O Ministério Público também engrossa o caldo azedo, principalmente nesse momento em que sai de seus vãos a denúncia contra o presidente da República. Há quem veja nas ações rancor do Procurador Geral da República, que se prepara para deixar o cargo em setembro próximo. É voz comum de ele luta para registrar seu nome na história como o “homem que derrubou o presidente”. Na postura dos jovens procuradores destila-se muito açodamento, a partir de Curitiba, donde se extrai a observação de que o MP assumiu a posição de quarto Poder da República.
Já o Judiciário, a partir do Supremo Tribunal Federal, caminha por um corredor bastante escuro, imagem aqui usada não para dizer que lhe falta transparência (a TV Justiça escancara os posicionamentos), mas para expor a ideia de que o ambiente reverbera intensas divisões. Ministros divergem uns dos outros, e tal discordância, ao invés de ser aplaudida no foro da democracia, traz certa preocupação, eis que deixa transparecer contrariedades pessoais e acusações de uns para outros, sugerindo, até, favorecimento a protagonistas. As dissensões internas e as relações entre os Três Poderes reforçam a hipótese de que as instituições vivem o ciclo mais tenso e agressivo da contemporaneidade.
Um aspecto que chama a atenção é a manifestação pública do Judiciário a respeito de política. Coisa que vem ocorrendo há tempos. Aprendemos que os juízes só devem falar nos autos, e agir com precaução, evitando juízos de valor sobre a política partidária. Francis Bacon, filósofo inglês, lembra em seus Ensaios: “os juízes devem ser mais instruídos que sutis, mais reverendos do que aclamados, mais circunspectos do que audaciosos. Acima de todas as coisas, a integridade é a virtude que na função os caracteriza”.
Essa é ainda a marca registrada de um juiz? Ou as coisas mudaram a ponto de exigirem de magistrados posturas condizentes com o espírito do tempo? Onde começa e termina o direito de julgadores de expressar publicamente opiniões sobre comportamento de autoridades públicas? Pode um juiz usar o direito de expressão de cidadãos comuns no espaço da responsabilidade que lhes cabe? Basta pesquisar os anais do STF para vermos os acervos opinativos com a visão peculiar de magistrados. A alegação é a de que o juiz não perde a condição de cidadão que pode, se assim o quiser, opinar sobre a política. O ministro Edson Fachin chegou a discursar, quando juiz em Curitiba, em comício do PT em favor da candidata Dilma Rousseff. Assumiu no palanque posição política.
Esse é um dado da polêmica. Mas o campo de divergências é mais largo. Vejam a última querela, desta feita envolvendo os atos do Procurador Geral da República no território da Operação Lava Jato e o ministro Gilmar Mendes, que desfere tiros no sistema de delações premiadas, nos atos do Procurador Geral e na própria Corte que integra, enxergando nessa mero instrumento de convalidação de acordos realizados pelo Ministério Público.
Gilmar, cujo perfil lembra a do juiz-cidadão que sempre põe o dedo na ferida, é uma metralhadora expressiva. Ao questionar a metodologia usada por procuradores nas delações premiadas e sua homologação, de forma monocrática, pelo relator da matéria no STF, o ministro Fachin, Mendes mexe com os brios dos pares, ao alertar que “a Corte tem dever de lealdade com a Constituição e não com a Procuradoria”. Não tem papas na língua, quando condena o sistema de delação, “porque o delator pode entregar histórias verídicas ou falsas…”, podendo, ainda, ser induzidos a citar nomes, condição para que os acordos sejam aceitos.
Coloca lenha na fogueira quando identifica um “direito penal de Curitiba, a nova jabuticaba que vem tornando impossível o controle da legalidade de várias práticas adotadas pela força tarefa da Lava Jato”. Seus colegas certamente devem ter ficado preocupados quando ouviram dele que a lealdade da Corte à Procuradoria equivale à imagem do “rabo balançando o cachorro.” Como se vê, na esteira da Operação Lava Jato, desenvolve-se renhida guerra entre os operadores do Direito, com foco nos limites funcionais das instituições do Estado.
Critica-se o posicionamento do Ministério Público que estaria extravasando os poderes que lhe são atribuídos; critica-se o próprio judiciário por abrigar larga agenda de questões polêmicas, algumas envolvendo práticas ilegais(queixas de advogados sobre a 1ª instância de Curitiba), judicialização da política(STF entrando no campo legislativo), papel subalterno da Corte nos acordos de delação premiada(convalidação de atos do MPF, segundo o próprio ministro Gilmar), indevida inserção na crise política e excessiva peroração de viés personalista(querelas verbais entre ministros) etc.
O que esperar da Justiça quando os próprios agentes envolvidos em sua operação se engalfinham, a ponto de chamar a atenção pela contundência discursiva? A impressão que se extrai da paisagem tão pontilhada de eventos nervosos é a de que um vulcão está prestes a explodir. A crise política ferve no caldeirão que junta centenas de protagonistas laçados na Lava Jato. O foco maior do incêndio queima as cercanias do Palácio do Planalto. As cúpulas côncava e convexa do Congresso estão também cercadas por fogo alto. E ali na Praça dos Três Poderes, até a deusa Thêmis tem dificuldade para segurar a balança que simboliza o equilíbrio da Justiça.
O sistema de pesos e contrapesos que o barão de Montesquieu criou para estabelecer a independência, a autonomia e a harmonia entre os Poderes, está completamente torto.
Gaudêncio Torquato
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