sexta-feira, 19 de janeiro de 2024
A celebração da democracia
A intentona autoritária de 8 de janeiro de 2023 pelo golpe militar e pela anulação do mandato legítimo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, escondia e esconde um conjunto extenso de autorias e protagonismos que não tiveram visibilidade nas prisões efetuadas. Examinando o conjunto conhecido dos fatos e a sequência de ações de agentes do Estado e de seus coadjuvantes, é inevitável reconhecer brechas e invisibilidades nas evidências de conexões necessárias ao andamento e ao desfecho do processo golpista.
As celebrações de 8 de janeiro deste ano, do triunfo das instituições, podem sugerir que as capturas e condenações realizadas pegaram os manifestantes mas nem todos os que deveriam ser capturados e processados. Os principais agentes da conspiração não foram devidamente identificados e presos. A multidão alucinada da ilegalidade notória, reunida à sombra de um quartel do Exército, revelou-se multidão de manobra da baderna preparada há muito.
A turba revelou-se de baixa classe média e expôs sua mentalidade de botequim nas invasões e depredações, o que é essencial para se inferir a identidade do sujeito coletivo da ação. O modo como se deu a invasão dos recintos dos Três Poderes, a escolha dos objetos depredados, tudo indica uma concepção do que para ela é o Poder a ser demolido, o vazio a ser criado com a anulação simbólica das instituições.
É particularmente significativo que o ataque ao STF e a depredação ali praticada coincidissem com o principal alvo dos discursos e ameaças do ex-presidente da República e dos coprotagonistas ilegais do seu mandato, os que usaram a alienação popular e as frustrações decorrentes de uma impressão caricata e ignorante do que é o poder. A mensagem ideológica das mentiras norteou a caminhada da manada carneiril que se deslocou pela Praça dos Três Poderes em direção aos alvos de sua fúria de “patriotas” de aluguel.
Talvez as autoridades devessem colocar no primeiro plano de suas preocupações não indivíduos isolados, como se faz nas delegacias de polícia com os criminosos comuns. O criminoso do 8 de janeiro é um criminoso coletivo, que não mostra a cara, lentamente gestado dentro e fora do aparelho de Estado.
A possibilidade do golpe tentado agora já estava definida no Artigo 142 da Constituição, cuja ambiguidade supostamente legitimava a pretensão militar de tutelar os destinos do país e a consciência política do povo. Nele as Forças Armadas definidas como guarda pretoriana da República, uma função subalterna em relação àquilo que deveria ser próprio da instituição.
Reli nestes dias o livro de Jorge Americano “A lição dos factos”, sobre a Revolução de 1924, em São Paulo. Reconheci no livro as enormes coincidências entre os acontecimentos de agora e os acontecimentos militares de um século atrás. Americano era advogado e tinha formação sociológica inspirada em Oliveira Viana. Escreveu o livro em 42 dias para ressaltar não o cotidiano, mas os impasses da história.
Sua análise é muito superior à da maioria das narrativas que descreveram os acontecimentos trágicos que destruíram indústrias e residências nos bombardeios, que mataram mais de 500 pessoas e feriram mais de 2.500, dois terços civis, especialmente nos bairros operários. Vários dos analistas entenderam que os alvos eram civis no confronto de duas facções do mesmo Exército, cuja unidade se expressará na Revolução de Outubro de 1930 e no governo Vargas.
Americano ressalta que o golpe da Proclamação da República foi o fator de deslocamento do Exército para funções anômalas num regime republicano. De certo modo, como se viu no regime bolsonarista, a crescente ocupação de funções civis por militares, o próprio Exército suscitando a necessidade de sua intervenção na realidade política para enquadrar necessidades de expressão da sociedade.
Porém, há uma novidade na anomalia. Há um novo ente coletivo com funções parecidas com essa função do Exército. O surgimento de partidos políticos antidemocráticos disfarçados de igrejas e religiões, pastores usando o púlpito em favor do golpe militar e do autoritarismo, criou uma mediação estranha à democracia e ao regime republicano que teve função de mandante de muitos na baderna de 8 de janeiro.
Quando um pastor ou padre usa o púlpito como tribuna de partido, de fato não se trata de igreja nem de religião. Trata-se de crime político, que viola a Constituição quanto à separação entre Estado e religião. Nesse caso essa modalidade de ação partidária deveria perder as supostas imunidades religiosas. O mesmo em relação aos militares que se dispuseram a conspirar contra a democracia em favor do golpe. É a função que diz que coisa é.
As celebrações de 8 de janeiro deste ano, do triunfo das instituições, podem sugerir que as capturas e condenações realizadas pegaram os manifestantes mas nem todos os que deveriam ser capturados e processados. Os principais agentes da conspiração não foram devidamente identificados e presos. A multidão alucinada da ilegalidade notória, reunida à sombra de um quartel do Exército, revelou-se multidão de manobra da baderna preparada há muito.
A turba revelou-se de baixa classe média e expôs sua mentalidade de botequim nas invasões e depredações, o que é essencial para se inferir a identidade do sujeito coletivo da ação. O modo como se deu a invasão dos recintos dos Três Poderes, a escolha dos objetos depredados, tudo indica uma concepção do que para ela é o Poder a ser demolido, o vazio a ser criado com a anulação simbólica das instituições.
É particularmente significativo que o ataque ao STF e a depredação ali praticada coincidissem com o principal alvo dos discursos e ameaças do ex-presidente da República e dos coprotagonistas ilegais do seu mandato, os que usaram a alienação popular e as frustrações decorrentes de uma impressão caricata e ignorante do que é o poder. A mensagem ideológica das mentiras norteou a caminhada da manada carneiril que se deslocou pela Praça dos Três Poderes em direção aos alvos de sua fúria de “patriotas” de aluguel.
Talvez as autoridades devessem colocar no primeiro plano de suas preocupações não indivíduos isolados, como se faz nas delegacias de polícia com os criminosos comuns. O criminoso do 8 de janeiro é um criminoso coletivo, que não mostra a cara, lentamente gestado dentro e fora do aparelho de Estado.
A possibilidade do golpe tentado agora já estava definida no Artigo 142 da Constituição, cuja ambiguidade supostamente legitimava a pretensão militar de tutelar os destinos do país e a consciência política do povo. Nele as Forças Armadas definidas como guarda pretoriana da República, uma função subalterna em relação àquilo que deveria ser próprio da instituição.
Reli nestes dias o livro de Jorge Americano “A lição dos factos”, sobre a Revolução de 1924, em São Paulo. Reconheci no livro as enormes coincidências entre os acontecimentos de agora e os acontecimentos militares de um século atrás. Americano era advogado e tinha formação sociológica inspirada em Oliveira Viana. Escreveu o livro em 42 dias para ressaltar não o cotidiano, mas os impasses da história.
Sua análise é muito superior à da maioria das narrativas que descreveram os acontecimentos trágicos que destruíram indústrias e residências nos bombardeios, que mataram mais de 500 pessoas e feriram mais de 2.500, dois terços civis, especialmente nos bairros operários. Vários dos analistas entenderam que os alvos eram civis no confronto de duas facções do mesmo Exército, cuja unidade se expressará na Revolução de Outubro de 1930 e no governo Vargas.
Americano ressalta que o golpe da Proclamação da República foi o fator de deslocamento do Exército para funções anômalas num regime republicano. De certo modo, como se viu no regime bolsonarista, a crescente ocupação de funções civis por militares, o próprio Exército suscitando a necessidade de sua intervenção na realidade política para enquadrar necessidades de expressão da sociedade.
Porém, há uma novidade na anomalia. Há um novo ente coletivo com funções parecidas com essa função do Exército. O surgimento de partidos políticos antidemocráticos disfarçados de igrejas e religiões, pastores usando o púlpito em favor do golpe militar e do autoritarismo, criou uma mediação estranha à democracia e ao regime republicano que teve função de mandante de muitos na baderna de 8 de janeiro.
Quando um pastor ou padre usa o púlpito como tribuna de partido, de fato não se trata de igreja nem de religião. Trata-se de crime político, que viola a Constituição quanto à separação entre Estado e religião. Nesse caso essa modalidade de ação partidária deveria perder as supostas imunidades religiosas. O mesmo em relação aos militares que se dispuseram a conspirar contra a democracia em favor do golpe. É a função que diz que coisa é.
'Polvo' letal
Num sábado de manhã resolveu levar sua filhinha até a praia. Ela vivia pedindo pra irem ao zoológico, mas os pais não achavam aquele ambiente muito agradável. Tinha algo em enjaular bichos que os incomodava.
Foram então pra praia. Brincaram na areia, fizeram castelinhos, forte e até uma vila rodeada por um rio. Entraram juntos no mar, tomaram água de coco, passearam pela orla. Durante todas as atividades, o pai recolhia pequenos pedaços de lixo que encontravam na água ou na areia.
No fim do dia ele chamou mãe e filha para fazerem um tour e conhecerem uma espécie de animal muito perigosa. Ele sabia como ela se encantava por animais, então foram juntos até as pedras, no final da praia, onde as mulheres da família viram canudinhos, bexigas, sacolas, fios de balões de gás hélio, garrafas plásticas cheias de areia, tudo montado de um jeito que parecia formar uma espécie horrível de animal, algo que se assemelhava com um polvo, mas que escancarava a mais letal espécie que habita o planeta: o ser humano.
Bernardo Tavares. "A espécie mais letal"
Foram então pra praia. Brincaram na areia, fizeram castelinhos, forte e até uma vila rodeada por um rio. Entraram juntos no mar, tomaram água de coco, passearam pela orla. Durante todas as atividades, o pai recolhia pequenos pedaços de lixo que encontravam na água ou na areia.
No fim do dia ele chamou mãe e filha para fazerem um tour e conhecerem uma espécie de animal muito perigosa. Ele sabia como ela se encantava por animais, então foram juntos até as pedras, no final da praia, onde as mulheres da família viram canudinhos, bexigas, sacolas, fios de balões de gás hélio, garrafas plásticas cheias de areia, tudo montado de um jeito que parecia formar uma espécie horrível de animal, algo que se assemelhava com um polvo, mas que escancarava a mais letal espécie que habita o planeta: o ser humano.
Bernardo Tavares. "A espécie mais letal"
Super-ricos pedem para pagar mais impostos
Um grupo de mais de 250 bilionários e milionários divulgou uma carta esta semana exigindo que uma política de elite global, reunida nesta semana no Fórum Econômico Mundial de Davos, aumente os impostos sobre suas fortunas, a fim de combater as desigualdades e possibilitar melhorias nos serviços públicos de trânsito em todo o mundo.
"Estamos surpresos que vocês fracassaram em responder a uma simples pergunta que fazemos há três anos: quando vocês vão taxar a riqueza extrema? Se os representantes eleitos nas principais economias do mundo não adotarem medidas para lidar com o aumento dramático da desigualdade econômica, as consequências continuarão a ser catastróficas para a sociedade", afirma a carta aberta aos líderes mundiais.
"Nós somos as pessoas que investem em startups, moldam os mercados de ações, fazem os negócios crescerem e fomentam o crescimento econômico sustentável. Somos os que mais se beneficiam do status quo. Mas a desigualdade atingiu um ponto de inflexão, e os custos dos riscos à nossa estabilidade econômica, social e ecológica são graves, e aumentam a cada dia. Em suma, precisamos de ação já."
Os signatários da carta são pessoas ricas de 17 países, entre os quais estão a herdeira do império Disney, Abigail Disney; o ator e roteirista Simon Pegg; Valerie Rockefeller, herdeira da dinastia de sua família; Ise Bosch, neta do alemão industrial Robert Bosch e o músico e compositor Brian Eno, além do ator da série Succession , Brian Cox.
O único brasileiro na lista é João Paulo Pacífico, fundador do grupo de investimentos Gaia que hoje investe em projetos sociais e colabora com as cooperativas do Movimento dos Sem Terra (MST).
"Nosso pedido é simples. Nós, os muito ricos em nossa sociedade, queremos ser tributados por vocês. Isso não vai alterar fundamentalmente nosso padrão de vida, tampouco prejudicar nossas crianças ou afetar as economias de nossas nações. Irá transformar uma riqueza extrema e improdutiva em investimento em nosso futuro democrático comum", diz o documento.
O grupo quer entregar a carta intitulada Proud to pay ("Orgulhosos em pagar") diretamente aos líderes mundiais reunidos em Davos.
Uma pesquisa recente revelou que 74% dos super-ricos apoiam pagar mais impostos sobre suas fortunas para ajudar a combater a crise no custo de vida e melhorar os serviços públicos.
O levantamento realizado pela entidade de pesquisas Survation a pedido do grupo Patriotic Millionaires , dos Estados Unidos, entrevistou mais de 2,3 mil pessoas em 20 países que possuem cada um mais e 1 milhão de dólares (R$ 4,94 milhões) em bens de investimentos, excluindo suas próprias casas – o que os coloca entre os 5% mais ricos do mundo.
Segundo a pesquisa, 58% dos ricos apoiam a criação de uma taxa de 2% sobre os que possuem fortunas de 10 milhões de dólares, sendo que 54% acreditam que a riqueza extrema gera ameaças à democracia.
Um relatório da ONG de combate à pobreza Oxfam apresentado em Davos nesta semana revelou que a fortuna dos cinco homens mais ricos do mundo mais do que dobraram desde 2020, enquanto 5 bilhões de pessoas ficaram mais pobres.
A Oxfam International afirmou que, somadas, as fortunas das cinco pessoas mais ricas do mundo – Elon Musk (Tesla, SpaceX), Bernard Arnault (LVHM), Jeff Bezos (Amazon), Larry Ellison (Oracle) e o megainvestidor Warren Buffet – aumentaram 114 %, o que corresponde a 464 bilhões de dólares (R$ 2,26 trilhões), chegando a 869 bilhões de dólares no ano passado.
Em contrapartida, desde 2020 o poder financeiro de quase 4,77 bilhões de pessoas – ou 60% da população mundial – caiu 0,2% em termos reais. Segundo a entidade, seriam precisos 229 anos para erradicar a pobreza no nível global.
"Estamos surpresos que vocês fracassaram em responder a uma simples pergunta que fazemos há três anos: quando vocês vão taxar a riqueza extrema? Se os representantes eleitos nas principais economias do mundo não adotarem medidas para lidar com o aumento dramático da desigualdade econômica, as consequências continuarão a ser catastróficas para a sociedade", afirma a carta aberta aos líderes mundiais.
"Nós somos as pessoas que investem em startups, moldam os mercados de ações, fazem os negócios crescerem e fomentam o crescimento econômico sustentável. Somos os que mais se beneficiam do status quo. Mas a desigualdade atingiu um ponto de inflexão, e os custos dos riscos à nossa estabilidade econômica, social e ecológica são graves, e aumentam a cada dia. Em suma, precisamos de ação já."
Os signatários da carta são pessoas ricas de 17 países, entre os quais estão a herdeira do império Disney, Abigail Disney; o ator e roteirista Simon Pegg; Valerie Rockefeller, herdeira da dinastia de sua família; Ise Bosch, neta do alemão industrial Robert Bosch e o músico e compositor Brian Eno, além do ator da série Succession , Brian Cox.
O único brasileiro na lista é João Paulo Pacífico, fundador do grupo de investimentos Gaia que hoje investe em projetos sociais e colabora com as cooperativas do Movimento dos Sem Terra (MST).
"Nosso pedido é simples. Nós, os muito ricos em nossa sociedade, queremos ser tributados por vocês. Isso não vai alterar fundamentalmente nosso padrão de vida, tampouco prejudicar nossas crianças ou afetar as economias de nossas nações. Irá transformar uma riqueza extrema e improdutiva em investimento em nosso futuro democrático comum", diz o documento.
O grupo quer entregar a carta intitulada Proud to pay ("Orgulhosos em pagar") diretamente aos líderes mundiais reunidos em Davos.
Uma pesquisa recente revelou que 74% dos super-ricos apoiam pagar mais impostos sobre suas fortunas para ajudar a combater a crise no custo de vida e melhorar os serviços públicos.
O levantamento realizado pela entidade de pesquisas Survation a pedido do grupo Patriotic Millionaires , dos Estados Unidos, entrevistou mais de 2,3 mil pessoas em 20 países que possuem cada um mais e 1 milhão de dólares (R$ 4,94 milhões) em bens de investimentos, excluindo suas próprias casas – o que os coloca entre os 5% mais ricos do mundo.
Segundo a pesquisa, 58% dos ricos apoiam a criação de uma taxa de 2% sobre os que possuem fortunas de 10 milhões de dólares, sendo que 54% acreditam que a riqueza extrema gera ameaças à democracia.
Um relatório da ONG de combate à pobreza Oxfam apresentado em Davos nesta semana revelou que a fortuna dos cinco homens mais ricos do mundo mais do que dobraram desde 2020, enquanto 5 bilhões de pessoas ficaram mais pobres.
A Oxfam International afirmou que, somadas, as fortunas das cinco pessoas mais ricas do mundo – Elon Musk (Tesla, SpaceX), Bernard Arnault (LVHM), Jeff Bezos (Amazon), Larry Ellison (Oracle) e o megainvestidor Warren Buffet – aumentaram 114 %, o que corresponde a 464 bilhões de dólares (R$ 2,26 trilhões), chegando a 869 bilhões de dólares no ano passado.
Em contrapartida, desde 2020 o poder financeiro de quase 4,77 bilhões de pessoas – ou 60% da população mundial – caiu 0,2% em termos reais. Segundo a entidade, seriam precisos 229 anos para erradicar a pobreza no nível global.
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