terça-feira, 31 de julho de 2018

Brasil milionário


65,6 milhões de brasileiros não trabalham nem procuram emprego
13 milhões de desocupados

Museu do eclipse

Depois da Copa, começa a campanha eleitoral no Brasil. O momento é de composições, alianças, escolha de vice. Costumo defini-lo como um momento em que os jogadores ainda estão no vestiário, antes de saírem para o campo aberto sob o olhar da plateia.

Mas as notícias que vêm do túnel indicam um personagem que parece rivalizar com os candidatos: o centrão.

Participei de quase todas as campanhas até 2010. Estou procurando entender esta e vejo o papel do Congresso mais explícito. O Congresso provou o gosto de sangue através da fragilidade dos dois último governos, Dilma e Temer. Ambos precisaram muito dele para sobreviver. E o centrão ganhou força e vai usá-la para que tudo continue o mesmo, sobretudo a ocupação partidária da máquina, a troca de votos por verbas; enfim, o velho fisiologismo.

O centrão, com a fortuna do Fundo Partidário, preservara seu número de deputados e enfraquecera o presidente eleito com sua bomba fiscal.

É uma forma mais articulada do que no passado. Mas também eles têm mais medo do que no passado.

Enquanto os times não entram em campo, fora do túnel, no mundo real observe também algo mais novo nas eleições brasileiras.

Como no passado, algumas figuras da sociedade pensam em se candidatar e desistem. Desta vez, o número foi um pouco maior, e observe um grande peso das famílias na desistência dos possíveis candidatos. Sempre foi assim. Mas, no passado, a condição de político não repercutia tanto na vida da família, e a resistência era mais pela perda da proximidade do ente amado.

Agora pesa também, creio eu, além da ausência, o fato de que a pessoa vai transitar num universo ético desprezado, e isso repercute demais no cotidiano familiar.

Até os bancos brasileiros têm um pé atrás e classificam os parentes também como pessoas politicamente expostas.

Aproveitando que ainda estou no vestiário, cuido de alguns detalhes. É o período também em que surgem as denúncias. Uma delas me interessou não pelo conteúdo, mas pela palavra: museu do eclipse.

É um museu em homenagem ao maior eclipse da história, ocorrido em 1919 .

Quando li museu do eclipse, pensei: certas palavras não podem cair na minha frente, pois esqueço logo a trama política, aliás bem tediosa.

Por que um museu do eclipse em Sobral?

Atribui-se ao eclipse de 1919 uma grande importância científica, pois foi possível comprovar aspectos da teoria da relatividade, inclusive em Sobral, onde se concentrou um grupo de cientistas brasileiros e ingleses.

Um eclipse que trouxe luz, algo para comemorar.

Peço licença para usá-la num contexto mais amplo. A tendência a manter o velho estilo de governar diante de nossa carência de mudança vai transformar o Brasil num museu do eclipse.

As convenções que vi pouco falaram de uma perspectiva para o país. A sensação apocalíptica se acentua quando você vê conservadores discursando, mandando abraços héteros, confessando heteropaixões.

No passado, todo mundo mandava abraços e pronto. Ninguém se preocupava em definir sua orientação sexual.

O tema ganhou uma nova dimensão nos últimos anos, e tornou-se no discurso de Bolsonaro uma bandeira eleitoral.

Sem perceber o clima de intensa divisão, acaba produzindo uma nova palavra, o “heteroabraço”. E, consequentemente, o homoabraço.

Não haverá abraço possível entre um hétero e um homo, fica uma lacuna no vocabulário. A única saída é tentar reencontrá-la na sua forma mais simples e cristalina: abraço.

Com essas palavras, a gente vai construindo o museu do eclipse. Aliás, a fala do Ciro Gomes prometendo botar juízes e promotores em caixinhas e restabelecer a autoridade política. Essa vai na íntegra.

São apenas registros. Não vejo uma campanha como uma sucessão de bater e apanhar. Na verdade, no Brasil, todos apanhamos tanto da realidade que o ideal seria achar uma boa forma de discutir.

Vi uma entrevista do Alckmin no “Roda Viva”. Sua resposta sobre o crescimento do PCC em São Paulo e sua expansão pelo Brasil. Ele respondeu que todos os líderes do PCC foram presos.

Mas foi incapaz de elaborar que, apesar disso, a organização cresceu, que alguma coisa está errada, que os mecanismos de repressão ao crime organizado ainda são frágeis.

Claro que enfatizar um lado positivo faz parte do discurso de um candidato. Mas para mim, que vejo de fora, soa assim: nós prendemos os líderes; agora, se estão crescendo, isso é problema deles.

Se pudesse escolher outro cenário, certamente o faria. Mas esse é o que teremos, e será uma longa viagem não só num país muito estranho, mas também num mundo muito estranho.

PT esqueceu que governou

O PT nesta eleição tem muitos dilemas. O mais importante, claro, é saber quem será candidato e em que momento o partido sairá do processo de negação para encarar a realidade. O coordenador do programa do PT Fernando Haddad cometeu ato falho, ao falar que “se” Lula fosse candidato toda a esquerda estaria em torno do ex-presidente. Definida a candidatura viável, o partido terá que olhar para a própria experiência, de erros e acertos, e parar de fingir que concorre a primeira vez “contra tudo isso que está aí”.

Nas suas entrevistas, Haddad tem esboçado um programa cheio de confusões que um economista não deveria fazer. É como se o PT não aprendesse nem com seus acertos. Ao assumir em 2003, o partido fez uma mudança importante e deixou de lado demagogias para entender que era preciso manter as bases do Plano Real, que colocara fim ao longo tormento hiperinflacionário.


O então ministro Antonio Palocci escolheu uma equipe competente, e Lula buscou no partido adversário o presidente do Banco Central. O governo elevou a meta de déficit primário, fortaleceu o sistema de metas de inflação e câmbio flutuante. Confirmou o tripé. Os índices de preços caíram, os temores se dissiparam e o partido levou o país a um período de prosperidade com políticas mais fortes de inclusão social. É essa a origem do bom recall do ex-presidente.

Depois disso, o PT considerou que era hora de implantar as suas ideias. Foi a era Guido Mantega. Inventou a nova matriz, deixou a inflação subir, manipulou dados fiscais e tomou uma série de decisões desastradas que levaram o país à recessão. Houve duas políticas econômicas, a segunda deu errado. Agora o dilema é como usar esta experiência e manter um discurso que atraia seu eleitor e ao mesmo tempo convença outras parcelas do eleitorado.

Fernando Haddad defendeu recentemente em entrevista ao “Valor” o que chamou de um “choque liberal” contra os elevados spreads bancários. Ele criticou a concentração do setor, mas ela se aprofundou a partir de 2008. Os quatro maiores bancos tinham 58% dos ativos bancários e quando Dilma saiu eles tinham 78%. Nada foi feito contra essa tendência no período. O choque que ele propõe é aumentar os tributos para os spreads altos e reduzir para os mais baixos. Se os impostos forem aumentados para as taxas mais altas, elas ficarão ainda maiores porque os bancos vão repassar, como sempre, o custo para o tomador do dinheiro ou toda a sua rede de clientes. Se reduzirem os impostos para os juros baixarem, isso seria na prática subsidiar o crédito bancário. E ele volta a falar em usar Banco do Brasil e Caixa para reduzir o custo dos financiamentos. Já foi feito no governo petista e deu errado.

O que complica a vida de Haddad é o fato de o PT ter governado o país durante 13 anos, quatro meses e 11 dias. Para dizer que há 60 milhões de pessoas com cadastro negativo, tem que esquecer que era esse mesmo o número quando o partido deixou o poder. Quando diz que o programa prevê taxação de dividendos, imposto sobre herança, maior progressividade no sistema tributário, ele repete o que estão dizendo outros candidatos, mas precisa explicar por que isso não foi feito antes. Além do mais, ele propõe, segundo disse ao “Valor” na semana passada, que será “acompanhado de redução da carga sobre pessoa jurídica”. Acabará dando no mesmo resultado do ponto de vista da arrecadação. É apenas uma forma diferente de cobrar.

Quando Haddad critica os problemas econômicos atuais ele tem que apostar que ninguém se lembrará de que a crise começou no governo do próprio PT e não foi devido ao ex-ministro Joaquim Levy, como ele disse. O déficit público e a recessão começaram no primeiro mandato de Dilma Rousseff. Haddad disse ao “Valor” que as agências reguladores foram “capturadas”. Sim, foram, mas não agora. O processo avassalador de escolha de indicados políticos para esses órgãos é dos governos petistas.

O PT tenta encontrar algum discurso radical, que agrade à militância, mas para isso é necessário esquecer o que ele fez quando esteve no poder. Haddad criticou o fato de o Comperj e Abreu e Lima estarem parados, mas esses dois investimentos foram superfaturados, usados para o pagamento de propina, produziram um volume enorme de prejuízo para a Petrobras. Há pontos que são apenas do governo Temer, como a reforma trabalhista e o teto de gastos. Mas a maioria das nossas aflições econômicas começaram na administração petista. E ele finge não saber.

Vota, Brasil


Bem alimentado, Lula terceirizou greve de fome

Seis militantes de movimentos sociais iniciam nesta terça-feira, em Brasília, uma greve de fome pela libertação de Lula. Comandante do ''exército do MST'', João Pedro Stédile declarou que o tempo de duração da greve será determinado pela ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal.

“Ela foi indicada para respeitar a Constituição”, disse Stédile, ao lado dos companheiros que prometem fechar a boca. “Tem dois recursos aguardando julgamento –uma ADC do PCdoB, que consulta se uma pessoa pode ser presa antes do julgamento de todos recursos; e um outro recurso da OAB, sobre validade da presunção de inocência até o julgamento da última instância. Basta colocar os recursos em plenário para acabar com a greve.”

Em português claro, deseja-se pressionar o Supremo para rever a regra que autorizou o encarceramento de condenados em segunda instância. A questão já foi apreciada pelos ministros da Suprema Corte quatro vezes desde 2016. Na votação mais recente, produziu-se um placar de 6 votos a 5 contra a concessão de um habeas corpus que impediria a prisão de Lula.

Ironicamente, os devotos do líder petista fazem por Lula um sacrifício que ele se abstém de fazer por si mesmo. Lula desenvolveu uma ojeriza por greves de fome. Em fevereiro de 2010, ainda na pele de presidente, o agora presidiário realizou uma viagem oficial a Cuba. Desembarcou em Havana no dia da morte do dissidente cubano Orlando Zapata Tamoyo, que ficara sem comer por 85 dias.

Instado a comentar a privação alimentar do preso político cubano, Lula declarou: “Lamento profundamente que uma pessoa se deixe morrer por uma greve de fome. Eu, depois da minha experiência de greve de fome, pelo amor de Deus, ninguém que queira fazer protesto peça para eu fazer greve de fome que eu não farei mais.”

Na época, o repórter Elio Gaspari rememorou a “experiência” de Lula: “Em 1980, quando penou 31 dias de cadeia que ajudaram-no a embolsar pelo Bolsa Ditadura um capital capaz de gerar mais de R$ 1 milhão, Lula fez quatro dias de greve de fome. Apanhado escondendo guloseimas, reclamou: ‘Como esse cara é xiita! O que é que tem guardarmos duas balinhas, companheiro?’.”

Em março de 2010, já de volta ao Brasil, Lula adicionou ao comentário infeliz que fizera em Havana uma pitada de escárnio. Em defesa da soberania cubana, o então presidente petista comparou os presos políticos da ditadura dos irmãos Castro com os bandidos comuns esquecidos no interior do sistema carcerário de São Paulo.

Eis o que declarou Lula: “Eu penso que a greve de fome não pode ser utilizada como pretexto de direitos humanos para libertar pessoas. Imagina se todos os bandidos que estão presos em São Paulo entrarem em greve de fome e pedirem liberdade. Temos que respeitar a determinação da Justiça e do governo cubano de deter as pessoas em função da legislação de Cuba, como quero que respeitem ao Brasil.”

Quer dizer: considerando-se os critérios de Lula, condenado a 12 anos e um mês de cadeia por corrupção e lavagem de dinheiro, os militantes que se dispõem a deixar de inserir alimentos por sua libertação deveriam respeitar a “determinação da Justiça” brasileira. Sucede, porém, o oposto.

Bem alimentado, Lula patrocina o surgimento de mais uma excentricidade eleitoral. Depois da candidatura presidencial cenográfica de um ficha-suja, depois da campanha presidencial por correspondência, Lula conduz desde a cela especial de Curitiba um inusitado processo de terceirização de greve de fome.

Nós não temos heróis

Nós, nós não temos heróis
nem jamais os tivemos.
Afinal, para que servem os heróis e suas estátuas de granito ou de mármore negro, seus cavalos de bronze, suas medalhas barrocas e as espadas que não passam de metáforas?
Para que servem os heróis se o ácido da chuva desdenha da glória dos homens e nem os pássaros se importam com eles?
Para que servem os heróis se nem sabem quem somos nem jamais ouviram falar dos nossos mitos e utopias?
Infeliz do país que necessita de heróis.

Francisco Carvalho

Na solidão da cela, o que está pensando Lula, que só recebe bajuladores?

Lula da Silva sempre foi um homem impaciente, mas agora esse quadro se agravou na pequenina sala em que se encontra há mais de 100 dias, de apenas 15 metros quadrados, incluindo banheiro. Como se sabe, é a primeira vez que ele está na cadeia, para valer, porque durante o regime militar sua prisão não foi de verdade. Na época, Lula era apenas um dirigente sindical que precisava passar alguns dias nas celas da ditadura, para ganhar mais importância e prestígio nas esquerdas, de forma a minar a influência praticamente hegemônica que Leonel Brizola então exercia.


Sob o codinome de “Barba”, Lula era informante do regime militar e se entendia diretamente com o delegado Romeu Tuma, que então ocupava o cargo de superintendente da Polícia Federal em São Paulo, antes de assumir a direção-geral em Brasília.

Tudo isso é mais do que sabido, o delegado Romeu Tuma Júnior publicou dois livros sobre o assunto, sob o título comum “Assassinato de Reputações”, e com os subtítulos “Um crime de estado” e “Muito além da Lava Jato”. Nessas obras, Tuma Jr. conta que Lula era tão íntimo do delegado Romeu Tuma que costumava visitá-lo e até dormia no sofá da sala depois do almoço.

Só estou citando esses fatos (são fatos, sem a menor especulação) para relembrar quem é Lula e como sua cabeça funciona. Como todos sabem, ele é inteligente, rápido e perspicaz. Seu defeito é a falta de cultura.

Com talento inato para exercer liderança, Lula chegou a comandar a política brasileira por 14 anos seguidos, e essa circunstância deve ser bem entendida para quem deseja saber como ele se comporta na prisão.

É o único preso do Brasil que recebe visitas diárias dos advogados, parlamentares, parentes e amigos. Sua impaciência é enorme, porque esses interlocutores só lhe levam notícias positivas, de que logo sairá da cadeia e poderá se candidatar, a vitória eleitoral está garantida e poderá se concretizar ainda no primeiro turno…

Lula hoje é uma ilha, cercado de bajuladores por todos os lados. Dizem-lhe que no exterior a pressão sobre o Brasil é enorme, o abaixo-assinado a favor da libertação ganha cada vez mais assinaturas de líderes internacionais, comentam que o festival de música na Lapa, no Rio de Janeiro, atraiu milhares de pessoas neste sábado, insistem em que os tribunais superiores vão inocentá-lo, as pesquisas indicam que nenhum outro candidato chega perto dele, e por aí a fora.

Fico pensando se Lula realmente acredita nessas baboseiras.

O que diria hoje Jesus aos candidatos e eleitores brasileiros?

Mais de 80% dos brasileiros que irão em outubro às urnas são de fé cristã, entre católicos e evangélicos. Os ateus quase não existem neste país. Os candidatos às eleições presidenciais ou são de origem cristã ou fingem, pois todos eles procuram igualmente neste momento as bênçãos de bispos e pastores, prostrando-se em templos e catedrais, já que um punhado de votos bem vale uma missa.

Mas esses mesmos políticos que procuram proteção sob os altares talvez não gostassem de escutar algumas frases, duras como pedras, pronunciadas há quase 2.000 anos por Jesus Cristo contra “os falsos profetas”, de quem dizia: “Vêm a vós disfarçados de ovelhas, mas por dentro são lobos arrebatadores”. Como reconhecê-los? Não só por suas promessas que podem ser vazias ou repletas de hipocrisia, mas por seus feitos. “Pelos seus frutos os conhecereis. Colhem-se, porventura, uvas dos espinhos e figos dos abrolhos?” (Mt.7,16)


O cristianismo primitivo se inspirava nas atitudes que haviam guiado a pregação do Mestre, sobretudo em sua insistência contra o farisaísmo, a hipocrisia e os que enganam as pessoas simples. Jesus gostava do sim ou do não. “Oxalá fosses frio ou quente! Mas, como és morno, nem frio nem quente, vou vomitar-te”, recorda o Apocalipse (3,15).

Se analisássemos essas afirmações taxativas das Escrituras e as aplicássemos a muitos dos candidatos que se dirigem às pessoas em busca de seu voto, veríamos que continuam atuais. Continuam vigentes os disfarces, por exemplo, de candidatos que cresceram e prosperaram na velha guarda do conservadorismo, do patrimonialismo, do caciquismo, e hoje se apresentam disfarçados de “políticos renovados”, de novos redentores. Acaso os espinheiros podem dar uvas?

Candidatos que se apresentam como os paladinos da moral e dos bons costumes e não têm vergonha de confessar que o dinheiro do auxílio-moradia do qual desfrutaram durante anos em Brasília sem dele precisar foi usado “para comer gente”, eufemismo para pagar prostitutas.

Candidatos incapazes de serem frios ou quentes para conseguirem agradar a todos, e que acabam provocando vômito, na gráfica expressão da Escritura. Candidatos que, como canta Gilberto Gil, com palavras dizem sim e com os fatos dizem não. Melhor os que são capazes de confessar que ninguém tem a pedra filosofal para resolver todos os problemas acumulados em anos de governos incompetentes ou ambiciosos, e que não oferecem mais do que acreditam que poderão realizar.

Os representantes das igrejas católicas e evangélicas deveriam estar atentos ao oferecerem acolhida e apoio em seus templos, às vezes no anonimato da noite, àqueles políticos que em vez de irem se inspirar na fonte dos Livros Sagrados comparecem como mercadores de votos. Para eles há também uma passagem dura do Evangelho: quando Jesus, ao entrar no templo de Jerusalém e ver os vendedores fazendo comércio com os fiéis pobres, depois de ter jogado as mesas no chão os repreendeu e lhes disse: “Minha casa é uma casa de oração, mas vós fizestes dela um covil de ladrões” (Mt.21,12ss). Os estudiosos das escrituras, tanto católicos como protestantes, concordam que foi aquele gesto contra o comércio do sagrado a gota d’água que levou as autoridades do templo, em conivência com as autoridades civis romanas, a acabarem com a vida do profeta incômodo.

Às massas de cristãos que vão aos templos e escutarão neste período de seus pastores religiosos os chamados para votar nos políticos, a essas massas de gente pobre sempre à espera de um milagre que redima suas penas, a elas é preciso recordar que nessa Bíblia que está nas mãos de seus guias espirituais há uma passagem do profeta Ezequiel, dirigida aos governantes e que hoje parece de uma pungente atualidade. Sobre eles, diz:

“Vós não fortaleceis as ovelhas fracas; a doente, não a tratais; a ferida, não a curais; a transviada, não a reconduzis; a perdida, não a procurais; a todas tratais com violência e dureza. Assim, por falta de pastor, e em sua dispersão foram expostas a tornarem-se presa de todas as feras.” (Ez.34,4ss)

O Brasil precisa com urgência encontrar alguém capaz de sentir o clamor dos que procuram quem possa reconciliar o país, que seja guia sobretudo dos que sofrem o abandono, dos mais expostos aos perigos de serem devorados por uma política capaz de olhar só para o próprio umbigo, esquecendo-se do que realmente esta sociedade, embora irada e dividida, parece estar procurando em vão.

Imagem do Dia

A Ponte Dourada em Da Nang, no Vietnã, com 150 metros de extensão e a 1.400 m acima do nível do mar, foi construída em cerca de um ano e teve o custo total de 2 bilhões de dólares (R$ 7,5 bilhões). O objetivo é que, recém-inaugurada, possa atrair mais turistas a uma região que já recebe cerca de 1,5 milhão de visitantes todos os anos

Medo do imprevisto

“Se algum sabichão lhes disser o que vai acontecer, estará mentindo. Essa eleição é imprevisível!”, disse o velho Antônio Ribeiro Granja, antes de apagar as velas do bolo de aniversário de 105 anos, domingo. Rodeado de parentes, amigos e companheiros que lhe deram apoio na clandestinidade, voltou ao velho refúgio do Faraó de Baixo, localidade de Cachoeiras de Macacu (RJ) cercada de fontes de água mineral, no pé da Serra do Mar.

Integrante do Comitê Central do PCB, Granja escapou de um sequestro em Itaboraí, em 1975, por muito pouco. À época, 18 integrantes do PCB, dos quais 12 do Comitê Central, foram assassinados. Avisado pelo filho, o engenheiro mecânico José Roberto Portugal, então um menino, saiu pelos fundos do sítio quando a equipe de agentes do DOI-CODI estava chegando. “Um deles passou a 20 metros de mim, com a metralhadora nas mãos; eu estava escondido no meio do mato, só com a calça do pijama e descalço.”


Graças àquela região montanhosa e aos antigos hábitos de ex-trabalhador rural, “Seu Chico”, como era chamado na região, driblou seus perseguidores se passando por boia-fria na fazenda Funchal. Depois, foi morar num sítio em Casemiro de Abreu. Foi um dos poucos dirigentes a permanecer no país durante todo o regime militar. De sandália havaiana e chapéu de palha, com as mãos calejadas pelo cabo da enxada, circulava pelo interior do antigo Estado do Rio como um peixe na água. Foi assim que reorganizou o antigo Partidão no interior fluminense e garantiu a eleição dos deputados comunistas Marcelo Cerqueira (federal) e Alves de Brito (estadual), pelo antigo MDB, nas eleições de 1978.

Seu grande mérito foi se distanciar do interesse imediato, no caso, a própria sobrevivência, para compreender o processo político. Granja percebeu, mesmo após as prisões do professor e economista Aírton Albuquerque, chefe do Departamento de Economia da Universidade Federal Fluminense, e dos jornalistas Maurício Azedo e Luiz Paulo Santana Machado, logo após o carnaval de 1976, que a situação política estava mudando. Saiu da toca e foi à luta pela liberdade e pela democracia. Seu objetivo imediato era a anistia, a grande missão que confiou a Marcelo Cerqueira como parlamentar.

O Pacote de Abril, baixado pelo presidente Ernesto Geisel com o propósito de conter o avanço das oposições nas eleições municipais de 1976, na sua avaliação, fora uma demonstração de fraqueza. Os fatos confirmaram as previsões do velho dirigente do PCB, que aos 105 anos continua com uma memória invejável, capaz ainda de recitar suas poesias, contar causos da longa militância política e, com fina ironia e grande senso de humor, falar sobre a conjuntura sem dizer as besteiras que circulam com fartura pelas redes sociais.

Granja nunca teve medo do novo. Todas as vezes em que foi necessário, jogou dogmas e concepções ultrapassadas na lata do lixo da história. Fez autocrítica da Intentona de 1935, apoiou o relatório Kruschov, renegou as teses que defendiam a luta armada para lutar contra ditadura e chegar ao poder. Sabia que o PCB flertara com o golpismo em 1964, pois foi testemunha da conversa de Luiz Carlos Prestes com o presidente João Goulart, com Raul Riff, em fevereiro de 1964, quando o líder comunista sugeriu ao presidente deposto que apelasse às massas para fazer as reformas, que anunciou no Comício de 13 de março, sem respaldo do Congresso, em vez de recuar. Granja apoiou a mudança de sigla do PCB para PPS, do qual é o presidente de honra, e guardou no baú de recordações amorosas a velha bandeira vermelha com a foice e o martelo que empunhava desde 1934.

O que fazer diante do imponderável anunciado por Granja? Em primeiro lugar, considerar as contingências nas quais ocorrem as eleições deste ano. Uma economia que, bem ou mal, voltou a crescer, mas tem baixo desempenho porque o governo gasta mais do que arrecada. O pior já passou, foi a recessão do governo Dilma Rousseff. Sua “nova matriz econômica” ameaçava transformar o país numa nova Venezuela. Nossas instituições políticas sobreviveram à crise tríplice (econômica, política e ética) que nos levou ao impeachment.

O governo de transição está enfraquecido pelas denúncias de corrupção, mas mantém respaldo no Congresso para levar o país às eleições. O presidente Michel Temer é fleumático e equilibrado, apesar da impopularidade e das denúncias da Operação Lava-Jato. Finalmente, as Forças Armadas se mantêm nos limites estabelecidos pela Constituição, mesmo com a tropa torcendo pela eleição de um ex-militar à Presidência.

O imprevisível faz parte da democracia. Duro seria se tivéssemos eleições de cartas marcadas ou se as mesmas fossem suspensas. Sim, a radicalização política protagonizada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em contraponto com a narrativa autoritária do deputado Jair Bolsonaro cria um quadro de instabilidade institucional, mas as regras do jogo eleitoral podem resolver essa questão. Quem quer que venha a ganhar, terá que lidar com o Congresso e o Judiciário, a imprensa e a opinião pública. E não há alternativa para as forças políticas mais responsáveis que não seja a defesa da democracia, ganhando ou perdendo as eleições.

Luiz Carlos Azedo

Seja o que Deus quiser

Deus salve o rei. A sorte está lançada. Alea Jacta Est. As pedras estão catapultadas. O jogo vai começar. Ou vai ou racha, de vez. Que vença o menos ruim.
Deus brincando

Sim, sim, desolador o horizonte de onde tenta surgir alguma esperança de mudança e orientação desse país tão bonito, tão rico, tão simpático e ao mesmo tempo tão maluco, que vive eclipsado por galáxias inferiores. Deus caprichou quando semeou o que viria a ser esse nosso chão. Agora só resta apelar a Ele.

Caveat emptor. “Cuidado, comprador”. O risco é seu quando for escolher os produtos que vai pôr na cestinha da urna eletrônica, os ovinhos de onde espera que saiam soluções para pôr fim a essa agonia que nos afunda ano após ano, aprofundando perigosamente as diferenças sociais. Cada vez que pensamos agora, vai, somos colocados diante de um muro, já cheio de gente se equilibrando em cima, se é que me entendem. Muro que novamente aparece como uma barreira protetora, pedindo que rezemos aos seus pés.

Estamos encastelados. Nesse muro moderno não vamos lá lamentar e nem deixamos pedidos escritos com nossos desejos. Nele, projetamos vídeos de celular – com imagens claras deitadas e áudios sofríveis, mas que apontam a realidade e muitas das necessidades – o que queremos. Mais, do que precisamos. Quem acompanha a série, a exibição, pode perceber o estado atual das coisas, a pobreza, as obras inacabadas, as estradas intransitáveis, a dificuldade de expressão do povo em sua própria língua pátria. Pode perceber também a imensidão dessa terra de que às vezes esquecemos a real dimensão, as diferenças, os tipos, os sotaques, os nomes das localidades, alguns que até contam a história de sua criação, levam os nomes de seus fundadores; outros, que trazem poesia; alguns, sua condição geológica, rochas, grutas, montanhas, montes.

Tudo muito lindo parece mostrar um país inteiro que sabe o que quer. E, corajoso, não quer só mostrar o lado bom de onde vivem. Apontam as faltas, como recém descobertos árbitros de vídeo.

Não, não está a oitava maravilha, faltam escolas, educação. Faltam diversidade, tolerância, cuidados com a natureza e riquezas naturais. Condições de trabalho, produção e formas de escoamento em uma malha de transportes integrada. Falta muito, além de esquerda, direita, centro.

Rezamos a todos os santos – muitos até homenageados com os seus nomes nessas cidades, onde sempre têm uma capelinha – e o que nos aparece? Os mesmos de sempre, atarracados como carrapatos no poder, querendo se reeleger. Pior, alguns que nem eleitos mereciam ter sido e querendo agora mais, governar, sentar na cabeceira da mesa. Subir na vida nas nossas costas.

Mais de uma dezena de candidatos a presidente, dezenas de senadores, centenas de deputados vão procurar você de novo. De algum jeito vão tentar chegar a você e à sua decisão. Vão se desculpar pelo que não fizeram, vão prometer o impossível, pedir desculpas e perdão por seus erros, tentarão explicar botando sempre a culpa em outro alguém. Até em você, preste atenção. Nossas costas são largas.

Nós mesmos já estamos nessa – nos culpando mutuamente como idiotas, já que ninguém merece que nos engalfinhemos. A maioria que ganha num determinado momento pode se dissolver logo. O que vimos na Era PT, e depois no tchau para a Dilma – “qualquer coisa seria melhor”, pensávamos.

Vejam só: “o qualquer coisa” foi mais uma decepção, um desastre. O líder popular não era bem assim, e a primeira mulher coisa e tal foi um festival de vacilos. Faça as contas: são muitos anos deixados para trás.

O direito de errar, de mal avaliar. O problema se torna mais dramático agora que as candidaturas se apresentam e são todos tão questionáveis, alguns muito mais questionáveis que outros. Novos, que são velhos. Alguns que se mostram e às suas verdadeiras faces, piores ainda quando questionados.

Nos deixam entre a cruz e a caldeirinha. Entre a cruz e a espada. Entre o agora ou nunca. Entre o céu e o inferno. Entre o amor e a guerra. Entre o ódio e a paz. Entre o ontem e o amanhã.

Vox Populi, Vox Dei. Voz do povo, Voz de Deus. Seja mesmo o que Deus quiser. Mas lembra que cada povo tem o governo que merece, não é mesmo? Frases feitas repletas de realidade.

Uma esquerda sem conceito

Era o ano de 2001. Uma plêiade de intelectuais de esquerda reuniu-se no histórico edifício da Faculdade de Filosofia da USP, na Rua Maria Antônia, para celebrar os 25 anos do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (Cedec) e “Pensar o Brasil”. Lua Nova n.º 54, publicação da entidade, registrou as exposições e os debates. Naquela época ainda se podia reunir intelectuais para esse tipo de discussão. Ao contrário do que ocorre hoje, o debate intelectual importava para a construção de referências visando a elaborar algum pensamento de fôlego sobre o País e o mundo.

“Articular transformação com conservação” foi o tema que norteou a exposição de Marco Aurélio Garcia. Resgatar aquela exposição não é importante apenas em razão do conteúdo, mas também pela importância que o expositor assumiu nos governos do PT durante os 15 anos seguintes.


Questionando a tese de que nossa formação histórica fosse resultado de uma “transição por cima”, demarcando nossa “pronunciada especificidade”, Garcia afirmava que aquilo que “foi contabilizado de maneira geral como revolução passiva”, além de se voltar para o passado, seria tributário “de uma certa visão linear da história”. É significativo que um dos próceres do PT manifestasse uma visão francamente contrária à noção gramsciana de revolução passiva, desqualificando-a de maneira integral. Surpreende porque o conceito de revolução passiva, em Gramsci, não guarda absolutamente nada daquela visão obtusa da história. Surpreende, também, porque desde 1997 tínhamos à disposição A revolução passiva – iberismo e americanismo no Brasil, seminal estudo de Luiz Werneck Vianna sobre o tema e seus rebatimentos no Brasil.

O oximoro da revolução passiva, formulado por Gramsci nos Cadernos do Cárcere, juntamente com uma específica noção de hegemonia, já era reconhecido, por inúmeros estudiosos, como o par essencial de uma nova teoria sobre a política. Impossível expor, com profundidade, o que dá sustentação a essa nova conceituação. Aqui farei apenas uma breve súmula.

Revolução passiva é uma categoria analítica voltada para a compreensão de uma época de transformação histórica na qual o “impulso renovador” não advém do desenvolvimento econômico local, e sim de ideias derivadas do desenvolvimento internacional. Por incapacidade de autoconstituição da sociedade nacional, o Estado assume um papel preponderante na condução das mudanças, autonomizando sua classe dirigente. Nestes processos de construção do moderno, a conservação pesa, mas não é uma condenação. É distinto de uma contrarrevolução. Não há reação integral à mudança e o que se sobrepõe nas relações sociais é um conjunto de transformações moleculares. A história muda, mas não por meio de revoluções explosivas.

Como contemporâneo da revolução bolchevique, do fascismo e do americanismo, Gramsci sugere que se poderia entender como revolução passiva processos reformistas de transformação da estrutura econômica rumo a uma economia planificada, superando os momentos mais liberais e individualistas do capitalismo do século 19. Para Gramsci, o mundo caminhava rumo ao que ele chamava de uma “economia de programação”, dirigida quer pela política, quer pelo Estado em sua trama privada (o americanismo). A categoria da revolução passiva possibilitaria, então, a compreensão não apenas das modalidades de trânsito ao moderno, mas também as modalidades de reprodução da dominação sob o moderno.

Essa compreensão da história dá suporte a uma nova teoria da ação a partir da identificação de um grande problema político: saber em que grau, alcance e através de que formas as classes subalternas teriam constrangido o seu protagonismo. Em outros termos: de que forma as classes subalternas poderiam se manter ativas nos contextos de revolução passiva. Com centralidade na democracia política, a luta pela hegemonia seria essencial para a manutenção das classes subalternas em plena ativação, descartando tanto a ideia de assumir a revolução passiva como seu programa quanto o voluntarismo jacobino de uma estratégia de “antirrevolução passiva”.

A revolução passiva, na arguta observação de Luiz Werneck Vianna, expressaria, simultaneamente, positividade “em termos de processo, uma vez que, no seu curso, a democratização social, por meio de avanços moleculares, se faz ampliar”, e negatividade, “porque a ação das elites se exerce de modo a ‘conservar a tese na antítese’”. O problema estaria no agir político capaz de obstar a lógica predominante do “conservar mudando” e, realisticamente, conseguir inverter os vetores, fazendo com que a mudança dirigisse a conservação. Rovesciare, colocar em pé a revolução passiva, ou girar o registro do transformismo, de negativo para positivo, eis o sentido do que se vem chamando de “novo reformismo”, inspirado em Gramsci, no qual democracia e reformas, por meio de consensos, visam a suplantar a oligarquização do Estado, ampliar a participação, sem suprimir a representação política.

Sensível ao nexo transformação/conservação, Marco Aurélio Garcia preferiu a crítica convencional à “linearidade da história”, recusando-se a dialogar com o que havia de melhor no “comunismo democrático” brasileiro, na sugestiva expressão de Maria Alice Rezende de Carvalho. O rechaço à angulação da revolução passiva impediu a adoção de uma estratégia reformista fundamentada teoricamente e aberta à inovação.

Por que o intelectual petista optou, como está no final da sua exposição, por uma escolha burocrática que descrevia de maneira superposta e simplista as questões democrática, social e (pasmem) nacional como o feixe de problemas que se deveria enfrentar para mudar o País? Difícil dizer, mas o que se pode inferir é que foi uma escolha consciente.

Mais uma vez pode-se registrar a distância sideral que sempre existiu entre o PT e Gramsci. O resto da história dessa esquerda avessa a conceitos é conhecido.