sábado, 8 de dezembro de 2018
Dia Mundial de Combate à Corrupção
Trata-se não apenas de um dia, mas de toda uma semana dedicada, em todos os países democráticos, ao balanço das lutas contra a corrupção pública e privada. Discutem-se pautas propositivas de integridade, conformidade e transparência no plano dos governos e das empresas, alargando os horizontes de compreensão e dos instrumentos de luta contra esse crime social. São estudos que vão além das medidas repressivas e punitivas que eficientemente vêm sendo praticadas.
Nos debates e reflexões promovidos pela OCDE, pela Transparência Internacional, pelas Nações Unidas, pela OEA, pelo Banco Mundial e pelo Instituto Não Aceito Corrupção, nota-se uma visão mais abrangente desse flagelo contra a humanidade.
E a discussão vai além, não se atém somente à corrupção criminalizada. Outras formas, tão nefastas quanto as notórias propinas, são identificadas no plano constitucional, das leis, das medidas administrativas e das decisões judiciais, que, por isso, dão uma feição legal ao crime de corrupção.
No Brasil essa percepção é clara para a sociedade, que enxerga nos privilégios outorgados aos políticos, aos partidos, aos altos servidores públicos dos três Poderes e a determinadas empresas e setores privados formas evidentes de corrupção. É a corrupção institucionalizada.
Não é por outra razão que no Brasil a percepção sobre esse nefando crime nos rebaixou da 79.ª posição para a 96.ª entre os países mais corruptos do mundo, não obstante o pleno reconhecimento dos esforços meritórios da Lava Jato.
Para compreender essa percepção aguda desse delito, que afeta mais de dois terços da população mundial, é necessário recordar que a corrupção é universalmente definida como a apropriação privada de recursos públicos. Entre nós ela se concretiza não apenas mediante propinas, mas por via da própria Constituição de 1988. O artigo 37, inciso XI, declara que nenhum servidor poderá ganhar mais do que os ministros do Supremo Tribunal Federal. Mas o parágrafo 11 do mesmíssimo artigo declara que esse teto não vale quando se tratar de verbas indenizatórias. Estas podem exceder sem nenhum limite o preceito moralizador contido logo acima. Ou seja, a regra é quebrada pela própria Constituição e no mesmo artigo. Assim, um alto funcionário, em vez de ganhar, dentro do teto, por exemplo, R$ 30 mil, conforme o inciso XI do artigo 37 ele recebe no fim do mês R$ 150 mil com base no parágrafo 11 desse mesmo artigo 37. São R$ 120 mil de penduricalhos. Aí vêm os tribunais e declaram que essa “pequena” verba extra é isenta de Imposto de Renda porque é verba indenizatória.
E a nossa Constituição, no mesmo artigo 37, diz que o servidor público deve rigorosamente cumprir no exercício de suas funções o dever de eficiência, conforme lei complementar que regularia a matéria. Acontece que, propositalmente, nunca foi promulgada essa lei complementar. O que não impediu que, desde sempre, se pagasse aos servidores públicos um substancioso “adicional de eficiência”, até para os aposentados. Trata-se de apropriação privada de recursos públicos advinda da Constituição. Um dever se transformou imediatamente num direito adquirido. Nenhuma eficiência é exigível, mesmo porque todos os servidores são estáveis e, portanto, não são demissíveis.
Outra forma de corrupção legalizada é a venda de férias. Embora se aplique aos servidores o regime trabalhista nesse particular (artigo 39, § 3.º da Constituição), várias categorias gozam de até quatro meses de descanso por ano e vendem parte desse ócio ao Estado, que é compulsoriamente obrigado a comprá-la. Recebem, assim, esses milhares de servidores a remuneração extra pelo não gozo de todo o período de 120 dias de repouso a que têm direito.
Ganham, em consequência, até 16 vezes proventos e penduricalhos por ano, com o acréscimo de 30% do período de férias. Essa venda de férias constitui crime contra a ordem do trabalho. O empresário que comprar férias dos seus colaboradores é condenado a pena de prisão. Mas no serviço público a venda de férias não é crime, é lei. Mais uma forma de apropriação privada dos recursos públicos.
A Constituição de 1988 contém centenas de dispositivos, que outorgam privilégios aos servidores sem nenhuma contrapartida.
Ainda no capítulo das leis, destacam-se as que criam despesas tributárias a favor de determinados setores empresariais, desonerando-os de impostos e encargos trabalhistas, sem nenhuma prestação de contas, sem justificativa alguma e sem nenhum resultado social. São mais de R$ 120 bilhões anuais de recursos públicos apropriados pelos privilegiados segmentos privados amigos do rei.
E o que dizer das leis do Refis, que favorecem os que não pagam os impostos, com a exclusão de multas e diminuição drástica da própria dívida, culminando com o perdão, como no caso do Funrural? Aí a apropriação privada de recursos públicos é feita na fonte, ou seja, o “contribuinte” não desembolsa os recursos públicos para os quais deveria contribuir.
E o que falar das centenas de leis vendidas que foram aprovadas pelo Congresso Nacional? Como recordou em histórico voto o eminente ministro Herman Benjamin, essas leis criminosas continuam vigendo. Nunca foram revogadas. Continuam a beneficiar as empresas corruptas que as compraram dos parlamentares por intermédio dos seus corruptos partidos.
Não há, portanto, como negar que, além da corrupção criminalizada, mediante tipos penais definidos, há a corrupção constitucionalizada, a legalizada e a judicializada. Todas levam ao mesmo efeito criminoso: a apropriação privada de recursos públicos.
Essa percepção, hoje universalmente discutida, constitui uma nova etapa na luta contra a corrupção em todo o mundo. E também entre nós.
Nos debates e reflexões promovidos pela OCDE, pela Transparência Internacional, pelas Nações Unidas, pela OEA, pelo Banco Mundial e pelo Instituto Não Aceito Corrupção, nota-se uma visão mais abrangente desse flagelo contra a humanidade.
E a discussão vai além, não se atém somente à corrupção criminalizada. Outras formas, tão nefastas quanto as notórias propinas, são identificadas no plano constitucional, das leis, das medidas administrativas e das decisões judiciais, que, por isso, dão uma feição legal ao crime de corrupção.
No Brasil essa percepção é clara para a sociedade, que enxerga nos privilégios outorgados aos políticos, aos partidos, aos altos servidores públicos dos três Poderes e a determinadas empresas e setores privados formas evidentes de corrupção. É a corrupção institucionalizada.
Não é por outra razão que no Brasil a percepção sobre esse nefando crime nos rebaixou da 79.ª posição para a 96.ª entre os países mais corruptos do mundo, não obstante o pleno reconhecimento dos esforços meritórios da Lava Jato.
Para compreender essa percepção aguda desse delito, que afeta mais de dois terços da população mundial, é necessário recordar que a corrupção é universalmente definida como a apropriação privada de recursos públicos. Entre nós ela se concretiza não apenas mediante propinas, mas por via da própria Constituição de 1988. O artigo 37, inciso XI, declara que nenhum servidor poderá ganhar mais do que os ministros do Supremo Tribunal Federal. Mas o parágrafo 11 do mesmíssimo artigo declara que esse teto não vale quando se tratar de verbas indenizatórias. Estas podem exceder sem nenhum limite o preceito moralizador contido logo acima. Ou seja, a regra é quebrada pela própria Constituição e no mesmo artigo. Assim, um alto funcionário, em vez de ganhar, dentro do teto, por exemplo, R$ 30 mil, conforme o inciso XI do artigo 37 ele recebe no fim do mês R$ 150 mil com base no parágrafo 11 desse mesmo artigo 37. São R$ 120 mil de penduricalhos. Aí vêm os tribunais e declaram que essa “pequena” verba extra é isenta de Imposto de Renda porque é verba indenizatória.
E a nossa Constituição, no mesmo artigo 37, diz que o servidor público deve rigorosamente cumprir no exercício de suas funções o dever de eficiência, conforme lei complementar que regularia a matéria. Acontece que, propositalmente, nunca foi promulgada essa lei complementar. O que não impediu que, desde sempre, se pagasse aos servidores públicos um substancioso “adicional de eficiência”, até para os aposentados. Trata-se de apropriação privada de recursos públicos advinda da Constituição. Um dever se transformou imediatamente num direito adquirido. Nenhuma eficiência é exigível, mesmo porque todos os servidores são estáveis e, portanto, não são demissíveis.
Outra forma de corrupção legalizada é a venda de férias. Embora se aplique aos servidores o regime trabalhista nesse particular (artigo 39, § 3.º da Constituição), várias categorias gozam de até quatro meses de descanso por ano e vendem parte desse ócio ao Estado, que é compulsoriamente obrigado a comprá-la. Recebem, assim, esses milhares de servidores a remuneração extra pelo não gozo de todo o período de 120 dias de repouso a que têm direito.
Ganham, em consequência, até 16 vezes proventos e penduricalhos por ano, com o acréscimo de 30% do período de férias. Essa venda de férias constitui crime contra a ordem do trabalho. O empresário que comprar férias dos seus colaboradores é condenado a pena de prisão. Mas no serviço público a venda de férias não é crime, é lei. Mais uma forma de apropriação privada dos recursos públicos.
A Constituição de 1988 contém centenas de dispositivos, que outorgam privilégios aos servidores sem nenhuma contrapartida.
Ainda no capítulo das leis, destacam-se as que criam despesas tributárias a favor de determinados setores empresariais, desonerando-os de impostos e encargos trabalhistas, sem nenhuma prestação de contas, sem justificativa alguma e sem nenhum resultado social. São mais de R$ 120 bilhões anuais de recursos públicos apropriados pelos privilegiados segmentos privados amigos do rei.
E o que dizer das leis do Refis, que favorecem os que não pagam os impostos, com a exclusão de multas e diminuição drástica da própria dívida, culminando com o perdão, como no caso do Funrural? Aí a apropriação privada de recursos públicos é feita na fonte, ou seja, o “contribuinte” não desembolsa os recursos públicos para os quais deveria contribuir.
E o que falar das centenas de leis vendidas que foram aprovadas pelo Congresso Nacional? Como recordou em histórico voto o eminente ministro Herman Benjamin, essas leis criminosas continuam vigendo. Nunca foram revogadas. Continuam a beneficiar as empresas corruptas que as compraram dos parlamentares por intermédio dos seus corruptos partidos.
Não há, portanto, como negar que, além da corrupção criminalizada, mediante tipos penais definidos, há a corrupção constitucionalizada, a legalizada e a judicializada. Todas levam ao mesmo efeito criminoso: a apropriação privada de recursos públicos.
Essa percepção, hoje universalmente discutida, constitui uma nova etapa na luta contra a corrupção em todo o mundo. E também entre nós.
Como funcionam programas nos moldes do 'Bolsa Família' nas 10 maiores economias
Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), as nações ricas que integram o grupo gastam, em média, 1,6% do PIB em prestações de assistência social condicionadas a um limite de renda dos beneficiários, como é o caso do Bolsa Família. São recursos transferidos em dinheiro para ajudar na subsistência e lutar contra a pobreza. O número exclui gastos sociais com Previdência, saúde e seguro-desemprego.
No Brasil, as despesas com o Bolsa Família, programa que beneficiou 14 milhões de famílias em novembro, representam cerca de 0,5% do PIB. Neste ano, os pagamentos do Bolsa Família devem atingir R$ 30 bilhões.
Entre as 10 maiores economias do mundo - que incluem desde países com elevados níveis de bem-estar social, como a França e a Alemanha, aos com altos índices de pobreza, como a Índia -, os programas de transferência de renda estão presentes, ainda que com diferentes formulações.
Na França - que vive uma onda de violentos protestos motivados pelos efeitos da alta carga tributária e do baixo poder de compra de boa parte da população -, os programas de transferência de renda são ainda mais amplos do que a média dos países ricos e atingem 2,1% do PIB, totalizando mais de 45 bilhões de euros (cerca de R$ 200 bilhões).
Além de garantir recursos para despesas do dia-a-dia, a França, que possui uma ampla rede de proteção social, tem também programas de ajuda para pagar o aluguel e contas de luz ou gás e para a compra de material escolar, entre outros.
O benefício médio recebido pelo programa é de R$ 187 (quase US$ 50), após reajuste de 5,7% que entrou em vigor em julho. O valor recebido pelos beneficiários varia conforme o número de membros da família, a idade de cada um e a renda.
De acordo com Maxime Ladaique, diretor de recursos estatísticos da divisão de políticas sociais da OCDE, os gastos dos países ricos com programas de transferência de renda se mantém, em geral, estáveis nos últimos anos.
"Logo após a crise financeira de 2008, as prestações sociais aumentaram, enquanto o PIB caiu. Os países pagaram mais para amortecer os efeitos da deterioração da economia", diz o especialista.
"Desde então, elas vêm sendo levemente reduzidas, mas o PIB dos países cresceu", afirma Ladai que, acrescentando que, na prática, a relação desses gastos em relação ao PIB tem se mantido estável.
O presidente eleito Jair Bolsonaro, antes crítico do Bolsa Família, declarou que vai ampliar o programa e aperfeiçoar o combate a fraudes.
Além de um 13° 'salário' para os beneficiários, o programa de governo de Bolsonaro prevê instituir um sistema de "renda mínima para todas as famílias", ou seja, não apenas as mais pobres, com valor igual ou superior ao que é atualmente pago. O programa do presidente eleito não detalha, no entanto, como seriam obtidos os recursos para financiar a medida e se, de fato, ela será adotada.
Na avaliação de Ladaique, os programas de transferência de renda dos países ricos têm algo em comum: eles representam apenas uma pequena parte do total de gastos sociais, que incluem despesas bem mais elevadas como as da Previdência e saúde. "As despesas com pessoas de baixa renda são pouco significativas em relação a todos os gastos sociais", diz ele.
Basta olhar para os números gerais: os países ricos da OCDE gastam, em média, 21% do PIB (Produto Interno Bruto) na área social.
O percentual engloba os recursos usados na Previdência, na saúde pública, com seguro-desemprego e assistência social às famílias, que em vários casos inclui programas de distribuição de renda. Na França, os gastos na área são ainda maiores: 31% do PIB.
No Brasil, os gastos sociais do governo federal atingem cerca de 17,5% do PIB, incluindo despesas com Previdência, saúde, assistência social, educação, trabalho, saneamento básico e habitação. O percentual é mais elevado do que em outros países da América Latina e da Ásia.
Em boa parte dos países ricos, no entanto, os programas de transferência de renda não permitem que os beneficiários vivam acima da linha da pobreza (que leva em conta o nível de vida no país), ressalta Ladaique, da Ocde.
Desmatar para aquecer, aquecer para empobrecer
Desmatar é o seu fim, no duplo sentido de “fim”: como “propósito”, na tentativa de maximizar ganho imediato da bancada dos amigos, sem enxergar perdas ao país dois palmos à frente; e como “ocaso”, pois esse mesmo agronegócio predatório, por razões climáticas, não sobrevive dois palmos à frente.
Há dois pretextos falsos por trás da vanguarda antiambiental. O primeiro é que soja e boi na Amazônia desmatada são mais importantes para o Brasil que floresta em pé. Só que 65% do que foi desmatado até hoje corresponde a pastos de baixíssima produtividade. Relatório do International Institute for Sustainability precificou os serviços: por hectare de floresta em pé, a Amazônia nos paga R$ 3.500 anuais (biodiversidade e saúde nem entraram no cálculo); a pecuária paga até R$ 100; a soja até R$ 1.000. A Amazônia em pé ainda atrai investimento estrangeiro (ciente do ganho futuro) e comércio internacional. A troca não é de floresta por produção de riqueza. A troca é de biodiversidade, água e clima por desperdício e ineficiência.
O segundo pretexto é que desmatar vai permitir tirar a Amazônia da pobreza. Se assim fosse, haveria sinais de que isso já acontece. Dados do Índice de Progresso Social, contudo, põem a Amazônia na lanterna da melhoria das condições de vida do brasileiro. Desmatar é forma de gerar pobreza, não riqueza.
O projeto não padece apenas de inconstitucionalidade, mas de pré-constitucionalidade. Inconstitucionalidade há quando regra legal viola algum princípio constitucional. O vício de pré-constitucionalidade é de outra ordem: consiste num desafio estrutural e deliberado à identidade essencial da Constituição de 1988, na busca de ressuscitar de contrabando um projeto do passado, ao qual a Assembleia Constituinte declarou “nunca mais”.
Essa identidade essencial inclui o direito de todo brasileiro (de gerações presentes e futuras) ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (Art. 225); a prioridade absoluta às condições de vida de crianças (Art. 227); o direito dos índios a sua organização social e tradições, além de direitos territoriais (Art. 231).
Para o presidente eleito, “nosso projeto para o índio é fazê-lo igual a nós”. Prometeu aos “xiitas” do Ibama, que aplicam multas previstas em lei, que a “festa vai acabar”. Não contou que cerca de 97% das multas ambientais no Brasil não são pagas. Dos 3% que sobram, 90% são convertidos em plantios, limpeza etc. “A Amazônia não é nossa”, frase exclamada na campanha, poderia ser interpretada como compromisso de um estadista visionário, ciente do papel da Amazônia para o equilíbrio climático global. Em contraste com José Sarney, que na ONU em 1989 afirmou: “A Amazônia é nossa, afinal está situada em nosso território”, a frase de Jair soa cosmopolita demais. Não é mesmo o que você está pensando.
Bolsonaro, verdade, não está sozinho. Temer e Dilma nunca foram grandes defensores da Amazônia. Entre 2017 e 2018, o desmatamento voltou a subir. O cientista climático Antonio Nobre diz que “precisamos de uma mobilização semelhante a um esforço de guerra” para que a Amazônia escape da savanização em futuro próximo. Bem que a pulsão de guerra de Bolsonaro podia ser canalizada para salvar o maior patrimônio brasileiro em nome do interesse nacional e das futuras gerações. Seu mote não é “Brasil acima de tudo”?
A devastação ambiental é motor-chave para o crescimento do PIBB (o Produto Interno da Brutalidade Brasileira), ao lado do encarceramento e do patrulhamento da ideologia dos outros. Como o PIBB não cresce sem derrubar o PIB, o projeto, em suma, é de empobrecimento.
Conrado Hübner Mendes
A volta do 'Pasquim'
Pouco antes das eleições, o presidente eleito revelou que um dos objetivos de seu governo seria fazer o Brasil semelhante ao de 50 anos atrás. Fiz as contas, deu 1969.
Vivíamos em 1969 sob uma ditadura militar, que o ex-capitão e seu vice general negam com a mesma convicção dos que contestam o Holocausto, o aquecimento global, a esfericidade da Terra e a inexistência de Papai Noel.
Muita mais gente do que se imagina sente nostalgia por um tempo que não viveu. Tenho amigos que, a exemplo do protagonista daquela comédia de Woody Allen, lamentam não terem vivido na Paris dos anos 1920, quando os pais de alguns deles ou ainda eram bebês ou nem haviam nascido. Tal não é o caso do presidente eleito, que já era vivo em 1969. Mas tinha apenas 14 anos quando tudo aquilo aconteceu, sem ele se dar conta.
Desde dezembro do ano anterior enfrentávamos o tacão do AI-5 (epa! 50 anos redondos na próxima quinta-feira) e já testemunháramos a invasão do Teatro Ruth Escobar, na capital paulista, pelo Comando de Caça aos Comunistas, que depredou o cenário e espancou o elenco do musical Roda Viva, de Chico Buarque (pois é, já naquela época Chico incomodava os boçais).
Em vez de punir exemplarmente os celerados do CCC, o que fez a ditadura? Proibiu o espetáculo, “degradante e subversivo”, na tacanha avaliação do censor Mário F. Russomano.
Antes de saltar para 1969, outra deplorável lembrança: domingo passado também fez 50 anos que o Teatro Opinião, no Rio, sofreu um atentado à bomba, executado pelos mesmos espiroquetas do CCC. Se 1968 terminou nesse clima, como esperar um refresco no ano seguinte?
No último dia de agosto de 1969, uma junta militar provisória foi empossada no lugar do general Costa e Silva, que sucumbira a um derrame. Por que não empossaram o vice-presidente Pedro Aleixo? Justamente porque vivíamos numa ditadura e ele era um civil, um vice apenas pro forma, decorativo. Quatro dias depois, houve o sequestro do embaixador norte-americano, e uma nova Lei de Segurança Nacional foi promulgada antes de setembro chegar ao fim. Até que nos enfiaram goela abaixo outro general – o pior de todos: Emílio Garrastazu Médici.
Por tudo isso, a hipótese de voltar 50 anos atrás me soa, na mais complacente das estimativas, sinistríssima, um disparate de quem ignora história ou hibernou mentalmente naquele período. Ou sofreu uma lavagem cerebral oceânica (de Oceânia, a distopia de 1984).
Vivíamos em 1969 sob uma ditadura militar, que o ex-capitão e seu vice general negam com a mesma convicção dos que contestam o Holocausto, o aquecimento global, a esfericidade da Terra e a inexistência de Papai Noel.
Muita mais gente do que se imagina sente nostalgia por um tempo que não viveu. Tenho amigos que, a exemplo do protagonista daquela comédia de Woody Allen, lamentam não terem vivido na Paris dos anos 1920, quando os pais de alguns deles ou ainda eram bebês ou nem haviam nascido. Tal não é o caso do presidente eleito, que já era vivo em 1969. Mas tinha apenas 14 anos quando tudo aquilo aconteceu, sem ele se dar conta.
Desde dezembro do ano anterior enfrentávamos o tacão do AI-5 (epa! 50 anos redondos na próxima quinta-feira) e já testemunháramos a invasão do Teatro Ruth Escobar, na capital paulista, pelo Comando de Caça aos Comunistas, que depredou o cenário e espancou o elenco do musical Roda Viva, de Chico Buarque (pois é, já naquela época Chico incomodava os boçais).
Em vez de punir exemplarmente os celerados do CCC, o que fez a ditadura? Proibiu o espetáculo, “degradante e subversivo”, na tacanha avaliação do censor Mário F. Russomano.
Antes de saltar para 1969, outra deplorável lembrança: domingo passado também fez 50 anos que o Teatro Opinião, no Rio, sofreu um atentado à bomba, executado pelos mesmos espiroquetas do CCC. Se 1968 terminou nesse clima, como esperar um refresco no ano seguinte?
No último dia de agosto de 1969, uma junta militar provisória foi empossada no lugar do general Costa e Silva, que sucumbira a um derrame. Por que não empossaram o vice-presidente Pedro Aleixo? Justamente porque vivíamos numa ditadura e ele era um civil, um vice apenas pro forma, decorativo. Quatro dias depois, houve o sequestro do embaixador norte-americano, e uma nova Lei de Segurança Nacional foi promulgada antes de setembro chegar ao fim. Até que nos enfiaram goela abaixo outro general – o pior de todos: Emílio Garrastazu Médici.
Por tudo isso, a hipótese de voltar 50 anos atrás me soa, na mais complacente das estimativas, sinistríssima, um disparate de quem ignora história ou hibernou mentalmente naquele período. Ou sofreu uma lavagem cerebral oceânica (de Oceânia, a distopia de 1984).
Se forçado a voltar àqueles idos, talvez me sentisse meio obrigado a ajudar a recriar o irreverente semanário Pasquim – ou O Pasquim, como chegou às bancas, em 26 de junho de 1969, mantendo o artigo definido até trocar o desenho do logo no número 289 – e isso daria um trabalho dos diabos.
Primeiro, porque de seus fundadores apenas três ainda vivem, sendo que nenhum dos dois plenamente funcionais (Jaguar e Claudius) toparia encarar o desafio de ressuscitar, na atual conjuntura, o mais afamado baluarte impresso contra a ditadura militar. Segundo, porque estamos no século 21, o País mudou, o mundo mudou, nós mudamos ou fomos a isso constrangidos pelo politicamente correto; e porque talvez não faça mais sentido imprimir jornais e distribuí-los analogicamentes.
Mas se o presidente eleito insistir em voltar ao passado em vez de pensar o presente e o futuro, alguém, motivado pela Terceira Lei de Newton, poderá sentir a necessidade de lançar um sucedâneo eletrônico do Pasquim.
Não seria eu, contudo, a pessoa mais indicada para a tarefa, embora seja um dos poucos brancaleones sobreviventes. À exceção de Jaguar, Ziraldo e Claudius, os verdadeiros esteios do jornal (Millôr, Ivan Lessa, Paulo Francis, Henfil) e seu idealizador (Tarso de Castro) não habitam mais este mundo.
Dos citados, apenas três merecem ser considerados fundadores do jornal. Vez por outra, incluem Ziraldo, Henfil, Francis e até Ivan Lessa entre os criadores do Pasquim. Ledo engano. Tarso, Jaguar, Sérgio Cabral, Carlos Prósperi (designer), Claudius e Luiz Carlos Maciel – este foi o grupo que bolou e pôs nas ruas o jornaleco. Ziraldo apenas colaborou no primeiro número, com um de seus já conhecidos Zeróis. Henfil estreou no segundo número, Francis no sexto e Ivan no vigésimo sétimo.
Quando em suas páginas debutei, O Pasquim já estava no número 9. Sucesso instantâneo, começara com uma tiragem de 20.000 exemplares semanais, logo esgotados, chegaria aos 80.000 no número 16, alcançando espetaculares 200.000, dois meses depois. Catarse coletiva de norte ao sul do País, fenômeno igual nunca se viu na imprensa brasileira.
Revivê-lo, numa redação ou como leitor, seria a maior compensação que poderíamos ter à regressão prometida pelo presidente eleito. Que, receio, seria completa. Ou seja, com o mesmo repertório repressor de 50 anos atrás: censura prévia, apreensões em bancas, atentados à bomba (sorte nossa que a programada para explodir a sede do jornal, na madrugada de 12 de março de 1970, pifou) e prisões sem base legal (como a que trancafiou 70% dos seus integrantes na Vila Militar, durante dois meses).
A despeito das negações já feitas e vindouras, isso foi o que eu vi, ouvi e vivi. E ainda que desmintam também a existência do Pasquim – que, aliás, durou mais que a ditadura – não haverá como corroborar esse wishful thinking quando, daqui a poucos meses, a coleção completa do histórico hedbomadário estiver todinha digitalizada e disponível na internet, com um dispositivo de busca completo, por edição, assunto, autores e até palavras.
Moral da história: não precisamos voltar a 1969 para termos de volta o passado – no caso, o melhor do passado, e ao alcance do dedo.
Mas se o presidente eleito insistir em voltar ao passado em vez de pensar o presente e o futuro, alguém, motivado pela Terceira Lei de Newton, poderá sentir a necessidade de lançar um sucedâneo eletrônico do Pasquim.
Não seria eu, contudo, a pessoa mais indicada para a tarefa, embora seja um dos poucos brancaleones sobreviventes. À exceção de Jaguar, Ziraldo e Claudius, os verdadeiros esteios do jornal (Millôr, Ivan Lessa, Paulo Francis, Henfil) e seu idealizador (Tarso de Castro) não habitam mais este mundo.
Dos citados, apenas três merecem ser considerados fundadores do jornal. Vez por outra, incluem Ziraldo, Henfil, Francis e até Ivan Lessa entre os criadores do Pasquim. Ledo engano. Tarso, Jaguar, Sérgio Cabral, Carlos Prósperi (designer), Claudius e Luiz Carlos Maciel – este foi o grupo que bolou e pôs nas ruas o jornaleco. Ziraldo apenas colaborou no primeiro número, com um de seus já conhecidos Zeróis. Henfil estreou no segundo número, Francis no sexto e Ivan no vigésimo sétimo.
Quando em suas páginas debutei, O Pasquim já estava no número 9. Sucesso instantâneo, começara com uma tiragem de 20.000 exemplares semanais, logo esgotados, chegaria aos 80.000 no número 16, alcançando espetaculares 200.000, dois meses depois. Catarse coletiva de norte ao sul do País, fenômeno igual nunca se viu na imprensa brasileira.
Revivê-lo, numa redação ou como leitor, seria a maior compensação que poderíamos ter à regressão prometida pelo presidente eleito. Que, receio, seria completa. Ou seja, com o mesmo repertório repressor de 50 anos atrás: censura prévia, apreensões em bancas, atentados à bomba (sorte nossa que a programada para explodir a sede do jornal, na madrugada de 12 de março de 1970, pifou) e prisões sem base legal (como a que trancafiou 70% dos seus integrantes na Vila Militar, durante dois meses).
A despeito das negações já feitas e vindouras, isso foi o que eu vi, ouvi e vivi. E ainda que desmintam também a existência do Pasquim – que, aliás, durou mais que a ditadura – não haverá como corroborar esse wishful thinking quando, daqui a poucos meses, a coleção completa do histórico hedbomadário estiver todinha digitalizada e disponível na internet, com um dispositivo de busca completo, por edição, assunto, autores e até palavras.
Moral da história: não precisamos voltar a 1969 para termos de volta o passado – no caso, o melhor do passado, e ao alcance do dedo.
Segredos bancários
O dinheiro foi para o Bank of China. “Fofinho” justificou-se ao banco: gastaria R$ 572 mil em anzóis e R$ 344 mil em bonés. Deu certo.
Num exemplo, durante 60 meses uma rede clandestina do eixo Rio-São Paulo conseguiu esconder o equivalente a R$ 6,6 bilhões em dinheiro de corrupção em meia centena de países. Mobilizaram quatro mil empresas em paraísos fiscais.
Há pedidos para investigação de outras remessas a bancos em cidades como Zurique, Luxemburgo, Bruxelas, Dublin, Madri, Hong Kong, Xangai, Seul e Dubai, entre outras.
Parte da bilionária lavagem começou em Wall Street, nas casas bancárias J.P. Morgan, Citibank, Bank of America, HSBC, Bank of New York, Barclays, Standard Chartered, Morgan Stanley, Wachovia e UBS.
O fluxo de dinheiro de corrupção lavado a partir do Brasil alcançou a média de R$ 110 milhões por mês, ou R$ 5,5 milhões a cada dia útil, entre 2011 e 2016. Dario Messer, um dos agentes da Odebrecht, chegou a embolsar R$ 121 milhões em 48 meses de serviços na camuflagem dos subornos pagos a políticos. Lucrou R$ 126 mil a cada dia útil.
Depois da posse de Dilma Rousseff, em 2011, Messer chegou a socorrer a Odebrecht numa ocasional escassez de caixa, com empréstimo de R$ 32 milhões ao departamento de propinas do grupo. Aparentemente, “Boneca” vive no Paraguai.
Até tu, papa Francisco?
Queixa-se agora Francisco de que a Igreja parece “inundada pela moda da homossexualidade”. E se espanta de que tantos sacerdotes e religiosos “se declarem homossexuais”, e pede que “sejam tomadas medidas para que não escandalizem”.
Não seria difícil responder ao papa Francisco, que nos havia admirado com sua liberdade de espírito e seu desprendimento do poder, que a Igreja deveria se preocupar mais com o pecado e o escândalo dos sacerdotes pedófilos, que abusam da sua condição para seduzir e violentar menores. Os sacerdotes homossexuais não representam nenhum escândalo, e eles estão sujeitos, assim como os heterossexuais, a respeitar o compromisso com o celibato que aceitaram voluntariamente. Nada mais.
Seria mais normal que, a esta altura, a Igreja Católica acabasse abolindo o celibato obrigatório como condição para exercer o sacerdócio. Não se trata de nenhum dogma de fé, e menos ainda de algum ensinamento dos evangelhos. A obrigação do clero secular de professar o celibato nasceu tarde na Igreja, na qual durante séculos não só sacerdotes, mas também bispos e até papas, eram casados e tinham família, começando por são Pedro, cuja sogra Jesus curou.
Todas as confissões cristãs se inspiram nos evangelhos. E é curioso que em nenhum deles exista uma só palavra, recomendação ou condenação da sexualidade nem da homossexualidade. Não se encontra uma só palavra sobre o tema na boca de Jesus, que certamente também era casado. Tão pouco medo tinha da sexualidade que foi acusado de ser “amigo de prostitutas”, sobre as quais chegou a dizer que teriam um lugar preferencial no paraíso.
Nem o exercício da sexualidade nem a homossexualidade são tratados nos evangelhos. Era algo que não preocupava o profeta de Nazaré. Suas prioridades foram sempre, pelo contrário, os marginalizados, os desprezado e os que sofriam os açoites da injustiça social.
Por que então esse medo dos religiosos quanto ao exercício da sexualidade, a força motriz não só dos humanos como também de toda a natureza, já que do seu exercício depende a sobrevivência das espécies?
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