do STF para vermos os acervos opinativos com a visão peculiar de magistrados. A alegação é a de que o juiz não perde a condição de cidadão que pode, se assim o quiser, opinar sobre a política. O ministro Edson Fachin chegou a discursar, quando juiz em Curitiba, em comício do PT em favor da candidata Dilma Rousseff. Assumiu no palanque posição política.
Esse é um dado da polêmica. Mas o campo de divergências é mais largo. Vejam a última querela, desta feita envolvendo os atos do Procurador Geral da República no território da Operação Lava Jato e o ministro Gilmar Mendes, que desfere tiros no sistema de delações premiadas, nos atos do Procurador Geral e na própria Corte que integra, enxergando nessa mero instrumento de convalidação de acordos realizados pelo Ministério Público.
Gilmar, cujo perfil lembra a do juiz-cidadão que sempre põe o dedo na ferida, é uma metralhadora expressiva. Ao questionar a metodologia usada por procuradores nas delações premiadas e sua homologação, de forma monocrática, pelo relator da matéria no STF, o ministro Fachin, Mendes mexe com os brios dos pares, ao alertar que “a Corte tem dever de lealdade com a Constituição e não com a Procuradoria”. Não tem papas na língua, quando condena o sistema de delação, “porque o delator pode entregar histórias verídicas ou falsas…”, podendo, ainda, ser induzidos a citar nomes, condição para que os acordos sejam aceitos.
Coloca lenha na fogueira quando identifica um “direito penal de Curitiba, a nova jabuticaba que vem tornando impossível o controle da legalidade de várias práticas adotadas pela força tarefa da Lava Jato”. Seus colegas certamente devem ter ficado preocupados quando ouviram dele que a lealdade da Corte à Procuradoria equivale à imagem do “rabo balançando o cachorro.” Como se vê, na esteira da Operação Lava Jato, desenvolve-se renhida guerra entre os operadores do Direito, com foco nos limites funcionais das instituições do Estado.
Critica-se o posicionamento do Ministério Público que estaria extravasando os poderes que lhe são atribuídos; critica-se o próprio judiciário por abrigar larga agenda de questões polêmicas, algumas envolvendo práticas ilegais(queixas de advogados sobre a 1ª instância de Curitiba), judicialização da política(STF entrando no campo legislativo), papel subalterno da Corte nos acordos de delação premiada(convalidação de atos do MPF, segundo o próprio ministro Gilmar), indevida inserção na crise política e excessiva peroração de viés personalista(querelas verbais entre ministros) etc.
O que esperar da Justiça quando os próprios agentes envolvidos em sua operação se engalfinham, a ponto de chamar a atenção pela contundência discursiva? A impressão que se extrai da paisagem tão pontilhada de eventos nervosos é a de que um vulcão está prestes a explodir. A crise política ferve no caldeirão que junta centenas de protagonistas laçados na Lava Jato. O foco maior do incêndio queima as cercanias do Palácio do Planalto. As cúpulas côncava e convexa do Congresso estão também cercadas por fogo alto. E ali na Praça dos Três Poderes, até a deusa Thêmis tem dificuldade para segurar a balança que simboliza o equilíbrio da Justiça.
O sistema de pesos e contrapesos que o barão de Montesquieu criou para estabelecer a independência, a autonomia e a harmonia entre os Poderes, está completamente torto.
Gaudêncio Torquato
Na crise, STF decide reafirmar seu poder
Esse professor de 75 anos de idade, da freguesia de Pinhel e dono de uma cátedra na Universidade de Coimbra, acabou sendo o grande vencedor do embate no STF. Os juízes recorreram aos seus argumentos ao analisar a importância da proteção à segurança jurídica no regime democrático: o estado de direito é, sobretudo, o estado da confiança — ele defende. Foi repetido até por aqueles que, com nuances, consideram que o Supremo deve exercer um papel moderador para evitar mais instabilidade política derivada do clima de confronto entre poderes que permeia as investigações da Operação Lava-Jato sobre a corrupção político-empresarial.
O julgamento resultou num acordão pelo qual, resgatado o juiz Gilmar Mendes do isolamento, abriu-se uma brecha para revisão de acordos de delação premiada realizados pelo Ministério Público. Em princípio, ficou restrita à possibilidade de anulação do prêmio aos delatores em caso de não cumprimento do que foi expresso no contrato de colaboração ou se, durante o processo, for descoberto algum tipo de ilegalidade.
Numa circunstância de conflito entre poderes, os juízes decidiram reforçar o poder do Judiciário. Não revogaram, mas circunscreveram a autonomia do Ministério Público à letra da legislação sobre colaboração premiada, ressalvando a possibilidade de interferência ainda que de forma restrita na hora da sentença.
O Supremo escolheu reafirmar seu poder até o limite. Já era um dos tribunais mais poderosos do planeta, por ser Corte constitucional e acumular funções penais e de recursos. Nos julgamentos, cria Direito Constitucional — como tem repetido o teórico Canotilho, o Brasil tem duas Constituições, a de 1988 e outra feita pela jurisprudência do STF.
Em tese, nada muda nos processos da Lava-Jato no Supremo. Na prática, abriu-se uma vereda para eventual revisão na hora da sentença no Supremo. Em nome da confiança do Estado e da segurança jurídica.
José Casado
Para quem funcionam nossas instituições?
Na última semana, a devolução do senador Aécio Neves ao Senado, a concessão de prisão domiciliar a sua irmã e a seu primo, a entrega da denúncia-crime formulada pela Procuradoria Geral da República ao STF para que seja processado pelo delito de corrupção passiva o presidente da República, Michel Temer, e a escolha da procuradora Raquel Dodge como nova comandante da PGR a partir de 17 de setembro foram os principais fatos que movimentaram a cena política no país.
Os acontecimentos que envolvem o senador Aécio Neves e seus familiares estão excessivamente repassados e montam um cipoal de equívocos. Porque, se sua irmã e seu primo foram presos pelo envolvimento em crime de corrupção, não se entende como o próprio senador, o único dos três que tem função pública, ficara tão somente afastado de sua cadeira no Senado. E, se o dinheiro entregue em malas a seu primo se destinava a comprar favores do senador mineiro, não haveria por que mantê-los presos, deixando em liberdade o senador. A menos que haja fatos ainda não revelados pela Polícia Federal e pela PGR, seus familiares são, nessa fita, meros coadjuvantes.
A denúncia assinada pelo procurador Rodrigo Janot e entregue ao STF, segundo renomados juristas que a leram detidamente, se voltar da Câmara com autorização para que Temer se transforme em réu, certamente não prosperará na Corte, por inepta que é, dada a “salada” de delitos narrados que tenta impingir ao presidente da República. A chapa Dilma-Temer foi absolvida no TSE por excesso de provas. Essa denúncia que tramita na Câmara pode sucumbir-se por excesso de delitos.
Sobre a escolha da procuradora Raquel Dodge para substituir no cargo Rodrigo Janot, os esforços feitos em contrário pela oposição e até por parte da própria imprensa carecem de consistência, dadas a qualidade do currículo que tem a escolhida e a quantidade de votos por ela obtidos junto a seus colegas procuradores. Ademais, ela já se antecipou para declarar-se defensora da Lava Jato e da forma como nela se conduzem seus colegas de Curitiba. Se há o que se discutir no preenchimento de cargos de desembargadores, ministros dos tribunais superiores, conselheiros e ministros de tribunais de Contas, e na escolha do próprio procurador geral da República, essa questão deveria ser sobre o critério eminentemente político de que se serve o procedimento, especialmente pelo risco de se comprometer a lisura dos escolhidos, como membros do Poder Judiciário (ressalva para aqueles dos tribunais de Contas, que são membros do Poder Legislativo, mas, também, impropriamente escolhidos), que deveriam ter a isenção e a independência como seus primados.
As reformas trabalhista e da Previdência, espera-se, vão ser aprovadas pelo atual Congresso, obviamente com algumas emendas.
Que as próximas eleições, nas quais se buscará a renovação dos quadros políticos, o preenchimento dos cargos do Judiciário seja uma bandeira da anunciada reforma constitucional, e se dê em razão do mérito de seus pretendentes. Que sejam cargos da carreira da magistratura e do Ministério Público e que não se permitam apadrinhamentos e conchavos em suas escolhas. É esse um bom caminho para que as instituições funcionem para todos, de forma republicana, e não sejam acampamentos de poder e de interesses.
Os acontecimentos que envolvem o senador Aécio Neves e seus familiares estão excessivamente repassados e montam um cipoal de equívocos. Porque, se sua irmã e seu primo foram presos pelo envolvimento em crime de corrupção, não se entende como o próprio senador, o único dos três que tem função pública, ficara tão somente afastado de sua cadeira no Senado. E, se o dinheiro entregue em malas a seu primo se destinava a comprar favores do senador mineiro, não haveria por que mantê-los presos, deixando em liberdade o senador. A menos que haja fatos ainda não revelados pela Polícia Federal e pela PGR, seus familiares são, nessa fita, meros coadjuvantes.
Sobre a escolha da procuradora Raquel Dodge para substituir no cargo Rodrigo Janot, os esforços feitos em contrário pela oposição e até por parte da própria imprensa carecem de consistência, dadas a qualidade do currículo que tem a escolhida e a quantidade de votos por ela obtidos junto a seus colegas procuradores. Ademais, ela já se antecipou para declarar-se defensora da Lava Jato e da forma como nela se conduzem seus colegas de Curitiba. Se há o que se discutir no preenchimento de cargos de desembargadores, ministros dos tribunais superiores, conselheiros e ministros de tribunais de Contas, e na escolha do próprio procurador geral da República, essa questão deveria ser sobre o critério eminentemente político de que se serve o procedimento, especialmente pelo risco de se comprometer a lisura dos escolhidos, como membros do Poder Judiciário (ressalva para aqueles dos tribunais de Contas, que são membros do Poder Legislativo, mas, também, impropriamente escolhidos), que deveriam ter a isenção e a independência como seus primados.
As reformas trabalhista e da Previdência, espera-se, vão ser aprovadas pelo atual Congresso, obviamente com algumas emendas.
Que as próximas eleições, nas quais se buscará a renovação dos quadros políticos, o preenchimento dos cargos do Judiciário seja uma bandeira da anunciada reforma constitucional, e se dê em razão do mérito de seus pretendentes. Que sejam cargos da carreira da magistratura e do Ministério Público e que não se permitam apadrinhamentos e conchavos em suas escolhas. É esse um bom caminho para que as instituições funcionem para todos, de forma republicana, e não sejam acampamentos de poder e de interesses.
Gente fora do mapa
Yaquelín, La Yolera, barqueira ha 40 anos nos rios Ozama e Isabela, em Santo Domingo (República Dominicana) |
Obediência devida
A Lei da Obediência Devida, editada pelo governo Raúl Alfonsín em 1987, determinava a impunibilidade judicial de oficiais militares abaixo do grau de coronel que cometeram crimes contra a humanidade na “guerra suja”, entre 1976 e 1983. O perigoso conceito de “obediência devida” aos superiores hierárquicos serviu, na Argentina, para proteger assassinos e torturadores. No Brasil, o mesmo conceito é invocado hoje, pela Receita Federal, numa tentativa de intimidação contra Kleber Cabral, presidente da União Nacional de Auditores Fiscais (Unafisco). A finalidade é proteger a couraça de sigilo que recobre as transações financeiras dos “amigos do rei”.
A Lei da Repatriação propiciou a regularização fiscal de valores e bens mantidos no exterior ou repatriados, oferecendo anistia geral a uma coleção de crimes que se estendem até a lavagem de dinheiro, passando pelo contrabando e por golpes contra a Previdência. Provando que, para os fidalgos, o crime compensa, o “regime especial” criado por ela permitiu a lavagem de dinheiro sujo a custos semelhantes aos impostos cobrados normalmente de contribuintes honestos.
O Brasil lava mais branco. A operação repatriadora completou-se pela “nota técnica” da Receita de 11 de novembro de 2016, que determinou a troca dos CNPJs e CPFs dos aderentes ao “regime especial” pelo CNPJ da própria Receita. A manufatura burocrática desse sigilo duplicado, não previsto em lei, assegura que só a alta cúpula do Leão é capaz de seguir os rastros dos processos de repatriação.
O Sistema Alerta nasceu da perversa inversão do sentido de tratados internacionais de combate a crimes financeiros. Seguindo esses tratados, o Brasil criou, em 2010, uma lista de “pessoas politicamente expostas” (PPE) composta por autoridades políticas e altos funcionários de Estado. O objetivo declarado da PPE é exercer maior vigilância sobre as transações financeiras desse grupo de contribuintes. Contudo, a Receita encontrou um meio de subverter o mecanismo, dividindo os brasileiros em cidadãos de primeira e segunda classe.
Auditores fiscais perscrutam regularmente os dados dos contribuintes, no curso de investigações tecnicamente motivadas. Mas o Sistema Alerta toca uma campainha no gabinete do secretário da Receita quando ocorre acesso a dados fiscais das PPE. Em tese, trata-se de evitar acessos imotivados. De fato, a finalidade é atemorizar os auditores, enviando-lhes a mensagem de que aquela particular investigação tem o potencial de causar-lhes represálias funcionais. No lugar da vigilância especial sobre as PPE, estabeleceu-se um monitoramento extraordinário sobre os auditores.
Ávido pela carne de pequenos roedores, o Leão monta guarda para os grandes mamíferos. A lista oficial de PPE abrange cerca de 6 mil pessoas. Há, porém, fortes indícios de que, incluindo familiares e antigas autoridades, a abóboda do “foro privilegiado fiscal” estende-se por quase 30 mil cidadãos de “sangue azul”. Nesse universo da nossa aristocracia política e administrativa, encontram-se inúmeros alvos de investigação em operações anticorrupção da PF e do MP. Procuradores federais registram que a caixa-preta da Receita ajudou a mascarar, durante anos, crimes financeiros finalmente desvendados pela Lava Jato e operações similares.
A caixa-preta deve permanecer lacrada, custe o que custar. A interpelação de Rachid, uma careta ameaçadora, completa-se pela notificação da Comissão de Ética, um gesto patentemente ilegal. Para exercer a presidência da Unafisco, Cabral afastou-se das funções de auditor e não recebe salários da Receita. Encontra-se, portanto, fora da jurisdição administrativa do órgão. Tudo indica, porém, que a chefia da Receita nada reconhece senão o dogma autoritário da “obediência devida”.
A cadeia hierárquica não termina em Rachid. Diante da grosseira tentativa de intimidação à Unafisco, a palavra passa a Henrique Meirelles. O ministro da Fazenda precisa decidir se o Brasil oficial é capaz de conviver pacificamente com as liberdades públicas — e desvencilhar-se da teia de privilégios fiscais concedidos aos fidalgos. A alternativa é prender-se ao arcaico mastro argentino da “obediência devida”, declarado ilegal e anulado em 2004.
Acusam o presidente da Unafisco de infringir o dever de ‘lealdade’ à Receita. O que se almeja é implantar uma lei do silêncio, a fim de ocultar engrenagens de privilégios no Fisco.
Demétrio Magnoli
Sujeira ao redor dificulta defesa de Michel Temer
Num instante em que Michel Temer vende a alma para enterrar na Câmara a denúncia em que a Procuradoria-Geral da República o acusa de corrupção, a Polícia Federal prendeu mais um integrante do grupo do presidente: Geddel Vieira Lima. Ele reforça o time de políticos que costumavam frequentar os jantares do Palácio do Juburu e passaram a comer as questinhas servidas na cadeia.
Antes de Geddel, foram em cana Eduardo Cunha e Henrique Eduardo Alves. Investigado por suspeita de corrupção, Geddel foi preso por tentar atrapalhar o trabalho dos investigadores. Ele estaria pressionando o doleiro Lúcio Funaro, dono de segredos insondáveis sobre a roubalheira do PMDB, para não virar um delator. Ironicamente, o Planalto agora teme que o próprio Geddel, ex-ministro de Lula e Temer, ex-vice-presidente da Caixa Econômica sob Dilma Rousseff, passe a flertar com a hipótese da delação.
Michel Temer se esforça para convencer o país de que a denúncia que o retrata como um corrupto não passa de uma peça de “ficção” do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Simultaneamente, os integrantes do staff político do presidente passam por um acelerado processo de apodrecimento. Quem não está preso é porque tem foro privilegiado.
Com tanta sujeita ao redor, fica cada vez mais difícil para o presidente demonstar que sua biografia continua limpinha. Não há mais espaço para otimismo. Os pessimistas já não conseguem enxergar luz no final do túnel. Os muito pessimistas perceberam que roubaram o túnel.
Antes de Geddel, foram em cana Eduardo Cunha e Henrique Eduardo Alves. Investigado por suspeita de corrupção, Geddel foi preso por tentar atrapalhar o trabalho dos investigadores. Ele estaria pressionando o doleiro Lúcio Funaro, dono de segredos insondáveis sobre a roubalheira do PMDB, para não virar um delator. Ironicamente, o Planalto agora teme que o próprio Geddel, ex-ministro de Lula e Temer, ex-vice-presidente da Caixa Econômica sob Dilma Rousseff, passe a flertar com a hipótese da delação.
Com tanta sujeita ao redor, fica cada vez mais difícil para o presidente demonstar que sua biografia continua limpinha. Não há mais espaço para otimismo. Os pessimistas já não conseguem enxergar luz no final do túnel. Os muito pessimistas perceberam que roubaram o túnel.
A vida numa roleta
A renovação política em 2018
Uma das perguntas mais recorrentes em minhas palestras é como e se o novo prevalecerá nas eleições de 2018. A pergunta parte do pressuposto de que existe um notável sentimento antipolítico na sociedade e que, a partir dessa constatação, seria mais do que natural uma grande renovação do sistema político.
No entanto, existem condições muito duras para que o novo prevaleça. A primeira barreira para a disseminação do novo, que chamarei de novos entrantes, são as regras atuais. O marco regulatório das eleições estabelece regras para a distribuição de fundos partidários e para o uso de tempo de televisão. Ambas são críticas para a campanha eleitoral e estabelecem uma situação de privilégio para as estruturas partidárias tradicionais.
Grandes partidos ganham mais verbas, mais tempo de televisão e, na maioria das vezes, mais prefeituras. Ora, numa competição em que haverá escassez de recursos – pela ausência de financiamento empresarial e pela debilidade das doações individuais – o maior financiador da campanha será o Fundo Partidário.
Sabendo disso, o relator da minirreforma política na Câmara, deputado Vicente Cândido, está prevendo uma verba de R$ 3 bilhões para os partidos. Ainda que tamanha indecência não seja aprovada, grandes partidos continuarão a ser fortes financiadores da campanha eleitoral.
Apenas no primeiro trimestre deste ano o PT recebeu mais de R$ 23 milhões do fundo. Já legendas como o Partido Novo, que não tem nenhum deputado federal, recebeu pouco mais de R$ 300 mil. Ou seja, o sistema privilegia quem está no poder.
Outro fator crítico é a máquina pública. Somente o PMDB tem mais de mil prefeitos eleitos no Brasil. O PSDB tem pouco mais de 700. Entre os novos partidos, somente o PSD tem desempenho importante: 539 prefeituras.
Existem duas saídas para os novos entrantes: aliar-se às estruturas tradicionais ou buscar caminhos completamente inovadores. A fórmula novo-antigo foi testada com sucesso em São Paulo com João Doria. Com um discurso novo, uma campanha inovadora e uma estrutura partidária tradicional e poderosa venceu com certa facilidade. No Rio de Janeiro, a dupla finalista na disputa pela capital apresentou comportamento semelhante. Marcelo Crivella e Marcelo Freixo disputaram apresentando-se como o novo, ainda que os dois não representem nada de novo em termos políticos.
Faltando pouco mais de um ano para as eleições gerais, o sentimento antipolítico não se organizou para se expressar de forma competitiva. As especulações abrangem poucos nomes que poderiam aglutinar a sociedade em torno de um projeto político alternativo. Fala-se de Joaquim Barbosa, Luciano Huck e até mesmo de Sergio Moro. Porém como torná-los competitivos?
A resposta está no trinômio participação-mobilização-redes sociais. Os críticos do sistema político devem transformar sua crítica em participação e a participação em mobilização. Sem uma tomada de posição o sistema continuará mais ou menos como está – mudando pouco para não ter de mudar muito.
Pesquisa recente do Ibope aponta que pela primeira vez eleitores consideram a internet o maior influenciador para eleger um presidente da República. Ainda que o resultado seja apertado em relação à televisão, as mídias virtuais estão em ascensão, conforme pondera José Roberto Toledo (Estado, 12/6). Destaca-se, ainda, o fato de a internet ser fundamental para os eleitores jovens.
Dados do Facebook indicam que 45% da população brasileira acessa a rede social mensalmente. Seriam mais de 92 milhões de brasileiros acessando regularmente as redes. O Instagram tinha 35 milhões de usuários no Brasil em 2016. E o aplicativo de mensagens Whats-App já é utilizado por mais de 120 milhões de brasileiros!
Nos Estados Unidos, na eleição de Donald Trump, segundo seus estrategistas, a vitória se confirmou com a opção de privilegiar as redes sociais, em detrimento da mídia tradicional. Na França, Emmanuel Macron abandonou um partido tradicional, organizou um movimento e usou as redes para alavancar a campanha.
Considerando que as redes sociais assumem papel preponderante na formação da opinião política, pela primeira vez na História do Brasil poderemos ter eleições nas quais as estruturas tradicionais podem não ser decisivas para o resultado final. Em especial se um novo entrante chegar ao segundo turno, em que o tempo de televisão destinado à propaganda eleitoral gratuita é igual para os dois concorrentes.
Poderemos ter um fenômeno Macron no Brasil? Sim e não. Para responder afirmativamente à questão volto às duas peças iniciais do trinômio que propus. Sem participação e mobilização nada de novo acontecerá. A indignação com a política será estéril. Ficará nas intenções vagas de sempre. Porém, se a sociedade civil se mobilizar em torno de um projeto que seja aglutinador e expresse uma nova forma de fazer política, tudo pode mudar. E o caminho para alavancar uma candidatura que não esteja alinhada com o antigo será as redes sociais.
A conjunção de fragilidade financeira das campanhas – sem as doações empresariais – com desmoralização do mundo político e a emergência das redes sociais pode proporcionar uma surpresa eleitoral que ainda não tem cara nem nome. No entanto, justamente por não ter nome é que o tradicional pode prevalecer. Outro fator importante é que a indignação com a política ainda não se traduziu em participação e mobilização. O tempo está passando. Nem a política tradicional dá sinais de querer renovar-se nem os novos entrantes ainda dão sinais de querer, efetivamente, participar.
No entanto, existem condições muito duras para que o novo prevaleça. A primeira barreira para a disseminação do novo, que chamarei de novos entrantes, são as regras atuais. O marco regulatório das eleições estabelece regras para a distribuição de fundos partidários e para o uso de tempo de televisão. Ambas são críticas para a campanha eleitoral e estabelecem uma situação de privilégio para as estruturas partidárias tradicionais.
Grandes partidos ganham mais verbas, mais tempo de televisão e, na maioria das vezes, mais prefeituras. Ora, numa competição em que haverá escassez de recursos – pela ausência de financiamento empresarial e pela debilidade das doações individuais – o maior financiador da campanha será o Fundo Partidário.
Sabendo disso, o relator da minirreforma política na Câmara, deputado Vicente Cândido, está prevendo uma verba de R$ 3 bilhões para os partidos. Ainda que tamanha indecência não seja aprovada, grandes partidos continuarão a ser fortes financiadores da campanha eleitoral.
Apenas no primeiro trimestre deste ano o PT recebeu mais de R$ 23 milhões do fundo. Já legendas como o Partido Novo, que não tem nenhum deputado federal, recebeu pouco mais de R$ 300 mil. Ou seja, o sistema privilegia quem está no poder.
Outro fator crítico é a máquina pública. Somente o PMDB tem mais de mil prefeitos eleitos no Brasil. O PSDB tem pouco mais de 700. Entre os novos partidos, somente o PSD tem desempenho importante: 539 prefeituras.
Existem duas saídas para os novos entrantes: aliar-se às estruturas tradicionais ou buscar caminhos completamente inovadores. A fórmula novo-antigo foi testada com sucesso em São Paulo com João Doria. Com um discurso novo, uma campanha inovadora e uma estrutura partidária tradicional e poderosa venceu com certa facilidade. No Rio de Janeiro, a dupla finalista na disputa pela capital apresentou comportamento semelhante. Marcelo Crivella e Marcelo Freixo disputaram apresentando-se como o novo, ainda que os dois não representem nada de novo em termos políticos.
Faltando pouco mais de um ano para as eleições gerais, o sentimento antipolítico não se organizou para se expressar de forma competitiva. As especulações abrangem poucos nomes que poderiam aglutinar a sociedade em torno de um projeto político alternativo. Fala-se de Joaquim Barbosa, Luciano Huck e até mesmo de Sergio Moro. Porém como torná-los competitivos?
A resposta está no trinômio participação-mobilização-redes sociais. Os críticos do sistema político devem transformar sua crítica em participação e a participação em mobilização. Sem uma tomada de posição o sistema continuará mais ou menos como está – mudando pouco para não ter de mudar muito.
Pesquisa recente do Ibope aponta que pela primeira vez eleitores consideram a internet o maior influenciador para eleger um presidente da República. Ainda que o resultado seja apertado em relação à televisão, as mídias virtuais estão em ascensão, conforme pondera José Roberto Toledo (Estado, 12/6). Destaca-se, ainda, o fato de a internet ser fundamental para os eleitores jovens.
Dados do Facebook indicam que 45% da população brasileira acessa a rede social mensalmente. Seriam mais de 92 milhões de brasileiros acessando regularmente as redes. O Instagram tinha 35 milhões de usuários no Brasil em 2016. E o aplicativo de mensagens Whats-App já é utilizado por mais de 120 milhões de brasileiros!
Nos Estados Unidos, na eleição de Donald Trump, segundo seus estrategistas, a vitória se confirmou com a opção de privilegiar as redes sociais, em detrimento da mídia tradicional. Na França, Emmanuel Macron abandonou um partido tradicional, organizou um movimento e usou as redes para alavancar a campanha.
Considerando que as redes sociais assumem papel preponderante na formação da opinião política, pela primeira vez na História do Brasil poderemos ter eleições nas quais as estruturas tradicionais podem não ser decisivas para o resultado final. Em especial se um novo entrante chegar ao segundo turno, em que o tempo de televisão destinado à propaganda eleitoral gratuita é igual para os dois concorrentes.
Poderemos ter um fenômeno Macron no Brasil? Sim e não. Para responder afirmativamente à questão volto às duas peças iniciais do trinômio que propus. Sem participação e mobilização nada de novo acontecerá. A indignação com a política será estéril. Ficará nas intenções vagas de sempre. Porém, se a sociedade civil se mobilizar em torno de um projeto que seja aglutinador e expresse uma nova forma de fazer política, tudo pode mudar. E o caminho para alavancar uma candidatura que não esteja alinhada com o antigo será as redes sociais.
A conjunção de fragilidade financeira das campanhas – sem as doações empresariais – com desmoralização do mundo político e a emergência das redes sociais pode proporcionar uma surpresa eleitoral que ainda não tem cara nem nome. No entanto, justamente por não ter nome é que o tradicional pode prevalecer. Outro fator importante é que a indignação com a política ainda não se traduziu em participação e mobilização. O tempo está passando. Nem a política tradicional dá sinais de querer renovar-se nem os novos entrantes ainda dão sinais de querer, efetivamente, participar.
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