domingo, 23 de março de 2025
Na tentativa de virar imperador, Trump fratura democracia americana e ordem internacional
Os últimos movimentos de Donald Trump confirmam suas pretensões imperiais: do monarca absolutista que usurpa as prerrogativas dos outros poderes e do colonizador que cobiça as riquezas de outros povos.
Trump invocou na calada da noite do dia 14 a Lei do Estrangeiro Inimigo, para deportar 137 venezuelanos sem o devido processo legal. A lei, de 1798, só pode ser aplicada durante guerras. No dia seguinte, ignorou a ordem do juiz James Boasberg de suspensão das deportações para El Salvador e retorno dos aviões que já tivessem decolado.
O responsável por imigração da Casa Branca, Tom Homan, declarou: “Eu não me importo com o que juízes pensam”. Trump postou que o juiz devia sofrer impeachment. Numa rara manifestação pública, o presidente da Suprema Corte, o conservador Robert Smith, qualificou a ideia de “inacreditavelmente perigosa”.
Trump decretou o desmantelamento do Departamento de Educação e destinou US$ 4 bilhões de ajuda militar para Israel, decisões que cabem ao Congresso. Estudantes e funcionários estão sendo perseguidos.
As demissões sumárias de funcionários encarregados de fiscalizar o governo estão sendo derrubadas na Justiça. A Suprema Corte suspendeu na sexta-feira a demissão de Hampton Dellinger, diretor do Escritório do Procurador Especial, que recebe denúncias de irregularidades no governo.
Em fevereiro, Trump aboliu uma lei de Nova York que taxa veículos na hora do rush. A governadora Kathy Hochul disse que o presidente não poderia interferir em lei estadual, e que eles se encontrariam no tribunal. Trump postou: “Aquele que salva seu país não viola nenhuma lei”, uma frase atribuída ao imperador Napoleão Bonaparte.
Na sexta-feira, Trump, 47.º presidente dos EUA, anunciou o nome do próximo caça: F-47. Os anteriores foram F-34 e F35. Nem sempre os aviões seguem a ordem, mas nunca tinha havido um salto desse para homenagear um presidente.
Sua política externa é norteada por planos de colonizar Ucrânia, Faixa de Gaza, Canadá, Groenlândia e Panamá, e deixar que as outras potências imperialistas, China e Rússia, façam o mesmo com seus vizinhos.
Depois de tentar impor à Ucrânia um contrato pelo qual os EUA ficariam com a metade das receitas dos minérios e da infraestrutura do país, agora Trump quer se apropriar da rede de geração e transmissão de energia, enquanto entrega à Rússia as áreas por ela ocupadas.
O presidente não conseguirá se tornar um imperador, mas suas tentativas causarão fraturas na democracia americana e na ordem internacional baseada em regras.
Trump invocou na calada da noite do dia 14 a Lei do Estrangeiro Inimigo, para deportar 137 venezuelanos sem o devido processo legal. A lei, de 1798, só pode ser aplicada durante guerras. No dia seguinte, ignorou a ordem do juiz James Boasberg de suspensão das deportações para El Salvador e retorno dos aviões que já tivessem decolado.
O responsável por imigração da Casa Branca, Tom Homan, declarou: “Eu não me importo com o que juízes pensam”. Trump postou que o juiz devia sofrer impeachment. Numa rara manifestação pública, o presidente da Suprema Corte, o conservador Robert Smith, qualificou a ideia de “inacreditavelmente perigosa”.
Trump decretou o desmantelamento do Departamento de Educação e destinou US$ 4 bilhões de ajuda militar para Israel, decisões que cabem ao Congresso. Estudantes e funcionários estão sendo perseguidos.
As demissões sumárias de funcionários encarregados de fiscalizar o governo estão sendo derrubadas na Justiça. A Suprema Corte suspendeu na sexta-feira a demissão de Hampton Dellinger, diretor do Escritório do Procurador Especial, que recebe denúncias de irregularidades no governo.
Em fevereiro, Trump aboliu uma lei de Nova York que taxa veículos na hora do rush. A governadora Kathy Hochul disse que o presidente não poderia interferir em lei estadual, e que eles se encontrariam no tribunal. Trump postou: “Aquele que salva seu país não viola nenhuma lei”, uma frase atribuída ao imperador Napoleão Bonaparte.
Na sexta-feira, Trump, 47.º presidente dos EUA, anunciou o nome do próximo caça: F-47. Os anteriores foram F-34 e F35. Nem sempre os aviões seguem a ordem, mas nunca tinha havido um salto desse para homenagear um presidente.
Sua política externa é norteada por planos de colonizar Ucrânia, Faixa de Gaza, Canadá, Groenlândia e Panamá, e deixar que as outras potências imperialistas, China e Rússia, façam o mesmo com seus vizinhos.
Depois de tentar impor à Ucrânia um contrato pelo qual os EUA ficariam com a metade das receitas dos minérios e da infraestrutura do país, agora Trump quer se apropriar da rede de geração e transmissão de energia, enquanto entrega à Rússia as áreas por ela ocupadas.
O presidente não conseguirá se tornar um imperador, mas suas tentativas causarão fraturas na democracia americana e na ordem internacional baseada em regras.
Anticiência em nosso planeta hoje
Na trilogia de Cixin Liu, The Three-Body Problem Series, as forças que pretendem destruir os cientistas, e assim acabar com a produção de ciência na Terra, vêm do espaço sideral. O primeiro volume da trilogia foi adaptado como uma série pela Netflix. Os alienígenas planejam invadir o nosso planeta num futuro em que, sem ciência e tecnologia de ponta de defesa, seríamos incapazes de enfrentar uma invasão extraterrestre.
Hoje, a anticiência pode provir da política, da religião ou de ideologias fortemente arraigadas, das redes sociais e de interesses econômicos distintos. As forças destrutivas da anticiência terráquea vêm de vários cantos, inclusive de países governados pela extrema direita, hoje representada pelas políticas implementadas pelo governo Trump. Os ataques à ciência que se praticam nos Estados Unidos da América são amplamente comentados por revistas e por associações no mundo todo.
A postura da comunidade científica internacional pode-se resumir traduzindo o início de um recente artigo da revista Nature: “Trump 2.0: um ataque à ciência em qualquer lugar é um ataque à ciência em qualquer lugar. O presidente dos EUA, Donald Trump, pretende demolir a ciência e as instituições internacionais. A comunidade científica global deve tomar uma posição contra estes ataques.”
Outro exemplo de anticiência vinda do Estado é visível na Hungria. Em várias declarações onde se diz desfavorável à preocupação global a respeito das mudanças climáticas, Viktor Orbán, primeiro-ministro de extrema direita da Hungria, declara: “As ‘elites ocidentais’ estão demasiado preocupadas com as quotas de carbono e não o suficiente com a queda das taxas de natalidade”. Isso sem falar da cruzada do Viktor Orbán contra a liberdade acadêmica, exemplificada pelo fechamento da Universidade Centro-Europeia (CEU).
Para fechar esta curta lista de exemplos de Estados anticiência, é mister não esquecer que a postura anticiência do governo Bolsonaro não é coincidência: foi um projeto que se mostrou incompatível com a ciência, com a tecnologia, com o desenvolvimento sustentável desde seu início. Além de perseguir o ensino superior e toda a criação de ciência vinda das universidades públicas, foi responsável pela demora na vacinação contra covid, que causou mais de setecentas mil mortes no Brasil.
Os movimentos anticiência, contudo, não se reduzem às políticas de Estado e podem ser identificados nos extremos do espectro político. Caminhos anticiência conspiram, hoje, para desacreditar todo o universo da ciência e os cientistas em particular. Segmentos sociais militam contra determinadas áreas da ciência somando-se a fenômenos identitários. Muitos oferecem explicações (e aplicações) distantes de quaisquer evidências científicas ou criam universos paralelos onde sequer os fenômenos observáveis são aceitos como realidades.
O movimento antivax, por exemplo, é global, pode-se encontrar em setores da direita e da esquerda e constitui um dos mais poderosos grupos anticiência do planeta. A Organização Mundial da Saúde (OMS) identificou a hesitação vacinal como uma das ameaças à saúde global. De fato, os antivax podem ser responsabilizados pelos aumentos recentes de algumas das principais doenças, que incluem: sarampo, coqueluche, caxumba, rubéola e difteria. É bom lembrar que os movimentos antivax não se limitam a mentir sobre os efeitos deletérios de todas as vacinas, mas são ativamente contrários à pesquisa sobre vacinas e a toda a ciência que sustenta esta pesquisa. A variedade de teorias da conspiração antivacina, anticiência, e que também perseguem cientistas, é tamanha que requer um tratado até para descrevê-las. Muitas, porém, usam elementos que afirmam que os cientistas estão trabalhando para satisfazer a interesses escusos de grupos econômicos ou políticos.
As redes sociais produziram uma avalanche de mentiras e de pseudocientistas que se transformam nos arautos da anticiência em temas específicos. A sequência de aparição dos pseudocientistas é sempre similar, a apresentação de um currículo, real ou imaginário, apresentando credenciais, seguido por um longo discurso que tenta convencer que as vacinas matam ou que são só as grandes empresas que atacam a homeopatia.
A retórica anticientífica pode, também, ser alimentada por empresas, como demonstrado na negação, durante décadas, dos efeitos deletérios do consumo de tabaco pela indústria do cigarro ou por empresas de energia que minimizam as alterações climáticas.
A oposição aos movimentos anticiência requer, necessariamente, justificativas da defesa da ciência, e, por consequência, dos cientistas. Reconhecer que nem toda ciência trouxe benefícios para a humanidade, ou que vacinas podem ter efeitos colaterais perigosos, faz parte da defesa da ciência que existe e a que necessariamente deve conduzir a humanidade a novos conhecimentos.
A decisão política de realizar o Projeto Manhattan, que associou cientistas brilhantes para desenvolver a primeira bomba atômica, é bem conhecida. Os efeitos trágicos dos bombardeios atômicos em Hiroshima e Nagasaki têm origem na física, que descobriu a transformação de matéria em energia. Ao mesmo tempo, o uso pacífico da energia nuclear é evidente e os reflexos da ciência que hoje conhecemos sobre radioatividade têm papel crucial na medicina. Novas descobertas sobre reatores nucleares de fissão seguros, ou reatores de fusão, podem mudar a forma em que recebemos energia e colaborar para a diminuição do aumento da temperatura no planeta. Assim, reconhecendo as tragédias de Hiroshima e Nagasaki, bem como a ameaça constante de países que dominam a tecnologia capaz de produzir bombas atômicas, as descobertas da física determinaram muitos dos avanços recentes da humanidade que nos permitiram elevar a expectativa de vida, a qualidade de vida e a nossa capacidade de comunicação nestes últimos cem anos. Descobertas futuras da ciência podem, assim espero, evitar a desaparição da espécie humana nos próximos séculos por causa dos fenômenos extremos, que já estamos observando, causados pelas mudanças climáticas.
Já as vacinas, que tomo como outro exemplo, têm sim efeitos colaterais que podem ser graves, mas são raros e sua ocorrência é tão baixa que os benefícios excedem em muitas ordens de magnitude os possíveis efeitos deletérios. Tomo como exemplo a vacina MMR, que protege as crianças contra sarampo, caxumba e rubéola. Esta vacina pode, sim, causar alergias perigosas numa taxa de uma em um milhão de doses aplicadas. Por outro lado, a taxa de mortalidade de crianças por sarampo das crianças não vacinadas é de três por mil doentes. Embora a mortalidade por caxumba seja extremamente baixa, as complicações decorrentes da doença têm uma mortalidade que varia de quatro a dez por cento. A mortalidade por rubéola varia com local e condição econômica e sanitária do doente, mas pode representar entre 1 e 0,1 por cento, sem considerar as complicações decorrentes da infecção pelo vírus. Também está amplamente provado que, apesar das teorias da conspiração dizendo o contrário, a vacina MMR não tem relação alguma com a aparição do transtorno autista. Olhando para as probabilidades de aparição de efeitos secundários e comparando aos perigos de mortes por doença, é evidente que a vacinação por MMR é absolutamente necessária.
Sem ter que temer por agora desafios vindos do espaço sideral, a anticiência na Terra deve ser enfrentada. Somente a ciência existente e aquela que a humanidade ainda deve criar podem continuar a nos tornar mais cientes do nosso mundo e evitar a desaparição de nossa espécie por novas pandemias ou por fenômenos extremos causados pelas mudanças climáticas.
Hoje, a anticiência pode provir da política, da religião ou de ideologias fortemente arraigadas, das redes sociais e de interesses econômicos distintos. As forças destrutivas da anticiência terráquea vêm de vários cantos, inclusive de países governados pela extrema direita, hoje representada pelas políticas implementadas pelo governo Trump. Os ataques à ciência que se praticam nos Estados Unidos da América são amplamente comentados por revistas e por associações no mundo todo.
A postura da comunidade científica internacional pode-se resumir traduzindo o início de um recente artigo da revista Nature: “Trump 2.0: um ataque à ciência em qualquer lugar é um ataque à ciência em qualquer lugar. O presidente dos EUA, Donald Trump, pretende demolir a ciência e as instituições internacionais. A comunidade científica global deve tomar uma posição contra estes ataques.”
Outro exemplo de anticiência vinda do Estado é visível na Hungria. Em várias declarações onde se diz desfavorável à preocupação global a respeito das mudanças climáticas, Viktor Orbán, primeiro-ministro de extrema direita da Hungria, declara: “As ‘elites ocidentais’ estão demasiado preocupadas com as quotas de carbono e não o suficiente com a queda das taxas de natalidade”. Isso sem falar da cruzada do Viktor Orbán contra a liberdade acadêmica, exemplificada pelo fechamento da Universidade Centro-Europeia (CEU).
Para fechar esta curta lista de exemplos de Estados anticiência, é mister não esquecer que a postura anticiência do governo Bolsonaro não é coincidência: foi um projeto que se mostrou incompatível com a ciência, com a tecnologia, com o desenvolvimento sustentável desde seu início. Além de perseguir o ensino superior e toda a criação de ciência vinda das universidades públicas, foi responsável pela demora na vacinação contra covid, que causou mais de setecentas mil mortes no Brasil.
Os movimentos anticiência, contudo, não se reduzem às políticas de Estado e podem ser identificados nos extremos do espectro político. Caminhos anticiência conspiram, hoje, para desacreditar todo o universo da ciência e os cientistas em particular. Segmentos sociais militam contra determinadas áreas da ciência somando-se a fenômenos identitários. Muitos oferecem explicações (e aplicações) distantes de quaisquer evidências científicas ou criam universos paralelos onde sequer os fenômenos observáveis são aceitos como realidades.
O movimento antivax, por exemplo, é global, pode-se encontrar em setores da direita e da esquerda e constitui um dos mais poderosos grupos anticiência do planeta. A Organização Mundial da Saúde (OMS) identificou a hesitação vacinal como uma das ameaças à saúde global. De fato, os antivax podem ser responsabilizados pelos aumentos recentes de algumas das principais doenças, que incluem: sarampo, coqueluche, caxumba, rubéola e difteria. É bom lembrar que os movimentos antivax não se limitam a mentir sobre os efeitos deletérios de todas as vacinas, mas são ativamente contrários à pesquisa sobre vacinas e a toda a ciência que sustenta esta pesquisa. A variedade de teorias da conspiração antivacina, anticiência, e que também perseguem cientistas, é tamanha que requer um tratado até para descrevê-las. Muitas, porém, usam elementos que afirmam que os cientistas estão trabalhando para satisfazer a interesses escusos de grupos econômicos ou políticos.
As redes sociais produziram uma avalanche de mentiras e de pseudocientistas que se transformam nos arautos da anticiência em temas específicos. A sequência de aparição dos pseudocientistas é sempre similar, a apresentação de um currículo, real ou imaginário, apresentando credenciais, seguido por um longo discurso que tenta convencer que as vacinas matam ou que são só as grandes empresas que atacam a homeopatia.
A retórica anticientífica pode, também, ser alimentada por empresas, como demonstrado na negação, durante décadas, dos efeitos deletérios do consumo de tabaco pela indústria do cigarro ou por empresas de energia que minimizam as alterações climáticas.
A oposição aos movimentos anticiência requer, necessariamente, justificativas da defesa da ciência, e, por consequência, dos cientistas. Reconhecer que nem toda ciência trouxe benefícios para a humanidade, ou que vacinas podem ter efeitos colaterais perigosos, faz parte da defesa da ciência que existe e a que necessariamente deve conduzir a humanidade a novos conhecimentos.
A decisão política de realizar o Projeto Manhattan, que associou cientistas brilhantes para desenvolver a primeira bomba atômica, é bem conhecida. Os efeitos trágicos dos bombardeios atômicos em Hiroshima e Nagasaki têm origem na física, que descobriu a transformação de matéria em energia. Ao mesmo tempo, o uso pacífico da energia nuclear é evidente e os reflexos da ciência que hoje conhecemos sobre radioatividade têm papel crucial na medicina. Novas descobertas sobre reatores nucleares de fissão seguros, ou reatores de fusão, podem mudar a forma em que recebemos energia e colaborar para a diminuição do aumento da temperatura no planeta. Assim, reconhecendo as tragédias de Hiroshima e Nagasaki, bem como a ameaça constante de países que dominam a tecnologia capaz de produzir bombas atômicas, as descobertas da física determinaram muitos dos avanços recentes da humanidade que nos permitiram elevar a expectativa de vida, a qualidade de vida e a nossa capacidade de comunicação nestes últimos cem anos. Descobertas futuras da ciência podem, assim espero, evitar a desaparição da espécie humana nos próximos séculos por causa dos fenômenos extremos, que já estamos observando, causados pelas mudanças climáticas.
Já as vacinas, que tomo como outro exemplo, têm sim efeitos colaterais que podem ser graves, mas são raros e sua ocorrência é tão baixa que os benefícios excedem em muitas ordens de magnitude os possíveis efeitos deletérios. Tomo como exemplo a vacina MMR, que protege as crianças contra sarampo, caxumba e rubéola. Esta vacina pode, sim, causar alergias perigosas numa taxa de uma em um milhão de doses aplicadas. Por outro lado, a taxa de mortalidade de crianças por sarampo das crianças não vacinadas é de três por mil doentes. Embora a mortalidade por caxumba seja extremamente baixa, as complicações decorrentes da doença têm uma mortalidade que varia de quatro a dez por cento. A mortalidade por rubéola varia com local e condição econômica e sanitária do doente, mas pode representar entre 1 e 0,1 por cento, sem considerar as complicações decorrentes da infecção pelo vírus. Também está amplamente provado que, apesar das teorias da conspiração dizendo o contrário, a vacina MMR não tem relação alguma com a aparição do transtorno autista. Olhando para as probabilidades de aparição de efeitos secundários e comparando aos perigos de mortes por doença, é evidente que a vacinação por MMR é absolutamente necessária.
Sem ter que temer por agora desafios vindos do espaço sideral, a anticiência na Terra deve ser enfrentada. Somente a ciência existente e aquela que a humanidade ainda deve criar podem continuar a nos tornar mais cientes do nosso mundo e evitar a desaparição de nossa espécie por novas pandemias ou por fenômenos extremos causados pelas mudanças climáticas.
Emojis não servem para gritar
As palavras somem. Aos poucos, já que são milhares. Somem e, sem que percebamos, esquecemo-las. E sem serem ditas, também seus significados e sentidos desaparecem. A cada palavra escondida, ideias e conceitos deixam de habitar nossas percepções. Com o tempo, as palavras, ao serem retiradas, proibidas, camufladas, censuradas, diminuem a complexidade de nossa relação crítica com o real. Acostumamo-nos a viver sem elas, sem seus valores, suas informações, seus ruídos e incômodos. Em cada “menos uma palavra”, o sentimento de civilidade é estreitado, até não sabermos mais nomear o que nos impede de pensar, falar e agir, pois não acessamos mais seus códigos.
Essa é a dimensão perigosa das 200 palavras censuradas pelo governo americano em suas páginas, seus informativos e nas pesquisas divulgadas por acadêmicos e cientistas, inclusive nas investigações médicas. O projeto de silenciamento da extrema-direita não busca apenas impedir a difusão de ideias, quer eliminar quaisquer princípios que atinjam diretamente sua esfera de atuação. Para isso, é preciso circunscrever primeiro o pensamento pelo proibitivo, o resto, calculam, será mera consequência.
Ainda esta semana, assisti a série britânica Adolescência. Além da importante exposição de como grupos extremistas de homens brancos têm se infiltrado na mente de adolescentes, com suas propostas violentas sobre o tratamento a ser dado às mulheres, um aspecto passou ao lado nas boas e necessárias reflexões que se espalham em jornais e sites: os emojis e suas funções nada decorativas.
Quando surgiram no Japão, em 1999, havia um interesse em tornar lúdico certas simplificações banais ou sentimentos comuns. Dez anos depois, então padronizados pelo Unicode Consortium, ganharam capacidade de uso global. Depende do interesse e da aceitação das maiores big techs do planeta, o desenvolvimento de novos emojis, e das tecnologias disponíveis para representações mais elaboradas. As primeiras variações de tons de pele, por exemplo, só foram possíveis (e aceitas) em 2015, com a nova tecnologia cromática; os primeiros casais interraciais e as diversidades de gêneros em profissões, em 2016; as primeiras figuras com deficiências, apenas em 2019.
Uma vez que emojis substituírem expressões, sensações e sentimentos, o óbvio é que se firmem como linguagem da nova formação do indivíduo, agora condicionada ao convívio e ao uso dos meios tecnológicos. Pelas redes sociais e trocas de mensagens nos celulares, cada vez mais extensivos dos corpos, adquiriam um vocabulário cifrado e geracional.
As palavras, já limitadas com abreviações aleatórias ou excessivamente minimalistas, reduzem-se na mesma velocidade em que são trocadas por emojis e por frases sugestionadas pelos próprios aparelhos, quando anteveem o pensamento, a partir do mais previsível e repetitivo no repertório de cada pessoa.
A série Adolescência narra o uso desse vocabulário imagético para doutrinações radicais por extremistas. É impossível aos jovens (e não só) escapar desse convívio, pois o universo passou a reduzir a informação sobre quase tudo pelos significados escondidos em cada emoji. Portanto, estamos, de forma inédita, profundamente separados e incapazes de compreender sobre e como conversam quem os utiliza. Sem o acesso, no desconhecimento, não há o que proteger e desconstruir. Estamos limitados ao encontro com as consequências, sem nos darmos conta dos processos e encaminhamento das relações.
Em 2017, o desafio da baleia azul chegava às crianças e adolescentes por meio de um emoji. Nos 50 desafios, entre privação do sono, mutilações e colocar-se em situação de risco, deixar de comer, assistir filmes de terror, deixar de falar, afastar-se da família, enquanto era acompanhada por um “curador”, a pessoa era estimulada, por último, a cometer suicídio. Criado na Rússia, o argumento de seus desenvolvedores era de limpar a sociedade dos mais fracos.
O isolamento linguístico, seja pelo surgimento de um vocabulário cifrado, seja pelo apagamento de palavras, é um movimento ao suicídio social. Seu objetivo é destruir o pilar de sua sustentação, a democracia — por maiores que sejam seus problemas —, tornar o indivíduo manipulável ao pior: subserviente e descartável, em nome de um bem deformado do que deve ser a sociedade perfeita.
Qual a saída? O primeiro aspecto é reconhecer que vivenciamos uma nova forma de crise, desta vez, com a linguagem sob ataque. A fabricação de crises, desde sempre, é interessada por controlar a sociedade e as pessoas, precarizando aspectos específicos. Ora econômicos, políticos, sociais, ora, como agora, culturais, também pela precarização e inacessibilidade da linguagem. Perceber surgir sem aviso, instalar-se ao imaginário, governar por emoções como medo e ansiedade e, então, apatia. Reagir a isso requer subverter as paixões tristes, como nomeia Dario Gentili, em desejo revolucionário, coletivo, entusiástico. Algo que precisa ocorrer em duas esferas: a íntima e a pública.
Portanto, devemos conversar mais. Sentarmo-nos juntos para falar, ouvir, rir e chorar. Juntar os amigos e esquecer os aparelhos. Debater as ideias, deixar-se invadir pelo desejo do debate, assimilar e oferecer conceitos entre pessoas diversas. Apaixonar-se pelo exercício do pensamento e da memória crítica. Divertir-se ao perceber sempre ser possível ir mais e mais profundo. E desenvolver uma real curiosidade por tudo, sobre acontecimentos, pessoas, sobre os sentidos das coisas e como usamos as palavras. Para, depois, irmos ao mundo.
E nele, nas ruas, ainda que nos tomem as palavras e dizê-las seja perigoso, usar da voz, do grito como possibilidade criativa, libertadora, para além da linguagem controlada e dominada. O grito como resistência às opressões. Sem lhe darmos formas gastas, sem querer traduções, apenas movimento e afirmação de presença.
Por fim, inventemos palavras para sermos incontroláveis. Enquanto as censuras ocorrerem ao conhecido e os vocabulários forem manipulados por extremistas, que se crie outros e outros, e quantos forem necessários. Somente assim, com palavras novas entre os dentes, os gritos poderão reagir ao que agora parece impossível de interromper. Como fizera Antônio Bispo. Gritar como forma de confluir palavras com o futuro.
Ainda esta semana, assisti a série britânica Adolescência. Além da importante exposição de como grupos extremistas de homens brancos têm se infiltrado na mente de adolescentes, com suas propostas violentas sobre o tratamento a ser dado às mulheres, um aspecto passou ao lado nas boas e necessárias reflexões que se espalham em jornais e sites: os emojis e suas funções nada decorativas.
Quando surgiram no Japão, em 1999, havia um interesse em tornar lúdico certas simplificações banais ou sentimentos comuns. Dez anos depois, então padronizados pelo Unicode Consortium, ganharam capacidade de uso global. Depende do interesse e da aceitação das maiores big techs do planeta, o desenvolvimento de novos emojis, e das tecnologias disponíveis para representações mais elaboradas. As primeiras variações de tons de pele, por exemplo, só foram possíveis (e aceitas) em 2015, com a nova tecnologia cromática; os primeiros casais interraciais e as diversidades de gêneros em profissões, em 2016; as primeiras figuras com deficiências, apenas em 2019.
Uma vez que emojis substituírem expressões, sensações e sentimentos, o óbvio é que se firmem como linguagem da nova formação do indivíduo, agora condicionada ao convívio e ao uso dos meios tecnológicos. Pelas redes sociais e trocas de mensagens nos celulares, cada vez mais extensivos dos corpos, adquiriam um vocabulário cifrado e geracional.
As palavras, já limitadas com abreviações aleatórias ou excessivamente minimalistas, reduzem-se na mesma velocidade em que são trocadas por emojis e por frases sugestionadas pelos próprios aparelhos, quando anteveem o pensamento, a partir do mais previsível e repetitivo no repertório de cada pessoa.
A série Adolescência narra o uso desse vocabulário imagético para doutrinações radicais por extremistas. É impossível aos jovens (e não só) escapar desse convívio, pois o universo passou a reduzir a informação sobre quase tudo pelos significados escondidos em cada emoji. Portanto, estamos, de forma inédita, profundamente separados e incapazes de compreender sobre e como conversam quem os utiliza. Sem o acesso, no desconhecimento, não há o que proteger e desconstruir. Estamos limitados ao encontro com as consequências, sem nos darmos conta dos processos e encaminhamento das relações.
Em 2017, o desafio da baleia azul chegava às crianças e adolescentes por meio de um emoji. Nos 50 desafios, entre privação do sono, mutilações e colocar-se em situação de risco, deixar de comer, assistir filmes de terror, deixar de falar, afastar-se da família, enquanto era acompanhada por um “curador”, a pessoa era estimulada, por último, a cometer suicídio. Criado na Rússia, o argumento de seus desenvolvedores era de limpar a sociedade dos mais fracos.
O isolamento linguístico, seja pelo surgimento de um vocabulário cifrado, seja pelo apagamento de palavras, é um movimento ao suicídio social. Seu objetivo é destruir o pilar de sua sustentação, a democracia — por maiores que sejam seus problemas —, tornar o indivíduo manipulável ao pior: subserviente e descartável, em nome de um bem deformado do que deve ser a sociedade perfeita.
Qual a saída? O primeiro aspecto é reconhecer que vivenciamos uma nova forma de crise, desta vez, com a linguagem sob ataque. A fabricação de crises, desde sempre, é interessada por controlar a sociedade e as pessoas, precarizando aspectos específicos. Ora econômicos, políticos, sociais, ora, como agora, culturais, também pela precarização e inacessibilidade da linguagem. Perceber surgir sem aviso, instalar-se ao imaginário, governar por emoções como medo e ansiedade e, então, apatia. Reagir a isso requer subverter as paixões tristes, como nomeia Dario Gentili, em desejo revolucionário, coletivo, entusiástico. Algo que precisa ocorrer em duas esferas: a íntima e a pública.
Portanto, devemos conversar mais. Sentarmo-nos juntos para falar, ouvir, rir e chorar. Juntar os amigos e esquecer os aparelhos. Debater as ideias, deixar-se invadir pelo desejo do debate, assimilar e oferecer conceitos entre pessoas diversas. Apaixonar-se pelo exercício do pensamento e da memória crítica. Divertir-se ao perceber sempre ser possível ir mais e mais profundo. E desenvolver uma real curiosidade por tudo, sobre acontecimentos, pessoas, sobre os sentidos das coisas e como usamos as palavras. Para, depois, irmos ao mundo.
E nele, nas ruas, ainda que nos tomem as palavras e dizê-las seja perigoso, usar da voz, do grito como possibilidade criativa, libertadora, para além da linguagem controlada e dominada. O grito como resistência às opressões. Sem lhe darmos formas gastas, sem querer traduções, apenas movimento e afirmação de presença.
Por fim, inventemos palavras para sermos incontroláveis. Enquanto as censuras ocorrerem ao conhecido e os vocabulários forem manipulados por extremistas, que se crie outros e outros, e quantos forem necessários. Somente assim, com palavras novas entre os dentes, os gritos poderão reagir ao que agora parece impossível de interromper. Como fizera Antônio Bispo. Gritar como forma de confluir palavras com o futuro.
A presidência de Tom e Daisy
O segundo governo Trump parece ter aprendido algumas lições com o primeiro. Por exemplo, mesmo quando os tribunais eventualmente derrubam as políticas do governo, há táticas que podem manter essas políticas em vigor por tempo suficiente para causar bastante dano.
Os tribunais só podem fazer muito quando o objetivo de impor uma política não é vencer, mas sim quebrar as coisas e, como F. Scott Fitzgerald escreveu em "O Grande Gatsby", "deixar que outras pessoas limpem a bagunça que fizeram".
Para todas as intervenções judiciais que vimos nas primeiras oito semanas da nova administração Trump, assustadoramente pouco mudou no local. Grande parte do dinheiro federal congelado ilegalmente ainda está congelado; muitos dos funcionários federais demitidos ilegalmente ainda estão sem trabalho. Mahmoud Khalil, o graduado da Columbia e portador do green card preso em 8 de março em Nova York por motivos legais excepcionalmente tênues, continua em um centro de detenção de imigração na Louisiana.
O problema central não é que os tribunais tenham mantido ações legalmente duvidosas, ou mesmo que a Casa Branca esteja desafiando abertamente decisões adversas. Em vez disso, parece que o caos e a interrupção são eles próprios a chave para o objetivo do presidente Trump.
A invocação do Alien Enemies Act pelo Sr. Trump em 15 de março, em uma tentativa de acelerar seu esforço de deportação em massa, é um bom exemplo desse fenômeno. O estatuto de 227 anos, que tinha a intenção de dar ao governo ampla autoridade sobre uma classe restrita de estrangeiros presentes nessas praias durante a guerra, não pode ser plausivelmente aplicado a cidadãos de países com os quais estamos em paz. Embora o estatuto se aplique não apenas em tempos de guerra declarada, mas também durante períodos de "invasão ou incursão predatória", essa invasão ou incursão deve ser "por qualquer nação ou governo estrangeiro".
Pode haver algum fascínio em se referir a travessias de fronteira não autorizadas como "invasões", mas a Casa Branca teria dificuldade em identificar qual "nação ou governo estrangeiro" está formalmente por trás delas. Rotular a gangue venezuelana Tren de Aragua como uma organização terrorista estrangeira — ou mesmo, como a ordem executiva a chama, um "estado criminoso híbrido" — não significa que ela esteja envolvida em uma invasão dos Estados Unidos da maneira como o Congresso de 1798 usou, ou pretendia que futuros políticos usassem, o termo.
Em todo caso, ao invocar o ato de 1798, o Sr. Trump usou uma parte da legislação que prevê expressamente a supervisão judicial. Isso significa que os tribunais imediatamente tiveram um papel significativo a desempenhar ao apontar as deficiências lógicas de rotular gangues invasoras de exércitos. Eles terão um papel a desempenhar também na questão ainda mais complicada de como o governo prova que detentos individuais são membros do Tren de Aragua.
Invocar o Alien Enemies Act tem muito em comum com uma série de outros empreendimentos divisivos do Sr. Trump — como seu esforço para restringir a cidadania por direito de nascença por ordem executiva; seu uso do Migrant Operations Center na Baía de Guantánamo, Cuba, como uma estação de passagem de curto prazo para deter um pequeno número de estrangeiros aguardando sua deportação (muitos dos quais foram rapidamente, embora a um custo alto, devolvidos aos Estados Unidos); e, mais recentemente, o caso do Sr. Khalil. Em todos esses contextos, as chances são maiores do que não de que, quando o litígio desafiando as ações do governo Trump tiver seguido seu curso, os juízes decidirão contra as ações do governo.
Essas prováveis vitórias, se é que podemos chamá-las assim, podem se mostrar vazias. Mesmo que os tribunais decidam repetidamente contra o Sr. Trump, anular prisões de imigrantes ilegais e liberar indivíduos de detenções de imigrantes ilegais não desfaz o dano que eles sofreram ao serem presos e detidos em primeiro lugar. O que resta é o medo mais amplo que isso instila nas comunidades de imigrantes de que eles podem ser os próximos, e o comportamento que é resfriado ou restringido como resultado. Da mesma forma, ordenar que o governo volte a abrir as torneiras de gastos que ele congelou ilegalmente não pode desfazer o dano sofrido pelos beneficiários privados de financiamento de missão crítica nesse ínterim. Bloquear uma ordem executiva destinada a intimidar escritórios de advocacia para não representar ex-funcionários do governo não desfaz a mensagem sobre outras maneiras pelas quais o governo pode tentar retaliar aqueles que não seguem a linha do partido. E tudo isso pressupõe que a Casa Branca realmente cumpra as decisões dos tribunais, um ponto no qual talvez não possamos confiar.
Normalmente, vítimas de conduta ilícita podem processar por danos, um direito fornecido não apenas para interromper o comportamento ilícito enquanto ele está acontecendo, mas também para reparar os ferimentos que sofreram durante e por causa dessa conduta. Tais processos estão disponíveis não apenas para compensar as vítimas por suas perdas, mas também para punir os maus atores se sua conduta foi suficientemente maliciosa. A ideia central é que os danos não são apenas compensatórios; eles devem fornecer um impedimento significativo contra conduta conscientemente ilícita em primeiro lugar.
Para o bem ou para o mal, não há nenhuma entidade nos Estados Unidos contra a qual seja mais difícil obter indenização do que o governo federal. Sob a doutrina da imunidade soberana, o próprio governo pode ser processado por indenização somente quando o Congresso o autoriza. Essas autorizações têm sido, historicamente, poucas e distantes entre si; a última expansão significativa ocorreu em 1976. Para explicar a dificuldade de tentar processar o governo diretamente, a Suprema Corte reconheceu em 1971 circunstâncias nas quais vítimas de violações flagrantes de direitos constitucionais podem buscar indenização dos oficiais federais individuais que são responsáveis, mas o tribunal nos últimos oito anos praticamente anulou essa decisão.
Assim, se os tribunais finalmente descobrirem que o comportamento do governo nas últimas oito semanas foi ilegal ou mesmo inconstitucional, isso pode ser uma forma de alívio amplamente vazia, tanto para as partes prejudicadas quanto para os cidadãos. Nada, é claro, pode compensar a turbulência emocional e a convulsão para as quais a administração enviou intencionalmente muitas organizações e indivíduos para contar. Também não há nada que desencoraje a administração de tentar medidas ilegais semelhantes novamente.
A lição óbvia de longo prazo é para o Congresso — que, entre muitas outras coisas, deve tornar muito mais fácil para vítimas de comportamento federal ilícito obter reparação judicial. Mas a lição de curto prazo é para nós, o povo.
Os tribunais federais, até este ponto, fizeram um trabalho notável de impor limites legais e constitucionais ao poder executivo. E há todos os motivos para esperar que eles continuem a fazê-lo. Nesse aspecto, os tribunais podem muito bem acabar salvando o estado de direito. Mas para serem totalmente eficazes, muitos dos nossos direitos legais dependem não apenas de recursos judiciais, mas também políticos. Isso envolve tanto uma nova legislação quanto uma supervisão muito mais agressiva de membros do Congresso bem-vindos à mudança do ambiente político partidário e à reafirmação de freios e contrapesos contra os outros poderes do governo. Tudo isso tornará muito mais difícil para os presidentes quebrarem as coisas no futuro.
Os tribunais só podem fazer muito quando o objetivo de impor uma política não é vencer, mas sim quebrar as coisas e, como F. Scott Fitzgerald escreveu em "O Grande Gatsby", "deixar que outras pessoas limpem a bagunça que fizeram".
Para todas as intervenções judiciais que vimos nas primeiras oito semanas da nova administração Trump, assustadoramente pouco mudou no local. Grande parte do dinheiro federal congelado ilegalmente ainda está congelado; muitos dos funcionários federais demitidos ilegalmente ainda estão sem trabalho. Mahmoud Khalil, o graduado da Columbia e portador do green card preso em 8 de março em Nova York por motivos legais excepcionalmente tênues, continua em um centro de detenção de imigração na Louisiana.
O problema central não é que os tribunais tenham mantido ações legalmente duvidosas, ou mesmo que a Casa Branca esteja desafiando abertamente decisões adversas. Em vez disso, parece que o caos e a interrupção são eles próprios a chave para o objetivo do presidente Trump.
A invocação do Alien Enemies Act pelo Sr. Trump em 15 de março, em uma tentativa de acelerar seu esforço de deportação em massa, é um bom exemplo desse fenômeno. O estatuto de 227 anos, que tinha a intenção de dar ao governo ampla autoridade sobre uma classe restrita de estrangeiros presentes nessas praias durante a guerra, não pode ser plausivelmente aplicado a cidadãos de países com os quais estamos em paz. Embora o estatuto se aplique não apenas em tempos de guerra declarada, mas também durante períodos de "invasão ou incursão predatória", essa invasão ou incursão deve ser "por qualquer nação ou governo estrangeiro".
Pode haver algum fascínio em se referir a travessias de fronteira não autorizadas como "invasões", mas a Casa Branca teria dificuldade em identificar qual "nação ou governo estrangeiro" está formalmente por trás delas. Rotular a gangue venezuelana Tren de Aragua como uma organização terrorista estrangeira — ou mesmo, como a ordem executiva a chama, um "estado criminoso híbrido" — não significa que ela esteja envolvida em uma invasão dos Estados Unidos da maneira como o Congresso de 1798 usou, ou pretendia que futuros políticos usassem, o termo.
Em todo caso, ao invocar o ato de 1798, o Sr. Trump usou uma parte da legislação que prevê expressamente a supervisão judicial. Isso significa que os tribunais imediatamente tiveram um papel significativo a desempenhar ao apontar as deficiências lógicas de rotular gangues invasoras de exércitos. Eles terão um papel a desempenhar também na questão ainda mais complicada de como o governo prova que detentos individuais são membros do Tren de Aragua.
Invocar o Alien Enemies Act tem muito em comum com uma série de outros empreendimentos divisivos do Sr. Trump — como seu esforço para restringir a cidadania por direito de nascença por ordem executiva; seu uso do Migrant Operations Center na Baía de Guantánamo, Cuba, como uma estação de passagem de curto prazo para deter um pequeno número de estrangeiros aguardando sua deportação (muitos dos quais foram rapidamente, embora a um custo alto, devolvidos aos Estados Unidos); e, mais recentemente, o caso do Sr. Khalil. Em todos esses contextos, as chances são maiores do que não de que, quando o litígio desafiando as ações do governo Trump tiver seguido seu curso, os juízes decidirão contra as ações do governo.
Essas prováveis vitórias, se é que podemos chamá-las assim, podem se mostrar vazias. Mesmo que os tribunais decidam repetidamente contra o Sr. Trump, anular prisões de imigrantes ilegais e liberar indivíduos de detenções de imigrantes ilegais não desfaz o dano que eles sofreram ao serem presos e detidos em primeiro lugar. O que resta é o medo mais amplo que isso instila nas comunidades de imigrantes de que eles podem ser os próximos, e o comportamento que é resfriado ou restringido como resultado. Da mesma forma, ordenar que o governo volte a abrir as torneiras de gastos que ele congelou ilegalmente não pode desfazer o dano sofrido pelos beneficiários privados de financiamento de missão crítica nesse ínterim. Bloquear uma ordem executiva destinada a intimidar escritórios de advocacia para não representar ex-funcionários do governo não desfaz a mensagem sobre outras maneiras pelas quais o governo pode tentar retaliar aqueles que não seguem a linha do partido. E tudo isso pressupõe que a Casa Branca realmente cumpra as decisões dos tribunais, um ponto no qual talvez não possamos confiar.
Normalmente, vítimas de conduta ilícita podem processar por danos, um direito fornecido não apenas para interromper o comportamento ilícito enquanto ele está acontecendo, mas também para reparar os ferimentos que sofreram durante e por causa dessa conduta. Tais processos estão disponíveis não apenas para compensar as vítimas por suas perdas, mas também para punir os maus atores se sua conduta foi suficientemente maliciosa. A ideia central é que os danos não são apenas compensatórios; eles devem fornecer um impedimento significativo contra conduta conscientemente ilícita em primeiro lugar.
Para o bem ou para o mal, não há nenhuma entidade nos Estados Unidos contra a qual seja mais difícil obter indenização do que o governo federal. Sob a doutrina da imunidade soberana, o próprio governo pode ser processado por indenização somente quando o Congresso o autoriza. Essas autorizações têm sido, historicamente, poucas e distantes entre si; a última expansão significativa ocorreu em 1976. Para explicar a dificuldade de tentar processar o governo diretamente, a Suprema Corte reconheceu em 1971 circunstâncias nas quais vítimas de violações flagrantes de direitos constitucionais podem buscar indenização dos oficiais federais individuais que são responsáveis, mas o tribunal nos últimos oito anos praticamente anulou essa decisão.
Assim, se os tribunais finalmente descobrirem que o comportamento do governo nas últimas oito semanas foi ilegal ou mesmo inconstitucional, isso pode ser uma forma de alívio amplamente vazia, tanto para as partes prejudicadas quanto para os cidadãos. Nada, é claro, pode compensar a turbulência emocional e a convulsão para as quais a administração enviou intencionalmente muitas organizações e indivíduos para contar. Também não há nada que desencoraje a administração de tentar medidas ilegais semelhantes novamente.
A lição óbvia de longo prazo é para o Congresso — que, entre muitas outras coisas, deve tornar muito mais fácil para vítimas de comportamento federal ilícito obter reparação judicial. Mas a lição de curto prazo é para nós, o povo.
Os tribunais federais, até este ponto, fizeram um trabalho notável de impor limites legais e constitucionais ao poder executivo. E há todos os motivos para esperar que eles continuem a fazê-lo. Nesse aspecto, os tribunais podem muito bem acabar salvando o estado de direito. Mas para serem totalmente eficazes, muitos dos nossos direitos legais dependem não apenas de recursos judiciais, mas também políticos. Isso envolve tanto uma nova legislação quanto uma supervisão muito mais agressiva de membros do Congresso bem-vindos à mudança do ambiente político partidário e à reafirmação de freios e contrapesos contra os outros poderes do governo. Tudo isso tornará muito mais difícil para os presidentes quebrarem as coisas no futuro.
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