segunda-feira, 5 de junho de 2023

Pensamento do Dia

 


Psicopatas no comando e o mundo a ferver

Cada vez mais, e em maior número, psicopatas assumem o comando de empresas e nações. Em razão do tipo de comportamento que praticam e acabam por incentivar, o futuro da humanidade fica ainda mais comprometido.

Como agem os psicopatas? Mesmo não sendo psicólogo pode-se dizer que essas pessoas, em variados graus, são: narcisistas, não se incomodam com a dor alheia, são falsos, calculistas, manipuladores, arrogantes, mentem e não sentem remorso quando pisam nos outros para alcançar seus objetivos. E podem ser simpáticos quando lhes convém, só para trair em seguida. É conhecida a regra de que todo estelionatário é simpático.

Prefiro não citar nomes, mas é fácil ao leitor verificar a quantidade de bufões na direção de países e organizações. Por quê?

São muitas as razões, e as mídias sociais, incubadoras de absurdos, é uma delas. Outra, é a extraordinária concentração de riqueza mundo afora, e as regras das competições por poder e dinheiro, que privilegiam aqueles que não têm escrúpulos, que são até capazes de rir da dor alheia. Não que todo comandante seja necessariamente um psicopata, mas, em nossas sociedades, que valorizam o individualismo e a ganância, não se importar com os outros acaba por ser uma vantagem. Que, sem dúvida, ajuda a destruir tanto o ambiente social quanto o natural, ao fazer prosperar a desconfiança, comportamentos antissociais e projetos que degradam a biosfera. Quando veem esses tipos antissociais assumirem posições de comando, muitos tendem a imitá-los. Consequentemente, o tecido social se esgarça.

Com psicopatas governando países, projetos danosos e que, por isso mesmo, não deveriam ser implantados, tornam-se realidade, pois beneficiam esses dirigentes; alguns ganham muito e a comunidade perde. A guerra na Ucrânia é um exemplo, e agora a perspectiva de explorar petróleo na foz do Amazonas é outro, embora não sejam iguais entre si.

A possibilidade de existir lá grande quantidade do veneno negro é grande. A relativamente recente descoberta desse fóssil na vizinha Guiana, e o incrível crescimento do seu PIB em quase 50% em um ano, fazem dilatar as pupilas (e a ambição) de muitos psicopatas.

A questão é que a população da Guiana mais sofre que se beneficia, em razão da multiplicação dos preços dos aluguéis e alimentos, da desorganização social decorrente do afluxo de estrangeiros mais bem pagos que os locais, do deslocamento do poder político local para as multinacionais, também estas muitas vezes dirigidas por psicopatas. Não há razão para se crer que os amapaenses terão melhor sorte, assim como não tiveram melhor sorte nem os habitantes da região de Carajás, nem os itabiranos. Nem, para olhar outro continente, a maioria dos congoleses. Essa realidade é esquecida por aqueles que privilegiam o ganho de alguns e não os da comunidade. Psicopatas, pois.

Além disso, a insuspeita Agência Internacional de Energia já mostrou que, para se ter chance de evitar catástrofes ainda mais frequentes e maiores em razão das mudanças climáticas provocadas, principalmente, pela ganância humana e queima do veneno, nenhum novo projeto de extração e queima de fósseis deveria ser iniciado.

Assim, apesar da ganância humana, em breve – quanto antes melhor – o petróleo deixará de ser explorado; novos investimentos em sua exploração tenderão a micar, para usar o jargão do mercado financeiro, e a agravar ainda mais as condições ambientais.

Melhor buscar alternativas que de fato impliquem melhoria das condições de vida da população. Este o objetivo que deve orientar decisões, e não a ideia ultrapassada e equivocada de fazer crescer o PIB.
Eduardo Fernandez Silva

Tiranete DeSantis

Illinois é o estado americano governado pelo empresário democrata J.B. Pritzker, cuja fortuna familiar, ancorada na antiga rede hoteleira Hyatt, abriga 11 bilionários. O ilustre sobrenome também honra o mais prestigioso prêmio mundial de arquitetura, criado pelo patriarca há quase 50 anos. Dias atrás pousou na mesa de Pritzker uma lei fácil de assinar, fossem outros os tempos. Só que nada mais é banal ou simples no inglório contexto atual de guerras culturais. Daí o texto a ser chancelado pelo governador adquirir ares quase revolucionários, quando enuncia, simplesmente, que é proibido proibir:

—Fica declarado ser política do estado incentivar e proteger a liberdade de bibliotecas e do sistema bibliotecário para a aquisição de materiais, sem ingerência externa; fornecer-lhes proteção contra tentativas de banir, remover ou restringir o acesso a livros e outros materiais.


Para receber verba do governo, Illinois exige que suas 645 bibliotecas públicas e 2.577 escolares assinem (e sigam) dois princípios básicos da Declaração de Direitos da Associação Americana de Bibliotecas: “apresentar os vários pontos de vista sobre temas atuais e históricos”, e “materiais não podem ser proscritos nem removidos por motivos doutrinários ou partidários”. Desde 1982, por sinal, em julgamento de um caso relativo à autonomia de uma escola (Board of Education v. Pico), a Suprema Corte do país já sustentara o princípio constitucional que proíbe “a supressão de ideias”.

Mas isso foi lá atrás, nos tempos em que a Terra ainda era redonda. Em 2023, 12 dos 50 estados americanos já se inclinam a seguir o receituário corrosivo do governador da Flórida, o republicano Ron DeSantis, que testa suas chances presidenciais para 2026 tensionando os limites legais de sua autoridade. Menos carismático (por extravagante) que sua nêmesis Donald Trump, o homem que precisaria derrotar nas prévias do partido, DeSantis não é menos incendiário na arte de demonizar mulheres, minorias, causas sociais, negros. E livros, sobretudo livros.

Está em vigor na Flórida, há mais de um ano, a lei que exige que cada livro oferecido em sala de aula ou biblioteca de cada escola pública do estado “seja selecionado e aprovado por um funcionário distrital com especialização certificada em livros educacionais”. Caso materiais considerados danosos para menores forem usados apesar da proibição, uma pena de até cinco anos de prisão e multa de US$5 mil s ão aventadas pelo Departamento de Educação. Como era de prever, desde então reina confusão, medo, caos e impossibilidade de cumprimento da seleção prévia, tanto pelo volume de livros a analisar quanto pela escassez de “especialistas”.

Como todo tiranete, autocrata ou ditador, era o que DeSantis queria — estantes esvaziadas ou encobertas, algumas bibliotecas fechadas, educadores amedrontados. Sob argumentos variados, o ensino de História do Negro, que finalmente passara a constar pelo menos na grade extracurricular, foi vetado. Como escreveu a jornalista Amanda Marcotte na Salon, “o governador estabeleceu a regra de que um aluno simplesmente não deve poder percorrer uma estante na biblioteca e apanhar um livro para ler sozinho. Ele estigmatizou a curiosidade”. Tem mais: como alguns volumes já analisados foram liberados com tarja de advertência, espraia-se a mensagem subliminar de que livros são inerentemente perigosos. “Políticas públicas assim causam um efeito cascata”, continua Marcotte, “a prática da leitura deixa de ser um bem social e passa a ameaça que precisa ser regulada.”

Foi empunhando a bandeira da defesa dos “direitos dos pais” que a nova lei recorreu ao genérico “pornografia” para proibir uma edição ilustrada do clássico A Bela Adormecida em que as nádegas da rainha na banheira estão expostas. Critérios ainda mais obscuros fizeram sumir desde “Amada” e “O olho mais azul”, de Toni Morrison, até “O caçador de pipas”, de Khaled Hosseini. Se depender de DeSantis e seus vigilantes, crianças da Flórida nunca aprenderão quem foram Rosa Parks ou o grande abolicionista Frederick Douglass — “sem valor educacional”, foi o veredito. Do outro lado do mundo, na Índia comandada por Narendra Modi, o ano letivo de 2023 também viu removidos dos livros didáticos não apenas a Teoria da Evolução de Darwin, como todo um leque de conteúdos referentes à História dos muçulmanos e à democracia.

É em momentos assim que cabe domar a impaciência diante de tantos engasgos graves do governo atual e olhar para o pior. O que seria da castigada educação pública brasileira se submetida a mais quatro anos de bolsonarismo? Melhor nem pensar.

A mesoestrutura do crime

Estarrecedor, mas sinistramente nacional: o Ministério Público do Rio revelou uma tentativa de coalizão entre políticos da Baixada Fluminense (municípios de Nova Iguaçu, Queimados, Seropédica e Mesquita) e integrantes de uma milícia, para se infiltrar nos poderes constituídos.

Isso já tem, aliás, um grau de realidade. Mas numa reunião pré-eleitoral secretamente gravada, um chefe miliciano expunha a meta abrangente de aliados no Executivo, no Legislativo, no Judiciário e no próprio Ministério Público. Um fuzil enfeitava a mesa, e circulava o vídeo em que ele, orgulhoso, exibia seis cabeças de jovens que tinha acabado de decapitar. O Estado Islâmico não faria melhor.


Nenhum dos políticos envolvidos foi eleito, todos estão sendo processados por organização criminosa, mas continua relevante o teor da conversa no encontro: "É uma coisa normal. É o governo normal. Só quem precisa saber são as partes". Ou seja, uma semioficialização do crime.

A afirmação dessa oblíqua "normalidade" leva a supor que os ilegalismos sejam fato nacional, não exclusivo de uma região. É sabido que uma sociedade se ordena pela neutralização permanente das convulsões coletivas por repressão policial ou por legitimações ideológicas. Mas sob a normalidade catalogada como esfera civil, pode haver outra, que viceja numa escala de brutalidade superior às exações impiedosas, embora legais, do Estado.

Essa outra é notória, mas nem tanto a sua extensão, agora transparente no episódio desvendado pelo MP carioca e latente nas sombras estatais e municipais: a obscena complementaridade entre poder público e quadrilhas. Dela foi vítima Marielle Franco. Irradiada, a mafialização constitui uma "mesoestrutura", mediadora entre o submundo político e frações de classe social periféricas.

O fenômeno evidencia-se na região fluminense pelo avanço do controle territorial por facções. É nacional, porém, a exacerbação da violência nas cidades com tiroteios diários e ameaças de "novo cangaço". A promiscuidade entre política e crime organizado, mesoestrutura mafiosa, sintoma de apodrecimento do laço social, repontou no governo passado e persiste em representações parlamentares de todos os níveis.

Não se cortam cabeças à toa. A itinerância internacional do presidente da República seria até de bom alvitre, não fosse o odor de naftalina do passado. Convém cuidar com urgência da guerra interna. Enquanto Estado e nação não acordarem para a desenhada decapitação da civilidade pela ausência de um projeto global de segurança, operações judiciárias apenas patinarão no gelo sob holofotes. O risco é sobrevir a médio prazo uma catastrófica coalizão do crime no poder, maior do que a intentada entre 2018 e 2022.

Como nasceu o Brasil

De vez em quando, a gente tem que deixar de lado certos conceitos consagrados e assumir o risco de buscar no desconhecido o que está na hora de encarar. O mundo do conhecimento, hoje dominado pelo digital e pela inteligência Artificial, filhos da Internet que já tem 50 anos de controle de nossas mentes, está sendo abalado por novas formas de pensar o mundo, novas ideias para entendermos melhor o que fazemos aqui. E sobretudo para onde vamos ou queremos ir.

Toda civilização conhecida, quer esteja decifrada ou não, possui valores mais ou menos organizados que nos ajudam a estabelecer critérios e limites para saber o que elas são ou foram. Não importa se já não são práticas sociais vigentes, se já não exista uma população que as represente com significância no mundo real. O que importa é que elas existam ou que tenham existido de modo concreto, deixando seus herdeiros de hoje a praticar, mesmo que não tenham consciência disso, o que foram suas práticas.


Stefan Zweig era um pensador europeu que, em 1941, escreveu um livro sobre o Brasil, em que dizia que o brasileiro era um homem sem futuro. A cultura do brasileiro era esquálida, ele nunca teve poesia a que se referisse em tempo muito anterior ao que vivia, um passado pré-histórico como o dos povos da Europa. Os brasileiros não tinham uma tradição literária ou uma religião primitiva, “não há lendas populares conservadas ao longo dos séculos”. Em suma, o Brasil era um país do futuro porque não tinha um passado!

Mas, aos poucos, esse passado foi se esclarecendo graças à invenção do que se sucedia naquele presente inútil.

O brasileiro foi descobrindo, com sofrimento e decepção, que esse passado de costumes ia sendo construído graças às narrações do presente. E essas narrações eram do presente porque não podíamos viver sem elas. Elas eram também o nosso futuro.

Isso tudo se misturava em ideias de gente como Gilberto Freyre, Paulo Prado, Sergio Buarque de Holanda, Oswald de Andrade, Darcy Ribeiro, etc, essa gente que por hábito passou a escrever, ninguém sabe direito se inventando um país por cima de ilusões e histórias ou se organizando o país desorganizado, a nação que eles sonhavam tanto poder ter. Quem sabe, apenas para poder escrever sobre ela, criar seus costumes como crianças que inventam seus brinquedos.

Agora lí um desses criadores que me encheu de prazer como todos os outros que citei e que poderia ainda citar mais. Como o antropólogo Manuel Diégues Júnior, que se dedicou a Alagoas, sua terra natal, onde difundiu a obra de Gilberto Freyre, o mestre a quem tanto ensinou, como em “O bangüê nas Alagoas”, em que conta como era a vida social, econômica e cultural nos tempos do engenho.

Mas o que acabo de ler é o assombroso relato de “O tupinambá que virou planeta”, de Rafael Pinotti. Ubiratã é um indígena de origem tupinambá que se obriga a uma caminhada em direção do Oeste do continente americano, em busca do sol. No caminho, ele se casa com Moema, indígena como ele, cruza com os franceses na luta pela conquista da Baía de Guanabara e vive emocionante ocupação do território Inca no Peru. No rumo de Ubiratã, o autor nos conta histórias como a do casal de meninos que vivia em ilhas, uma em frente à outra.

O périplo de Ubiratã vai terminar na Terceira Parte do livro, quando ele se torna seu título, num belo e misterioso conjunto de situações que somam sua origem indígena com seu fim ligado ao progresso e à visão científica da astronomia a seu alcance.

Vou voltar, aqui mesmo, ao livro, seu autor e seu personagem. Talvez possamos entender então o que dizia Gilberto Freyre, no prefácio de “O bangüê nas Alagoas”: “É um sistema de que ninguém consegue separar a formação brasileira”.