quinta-feira, 27 de outubro de 2022
O bolsonarismo desistiu do eleitor
A escalada golpista da reta final da campanha mostra que o presidente parece já ter desistido do eleitor e não quer aguardar para conferir se o inverso é verdadeiro.
Os tiros de Roberto Jefferson atravessaram a Mantiqueira e, como previsto, acertaram o eleitor paulista. Se este eleitor, em defesa da polícia, estava disposto até mesmo a votar em quem quer tirar as câmeras dos uniformes, não aceitaria aliados dessa gente que atira em policial. Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Haddad crescem em São Paulo, a reboque de Jefferson.
Ainda está por ser explicado por que seis agentes, sem colete à prova de bala ou equipamento adequado, se dirigiram à casa de um apenado em regime domiciliar que acumulava armas e munições.
Mas o fato é que, depois de tanto explorar os votos de presidiários em seu adversário, eis que o presidente Jair Bolsonaro chegou à reta final da eleição atingido por um deles.
O fracasso da armação levou a esta cartada final do “radiolão”. A engenharia das inserções pode até demonstrar que falta fiscalização na divulgação, principalmente nas rádios. É uma lacuna que prejudica a todos e não apenas ao reclamante a quem, mais do que propaganda, falta credibilidade.
O tiros em Levy Gasparian (RJ) já foram suficientes para mostrar que a reprise tupiniquim do Capitólio é uma ópera bufa do bolsonarismo, mas a campanha governista resolveu dobrar a aposta com esta manifestação convocada para o sábado em Brasília. Como não conseguiram melar a eleição com as urnas eletrônicas, apelam agora para as inserções.
Os fatos derradeiros da campanha estão a mostrar a dramaticidade da renovação do governo em curso. O que parece faltar em votos para o bolsonarismo sobra em poderes constituídos que se levantam contra seus arroubos.
A frente ampla chegou ao Vaticano. Além do ódio, da intolerância e da violência, o papa ainda acrescentou Nossa Senhora de Aparecida para pedir passagem. Mais explícito, impossível.
É o poder que se move na reta final. E nunca está sozinho. O bolsonarismo gira a manivela do voto antissistema com seus chiliques, mas este 2 turno está a mostrar que tudo tem um limite. A reação dos poderes oferece um eixo contra o rumo desgovernado que tomou a campanha de Jair Bolsonaro.
A reação da Igreja Católica, que tomou corpo depois do tumulto em Aparecida, dá à maioria religiosa um norte para se contrapor ao apelo obscurantista do presidente que grassa, majoritariamente, entre evangélicos.
O Judiciário mostrou unidade seja no respaldo do Supremo Tribunal Federal aos superpoderes do Tribunal Superior Eleitoral seja na garantia ao passe livre nas capitais.
Não foi a exoneração do servidor do TSE que mostrou os excessos de Alexandre de Moraes. Todos já o conhecem, mas é como se o Judiciário depois de contribuir para corroer a democracia pelo lavajatismo, não visse outra forma de remediá-lo senão investindo outro juiz de plenos poderes. Ante o monstro que se transformou o bolsonarismo, parece não haver saída.
Foi Bolsonaro quem deu liga a esta unidade ao esticar a corda nas ameaças contra o STF. Já o tinha feito antes, mas sua reiteração na campanha foi sinal de que perdeu o tino. Se o arroubo foi tolerado até aqui é porque seu mandato tem fim. A perspectiva de sua renovação deu ruim.
Um togado do Supremo chegou a dizer esta semana a um ministro do governo, engajado na reeleição presidencial, que estava na hora de ele buscar um advogado criminal.
Até o ex-presidente José Sarney, que só se pronuncia em anos bissextos, resolveu falar. Reverenciou o Supremo como ponto de equilíbrio, seja em relação à “autocracia” do atual governo, seja em relação aos “interesses excusos” do Legislativo na gestão do orçamento secreto. A declaração de voto no ex-presidente Lula seguiu como decorrência.
O cerco é tamanho que os donos dos feudos do orçamento secreto partiram para a guerrilha antes mesmo da batalha final.
A tomada de posição de Sarney acabou por emudecer outro ex-presidente, Michel Temer, que voltara a atuar na intermediação entre Bolsonaro e o Supremo. Um sinal disso foi a decisão do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, aliado de Temer, de se antecipar à justiça e decretar o passe livre contra o qual havia se insurgido no primeiro turno.
Tratou-se de mais uma cartada do Judiciário a movimentar o tabuleiro. Ao respaldar a catraca livre, levou todas as capitais a adotar a medida que, no primeiro turno, enfrentou forte resistência do bolsonarismo.
Junte-se aí o Tribunal de Contas da União que, depois do rigor com o qual tratou a gestão da Caixa Econômica Federal no impeachment de Dilma, corria o risco de deixar passar batido o uso eleitoreiro do banco público. Ao mandar suspender o consignado do Auxílio Brasil, ganhou tempo.
Os poderes não se movem apenas por obra e graça de suas cúpulas mas pela força da burocracia. O que não foi o vazamento de estudos do Ministério da Economia sobre a desindexação do Orçamento, notadamente do salário mínimo, senão a reação de técnicos à perspectiva de mais quatro anos do chefe de Paulo Guedes?
A reação da burocracia econômica é posterior àquela capitaneada por nichos importantes do empresariado e da finança nacional.
De todos os sistemas de poder do país, aquele que comanda o PIB industrial e financeiro foi um dos primeiros a reagir. Uma demonstração de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se apercebeu do peso desta precedência foi o espaço aberto para Simone Tebet e Marina Silva na sua campanha, arrematado pela reiteração de que seu governo não será do PT.
Até a ciência mundial, representada por sua principal publicação, a “Nature”, publicou editorial em que diz que “só há uma escolha na eleição do Brasil - para o país e para o mundo”.
Ainda restam o debate e três dias até a eleição, o que é uma eternidade quando Bolsonaro está em campo. Há 8,5 milhões de votos a serem consolidados nesta reta final. Ao contrário de 2018, quando ficaram a esperar no que ia dar, os poderes tomaram partido antes que sumam do mapa. Oferecem uma carona ao eleitor. Resta aguardar se sua excelência vai aceitar.
Os tiros de Roberto Jefferson atravessaram a Mantiqueira e, como previsto, acertaram o eleitor paulista. Se este eleitor, em defesa da polícia, estava disposto até mesmo a votar em quem quer tirar as câmeras dos uniformes, não aceitaria aliados dessa gente que atira em policial. Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Haddad crescem em São Paulo, a reboque de Jefferson.
Ainda está por ser explicado por que seis agentes, sem colete à prova de bala ou equipamento adequado, se dirigiram à casa de um apenado em regime domiciliar que acumulava armas e munições.
Mas o fato é que, depois de tanto explorar os votos de presidiários em seu adversário, eis que o presidente Jair Bolsonaro chegou à reta final da eleição atingido por um deles.
O fracasso da armação levou a esta cartada final do “radiolão”. A engenharia das inserções pode até demonstrar que falta fiscalização na divulgação, principalmente nas rádios. É uma lacuna que prejudica a todos e não apenas ao reclamante a quem, mais do que propaganda, falta credibilidade.
O tiros em Levy Gasparian (RJ) já foram suficientes para mostrar que a reprise tupiniquim do Capitólio é uma ópera bufa do bolsonarismo, mas a campanha governista resolveu dobrar a aposta com esta manifestação convocada para o sábado em Brasília. Como não conseguiram melar a eleição com as urnas eletrônicas, apelam agora para as inserções.
Os fatos derradeiros da campanha estão a mostrar a dramaticidade da renovação do governo em curso. O que parece faltar em votos para o bolsonarismo sobra em poderes constituídos que se levantam contra seus arroubos.
A frente ampla chegou ao Vaticano. Além do ódio, da intolerância e da violência, o papa ainda acrescentou Nossa Senhora de Aparecida para pedir passagem. Mais explícito, impossível.
É o poder que se move na reta final. E nunca está sozinho. O bolsonarismo gira a manivela do voto antissistema com seus chiliques, mas este 2 turno está a mostrar que tudo tem um limite. A reação dos poderes oferece um eixo contra o rumo desgovernado que tomou a campanha de Jair Bolsonaro.
A reação da Igreja Católica, que tomou corpo depois do tumulto em Aparecida, dá à maioria religiosa um norte para se contrapor ao apelo obscurantista do presidente que grassa, majoritariamente, entre evangélicos.
O Judiciário mostrou unidade seja no respaldo do Supremo Tribunal Federal aos superpoderes do Tribunal Superior Eleitoral seja na garantia ao passe livre nas capitais.
Não foi a exoneração do servidor do TSE que mostrou os excessos de Alexandre de Moraes. Todos já o conhecem, mas é como se o Judiciário depois de contribuir para corroer a democracia pelo lavajatismo, não visse outra forma de remediá-lo senão investindo outro juiz de plenos poderes. Ante o monstro que se transformou o bolsonarismo, parece não haver saída.
Foi Bolsonaro quem deu liga a esta unidade ao esticar a corda nas ameaças contra o STF. Já o tinha feito antes, mas sua reiteração na campanha foi sinal de que perdeu o tino. Se o arroubo foi tolerado até aqui é porque seu mandato tem fim. A perspectiva de sua renovação deu ruim.
Um togado do Supremo chegou a dizer esta semana a um ministro do governo, engajado na reeleição presidencial, que estava na hora de ele buscar um advogado criminal.
Até o ex-presidente José Sarney, que só se pronuncia em anos bissextos, resolveu falar. Reverenciou o Supremo como ponto de equilíbrio, seja em relação à “autocracia” do atual governo, seja em relação aos “interesses excusos” do Legislativo na gestão do orçamento secreto. A declaração de voto no ex-presidente Lula seguiu como decorrência.
O cerco é tamanho que os donos dos feudos do orçamento secreto partiram para a guerrilha antes mesmo da batalha final.
A tomada de posição de Sarney acabou por emudecer outro ex-presidente, Michel Temer, que voltara a atuar na intermediação entre Bolsonaro e o Supremo. Um sinal disso foi a decisão do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, aliado de Temer, de se antecipar à justiça e decretar o passe livre contra o qual havia se insurgido no primeiro turno.
Tratou-se de mais uma cartada do Judiciário a movimentar o tabuleiro. Ao respaldar a catraca livre, levou todas as capitais a adotar a medida que, no primeiro turno, enfrentou forte resistência do bolsonarismo.
Junte-se aí o Tribunal de Contas da União que, depois do rigor com o qual tratou a gestão da Caixa Econômica Federal no impeachment de Dilma, corria o risco de deixar passar batido o uso eleitoreiro do banco público. Ao mandar suspender o consignado do Auxílio Brasil, ganhou tempo.
Os poderes não se movem apenas por obra e graça de suas cúpulas mas pela força da burocracia. O que não foi o vazamento de estudos do Ministério da Economia sobre a desindexação do Orçamento, notadamente do salário mínimo, senão a reação de técnicos à perspectiva de mais quatro anos do chefe de Paulo Guedes?
A reação da burocracia econômica é posterior àquela capitaneada por nichos importantes do empresariado e da finança nacional.
De todos os sistemas de poder do país, aquele que comanda o PIB industrial e financeiro foi um dos primeiros a reagir. Uma demonstração de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se apercebeu do peso desta precedência foi o espaço aberto para Simone Tebet e Marina Silva na sua campanha, arrematado pela reiteração de que seu governo não será do PT.
Até a ciência mundial, representada por sua principal publicação, a “Nature”, publicou editorial em que diz que “só há uma escolha na eleição do Brasil - para o país e para o mundo”.
Ainda restam o debate e três dias até a eleição, o que é uma eternidade quando Bolsonaro está em campo. Há 8,5 milhões de votos a serem consolidados nesta reta final. Ao contrário de 2018, quando ficaram a esperar no que ia dar, os poderes tomaram partido antes que sumam do mapa. Oferecem uma carona ao eleitor. Resta aguardar se sua excelência vai aceitar.
O plano de Bolsonaro para a noite do domingo das eleições
Um mutirão de apelos, feito por assessores, demoveu Bolsonaro de tentar lançar granadas, ontem, ao cair da tarde, no ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral.
Não se pode dizer que Bolsonaro estava furioso como jamais se viu – já se viu, sim, e talvez em pior estado. Ao exercício da fúria inútil sucede quase sempre o recuo com medo das consequências.
Ele morde e assopra. Late e cala. Bate na mesa e depois corre para debaixo da saia de Michelle. Justamente por apoiá-lo, os militares conhecem muito bem com quem estão lidando.
“Cavalão”, seu apelido no tempo dos quartéis, não decorre de nenhuma demonstração de força admirável que ele tenha dado. Ele só se destacou por correr rápido como um cavalo árabe.
Em Minas Gerais, Bolsonaro constatou que, ali, não vencerá as eleições, e que poderá aumentar a diferença em favor de Lula. Então, quando voava ao Rio, mandou desviar o avião para Brasília.
Chegou bufando ao Palácio da Alvorada. Quis convocar uma reunião ministerial – mas cadê os ministros? A maioria estava nos estados. Clima de fim de feira é assim. Encontrou-se com três.
E o anúncio de golpe que muitos temiam virou uma gotinha. Por sinal, golpe não se anuncia, aplica-se. Bolsonaro disse que lutará até o fim “dentro das quatro linhas da Constituição”.
É o que se espera que faça. Não gostou da decisão de Moraes de rejeitar a denúncia de que fora garfado por emissoras de rádio que não teriam veiculado seus comerciais?
Tudo bem. Vá reclamar ao Supremo Tribunal Federal. A denúncia não passou de mais uma fake news para fazer o país mudar de assunto. O assunto era Roberto Jefferson. Deixou de ser.
O assunto, hoje e amanhã, deverá ser o último debate entre Lula e Bolsonaro na noite desta sexta-feira. Se empatar ou perder o debate por poucos pontos, Lula terá ganhado.
Sabe-se lá mais o que, à base do desespero e diante da derrota que se avizinha, Bolsonaro poderá aprontar até sábado, quando as últimas pesquisas de intenção de voto serão reveladas.
Mas, no domingo, é certo o que ele planeja. Simples: os votos do Nordeste são os últimos a serem apurados. Bolsonaro deve anunciar sua vitória quando estiver à frente da apuração.
Se a apuração terminar com sua derrota, dirá que a eleição foi roubada e que reagirá “dentro das quatro linhas da Constituição”. Ou simplesmente dirá que ela foi roubada.
O resto ficará por conta dos seus seguidores mais radicais. Bolsonaro espera que eles saiam por aí botando para quebrar, e exigindo a realização de uma espécie de terceiro turno.
Não sorriam. Acreditem. Há loucos o bastante no mundo. E, sob o comando de um tresloucado, são capazes de acreditar nas maiores barbaridades, e de se empenharem em realizá-las.
Nada de pavor. Muita calma. O domingo nunca demorou tanto para chegar, mas chegará. Votai, vigiai e cautela – que, como caldo de galinha, não faz mal a ninguém.
Não se pode dizer que Bolsonaro estava furioso como jamais se viu – já se viu, sim, e talvez em pior estado. Ao exercício da fúria inútil sucede quase sempre o recuo com medo das consequências.
Ele morde e assopra. Late e cala. Bate na mesa e depois corre para debaixo da saia de Michelle. Justamente por apoiá-lo, os militares conhecem muito bem com quem estão lidando.
“Cavalão”, seu apelido no tempo dos quartéis, não decorre de nenhuma demonstração de força admirável que ele tenha dado. Ele só se destacou por correr rápido como um cavalo árabe.
Em Minas Gerais, Bolsonaro constatou que, ali, não vencerá as eleições, e que poderá aumentar a diferença em favor de Lula. Então, quando voava ao Rio, mandou desviar o avião para Brasília.
Chegou bufando ao Palácio da Alvorada. Quis convocar uma reunião ministerial – mas cadê os ministros? A maioria estava nos estados. Clima de fim de feira é assim. Encontrou-se com três.
E o anúncio de golpe que muitos temiam virou uma gotinha. Por sinal, golpe não se anuncia, aplica-se. Bolsonaro disse que lutará até o fim “dentro das quatro linhas da Constituição”.
É o que se espera que faça. Não gostou da decisão de Moraes de rejeitar a denúncia de que fora garfado por emissoras de rádio que não teriam veiculado seus comerciais?
Tudo bem. Vá reclamar ao Supremo Tribunal Federal. A denúncia não passou de mais uma fake news para fazer o país mudar de assunto. O assunto era Roberto Jefferson. Deixou de ser.
O assunto, hoje e amanhã, deverá ser o último debate entre Lula e Bolsonaro na noite desta sexta-feira. Se empatar ou perder o debate por poucos pontos, Lula terá ganhado.
Sabe-se lá mais o que, à base do desespero e diante da derrota que se avizinha, Bolsonaro poderá aprontar até sábado, quando as últimas pesquisas de intenção de voto serão reveladas.
Mas, no domingo, é certo o que ele planeja. Simples: os votos do Nordeste são os últimos a serem apurados. Bolsonaro deve anunciar sua vitória quando estiver à frente da apuração.
Se a apuração terminar com sua derrota, dirá que a eleição foi roubada e que reagirá “dentro das quatro linhas da Constituição”. Ou simplesmente dirá que ela foi roubada.
O resto ficará por conta dos seus seguidores mais radicais. Bolsonaro espera que eles saiam por aí botando para quebrar, e exigindo a realização de uma espécie de terceiro turno.
Não sorriam. Acreditem. Há loucos o bastante no mundo. E, sob o comando de um tresloucado, são capazes de acreditar nas maiores barbaridades, e de se empenharem em realizá-las.
Nada de pavor. Muita calma. O domingo nunca demorou tanto para chegar, mas chegará. Votai, vigiai e cautela – que, como caldo de galinha, não faz mal a ninguém.
Os sábios
Uma galinha, finalmente, descobriu a maneira de resolver os principais problemas da cidade dos homens. Apresentou a sua teoria aos maiores sábios e não havia dúvidas: ela tinha descoberto o segredo para todas as pessoas poderem viver tranquilamente e bem.
Depois de a ouvirem com atenção, os sete sábios da cidade pediram uma hora para reflectir sobre as consequências da descoberta da galinha, enquanto esta esperava numa sala à parte, ansiosa por ouvir a opinião destes homens ilustres.
Na reunião, os sete sábios por unanimidade, e antes que fosse tarde demais, decidiram comer a galinha.
Gonçalo M. Tavares, "O senhor Brecht"
Depois de a ouvirem com atenção, os sete sábios da cidade pediram uma hora para reflectir sobre as consequências da descoberta da galinha, enquanto esta esperava numa sala à parte, ansiosa por ouvir a opinião destes homens ilustres.
Na reunião, os sete sábios por unanimidade, e antes que fosse tarde demais, decidiram comer a galinha.
Gonçalo M. Tavares, "O senhor Brecht"
Bolsonaro nos rouba a vida
Leitor reclama que não me engajo politicamente e que só me preocupo com a mudança de casa e com o impacto que teria "no pet". Quem me dera. Não há outra coisa que eu faça nos últimos anos que não seja morrer um pouquinho todo dia de raiva e mostrar a tragédia do governo Bolsonaro.
Há dezenas de colunas, de vídeos, de tuítes meus sobre o assunto, mas agradeço ao leitor por me lembrar de mais um motivo para derrotar Bolsonaro: ele nos roubou o direito de viver. Não há um dia de paz, não tem domingo de descanso, até na madrugada esse desgraçado resolve fazer live para mentir.
Quem me dera escrever crônicas sobre o trauma que é perder o gato dentro de casa e chorar no chão do banheiro, num visível desequilíbrio emocional, quando muitas horas depois ele sai de dentro de uma gaveta desarrumada. Mas não posso. Temos que gastar energia para mostrar que não teremos novamente aquilo que nunca tivemos: comunismo.
Gostaria de usar meu espaço para denunciar os prestadores de serviço que acham que podem me cobrar o dobro porque, né, mulher sozinha só pode ser trouxa. Quem me dera que meu maior problema fossem os três dias de banho com água fria porque o cano estava com a rebimboca da parafuseta errada. Mas não.
Enquanto ignoro as caixas da mudança, tento mostrar aos indecisos que não é natural um aliado do presidente receber a PF com granada.
Se as pessoas não se importam com o envolvimento de Bolsonaro com corrupção, milícia, incitação ao crime, golpismo, pelo amor de deus, que seja para termos um pouco de paz.
Há dezenas de colunas, de vídeos, de tuítes meus sobre o assunto, mas agradeço ao leitor por me lembrar de mais um motivo para derrotar Bolsonaro: ele nos roubou o direito de viver. Não há um dia de paz, não tem domingo de descanso, até na madrugada esse desgraçado resolve fazer live para mentir.
Com todo respeito ao leitor, eu queria, sim, poder sofrer porque meu marido viajou a trabalho, fiz uma mudança sozinha e ainda estou lidando com dois gatos apavorados pelo sumiço do pai e do mundinho que eles já conheciam. Em vez disso, passo horas do dia tentando convencer minion e simpatizantes de que democracia é uma coisa importante.
Quem me dera escrever crônicas sobre o trauma que é perder o gato dentro de casa e chorar no chão do banheiro, num visível desequilíbrio emocional, quando muitas horas depois ele sai de dentro de uma gaveta desarrumada. Mas não posso. Temos que gastar energia para mostrar que não teremos novamente aquilo que nunca tivemos: comunismo.
Gostaria de usar meu espaço para denunciar os prestadores de serviço que acham que podem me cobrar o dobro porque, né, mulher sozinha só pode ser trouxa. Quem me dera que meu maior problema fossem os três dias de banho com água fria porque o cano estava com a rebimboca da parafuseta errada. Mas não.
Enquanto ignoro as caixas da mudança, tento mostrar aos indecisos que não é natural um aliado do presidente receber a PF com granada.
Se as pessoas não se importam com o envolvimento de Bolsonaro com corrupção, milícia, incitação ao crime, golpismo, pelo amor de deus, que seja para termos um pouco de paz.
Tem gente que não se enxerga
A campanha mais baixa da história que eu já tenha vistoJair Bolsonaro, quando assistia em um restaurante popular de Brasília o programa de propaganda de Lula
Roberto Jefferson – filho do bolsonarismo
Muitos brasileiros estão cansados. Não aguentam mais a propaganda eleitoral, as discussões entre conhecidos e familiares, os slogans repetitivos, a avalanche de postagens e vídeos na internet. E estão também assustados com a violência verbal e física que frequentemente parte de um lado: dos bolsonaristas.
O nível da disputa eleitoral em geral tem sido baixo. A principal responsável por isso é a campanha de Jair Bolsonaro, que pretendia simplesmente repetir sua estratégia de 2018. Com mentiras, invenções, alarmismo, dados falsos e insultos. A campanha do presidente pode ser resumida da seguinte maneira: "Lula é um ladrão, o Brasil não pode se transformar numa Venezuela, o PT quer corromper sexualmente seus filhos e fechar as igrejas evangélicas; Jair Bolsonaro é o salvador da pátria."
Logo ficou claro que essa estratégia não teria o mesmo sucesso que teve em 2018. Por duas razões: Bolsonaro não é mais o outsider. Trata-se menos do que o PT fez no passado e muito mais de um balanço do governo dele. De repente, Bolsonaro se viu na defensiva, e nisso ele não se sente tão confortável como no ataque. O antipetismo, decisivo nas eleições de 2018, não mobiliza mais as mesmas massas.
Em segundo lugar, desta vez seu adversário é Lula, experiente político com uma forte sede de poder e que não se deixa intimidar facilmente. Ele aposta na memória de seu próprio governo, entre 2003 e 2011, e nos ataques contra Bolsonaro, em vez de dar a outra face.
Mas além de Lula, apareceu mais um adversário para Bolsonaro: o Judiciário. Sem mecanismos estabelecidos para banir mentiras e ofensas na era digital, os tribunais entraram em cena no Brasil após as eleições de 2018. O bolsonarismo considera essas intervenções judiciais como um ataque contra a liberdade de expressão. Em seu primitivismo intelectual, não quer entender que a liberdade traz sempre consigo uma responsabilidade.
Roberto Jefferson é um fanático bolsonarista. Acredita que está acima da lei e pode fazer o que quiser sem consequências. Representa o pensamento bolsonarista: prepotente, infantil, arrogante. Naturalmente, Jefferson se considera um "cidadão do bem" e um bom cristão .
Imaginemos que a PF tivesse aparecido numa favela para fazer cumprir um mandado e que fosse recebida com balas e granadas. Será que o ministro da Justiça, um padre fake e um agente de operações táticas teriam aparecido para "desacelerar a situação"?
O absurdo da cena talvez nem seja mais perceptível para a maioria dos brasileiros. Eles se acostumaram com o absurdo como parte do espetáculo político diário. Mas é de se temer que Jefferson seja apenas o prenúncio de uma onda que será difícil deter: o bolsonarista armado que atira com fuzil porque se acha um revolucionário em nome da liberdade, da família, de Deus e da pátria. Que está convencido de ter o direito de decidir o que é justiça e o que não é.
O Brasil está a poucos dias de uma das mais importantes eleições de sua história. Eleições que decidirão como o país se autodefine e como será visto no mundo. Trata-se também de deter os Bob Jeffersons.
O nível da disputa eleitoral em geral tem sido baixo. A principal responsável por isso é a campanha de Jair Bolsonaro, que pretendia simplesmente repetir sua estratégia de 2018. Com mentiras, invenções, alarmismo, dados falsos e insultos. A campanha do presidente pode ser resumida da seguinte maneira: "Lula é um ladrão, o Brasil não pode se transformar numa Venezuela, o PT quer corromper sexualmente seus filhos e fechar as igrejas evangélicas; Jair Bolsonaro é o salvador da pátria."
Logo ficou claro que essa estratégia não teria o mesmo sucesso que teve em 2018. Por duas razões: Bolsonaro não é mais o outsider. Trata-se menos do que o PT fez no passado e muito mais de um balanço do governo dele. De repente, Bolsonaro se viu na defensiva, e nisso ele não se sente tão confortável como no ataque. O antipetismo, decisivo nas eleições de 2018, não mobiliza mais as mesmas massas.
Em segundo lugar, desta vez seu adversário é Lula, experiente político com uma forte sede de poder e que não se deixa intimidar facilmente. Ele aposta na memória de seu próprio governo, entre 2003 e 2011, e nos ataques contra Bolsonaro, em vez de dar a outra face.
Mas além de Lula, apareceu mais um adversário para Bolsonaro: o Judiciário. Sem mecanismos estabelecidos para banir mentiras e ofensas na era digital, os tribunais entraram em cena no Brasil após as eleições de 2018. O bolsonarismo considera essas intervenções judiciais como um ataque contra a liberdade de expressão. Em seu primitivismo intelectual, não quer entender que a liberdade traz sempre consigo uma responsabilidade.
Roberto Jefferson é um fanático bolsonarista. Acredita que está acima da lei e pode fazer o que quiser sem consequências. Representa o pensamento bolsonarista: prepotente, infantil, arrogante. Naturalmente, Jefferson se considera um "cidadão do bem" e um bom cristão .
Imaginemos que a PF tivesse aparecido numa favela para fazer cumprir um mandado e que fosse recebida com balas e granadas. Será que o ministro da Justiça, um padre fake e um agente de operações táticas teriam aparecido para "desacelerar a situação"?
O absurdo da cena talvez nem seja mais perceptível para a maioria dos brasileiros. Eles se acostumaram com o absurdo como parte do espetáculo político diário. Mas é de se temer que Jefferson seja apenas o prenúncio de uma onda que será difícil deter: o bolsonarista armado que atira com fuzil porque se acha um revolucionário em nome da liberdade, da família, de Deus e da pátria. Que está convencido de ter o direito de decidir o que é justiça e o que não é.
O Brasil está a poucos dias de uma das mais importantes eleições de sua história. Eleições que decidirão como o país se autodefine e como será visto no mundo. Trata-se também de deter os Bob Jeffersons.
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