terça-feira, 9 de abril de 2019

Plebeus do Brasil inteiro, uni-vos!

O presidente ainda não decidiu o que quer ser depois que cresceu. Sob a regência dele e família a “direita” e a “esquerda” velhinhas esbofeteiam as paixões vintage uma da outra via internet. Já o Brasil “indignado” ataca pessoas mas não ataca problemas. E a imprensa, participando ou não dela, só vê a política como disputa. Abriu mão do 4º Poder. Dispensa-se de buscar soluções; de informar como funciona o mundo que funciona. “O governo ganhou…”, “O governo perdeu…”. Brasil e brasileiros nem há…

É tudo isso junto que proporciona que a privilegiatura não seja denunciada como sistema e possa continuar defendendo anonimamente os seus privilégios.

Na tradição política brasileira onde quem não pede, aceita, da extrema direita à extrema esquerda e mais quase tudo que há no meio todos mutuamente se arrimam no quesito defesa de privilégios. O instinto natural do Congresso é ver como entregar o mínimo pra não matar a galinha dos ovos de ouro já e o resto é circo. É uma cultura. O que é a debandada dos substitutos dos médicos cubanos três meses depois de contratados senão o aproveitamento de mais uma oportunidade de por um pé dentro da nau dos exploradores pelos “concurseiros”, seguido do efeito obrigatório da garantia de que nada, pela eternidade, poderá tirar de lá quem conseguir essa proeza? O que mais é preciso para explicar porque mais de 100% do que arrecada o país expulso do mercado global pelos impostos mais altos do mundo já não basta para pagar os privilégios dos “embarcados”, aposentados ou não?


A “desarticulação política do Planalto” se dá em torno daquilo que nem ele, nem a oposição, nem a imprensa estão pedindo que mude desde a raiz, nem hoje, nem muito menos quando o problema era o excesso de “articulação política” entre o Palácio e o Congresso. Não há “desinteresse do presidente pelas tarefas inerentes ao cargo que ocupa”. O que há é o desinteresse de Brasília inteira, e adjacências, em acabar com esse nosso feudalismo extemporâneo.

O Congresso é a frente mais vulneravel dessa resistência. Todo mundo exposto ao voto sabe que o que lhe está sendo pedido não é nenhuma revolução, é apenas, como já tinha sido na reforma trabalhista, que remova da cena institucional aquilo que já está morto e nada poderá fazer reviver porque o dinheiro acabou. A confusão do presidente com seu novo papel é que reabriu a controvérsia. Jair Bolsonaro nunca saiu do território da privilegiatura. É até por balda, mais que por convicção, que é ele quem rege a pauta das capitulações. Ninguém exigiu nenhuma, ele é que ofereceu todas. Mas agora passou da conta. O sistema de capitalização é a fronteira real entre o fim previsível e o nunca acabar da privilegiatura. O regime de repartição mantém aberto o componente aleatório da conta da previdência que os políticos “arbitram”, ou seja, mantém aberto o comércio de favores que cria castas privilegiadas e arrebenta países como o Brasil. O de capitalização impõe o realismo matemático que mata esse comércio e, de troco, cria uma poderosa rede de fundos de poupança que provê o financiamento barato do desenvolvimento futuro. O “elevado custo de transição” alegado é pra quem tem o que perder nessa parada, que certamente não é o povo que já não tem nada.

Paulo Guedes também nunca saiu do País Real, esse mundo onde a realidade é senhora e ninguém dá murro em ponta de faca. Mas na arena da luta pelo poder aquilo que parece pesa muito mais que aquilo que é. Logo, submeter-se a longas seções de teatro sem ser ator não é o melhor meio de passar a reforma. Convencer o povo, que tira e põe políticos no poder, da indispensabilidade e da boa fé dos componentes essenciais da sua proposta é que é o caminho para extrair indiretamente dos deputados o voto que o Brasil precisa.

Uma imprensa que se negasse a disparar tiros alheios pelo “acesso” a dossiês nunca 100% desaloprados montados pelas facções em luta pelo poder; uma imprensa que resistisse a tomar 200 milhões de brasileiros por otários voluntários recusando o mito da “impopularidade” do fim da privilegiatura que todas as pesquisas mostram que não vai além das salas onde deveriam trabalhar mas estão dispensados de fazê-lo os “estáveis no emprego” para todo o sempre; uma imprensa que tudo referisse, enfim, à meta sacrossanta do privilégio zero, poderia fazer essa ponte. É pela falta dela que o povo tornou-se uma ficção distante para Brasilia assim como Brasilia tornou-se uma ficção distante para o povo. Não há nenhuma comunicação entre eles porque a intocabilidade de todos quantos conseguem por um pé dentro do estado, um dia, nunca é posta em cheque. Excluído o único remédio que cura, tudo que resta para a análise dos eruditos do nada são os protocolos da Corte. O que diz a regra (que nos mata)? De quem é a competência (de nos ferrar desta vez)? Os parênteses não sobem nunca às manchetes. Só o que não interessa interessa.

Levantar a censura sobre como funciona o mundo que funciona pouparia o país de ter de reinventar a roda. Mas se apenas a imprensa passasse a atribuir o comportamento da Corte às suas causas evidentes já começaríamos automaticamente a nos dirigir para a saída, que consiste apenas e tão somente em condicionar todos os dias, dia após dia, a permanência no emprego de políticos e funcionários públicos à obrigação de agradar os “clientes” que lhes pagam os salários como acontece aqui fora.

Democracia, no más…

Plebeus do Brasil inteiro, uni-vos! Este país está aquém do século 19 das revoluções democráticas. A parada aqui ainda é “nobreza, unida, jamais será vencida”. Pelo povão ninguém “é” senão o ministro que os deputados hereditários da bancada dos gigolôs de miséria querem carimbar como “rentista” ou “agente dos bancos”, a apelação que resta no seu arsenal esvaziado de argumentos. Paulo Guedes terá de recorrer a uma campanha profissional de esclarecimento do povo se quiser conseguir dar o seu recado inteiro. Nenhum dinheiro público poderia ser mais bem gasto.

Opção preferencial pelo abismo

Não vejo como alguém na plena posse de suas faculdades mentais pudesse esperar um governo de boa qualidade depois de uma eleição polarizada entre o petismo e o bolsonarismo.

O barco que temos é esse aí: um rei-filósofo na Virgínia, uma tetrarquia familiar (Jair e filhos) no Planalto, dois ministros sérios tentando trabalhar — mas enfrentando as pirraças habituais dos três Poderes — e algumas almas penadas que até agora não encontraram seus respectivos papéis na peça. Três meses se passaram e só com muito esforço consigo acredito que possa melhorar.


Seria melhor com Haddad e o PT? Quem afirma isso o faz como ato de fé, pois nada do que fizeram em seus dezesseis anos e meio de governo autoriza tal crença. Com o agravante, é claro, que o PT tem um arremedo de ideologia imprestável e um projeto de permanecer indefinidamente no poder.

Mas o que acima foi dito é só uma parte, não necessariamente a pior, de um quadro muito mais amplo que deveríamos examinar com seriedade, não fôssemos um País de irresponsáveis. Chegarmos a 2022 com um resultado medíocre significa postergar mais uma vez a recuperação econômica do País e reduzir a pó o que nos resta de esperança. Hoje, além dos problemas reais que nos assustam a cada dia, temos uma penca de problemas imaginários, frutos amargos de nossa insanidade, de uma sociedade que se tornou raivosa e se recusa a imaginar o futuro que a espera.

Aqui mesmo neste espaço, já escrevi várias vezes, mas faço questão de repetir. Com a renda anual medíocre que temos hoje e prevendo o mesmo crescimento a passos de cágado para os próximos anos, levaremos uma geração inteira para dobrá-la. Algo entre 25 e 30 anos.

Para não nos precipitarmos nesse abismo, temos que elevar vigorosamente a produtividade, o que significa, em primeiro lugar, um sistema político muito mais confiável, com os três Poderes fazendo jus à elevada missão que a Constituição lhes confere. Significa investimento, muito investimento. E um programa enérgico de qualificação de força de trabalho, o que desde logo requer uma revolução organizacional e pedagógica em nosso sistema educacional.

A iniciativa de tudo isso cabe, evidentemente, ao governo, mas as elites também são responsáveis. Deveriam, no mínimo, forçar o Executivo a sair de sua letargia, mas nem isso fazem.

80 tiros e o risco da impunidade

O músico e segurança Evaldo dos Santos Rosa, 51 anos, levava a família para um chá de bebê de uma amiga no último domingo quando teve o carro alvejado por mais de 80 balas disparadas por militares que patrulhavam a Estrada do Camboatá, no bairro de Guadalupe, zona oeste do Rio de Janeiro. Foi atingido por algumas dessas balas e, pouco antes de morrer, ainda virou o carro na tentativa de proteger a esposa, o filho de sete anos e a afilhada de 13, que estavam no banco traseiro. Eles saíram ilesos, mas o padrasto da esposa de Evaldo, que estava ao lado do motorista, ficou ferido, assim como uma pessoa que passava pelo local no momento em que os militares abriram fogo, segundo eles em resposta a uma "injusta agressão" de "assaltantes" que teriam iniciado o tiroteio.


A versão dos militares, porém, contrasta com os depoimentos dos vizinhos e com a perícia que a Polícia Civil teve que realizar por conta da dificuldade dos próprios militares para examinar a cena do crime diante da revolta da população. O delegado Leonardo Salgado, que assumiu os trabalhos, disse que tudo indica que os militares fuzilaram o carro da família por "engano". Já o Comando Militar do Leste, que investiga o caso e havia emitido nota corroborando com a versão dos membros que participaram da operação, precisou voltar atrás "em virtude de inconsistências identificadas entre os fatos inicialmente reportados e outras informações que chegaram posteriormente". E determinou o afastamento imediato e a prisão de dez dos doze militares que participaram da operação por "descumprir as regras de engajamento".

Tanto as investigações quanto os possíveis processos criminais gerados por elas estão a cargo das Forças Armadas, conforme estabelece uma lei sancionada pelo então presidente Michel Temer em 2017. Nos últimos três anos, o Exército vem ganhando protagonismo em ações de segurança pública no Brasil. Foi nesse contexto que os militares conseguiram aprovar a lei 13.491/2017, que transfere para as Forças Armadas os casos de crimes dolosos contra a vida de civis durante operações de garantia da lei e da ordem. A legislação é interpretada como uma espécie de foro privilegiado para os militares por ativistas de direitos humanos. Agora, o caso de Guadalupe reabre o debate sobre a possível falta de isenção da Corte Militar para investigar e julgar membros da própria corporação, e entidades de direitos humanos pedem a revogação da lei.

"Existe um risco maior de impunidade quando você tem pessoas da mesma corporação julgando seus colegas", argumenta o advogado e diretor-adjunto da ONG Conectas, Marcos Roberto Fuchs. Ele chama atenção para a letalidade em ações de segurança pública desenvolvidas pelo Exército no Brasil, com vários casos de morte nos últimos anos. É o caso, por exemplo, do assassinato do capixaba Matheus Martins da Silva, de 17 anos, com um tiro de fuzil disparado por um soldado a um quarteirão de sua casa em fevereiro de 2017 durante uma ação de segurança pública. "Existe um procedimento padrão para abordar. Agora, dar 80 tiros [como fizeram no domingo] é uma letalidade abusiva e desproporcional. Esta é a nossa primeira preocupação. A segunda é a de que o crime vai ser levado à Justiça Militar, então não vai ser um julgamento isento e imparcial, já que os próprios militares vão julgar os colegas", diz Fuchs.

No caso de Guadalupe, o Comando Militar Leste instaura o inquérito e designa um encarregado para apurar o crime militar através do Inquérito Policial Militar (IPM), que, assim como o Inquérito Policial, reúne os elementos necessários para propor uma ação penal. É nesta fase que se colhem dados e se realizam diligências que seriam difíceis ou impossíveis de ocorrer no curso do processo, como exames periciais, interrogatórios e reconstituições. Esta peça é então encaminhada ao Ministério Público Militar, que oferece a denúncia na Justiça Militar. O prazo para conclusão do inquérito quando os supostos autores do crime estão presos — como é o caso dos militares que participaram do fuzilamento em Guadalupe — é de 20 dias. Mas, segundo fontes da Justiça Militar, não há um prazo específico para finalização do processo judicial.

A Human Rights Watch Brasil, entidade que atua na defesa dos direitos humanos, emitiu uma nota pedindo a revogação da lei de 2017 que coloca nas mãos das Forças Armadas as investigações de homicídios cometidos por membros das Forças Armadas em operações, como a de domingo. "Qualquer julgamento seria realizado perante um tribunal que também não é independente, pois é composto por quatro oficiais militares e um juiz civil", alega a entidade. O pesquisador sênior da Human Rights Watch Brasil, César Muñoz, afirma que a lei brasileira vai de encontro ao que defende o direito internacional, de que as justiças militares devem julgar apenas infrações internas, como por exemplo desacato e indisciplina. "Os juízes militares estão numa hierarquia e têm que obedecer seus superiores. Talvez não haja uma pressão direta, mas há uma relação ali. Não é uma situação que tem um juiz independente", diz.

Muñoz diz que é difícil para as entidades da sociedade civil acompanharem os casos investigados e julgados pela corte militar. "Não é uma justiça muito aberta ao olhar externo", avalia. E levanta questionamentos sobre a atuação dos militares na condução de um caso emblemático: o da chacina de Salgueiro. Em novembro de 2017, um comboio de dois blindados do Exército e um da Polícia Civil entrou no complexo de favelas do Salgueiro, em São Gonçalo, região metropolitana do Rio de Janeiro, e realizou uma operação que terminou com sete mortos. Uma investigação conjunta entre Polícia Civil e Exército foi criada para investigar o primeiro caso concreto desde a sanção da lei que amplia a jurisprudência da corte militar, mas os responsáveis por essas mortes ainda são um mistério.

O caso foi acompanhado de perto pela Human Rights Watch. Um ano depois do episódio, a Justiça Militar sequer havia ouvido todas as testemunhas e sobreviventes. "Nós, uma entidade da sociedade civil, entrevistamos essas pessoas, como eles não conseguiram?", questiona Muñoz. A Polícia Civil ficou com parte das investigações, mas, como envolvia militares, não pôde avançar nas investigações. Testemunhas contaram às autoridades que os atiradores vestiam roupas pretas, tinham fuzis com mira a laser e capacetes luminosos. A descrição bate com os equipamentos disponíveis aos militares, mas a Polícia Civil não pôde apreender as armas para averiguar se os tiros foram disparados por eles, e o Exército deu poucas respostas sobre isso. "A gente já teve esse problema [de risco de impunidade na investigação de crimes praticados por militares pelas Forças Armadas] antes. Foi uma investigação que até hoje não foi esclarecida", declara Muñoz, ressaltando que a corte militar não tem um sistema adequado para julgar crimes que ferem os direitos humanos.

Marcos Roberto Fuchs, da ONG Conectas, teme que o discurso do presidente Bolsonaro de parabenizar oficiais que matem bandidos em serviço e mesma a proposta do pacote anticrime do ministro Sérgio Moro para que agentes de segurança tenham a pena reduzida ou eliminada caso matem em serviço pode agravar casos como este. "Parece que vai ser um expediente recorrente no Rio de Janeiro. Quando não se tem mais poder da Policia, se usa o Exército. É uma política que está errada no nosso modo de vista. Tudo isso junto com governantes que dizem que pode reagir e atirar. Há um impulsionamento que pode agravar esses casos sem dúvida", avalia.

Pensamento do Dia


Pobre Brasil do aqui e agora

O que fazer quando o presidente e o chanceler de seu país dizem, em Israel, que o nazismo foi um movimento de esquerda? O ideal é dar de ombros e seguir na vida cotidiana. Essas afirmações bombásticas são feitas para provocar debate. Não tenho tempo para ele.

Sinto muito pelos professores de História no Brasil. Terão de explicar como um movimento de esquerda invadiu a União Soviética, uma espécie de meca da esquerda mundial naquele período. E como milhões de pessoas morreram a partir desse fogo amigo.


Os professores de História terão de se consolar com os de Geografia, que ainda acham que a Terra tem uma forma arredondada. São colegas com uma tarefa mais dura: explicar que a Terra não é plana, como querem os novos ideólogos.

Estamos passando por uma revisão completa. Seus autores se acham geniais. O chanceler Ernesto Araújo disse que o nazismo é de esquerda, dentro do Museu do Holocausto, em Israel. Ali, o nazismo é considerado um movimento de extrema direita.

Mas o chanceler disse que há teorias mais profundas. Os judeus, que sofreram com o nazismo e ergueram um museu para lembrar suas vítimas, são superficiais: ainda não descobriram a verdade das obscuras teorias conspiratórias que embalam o governo brasileiro.



A direita embarca na canoa usada pela esquerda no passado recente. Não há mais respeito às evidências ou provas científicas. O que importa é a versão. Não houve desvio de dinheiro público, apenas procuradores e juízes perseguindo honestos políticos.

Eles convergem na tentativa de conformar os fatos às suas convicções ideológicas. O que foi aquela gritaria na Câmara? Nada mais que uma aversão compartilhada à palavra tchutchuca.

Suspeito que direita e esquerda são machistas da mesma maneira que suspeito que a Terra seja arredondada, e o nazismo tenha sido um movimento de extrema direita. Tenho pavor dessas gritarias noturnas na Câmara. Na minha época descobri: servem apenas para prejudicar o sono. Saem todos tensos e irados e têm dificuldade em dormir. Só isso.

Uma reforma da Previdência é coisa séria. É possível alterar a proposta do governo. Mas é muito difícil negar a importância de alguma reforma, antes que a Previdência quebre como na Grécia.

Há mais de um século a esquerda desenvolve suas técnicas de provocação. Guedes precisa mais que o curso de alguns dias para enfrentá-la com êxito.

Minha experiência mostra que nessas constantes trocas de insultos, sempre alguém vai insinuar que o outro é gay. Com o tempo, certas pessoas se acostumam. É o meu caso. Tive a sorte, como na música de Cazuza, de ser chamado de viado e maconheiro. O único problema era ser chamado de apenas um desses dois nomes. Ficava esperando o outro como se estivesse faltando algo.

É como a piada de um homem que vivia no andar de baixo, e todas as noites o vizinho de cima chegava meio bêbado e tirava as botas ruidosamente. O homem reclamou. O bêbado voltou do botequim, jogou a bota esquerda com força, mas se lembrou do vizinho. Tirou a bota direita com muito cuidado, silenciosamente. O vizinho de baixo não dormiu esperando que ele jogasse a outra.

Todas aquelas pessoas xingando as outras na Câmara: não há nada de pessoal naquilo. Apenas histeria política.

É preciso superar logo essa fase de sensibilidade à flor da pele. Entender que é o país que está em jogo. E não depende apenas da reforma da Previdência.

A política externa toma um rumo radical, sem que o tema seja discutido adequadamente no Congresso. Nesse sentido, é uma política tão autoritária como a que nos ligou ao bolivarianismo. Não expressa a visão nacional.

O Ministério da Educação não funciona. Todos as semanas demitem e contratam. A ida do ministro Vélez à Câmara mostrou que não tem projeto. Exceto o de reescrever sua parte da história do golpe militar. Ele é modesto diante do chanceler que quer reescrever a história da Segunda Guerra Mundial e levar sua mensagem cristã a todos os recantos do mundo.

O velho cardeal Richelieu já dizia no século XVII: o homem é imortal, sua salvação está no outro mundo. O Estado não d ispõe de imortalidade: sua salvação se dá aqui ou nunca.

Fernando Gabeira

O incrível homem que derreteu

A queda na popularidade de Jair Bolsonaro após os primeiros três meses de governo era esperada. O fenômeno é universal, atingindo democraticamente todas as gestões. O que talvez tenha surpreendido é a intensidade com que a avaliação do presidente se desmilinguiu.

O índice de ruim e péssimo de Bolsonaro atingiu a marca de 30%, a maior de todos os dirigentes eleitos em seu primeiro mandato, desde a redemocratização. Num distante segundo lugar vem Fernando Collor com 19% —e Collor, vale lembrar, confiscara a poupança.


Há dois fatores que, creio, ajudam a entender o derretimento. O primeiro é que o governo é mesmo um caos. Despreparo e foco nas coisas erradas resumem bem esses três meses iniciais. O segundo é que há um descasamento entre as ideias defendidas pelo presidente e as preferências do eleitorado. Isso já ficara claro na pesquisa Datafolha de janeiro, que mostrou que a maioria das bandeiras do dirigente —coisas como Escola sem Partido, política ambiental, indígena, facilitação do porte de armas— era rejeitada pelos eleitores, por margens às vezes graúdas.

Basicamente, as pessoas votaram em Bolsonaro não pela pauta que ele propôs, mas por ele ter sido o candidato que melhor encarnou o papel de antípoda do PT e do próprio sistema político, percebido como corrupto pela população.

Bolsonaro não vai mudar. É da natureza do neopopulista insistir na retórica inflamada, apostando em criar inimigos, mesmo que imaginários, para agregar aliados. O problema é que essa tática antissistema se torna meio autofágica quando se é governo, isto é, quando se está no centro mesmo do sistema.

Acho até que Bolsonaro conseguirá, aos trancos e barrancos, atravessar os quatro anos de mandato, se não houver uma piora notável da economia. Mas, se vier uma deterioração, em especial se a inflação de alimentos voltar a subir, o jogo muda, e a impopularidade pode tornar-se letal.

Bolsonaro demite Vélez e oferece mais do mesmo

Um dia depois da divulgação da pesquisa do Datafolha que atribuiu a Jair Bolsonaro a pior avaliação de um presidente em início de mandato desde a redemocratização, em 1985, o capitão começou a se mexer. Mandou para o olho da rua o ministro Ricardo Vélez, da Educação. Vélez revelou-se uma experiência trágica. Desgovernou uma das pastas mais estratégicas do governo durante três meses.

Vélez era desconhecido antes de Bolsonaro achar que ele poderia ser um fabuloso ministro da Educação. Volta para casa sem que se saiba quais são suas ideias para o setor educacional. Mas todos aprenderam duas coisas sobre Vélez: 1) Trata-se de um súdito do polemista Olavo de Carvalho. 2) Enxerga o "marxismo cultural" como o grande inimigo da educação no Brasil.

Pois bem. Ninguém conhece ainda com clareza os planos que o novo ministro, o economista e professor Abraham Weintraub, pretende implementar na Educação. Mas duas coisas já são conhecidas sobre ele. Trata-se de um fiel seguidor das ideias de Olavo de Carvalho. Ele também enxerga as universidades brasileiras como templos do "marxismo cultural".

Quer dizer: vem aí mais do mesmo: intrigas e fantasmas ideológicos. Se você acredita em Deus, reze para que o novo ministro encontre algum tempo para cuidar de Educação. A nova troca de ministro, a segunda em menos de 100 dias, indica que Bolsonaro dá de ombros para os 61% de brasileiros que disseram ao Datafolha que ele fez nos primeiros dias de governo menos do que todos esperavam. Diante da insatisfação, o capitão decidiu dobrar a aposta. É como se Bolsonaro desejasse provar que é errando que se aprende... A errar.