terça-feira, 26 de julho de 2016
Dois olhares sobre o Brasil
Li numa mesma semana o “Autoimperialismo”, de Benjamin Moser, e “Trópicos utópicos”, de Eduardo Giannetti. São textos convergentes e, ao mesmo tempo, quase antagônicos. Convergentes porque se debruçam sobre o Brasil dos nossos dias; quase antagônicos porque o fazem a partir de perspectivas diferentes e chegam a conclusões muitas vezes opostas. O primeiro é um olhar estrangeiro, de um pessimismo elegante e provocador; o segundo, um olhar brasileiro, disperso, apaixonado e esperançoso — talvez porque nem seja possível a um olhar brasileiro não ser sempre um tanto apaixonado e outro tanto esperançoso.
O olhar de um visitante tem virtudes e limitações. É um olhar semelhante ao das crianças — vai inaugurando o mundo — de tal forma que consegue frequentemente enxergar aquilo que, de tão evidente, os nativos não veem mais. Em contrapartida, o estrangeiro corre o risco de se tomar como descobridor, quando o que descobre apenas constitui motivo de espanto para ele mesmo. No livro de Moser há momentos brilhantes, em que pensamos, “caramba, é isto mesmo!” ainda que nos custe a concordar. Moser, por exemplo, olha com sincero horror para Brasília. Estudando a sua arquitetura monumental, que ele considera uma imitação menor e deslocada, conclui que o Brasil é um país imperialista, ou melhor, autoimperialista, pois a si mesmo invade e coloniza.
Moser está certo, claro. Não me pareça é que exista novidade em tal conclusão. Aquilo a que ele chama autoimperialismo já outros, há muito tempo, chamaram endocolonialismo. Nem há diferença alguma, neste aspecto, entre os Estados Unidos e o Brasil. Os EUA também se colonizaram a si mesmos, e com enorme violência. E se há, como insiste Moser, quem, naquele bizarro país sem nome próprio, se horrorize com tal História, também há outros tantos que se vangloriam dela. Perguntem a Trump.
A diferença é que ao longo de todo esse complexo processo de autocolonização o Brasil conseguiu criar uma cultura própria, composta a partir das expressões culturais dos povos colonizados — a população indígena e africana. Eduardo Giannetti lembra isto mesmo no seu livro, quase como se estivesse respondendo a Moser: “As técnicas modernas de mapeamento genético permitiram quantificar o que está à vista de todos. Enquanto nos Estados Unidos apenas 1% da população branca possui alguma ascendência africana, no Brasil a maioria dos brancos — cerca de 60% — pertence a linhagens africanas ou ameríndias” — escreve Giannetti.
Em vez de “população branca” seria mais acertado escrever “população que se vê a si mesma como branca”. A maioria dos “brancos” brasileiros não são percebidos como “brancos” nos Estados Unidos. Acontece o mesmo, aliás, com os portugueses. A minha irmã foi casada com um português de ascendência goesa. Tiveram uma filha nos Estados Unidos. Quando o pai foi registrar a menina entregaram-lhe um documento no qual ele deveria selecionar a “raça” da filha, de entre um vasto conjunto de possibilidades. O meu cunhado não hesitou: branca. Os burocratas americanos entreolharam-se, entre chocados e divertidos: “Branca?!” Finalmente, lá o convenceram a registrar a menina como latina ou hispânica. O rico espólio genético da minha sobrinha não cabia naquele papel.
“O entrelaço genético”, ainda citando Giannetti, “se reflete no modo como os brasileiros se autoclassificam quando instados a declarar a cor de sua pele: de galega a sarará e de meio preta a cor de canela e puxa para branca”. Para o economista mineiro “há uma forma de vida embutida em nossa língua falada — a língua fala. Daí que enquanto a presença de termos e expressões afro-indígenas no inglês norte-americano é rarefeita, ela transparece de forma ubíqua no português do Brasil.”
Se há uma diferença entre o endocolonialismo brasileiro e o norte-americano está aqui. Ao colonizar-se a si mesmo o Brasil foi-se descolonizando. Não há nada, ou quase nada, de índio ou de africano na larga maioria dos descendentes de colonos europeus norte-americanos. Os brasileiros, porém, podem repetir o que de si mesmos dizem os cabo-verdianos: “aqui, do branco puro ao negro retinto somos todos mulatos.” Se tirarmos o foco da “raça” e o colocarmos na cultura, como deveria ser sempre, a afirmação é ainda mais precisa. Em termos culturais, nenhum brasileiro é “branco”. Todos são mestiços. Todos são, aliás, mais africanos do que europeus. Talvez por isso o Brasil — ao contrário dos EUA — se tenha conseguido afirmar no mundo sem violência alguma. Apenas recorrendo à extraordinária força da sua cultura mestiça.
Moser está certo, claro. Não me pareça é que exista novidade em tal conclusão. Aquilo a que ele chama autoimperialismo já outros, há muito tempo, chamaram endocolonialismo. Nem há diferença alguma, neste aspecto, entre os Estados Unidos e o Brasil. Os EUA também se colonizaram a si mesmos, e com enorme violência. E se há, como insiste Moser, quem, naquele bizarro país sem nome próprio, se horrorize com tal História, também há outros tantos que se vangloriam dela. Perguntem a Trump.
A diferença é que ao longo de todo esse complexo processo de autocolonização o Brasil conseguiu criar uma cultura própria, composta a partir das expressões culturais dos povos colonizados — a população indígena e africana. Eduardo Giannetti lembra isto mesmo no seu livro, quase como se estivesse respondendo a Moser: “As técnicas modernas de mapeamento genético permitiram quantificar o que está à vista de todos. Enquanto nos Estados Unidos apenas 1% da população branca possui alguma ascendência africana, no Brasil a maioria dos brancos — cerca de 60% — pertence a linhagens africanas ou ameríndias” — escreve Giannetti.
Em vez de “população branca” seria mais acertado escrever “população que se vê a si mesma como branca”. A maioria dos “brancos” brasileiros não são percebidos como “brancos” nos Estados Unidos. Acontece o mesmo, aliás, com os portugueses. A minha irmã foi casada com um português de ascendência goesa. Tiveram uma filha nos Estados Unidos. Quando o pai foi registrar a menina entregaram-lhe um documento no qual ele deveria selecionar a “raça” da filha, de entre um vasto conjunto de possibilidades. O meu cunhado não hesitou: branca. Os burocratas americanos entreolharam-se, entre chocados e divertidos: “Branca?!” Finalmente, lá o convenceram a registrar a menina como latina ou hispânica. O rico espólio genético da minha sobrinha não cabia naquele papel.
“O entrelaço genético”, ainda citando Giannetti, “se reflete no modo como os brasileiros se autoclassificam quando instados a declarar a cor de sua pele: de galega a sarará e de meio preta a cor de canela e puxa para branca”. Para o economista mineiro “há uma forma de vida embutida em nossa língua falada — a língua fala. Daí que enquanto a presença de termos e expressões afro-indígenas no inglês norte-americano é rarefeita, ela transparece de forma ubíqua no português do Brasil.”
Se há uma diferença entre o endocolonialismo brasileiro e o norte-americano está aqui. Ao colonizar-se a si mesmo o Brasil foi-se descolonizando. Não há nada, ou quase nada, de índio ou de africano na larga maioria dos descendentes de colonos europeus norte-americanos. Os brasileiros, porém, podem repetir o que de si mesmos dizem os cabo-verdianos: “aqui, do branco puro ao negro retinto somos todos mulatos.” Se tirarmos o foco da “raça” e o colocarmos na cultura, como deveria ser sempre, a afirmação é ainda mais precisa. Em termos culturais, nenhum brasileiro é “branco”. Todos são mestiços. Todos são, aliás, mais africanos do que europeus. Talvez por isso o Brasil — ao contrário dos EUA — se tenha conseguido afirmar no mundo sem violência alguma. Apenas recorrendo à extraordinária força da sua cultura mestiça.
De onde sairá o dinheiro?
Aqui e em qualquer outro lugar, campanha eleitoral é algo caro. E a maioria dos candidatos não dispõe de fortuna pessoal para arcar com os custos.
O Brasil está entre os cinco países onde as eleições custam mais caro. Por conta disso, adotou-se uma lei que, se respeitada, reduzirá dramaticamente os gastos das eleições deste ano.
A lei proíbe as doações de empresas aos políticos. Apenas pessoas físicas, e mesmo assim obedecidos determinados limites, podem fazer doações. Logo num país sem tradição disso.
O que esperar? Que diminua o número de candidatos? Que só os candidatos ricos se elejam? Ou que só se elejam aqueles que exercem cargos ou que já são bastante conhecidos?
O tráfico de drogas deixará de financiar seus candidatos? E as milícias? E as igrejas evangélicas que recebem doações e que não são fiscalizadas?
Deve-se esperar a revogação da lei para futuras eleições. A cada nova eleição, por sinal, o país conhece uma nova lei que tenta discipliná-la. A deste ano será um experimento malsucedido.
O Brasil está entre os cinco países onde as eleições custam mais caro. Por conta disso, adotou-se uma lei que, se respeitada, reduzirá dramaticamente os gastos das eleições deste ano.
O que esperar? Que diminua o número de candidatos? Que só os candidatos ricos se elejam? Ou que só se elejam aqueles que exercem cargos ou que já são bastante conhecidos?
O tráfico de drogas deixará de financiar seus candidatos? E as milícias? E as igrejas evangélicas que recebem doações e que não são fiscalizadas?
Deve-se esperar a revogação da lei para futuras eleições. A cada nova eleição, por sinal, o país conhece uma nova lei que tenta discipliná-la. A deste ano será um experimento malsucedido.
Gramática está perdendo de goleada no atual momento político
"O deputado que faltar sessões da Câmara durante a Olimpíada será descontado", diz o locutor matinal do rádio. Quem errou? O redator do programa, que não sabe ou se esqueceu de que o correto é "o deputado que faltar às sessões" ou o locutor que, mal saído da cama, leu distraído o texto? Tanto faz. O desprestígio ou mau uso da preposição "a" já é tal que temo pelo seu futuro na língua.
Os fatos novos com que estamos lidando no país têm levado a gramática a perder de goleada para as construções mais estapafúrdias. Jornalistas, políticos e economistas se revezam na arte de cometer batatadas. Uma das mais frequentes é escrever ou dizer que fulano "faz apologia a" alguma coisa. Até há pouco, e conforme os melhores autores, fazia-se a apologia "de" alguma coisa.
E as pessoas que se concentram na Cinelândia ou na avenida Paulista "em protesto a" isso ou aquilo? Sempre pensei que se protestava "contra", não "a" o que quer que fosse. São as mesmas que se acham no "direito a protestar", e não "de protestar" —não admira que os protestos atraiam cada vez menos gente. O mesmo quanto às que se mobilizam "em celebração a" alguém, e não "de alguém". De onde saem esses estrupícios?
Repórteres se referem ao político xis como "aliado ao" deputado fulano. Como se pode ser aliado "a alguém", e não "de alguém"? E não se pode acusar o ex-presidente Lula e seus sócios de "obstrução à Justiça" —mas de "obstrução da Justiça". E os interrogatórios e prisões de cachorros grandes, "inéditos ao" sistema judicial brasileiro? Inéditos "no sistema", diriam os mais atentos.
Sim, eu sei, não passam de filigranas. Como estamos em plena temporada de "questionar a" qualquer coisa —e não apenas "questionar" essa mesma coisa–, talvez o alvo da vez seja a pobre e abandonada língua portuguesa.
Ruy Castro
E as pessoas que se concentram na Cinelândia ou na avenida Paulista "em protesto a" isso ou aquilo? Sempre pensei que se protestava "contra", não "a" o que quer que fosse. São as mesmas que se acham no "direito a protestar", e não "de protestar" —não admira que os protestos atraiam cada vez menos gente. O mesmo quanto às que se mobilizam "em celebração a" alguém, e não "de alguém". De onde saem esses estrupícios?
Repórteres se referem ao político xis como "aliado ao" deputado fulano. Como se pode ser aliado "a alguém", e não "de alguém"? E não se pode acusar o ex-presidente Lula e seus sócios de "obstrução à Justiça" —mas de "obstrução da Justiça". E os interrogatórios e prisões de cachorros grandes, "inéditos ao" sistema judicial brasileiro? Inéditos "no sistema", diriam os mais atentos.
Sim, eu sei, não passam de filigranas. Como estamos em plena temporada de "questionar a" qualquer coisa —e não apenas "questionar" essa mesma coisa–, talvez o alvo da vez seja a pobre e abandonada língua portuguesa.
Ruy Castro
Lei do farol aceso é a idiotice do ano
O excesso de zelo do governo para salvar nossas vidas é, no mínimo, duvidoso ou exagerado. Nos últimos anos, contam-se nos dedos as trapalhadas dos burocratas do Denatran. Primeiro foi o kit farmácia. Se descobriu que a gaze permitiria o enforcamento do próprio motorista refém dos ladrões. Depois, inventaram a troca do extintor de incêndio que de tão moderno não funcionava quando acionado. Decidiram também que as escolas de motoristas teriam que se adaptar a um simulador em vez da prática nas ruas. Inventaram que as cadeiras dos bebês nos carros eram ineficientes e obrigaram a troca. Tudo isso é feito no achômetro, nada aparentemente adotado depois de pesquisas e estudos científicos que provem a eficácia dessas mudanças.
Todas essas operações, evidentemente, oneram o contribuinte. E certamente engorda os bolsos dos criadores dessas ideias que dizem querer zelar pela nossa segurança, porque no Brasil, como se sabe, existe sempre um espertinho por trás de uma “boa” ação. Como o brasileiro é um povo passivo, acomodado e até meio abestado, aceita tudo que um burocrata determina de cima pra baixo, sem consultar ninguém. E por isso paga um preço caro, como acontece nesse momento com os faróis dos carros acesos durante o dia.
Dessa vez, a lei passou pelo Congresso Nacional. Tomou o número 13.290/2006 e virou infração média para quem andar nas ruas (Brasília) e nas estradas com os faróis apagados. Hoje, o infrator paga R$ 85,13 e é punido com 4 pontos na careira. A partir de novembro, as multas vão subir para R$ 130,16. Os “gênios” do trânsito conseguiram convencer os parlamentares de que os faróis acesos evitam acidentes nas rodovias. Deram como exemplo as estradas na Europa e nos Estados Unidos e sacaram desses países números aleatórios de redução de acidentes que justificariam a medida pelo Congresso Nacional.
Esse é o tipo da lei doida, desvairada e desnecessária que o brasileiro deveria não acatar e fazer, em massa, uma desobediência civil. Em um país ensolarado como o nosso, o farol aceso é mais uma luz para encandecer a vista dos motoristas tanto na estrada como na cidade, porque o sol incide sobre o reflexo dos faróis de dia. Essa medida de luz acesa nos carros de dia é necessária nas cidades europeias e em muitas outras nos Estados Unidos que vivem sob neblina na maior parte do ano, o que não é o nosso caso.
Impor o mesmo método no Brasil é no mínimo uma decisão autoritária e, por que não dizer, prepotente. A ideia surgiu de um ex-inspetor federal de rodovia que virou deputado. E prosperou diante da imbecilidade de alguns congressistas que aprovam leis que só servem para onerar o bolso dos brasileiros, como essa do farol aceso. Depois que aprovam é que se tocam que a medida é esdrúxula. Não só penaliza com infração o motorista como enriquece alguns empresários que vão vender mais baterias, mais luzes para os faróis e adaptar os carros antigos com dispositivos para que fiquem com a luz acesa quando acionar a ignição. A melhor das soluções seria uma campanha educativa em rodovias com nevoeiro intenso, não punitiva.
Ora, ora, os acidentes no Brasil não serão evitados porque os carros circularão de faróis acesos de dia. Eles acontecem porque as rodovias são péssimas, cheias de buracos, sem acostamentos, sem sinalização e sem fiscalização adequada. Não existe vigilância permanente para impedir a alta velocidade nas estradas e os postos de fiscalização normalmente estão vazios à noite. Criar leis para remediar a situação é simplesmente ignorar que a infraestrutura do Brasil está paralisada há mais de dez anos.
Enquanto em outros países, as regras são adotadas para não mexer no bolso do contribuinte, aqui tudo é feito para penalizar a população como se ela fosse responsável pelos desvios públicos, a corrupção e os desmandos do governo e que, portanto, deve ser punida. Nunca, em nenhum momento, o brasileiro teve a satisfação de ouvir que um governo derrubou um tributo para melhorar a sua vida.
Por isso, acho que o brasileiro deveria se rebelar contra mais essa lei equivocada do farol aceso, cuja eficácia é duvidosa. Vamos protestar todas as vezes que um governo impor mais uma infração ou um imposto novo à população.
Todas essas operações, evidentemente, oneram o contribuinte. E certamente engorda os bolsos dos criadores dessas ideias que dizem querer zelar pela nossa segurança, porque no Brasil, como se sabe, existe sempre um espertinho por trás de uma “boa” ação. Como o brasileiro é um povo passivo, acomodado e até meio abestado, aceita tudo que um burocrata determina de cima pra baixo, sem consultar ninguém. E por isso paga um preço caro, como acontece nesse momento com os faróis dos carros acesos durante o dia.
Dessa vez, a lei passou pelo Congresso Nacional. Tomou o número 13.290/2006 e virou infração média para quem andar nas ruas (Brasília) e nas estradas com os faróis apagados. Hoje, o infrator paga R$ 85,13 e é punido com 4 pontos na careira. A partir de novembro, as multas vão subir para R$ 130,16. Os “gênios” do trânsito conseguiram convencer os parlamentares de que os faróis acesos evitam acidentes nas rodovias. Deram como exemplo as estradas na Europa e nos Estados Unidos e sacaram desses países números aleatórios de redução de acidentes que justificariam a medida pelo Congresso Nacional.
Esse é o tipo da lei doida, desvairada e desnecessária que o brasileiro deveria não acatar e fazer, em massa, uma desobediência civil. Em um país ensolarado como o nosso, o farol aceso é mais uma luz para encandecer a vista dos motoristas tanto na estrada como na cidade, porque o sol incide sobre o reflexo dos faróis de dia. Essa medida de luz acesa nos carros de dia é necessária nas cidades europeias e em muitas outras nos Estados Unidos que vivem sob neblina na maior parte do ano, o que não é o nosso caso.
Impor o mesmo método no Brasil é no mínimo uma decisão autoritária e, por que não dizer, prepotente. A ideia surgiu de um ex-inspetor federal de rodovia que virou deputado. E prosperou diante da imbecilidade de alguns congressistas que aprovam leis que só servem para onerar o bolso dos brasileiros, como essa do farol aceso. Depois que aprovam é que se tocam que a medida é esdrúxula. Não só penaliza com infração o motorista como enriquece alguns empresários que vão vender mais baterias, mais luzes para os faróis e adaptar os carros antigos com dispositivos para que fiquem com a luz acesa quando acionar a ignição. A melhor das soluções seria uma campanha educativa em rodovias com nevoeiro intenso, não punitiva.
Ora, ora, os acidentes no Brasil não serão evitados porque os carros circularão de faróis acesos de dia. Eles acontecem porque as rodovias são péssimas, cheias de buracos, sem acostamentos, sem sinalização e sem fiscalização adequada. Não existe vigilância permanente para impedir a alta velocidade nas estradas e os postos de fiscalização normalmente estão vazios à noite. Criar leis para remediar a situação é simplesmente ignorar que a infraestrutura do Brasil está paralisada há mais de dez anos.
Enquanto em outros países, as regras são adotadas para não mexer no bolso do contribuinte, aqui tudo é feito para penalizar a população como se ela fosse responsável pelos desvios públicos, a corrupção e os desmandos do governo e que, portanto, deve ser punida. Nunca, em nenhum momento, o brasileiro teve a satisfação de ouvir que um governo derrubou um tributo para melhorar a sua vida.
Por isso, acho que o brasileiro deveria se rebelar contra mais essa lei equivocada do farol aceso, cuja eficácia é duvidosa. Vamos protestar todas as vezes que um governo impor mais uma infração ou um imposto novo à população.
Santa indiferença, o afeto da nossa era
Gira a roleta-russa que dispara em nossa mente as estranhas características que poderiam descrever qual o afeto que mais demarca nossa era. E, insistentemente, tal qual um letreiro de neon que pisca intermitentemente, a palavra é: indiferença!
A dor do avô, a perda do vizinho, o luto do primo, a bala perdida que ceifou mais uma vida, o acidente estúpido no fim da balada regada a vodca que capotou para sempre o futuro de cinco jovens. Indiferentes, mudamos de fase no game, frenéticos, disparamos um WhatsApp ou, bocejando, trocamos o canal.
A dor do avô, a perda do vizinho, o luto do primo, a bala perdida que ceifou mais uma vida, o acidente estúpido no fim da balada regada a vodca que capotou para sempre o futuro de cinco jovens. Indiferentes, mudamos de fase no game, frenéticos, disparamos um WhatsApp ou, bocejando, trocamos o canal.
Anestesiados, ouvimos as tragédias ao nosso redor enquanto um bocejo escapa, numa preguiça pós-prandial. O desinteresse por tudo e por todos vai se espalhando tal qual a peste negra na Idade Média. Com uma diferença, naquela época ainda havia uma esperança chamada fé, que nos tempos atuais anda em baixa entre os mais jovens. Depois da vida, o nada. O problema é que a própria existência tem sido muito próxima de um nada. Então, azar de nós.
Será que a emoção está tão em desuso, por estarmos cada vez mais racionais, frios, tecnológicos, rápidos, desimportantes ou descartáveis? Ou tímidos, individualistas e autossuficientes? Só espero que não seja efeito da artificialização dos sentimentos pela bebida, pelas drogas e pelas medicações. Sim, no fundo sei que uma das vertentes da evolução humana é uma hipertrofia cerebral na área cortical, que nos tornará lógicos, matemáticos, insensíveis, em detrimento da área hipotalâmica, sede do estresse e das emoções.
Seremos mais máquina e menos animais. Mais equações, menos paixões. Vivemos os estertores do romantismo e do sentimentalismo. Sentimentos levam a guerras, impulsos, discórdias, assim como inspiram poesias, canções e encantamentos. Assim sempre foi, mas antes dos próximos séculos desta robotização, uma maquinização de nossas existências, testemunhamos essa estranha fase da indiferença, entrecortada por ódios e radicalismos pré-históricos em contraste com uma tecnologia impensável há 20 anos. Estranho divórcio cerebral onde parte do nosso cérebro vive num filme de ficção científica, e do outro lado, parte vive de emoções regredidas e trogloditas. Olho para o lado e não vejo ninguém na praça lotada de alimentação. Nem sou visto. Tudo é neutro, igual a ontem ou mês passado, sem tempero como o sanduíche de fast food ou o suco artificial de alguma fruta. Observo a vida, amo ser curioso e besta. Agradeço por tantas emoções, sem plagiar o Roberto Carlos. Poder recordá-las e, para quem quiser, um dia me tornar um contador de histórias: “Era uma vez a paixão, uma coisa estranha que sufocava, acelerava o coração, me tirava do sério toda vez que minha musa...”.
Será que a emoção está tão em desuso, por estarmos cada vez mais racionais, frios, tecnológicos, rápidos, desimportantes ou descartáveis? Ou tímidos, individualistas e autossuficientes? Só espero que não seja efeito da artificialização dos sentimentos pela bebida, pelas drogas e pelas medicações. Sim, no fundo sei que uma das vertentes da evolução humana é uma hipertrofia cerebral na área cortical, que nos tornará lógicos, matemáticos, insensíveis, em detrimento da área hipotalâmica, sede do estresse e das emoções.
Seremos mais máquina e menos animais. Mais equações, menos paixões. Vivemos os estertores do romantismo e do sentimentalismo. Sentimentos levam a guerras, impulsos, discórdias, assim como inspiram poesias, canções e encantamentos. Assim sempre foi, mas antes dos próximos séculos desta robotização, uma maquinização de nossas existências, testemunhamos essa estranha fase da indiferença, entrecortada por ódios e radicalismos pré-históricos em contraste com uma tecnologia impensável há 20 anos. Estranho divórcio cerebral onde parte do nosso cérebro vive num filme de ficção científica, e do outro lado, parte vive de emoções regredidas e trogloditas. Olho para o lado e não vejo ninguém na praça lotada de alimentação. Nem sou visto. Tudo é neutro, igual a ontem ou mês passado, sem tempero como o sanduíche de fast food ou o suco artificial de alguma fruta. Observo a vida, amo ser curioso e besta. Agradeço por tantas emoções, sem plagiar o Roberto Carlos. Poder recordá-las e, para quem quiser, um dia me tornar um contador de histórias: “Era uma vez a paixão, uma coisa estranha que sufocava, acelerava o coração, me tirava do sério toda vez que minha musa...”.
Como a Dinamarca virou referência no combate ao desperdício alimentar
Copenhague está assumindo papel pioneiro num movimento que combina duas grandes preferências nacionais: fazer bem ao meio ambiente e poupar dinheiro. Em setembro próximo, o "reino verde" criará um fundo de incentivo a projetos contra o desperdício de alimentos, com uma verba de 5 milhões de coroas dinamarquesas (670 mil euros).
"Comida é amor. Quando jogamos comida fora, estamos jogando fora amor", afirma a ativista Selina Juul, de 36 anos. O trabalho da ONG Stop Wasting Food (Chega de desperdiçar comida), fundada por ela, contribuiu para que a Dinamarca alcançasse um marco histórico: reduzir seu desperdício de alimentos em um terço em relação a 2010.
Cada vez mais supermercados do país mantêm "stop food waste areas", onde são vendidos, a preços módicos, gêneros alimentícios cujo prazo de validade está prestes a se esgotar. Ou batatas "feias", mas que ainda servem perfeitamente para fazer uma salada.
E essa é apenas uma entre muitas abordagens eficazes. Com um app, a startup Too Good To Go mostra a gente faminta o caminho até refeições que antes não poderiam mais ser vendidas. A partir de uma lista de restaurantes e padarias que estão prestes a fechar, os usuários têm a chance de passar pelos locais e, com sorte, sair com um recipiente cheio de alimentos a preços reduzidos.
Mas o combate ao lixo supérfluo começa na própria geladeira. Assim, Juul apela aos cidadãos que evitem os "UFOs" (unidentifiable frozen object: objeto congelado não identificável).
"Um de cada dois dinamarqueses tem um 'UFO' no congelador. Por isso iniciamos uma campanha incentivando os consumidores a, uma vez por mês, comerem os seus 'UFOs'", afirma.
O fato de o país de 5,7 milhões de habitantes ter mais iniciativas contra o desperdício de gêneros alimentícios do que qualquer outro país europeu se deve, em grande parte, à organização Stop Wasting Food.
Sua fundadora, Selina Juul, já se tornou uma espécie de ícone nacional: em 2016 ela recebeu o Womenomics Influencer Award, dedicado a dinamarquesas cuja atividade no mundo dos negócios é considerada modelo. E foi incluída no Who's Who da Dinamarca e nomeada Dinamarquesa do Ano em 2014.
Armada de avental verde e de uma paixão irresistível por alimentos, Juul conseguiu entusiasmar milhões de dinamarqueses. "Trata-se de uma iniciativa bottom-up – de baixo para cima", comenta à DW. "Nós mobilizamos as pessoas, e elas mobilizam a indústria e os supermercados, cantinas e restaurantes."
"É como uma espiral: a coisa cresce, cresce e cresce", descreve a ativista. Ela e seu grupo querem agora começar a atuar em outros países. Seu sonho é que o cuidado com os alimentos venha a se transformar num instrumento para a paz mundial.
"Quando o assunto é desperdício de alimentos, todos estão de acordo, sejam ricos ou pobres, de esquerda ou de direita, não importando a cor da pele, nação ou religião. Comida é realmente algo que une os seres humanos." E Juul reforça: "Comida é amor."
"Comida é amor. Quando jogamos comida fora, estamos jogando fora amor", afirma a ativista Selina Juul, de 36 anos. O trabalho da ONG Stop Wasting Food (Chega de desperdiçar comida), fundada por ela, contribuiu para que a Dinamarca alcançasse um marco histórico: reduzir seu desperdício de alimentos em um terço em relação a 2010.
Cada vez mais supermercados do país mantêm "stop food waste areas", onde são vendidos, a preços módicos, gêneros alimentícios cujo prazo de validade está prestes a se esgotar. Ou batatas "feias", mas que ainda servem perfeitamente para fazer uma salada.
E essa é apenas uma entre muitas abordagens eficazes. Com um app, a startup Too Good To Go mostra a gente faminta o caminho até refeições que antes não poderiam mais ser vendidas. A partir de uma lista de restaurantes e padarias que estão prestes a fechar, os usuários têm a chance de passar pelos locais e, com sorte, sair com um recipiente cheio de alimentos a preços reduzidos.
Mas o combate ao lixo supérfluo começa na própria geladeira. Assim, Juul apela aos cidadãos que evitem os "UFOs" (unidentifiable frozen object: objeto congelado não identificável).
"Um de cada dois dinamarqueses tem um 'UFO' no congelador. Por isso iniciamos uma campanha incentivando os consumidores a, uma vez por mês, comerem os seus 'UFOs'", afirma.
O fato de o país de 5,7 milhões de habitantes ter mais iniciativas contra o desperdício de gêneros alimentícios do que qualquer outro país europeu se deve, em grande parte, à organização Stop Wasting Food.
Armada de avental verde e de uma paixão irresistível por alimentos, Juul conseguiu entusiasmar milhões de dinamarqueses. "Trata-se de uma iniciativa bottom-up – de baixo para cima", comenta à DW. "Nós mobilizamos as pessoas, e elas mobilizam a indústria e os supermercados, cantinas e restaurantes."
"É como uma espiral: a coisa cresce, cresce e cresce", descreve a ativista. Ela e seu grupo querem agora começar a atuar em outros países. Seu sonho é que o cuidado com os alimentos venha a se transformar num instrumento para a paz mundial.
"Quando o assunto é desperdício de alimentos, todos estão de acordo, sejam ricos ou pobres, de esquerda ou de direita, não importando a cor da pele, nação ou religião. Comida é realmente algo que une os seres humanos." E Juul reforça: "Comida é amor."
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