domingo, 16 de julho de 2023
Há montanhas de milho ao relento no interior do Brasil
As imagens feitas com um drone impressionam: uma montanha dourada se ergue ao lado de um conjunto de silos gigantescos para armazenagem de grãos.
Ao lado da pilha, um caminhão graneleiro parece um caminhãozinho de brinquedo e um homem de capacete torna-se um pontinho quase imperceptível.
A montanha de milho ao relento, registrada na Cooavil (Cooperativa Agropecuária Terra Viva) em Sorriso, no Mato Grosso, é uma de muitas que se acumulam pelo interior do Brasil, em meio à colheita da maior safra do grão da história do país.
Segundo a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), em dados divulgados na quinta-feira (13/7), o Brasil deve produzir 128 milhões de toneladas de milho, somando as três safras do ciclo 2022/2023 — num crescimento de 13% em relação ao ciclo anterior, que já havia sido recorde.
A safra gigante tem ajudado a reduzir a inflação no país ao baratear a ração animal e o custo de produção das carnes, que já acumulam queda de preços de quase 6% no ano, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
A safra também tem contribuído para um PIB (Produto Interno Bruto) maior do que o esperado este ano e para superávits recordes na balança comercial brasileira, com o país a caminho de desbancar os Estados Unidos como maior exportador de milho do mundo.
Mas a safra recorde de milho, logo após uma safra também recorde de soja, além dos preços em baixa de ambos os grãos, resultaram em armazéns lotados e toneladas de milho armazenadas ao ar livre, expostas a temperaturas elevadas, à possibilidade de chuvas e a ataques de insetos e roedores.
O problema já aconteceu em anos anteriores, mas em 2023 está mais grave, de acordo com representantes do agronegócio ouvidos pela BBC News Brasil.
Segundo a Câmara Setorial de Armazenagem de Grãos da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (CSEAG-Abimaq), o déficit de armazenagem de grãos no Brasil cresceu de 83 milhões de toneladas em 2022 para 118 milhões de toneladas este ano — também um recorde.
A foto citada no início do texto foi cedida à BBC News Brasil pela própria Cooavil. A reportagem tentou ainda ouvir um porta-voz da cooperativa, mas não foi possível por questão de agenda.
Paulo Bertolini, diretor da Abramilho (Associação Brasileira dos Produtores de Miho), explica que o déficit de armazenagem é um problema crônico do agronegócio brasileiro, mas que vem piorando ano após ano.
Isso porque a produção de grãos brasileira tem crescido a uma média 9,4 milhões de toneladas por ano, enquanto a capacidade de armazenagem cresce praticamente a metade disso: a um ritmo de 4,8 milhões de toneladas por ano, segundo dados da Conab e da Abimaq.
Assim, com dois anos seguidos de safra recorde, a armazenagem de milho a céu aberto na segunda safra este ano acontece em volume sem precedentes.
"É bem mais do que em anos anteriores e o problema da falta de espaço para armazenagem aconteceu aqui no Paraná já na primeira safra, pela primeira vez na história", relata Bertolini.
A título de comparação, enquanto a primeira safra (colhida entre janeiro e fevereiro) somou 27 milhões de toneladas, a segunda safra (atualmente em fase de colheita) deve chegar a 98 milhões de toneladas, com um crescimento em volume de 14% em relação à segunda safra do ano passado, segundo a Conab.
Antes chamada de "safrinha", a segunda safra de milho brasileira supera a primeira desde o ciclo de 2011/2012, chegando ao dobro de volume no período 2017/2018 e a mais do que o triplo no ciclo 2022/2023.
"Agora está entrando a segunda safra, com volume bastante grande de produção, e ela encontrou os armazéns ainda repletos de soja. Então é um problema crônico, mas que esse ano se agravou substancialmente", diz o diretor da Abramilho.
"Quem mais sofre é o milho, porque ele tem um valor agregado menor do que a soja — uma saca de milho vale menos do que a metade que a de soja", acrescenta.
"E ele produz duas vezes e meia a mais por hectare, então ocupa duas vezes e meia mais espaço do que a soja ocuparia e gasta duas vezes mais tempo para secar. Então a situação do milho é mais grave, num cenário onde o Brasil não tem capacidade para processar sua produção inteira."
Além da safra recorde, a queda de preços dos grãos também explica o grande volume de milho armazenado a céu aberto este ano, diz Sadi Beledelli, presidente do Sindicato Rural de Sorriso (MT).
"Como não só o preço do milho caiu, mas o preço da soja caiu, muitos produtores não fizeram negociação de soja ainda, estão mantendo a soja armazenada [à espera de melhores preços]. Então ela está tirando o espaço que seria ocupado pelo milho nesse período", afirma.
"Nós não temos armazéns suficientes na região para armazenar as duas safras, então muitos armazéns estão colocando milho a céu aberto, do lado de fora."
Beledelli explica que isso é possível no Mato Grosso porque chuvas são raras na região nessa época do ano. Mas a partir de setembro, quando voltam as águas, será necessário colocar todo esse milho em algum lugar, diz ele.
João Pedro Lopes, analista de inteligência de mercado da StoneX, lembra que 2021 e 2022 foram anos de preços altos para os grãos.
Isso por conta de uma combinação de safras prejudicadas por questões climáticas no Brasil e no mundo; efeitos inflacionários da pandemia de covid-19; desvalorização cambial por aqui; e a guerra entre Rússia e Ucrânia, a partir de fevereiro de 2022, que afetou o embarque de grãos ucranianos e o preço de insumos agrícolas, como os fertilizantes.
Em 2023, no entanto, os preços apresentam tendência de queda acentuada, devido à expectativa de forte produção no Brasil, elevada oferta também nos Estados Unidos e, mais recentemente, pela valorização do real, que torna as exportações brasileiras menos atrativas.
Assim, a soja, que chegou a ser negociada no porto de Paranaguá (PR) acima de R$ 200 por saca de 60 kg em março de 2022, é cotada atualmente a R$ 145 – uma desvalorização de 30% em relação ao pico, segundo dados do Cepea/USP (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada, da Universidade de São Paulo).
Já o milho chegou a R$ 104 a saca de 60 kg em março do ano passado, sendo negociada atualmente a R$ 55, uma desvalorização de 47% em relação ao pico, conforme o índice Esalq/BM&FBovespa.
E a falta de espaço para armazenagem pressiona ainda mais os preços, diz Bertolini, da Abramilho.
"Quando as cooperativas ficam sem espaço para receber a produção dos seus cooperados, o agricultor que ainda não comercializou a produção que está prestes a colher força o mercado, porque precisa se ver livre da produção que ninguém quer receber, fazendo os preços desabarem", relata.
O prejuízo aos produtores devido à falta de estrutura para processamento e armazenagem dos grãos é estimado em R$ 30,5 bilhões na safra 2022/2023, segundo cálculo de Carlos Cogo, da consultoria Cogo Inteligência em Agronegócio, citado pelo diretor da Abramilho.
"Na nossa região de Campos Gerais no Paraná, a safra passada do milho veio a R$ 100 a saca, hoje está em torno de R$ 40. Esse valor não remunera os custos de produção e a atividade passa a operar no vermelho", diz Bertolini.
"É um prejuízo ao agricultor e um desestímulo para a próxima safra, quando provavelmente haverá uma redução de área de plantio."
Segundo estimativa da Abimaq, seriam necessários R$ 15 bilhões em investimentos por ano para frear o aumento do déficit em armazenagem.
"O que falta ao Brasil é recurso para financiamento compatível com o tipo de investimento necessário", avalia Bertolini.
Ele defende a necessidade de mais verba para o PCA do BNDES (Programa para Construção e Ampliação de Armazéns do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e de que o financiamento para investimento em armazenagem chegue na ponta, aos agricultores.
Em 2022, apenas 15% da capacidade de armazenagem de grãos no Brasil estava nas fazendas, enquanto 85% estavam em áreas urbanas e industriais, administradas em sua maioria por cooperativas e traders (grandes empresas dedicadas à negociação global de commodities).
Nos EUA, em comparação, mais de 60% da capacidade de armazenagem está nas fazendas. O país tem capacidade de armazenar o equivalente a uma safra e meia, cita o diretor da Abramilho, com base nos dados da Abimaq.
Procurado, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) informou que, para a safra 2023/2024, foram destinados R$ 6,65 bilhões ao PCA.
"São R$ 2,85 bilhões para financiar armazéns com capacidade de até 6 mil toneladas, o que corresponde a 80,9% a mais de recursos comparativamente à safra 2022/2023, e R$ 3,80 bilhões para financiar armazéns com capacidade acima de 6 mil toneladas, ou 60,8% acima do que foi programado na safra passada", informou a pasta.
"Além disso, existem outras medidas para ajudar o produtor a enfrentar a defasagem, como a linha dolarizada do BNDES que oferece recursos sem limite de volume e tamanho de armazenagem para que o produtor não tenha que vender uma safra a preços baixos para colocar outra no armazém."
Já o BNDES afirmou em nota que "atento ao comportamento da demanda e às necessidades do setor, mantém aberto permanentemente o produto BNDES Crédito Rural".
"Vale destacar também que para atender aos projetos de armazenagem do segmento, além dos recursos do PCA, o BNDES também realiza operações na modalidade direta, onde o banco assume o risco de crédito", disse o banco de fomento, citando as linhas BNDES Finem e Finame Direto.
Para Beledelli, do Sindicato Rural de Sorriso, apenas ampliar o volume de financiamento não basta.
"Uma política governamental a respeito de armazenagem tem que ser implantada de forma urgente no país", defende o ruralista.
Segundo o representante do setor, é preciso também uma política de Estado para a questão logística, com a melhora das condições de transporte, principalmente através de ferrovias, e o aumento da capacidade dos portos brasileiros.
Ele defende ainda a necessidade da desburocratização para que a iniciativa privada possa fazer isso acontecer.
Ao lado da pilha, um caminhão graneleiro parece um caminhãozinho de brinquedo e um homem de capacete torna-se um pontinho quase imperceptível.
A montanha de milho ao relento, registrada na Cooavil (Cooperativa Agropecuária Terra Viva) em Sorriso, no Mato Grosso, é uma de muitas que se acumulam pelo interior do Brasil, em meio à colheita da maior safra do grão da história do país.
Segundo a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), em dados divulgados na quinta-feira (13/7), o Brasil deve produzir 128 milhões de toneladas de milho, somando as três safras do ciclo 2022/2023 — num crescimento de 13% em relação ao ciclo anterior, que já havia sido recorde.
A safra gigante tem ajudado a reduzir a inflação no país ao baratear a ração animal e o custo de produção das carnes, que já acumulam queda de preços de quase 6% no ano, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
A safra também tem contribuído para um PIB (Produto Interno Bruto) maior do que o esperado este ano e para superávits recordes na balança comercial brasileira, com o país a caminho de desbancar os Estados Unidos como maior exportador de milho do mundo.
Mas a safra recorde de milho, logo após uma safra também recorde de soja, além dos preços em baixa de ambos os grãos, resultaram em armazéns lotados e toneladas de milho armazenadas ao ar livre, expostas a temperaturas elevadas, à possibilidade de chuvas e a ataques de insetos e roedores.
O problema já aconteceu em anos anteriores, mas em 2023 está mais grave, de acordo com representantes do agronegócio ouvidos pela BBC News Brasil.
Segundo a Câmara Setorial de Armazenagem de Grãos da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (CSEAG-Abimaq), o déficit de armazenagem de grãos no Brasil cresceu de 83 milhões de toneladas em 2022 para 118 milhões de toneladas este ano — também um recorde.
A foto citada no início do texto foi cedida à BBC News Brasil pela própria Cooavil. A reportagem tentou ainda ouvir um porta-voz da cooperativa, mas não foi possível por questão de agenda.
Paulo Bertolini, diretor da Abramilho (Associação Brasileira dos Produtores de Miho), explica que o déficit de armazenagem é um problema crônico do agronegócio brasileiro, mas que vem piorando ano após ano.
Isso porque a produção de grãos brasileira tem crescido a uma média 9,4 milhões de toneladas por ano, enquanto a capacidade de armazenagem cresce praticamente a metade disso: a um ritmo de 4,8 milhões de toneladas por ano, segundo dados da Conab e da Abimaq.
Assim, com dois anos seguidos de safra recorde, a armazenagem de milho a céu aberto na segunda safra este ano acontece em volume sem precedentes.
"É bem mais do que em anos anteriores e o problema da falta de espaço para armazenagem aconteceu aqui no Paraná já na primeira safra, pela primeira vez na história", relata Bertolini.
A título de comparação, enquanto a primeira safra (colhida entre janeiro e fevereiro) somou 27 milhões de toneladas, a segunda safra (atualmente em fase de colheita) deve chegar a 98 milhões de toneladas, com um crescimento em volume de 14% em relação à segunda safra do ano passado, segundo a Conab.
Antes chamada de "safrinha", a segunda safra de milho brasileira supera a primeira desde o ciclo de 2011/2012, chegando ao dobro de volume no período 2017/2018 e a mais do que o triplo no ciclo 2022/2023.
"Agora está entrando a segunda safra, com volume bastante grande de produção, e ela encontrou os armazéns ainda repletos de soja. Então é um problema crônico, mas que esse ano se agravou substancialmente", diz o diretor da Abramilho.
"Quem mais sofre é o milho, porque ele tem um valor agregado menor do que a soja — uma saca de milho vale menos do que a metade que a de soja", acrescenta.
"E ele produz duas vezes e meia a mais por hectare, então ocupa duas vezes e meia mais espaço do que a soja ocuparia e gasta duas vezes mais tempo para secar. Então a situação do milho é mais grave, num cenário onde o Brasil não tem capacidade para processar sua produção inteira."
Além da safra recorde, a queda de preços dos grãos também explica o grande volume de milho armazenado a céu aberto este ano, diz Sadi Beledelli, presidente do Sindicato Rural de Sorriso (MT).
"Como não só o preço do milho caiu, mas o preço da soja caiu, muitos produtores não fizeram negociação de soja ainda, estão mantendo a soja armazenada [à espera de melhores preços]. Então ela está tirando o espaço que seria ocupado pelo milho nesse período", afirma.
"Nós não temos armazéns suficientes na região para armazenar as duas safras, então muitos armazéns estão colocando milho a céu aberto, do lado de fora."
Beledelli explica que isso é possível no Mato Grosso porque chuvas são raras na região nessa época do ano. Mas a partir de setembro, quando voltam as águas, será necessário colocar todo esse milho em algum lugar, diz ele.
João Pedro Lopes, analista de inteligência de mercado da StoneX, lembra que 2021 e 2022 foram anos de preços altos para os grãos.
Isso por conta de uma combinação de safras prejudicadas por questões climáticas no Brasil e no mundo; efeitos inflacionários da pandemia de covid-19; desvalorização cambial por aqui; e a guerra entre Rússia e Ucrânia, a partir de fevereiro de 2022, que afetou o embarque de grãos ucranianos e o preço de insumos agrícolas, como os fertilizantes.
Em 2023, no entanto, os preços apresentam tendência de queda acentuada, devido à expectativa de forte produção no Brasil, elevada oferta também nos Estados Unidos e, mais recentemente, pela valorização do real, que torna as exportações brasileiras menos atrativas.
Assim, a soja, que chegou a ser negociada no porto de Paranaguá (PR) acima de R$ 200 por saca de 60 kg em março de 2022, é cotada atualmente a R$ 145 – uma desvalorização de 30% em relação ao pico, segundo dados do Cepea/USP (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada, da Universidade de São Paulo).
Já o milho chegou a R$ 104 a saca de 60 kg em março do ano passado, sendo negociada atualmente a R$ 55, uma desvalorização de 47% em relação ao pico, conforme o índice Esalq/BM&FBovespa.
E a falta de espaço para armazenagem pressiona ainda mais os preços, diz Bertolini, da Abramilho.
"Quando as cooperativas ficam sem espaço para receber a produção dos seus cooperados, o agricultor que ainda não comercializou a produção que está prestes a colher força o mercado, porque precisa se ver livre da produção que ninguém quer receber, fazendo os preços desabarem", relata.
O prejuízo aos produtores devido à falta de estrutura para processamento e armazenagem dos grãos é estimado em R$ 30,5 bilhões na safra 2022/2023, segundo cálculo de Carlos Cogo, da consultoria Cogo Inteligência em Agronegócio, citado pelo diretor da Abramilho.
"Na nossa região de Campos Gerais no Paraná, a safra passada do milho veio a R$ 100 a saca, hoje está em torno de R$ 40. Esse valor não remunera os custos de produção e a atividade passa a operar no vermelho", diz Bertolini.
"É um prejuízo ao agricultor e um desestímulo para a próxima safra, quando provavelmente haverá uma redução de área de plantio."
Segundo estimativa da Abimaq, seriam necessários R$ 15 bilhões em investimentos por ano para frear o aumento do déficit em armazenagem.
"O que falta ao Brasil é recurso para financiamento compatível com o tipo de investimento necessário", avalia Bertolini.
Ele defende a necessidade de mais verba para o PCA do BNDES (Programa para Construção e Ampliação de Armazéns do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e de que o financiamento para investimento em armazenagem chegue na ponta, aos agricultores.
Em 2022, apenas 15% da capacidade de armazenagem de grãos no Brasil estava nas fazendas, enquanto 85% estavam em áreas urbanas e industriais, administradas em sua maioria por cooperativas e traders (grandes empresas dedicadas à negociação global de commodities).
Nos EUA, em comparação, mais de 60% da capacidade de armazenagem está nas fazendas. O país tem capacidade de armazenar o equivalente a uma safra e meia, cita o diretor da Abramilho, com base nos dados da Abimaq.
Procurado, o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) informou que, para a safra 2023/2024, foram destinados R$ 6,65 bilhões ao PCA.
"São R$ 2,85 bilhões para financiar armazéns com capacidade de até 6 mil toneladas, o que corresponde a 80,9% a mais de recursos comparativamente à safra 2022/2023, e R$ 3,80 bilhões para financiar armazéns com capacidade acima de 6 mil toneladas, ou 60,8% acima do que foi programado na safra passada", informou a pasta.
"Além disso, existem outras medidas para ajudar o produtor a enfrentar a defasagem, como a linha dolarizada do BNDES que oferece recursos sem limite de volume e tamanho de armazenagem para que o produtor não tenha que vender uma safra a preços baixos para colocar outra no armazém."
Já o BNDES afirmou em nota que "atento ao comportamento da demanda e às necessidades do setor, mantém aberto permanentemente o produto BNDES Crédito Rural".
"Vale destacar também que para atender aos projetos de armazenagem do segmento, além dos recursos do PCA, o BNDES também realiza operações na modalidade direta, onde o banco assume o risco de crédito", disse o banco de fomento, citando as linhas BNDES Finem e Finame Direto.
Para Beledelli, do Sindicato Rural de Sorriso, apenas ampliar o volume de financiamento não basta.
"Uma política governamental a respeito de armazenagem tem que ser implantada de forma urgente no país", defende o ruralista.
Segundo o representante do setor, é preciso também uma política de Estado para a questão logística, com a melhora das condições de transporte, principalmente através de ferrovias, e o aumento da capacidade dos portos brasileiros.
Ele defende ainda a necessidade da desburocratização para que a iniciativa privada possa fazer isso acontecer.
O voo do verme
Aquilo que os analistas políticos têm chamado de "bolsonarismo" não é mero condensado de clichês da extrema direita, mas basicamente uma rede de sinergia onde corpos vulneráveis aglutinam-se por ressentimento, em busca de "outro lado" da política e do social. Na prática, uma coxia de desconchavos que podem variar da fantasia senil de uma senadora de transformar a Ilha de Marajó num principado até a comparação estapafúrdia de professores a traficantes feita por um deputado. Ao olhar sensível, um campo vibratório de fatos negativos.
De fato, o homem, além daquilo que pensa, é igualmente o que vibra. As manifestações ao mesmo tempo sentidas e efusivas no velório do teatrólogo José Celso ilustram claramente como, até mesmo na morte, uma existência plena de criatividade e amor de mundo pode vibrar como "celebração à vida".
Nessa época em que se esfumam as fronteiras corporais entre máquinas e homens, vale ponderar também sobre analogias possíveis entre o mundo animal, em suas diferentes escalas, e o humano. Cientistas japoneses descobriram agora como um verme de apenas um milímetro consegue lançar-se a grande distância: aproveita a eletricidade natural de determinados insetos voadores para projetar-se ao ar como um ínfimo drone. Em termos breves, trata-se da formação de um campo vibratório que inclui o pequeno invertebrado e seres de maiores dimensões.
O cânone do pensamento social centra-se basicamente nas relações codificadas entre o Estado e o "socius", abrindo algum espaço para a interioridade individual. Deixa de lado o plano pouco perceptível das microinterações, no fenômeno variado da atração social, onde se podem divisar, entretanto, mecanismos sensíveis com potência de contato intersubjetivo. O corpo humano é sempre uma encruzilhada de práticas de conexão e vibração.
Esse plano abre caminho, no entanto, à compreensão de como consciências imobilizadas em estereótipos identitários possam de repente alçar-se de seus papéis congelados e revestir-se de outra imaginação de corpo próprio. O fenômeno requer um campo identificado não pelo conteúdo racionalista de noções, mas pela pulsação de fantasias primitivas: uma mobilização corporal do imaginário.
Isso é vibração que, assim como no verme pesquisado, provém da eletricidade das redes sociais. Mas não só. O campo negativista do bolsonarismo sobrevive como uma comunidade "noturna", abrigada na obscuridade dos porões, internos e externos, onde não é preciso abrir os olhos nem a consciência. Basta deixar solto o psiquismo troncho à espera do impulso vibratório.
Isso não tem provavelmente nenhum futuro político, nem sequer na direita. Mas o voo do verme pode ser socialmente corrosivo, senão fator ambiental de doença psíquica para os concidadãos.
De fato, o homem, além daquilo que pensa, é igualmente o que vibra. As manifestações ao mesmo tempo sentidas e efusivas no velório do teatrólogo José Celso ilustram claramente como, até mesmo na morte, uma existência plena de criatividade e amor de mundo pode vibrar como "celebração à vida".
Nessa época em que se esfumam as fronteiras corporais entre máquinas e homens, vale ponderar também sobre analogias possíveis entre o mundo animal, em suas diferentes escalas, e o humano. Cientistas japoneses descobriram agora como um verme de apenas um milímetro consegue lançar-se a grande distância: aproveita a eletricidade natural de determinados insetos voadores para projetar-se ao ar como um ínfimo drone. Em termos breves, trata-se da formação de um campo vibratório que inclui o pequeno invertebrado e seres de maiores dimensões.
O cânone do pensamento social centra-se basicamente nas relações codificadas entre o Estado e o "socius", abrindo algum espaço para a interioridade individual. Deixa de lado o plano pouco perceptível das microinterações, no fenômeno variado da atração social, onde se podem divisar, entretanto, mecanismos sensíveis com potência de contato intersubjetivo. O corpo humano é sempre uma encruzilhada de práticas de conexão e vibração.
Esse plano abre caminho, no entanto, à compreensão de como consciências imobilizadas em estereótipos identitários possam de repente alçar-se de seus papéis congelados e revestir-se de outra imaginação de corpo próprio. O fenômeno requer um campo identificado não pelo conteúdo racionalista de noções, mas pela pulsação de fantasias primitivas: uma mobilização corporal do imaginário.
Isso é vibração que, assim como no verme pesquisado, provém da eletricidade das redes sociais. Mas não só. O campo negativista do bolsonarismo sobrevive como uma comunidade "noturna", abrigada na obscuridade dos porões, internos e externos, onde não é preciso abrir os olhos nem a consciência. Basta deixar solto o psiquismo troncho à espera do impulso vibratório.
Isso não tem provavelmente nenhum futuro político, nem sequer na direita. Mas o voo do verme pode ser socialmente corrosivo, senão fator ambiental de doença psíquica para os concidadãos.
Do planeta imaginário para a terra real
Existe uma noção crescentemente difundida de que o nosso planeta mudou muito desde a Revolução Industrial. Ao longo dos anos, nesta crónica do JL tenho procurado documentar profusamente aquilo que o historiador John McNeill (2000) designou como “A Grande Aceleração”: o crescimento exponencial do impacto humano sobre o complexo software planetário, aumentando a sua entropia e desequilibrando os seus frágeis equilíbrios, de que depende a biosfera, incluindo a sobrevivência da nossa espécie. Contudo, mesmo entre as camadas mais educadas da população, em virtude também da visão fragmentada do mundo que nos é oferecida pelas formações académicas hiperespecializadas (mesmo dentro das ciências naturais e quantitativas), a dimensão, profundidade e significado dessa mudança é bastante vaga e imprecisa.
As políticas públicas de ambiente e clima – incluindo as suas conexões com as políticas de economia, saúde ou defesa – têm-se caracterizado pelo pressuposto não interrogado de que a crise ambiental e climática constitui um epifenómeno indesejado de um processo globalmente positivo, que pode ser corrigido através de uma convicção, também ela não questionada, acerca da essência ilimitada do nosso engenho técnico, capaz de estar à altura de todo e qualquer desafio (Soromenho-Marques & Ribeiro, 2022). Por muito dolorosos que sejam os danos colaterais, para essa visão convencional não está em causa a bondade do processo civilizacional em curso, nem a possibilidade de resolver, ou, pelo menos, atenuar substantivamente, os danos colaterais infligidos pela ação antrópica sobre o ambiente.
Em busca de uma nova visão da Terra A história da ciência moderna manifesta sem ambiguidade a natureza coletiva e institucional da empresa científica. São precisos meios materiais e humanos, organizados numa perspetiva de longo prazo. A empresa científica tem de estar associada ao sistema educativo, suportada por políticas públicas, articulada com os atores de mercado, legitimada pelo apoio da opinião pública e das organizações da sociedade civil. O processo de transição de uma visão parcelar, disfuncional, das questões ambientais para uma visão holística, integrada, capaz de oferecer representações e modelos com uma sólida base quantitativa e uma rigorosa adesão à realidade concreta, foi bastante lento e penoso. Foi preciso aproximar disciplinas e, sobretudo, pessoas de culturas académicas diferenciadas. Foi indispensável reorganizar projetos científicos, incluindo difíceis estratégias interdisciplinares e complexos modelos de financiamento.
Esse caminho começou a ser percorrido, com deliberação e consciência, por parte dos seus intervenientes, cerca da década de 1980 (o fim da guerra fria libertou meios e vontades para essa expansão). O resultado é o que hoje se designa, muitas vezes sem noção da novidade do que está em causa, a “ciência do Sistema-Terra” (Earth System science). No seu processo de construção, têm-se congregado não apenas as ciências naturais, mas também as ciências sociais e humanas (Steffen, W., Richardson, K., Rockström, J. et al, 2020).
O Sistema-Terra, ao ultrapassar uma visão especializada e fragmentar da “natureza” predominante durante séculos na cultura científica ocidental moderna, permite dar visibilidade a fenómenos e processos complexos “emergentes”, objetos que só se tornam visíveis a partir da combinação entre os domínios que, anteriormente eram encarados como áreas especializadas, tendencialmente autónomas, esse é o caso de um indicador fundamental para estudarmos as alterações climáticas, o da temperatura média global de superfície, como nos explica Will Steffen, um dos cientistas mais relevantes nas pesquisas sobre os nossos desafios existenciais:
“Basicamente, o ‘Sistema Terra’ refere-se aos processos físicos, químicos e biológicos que interagem entre si e ligam a atmosfera, a criosfera (gelo), a terra, o oceano e a litosfera. Estes processos criam ‘propriedades emergentes’ – ou seja, propriedades e características do Sistema Terra como um todo, que surgem da interação entre estas esferas. A temperatura média global de superfície é um bom exemplo – é uma propriedade do Sistema Terra como um todo.” (Steffen, W. & Morgan, J., 2021).
Uma janela para a realidade escondida Ao longo das últimas duas décadas, nomeadamente com a identificação do nosso presente como constituindo uma nova época da história geológica, isto é, do tempo longo planetário, o Antropoceno (Crutzen & 2000), essa ideia geral de um “Sistema-Terra” , de um planeta constituído não por blocos mecanicamente autónomos (como é representado na visão convencional), mas pela complexa interação e interdependência de processos, ciclos, e fluxos de matéria e energia, deu origem a um sofisticado modelo, e em permanente atualização. A Terra, modelada desse modo, compreende os seguintes campos e respetivos limites: 1) Alterações climáticas; 2) Taxa de perda de biodiversidade; 3) Ciclo do azoto/ciclo do fósforo – que compreende conjuntamente o limite do fluxo biogeoquímico; 4) Depleção do ozono estratosférico; 5) Acidificação oceânica; 6) Utilização global da água doce; 7) Alteração do uso do solo; 8) Carga atmosférica de aerossóis; 9) Poluição química (Rockström, J., Steffen, W., Noone, K. et al. 2009; Steffen, W., Richardson, K., Rockström, J., et al., 2015).
Trata-se de um autêntico painel de controlo, identificando os “limites planetários” (planetary boundaries) que não devem ser ultrapassados numa gestão prudente da nossa habitação histórica neste planeta. Um instrumento precioso para a sobrevivência, tanto mais quando é factual que em seis desses nove campos a luz vermelha do perigo já se acendeu. Parece-me desprovido de ambiguidade o desafio que a ciência do Sistema-Terra lança à política, à economia, ao direito, às relações internacionais, à ética: só conseguiremos evitar um colapso da civilização – que erguemos na base de uma fictícia visão da Terra (que considerámos, e continuamos na prática a considerar, como uma estrutura solidamente permanente e à nossa disposição para necessidades e caprichos) – se trabalharmos em conjunto, numa cooperação compulsória, imposta pela brutal realidade da encruzilhada existencial em que nos encontramos.
Que em vez disso, sejam os demónios da guerra e da discórdia, a falar mais alto, diz-nos bem, da distância gigantesca entre aquilo que é e o que deveria ser.
As políticas públicas de ambiente e clima – incluindo as suas conexões com as políticas de economia, saúde ou defesa – têm-se caracterizado pelo pressuposto não interrogado de que a crise ambiental e climática constitui um epifenómeno indesejado de um processo globalmente positivo, que pode ser corrigido através de uma convicção, também ela não questionada, acerca da essência ilimitada do nosso engenho técnico, capaz de estar à altura de todo e qualquer desafio (Soromenho-Marques & Ribeiro, 2022). Por muito dolorosos que sejam os danos colaterais, para essa visão convencional não está em causa a bondade do processo civilizacional em curso, nem a possibilidade de resolver, ou, pelo menos, atenuar substantivamente, os danos colaterais infligidos pela ação antrópica sobre o ambiente.
Em busca de uma nova visão da Terra A história da ciência moderna manifesta sem ambiguidade a natureza coletiva e institucional da empresa científica. São precisos meios materiais e humanos, organizados numa perspetiva de longo prazo. A empresa científica tem de estar associada ao sistema educativo, suportada por políticas públicas, articulada com os atores de mercado, legitimada pelo apoio da opinião pública e das organizações da sociedade civil. O processo de transição de uma visão parcelar, disfuncional, das questões ambientais para uma visão holística, integrada, capaz de oferecer representações e modelos com uma sólida base quantitativa e uma rigorosa adesão à realidade concreta, foi bastante lento e penoso. Foi preciso aproximar disciplinas e, sobretudo, pessoas de culturas académicas diferenciadas. Foi indispensável reorganizar projetos científicos, incluindo difíceis estratégias interdisciplinares e complexos modelos de financiamento.
Esse caminho começou a ser percorrido, com deliberação e consciência, por parte dos seus intervenientes, cerca da década de 1980 (o fim da guerra fria libertou meios e vontades para essa expansão). O resultado é o que hoje se designa, muitas vezes sem noção da novidade do que está em causa, a “ciência do Sistema-Terra” (Earth System science). No seu processo de construção, têm-se congregado não apenas as ciências naturais, mas também as ciências sociais e humanas (Steffen, W., Richardson, K., Rockström, J. et al, 2020).
O Sistema-Terra, ao ultrapassar uma visão especializada e fragmentar da “natureza” predominante durante séculos na cultura científica ocidental moderna, permite dar visibilidade a fenómenos e processos complexos “emergentes”, objetos que só se tornam visíveis a partir da combinação entre os domínios que, anteriormente eram encarados como áreas especializadas, tendencialmente autónomas, esse é o caso de um indicador fundamental para estudarmos as alterações climáticas, o da temperatura média global de superfície, como nos explica Will Steffen, um dos cientistas mais relevantes nas pesquisas sobre os nossos desafios existenciais:
“Basicamente, o ‘Sistema Terra’ refere-se aos processos físicos, químicos e biológicos que interagem entre si e ligam a atmosfera, a criosfera (gelo), a terra, o oceano e a litosfera. Estes processos criam ‘propriedades emergentes’ – ou seja, propriedades e características do Sistema Terra como um todo, que surgem da interação entre estas esferas. A temperatura média global de superfície é um bom exemplo – é uma propriedade do Sistema Terra como um todo.” (Steffen, W. & Morgan, J., 2021).
Uma janela para a realidade escondida Ao longo das últimas duas décadas, nomeadamente com a identificação do nosso presente como constituindo uma nova época da história geológica, isto é, do tempo longo planetário, o Antropoceno (Crutzen & 2000), essa ideia geral de um “Sistema-Terra” , de um planeta constituído não por blocos mecanicamente autónomos (como é representado na visão convencional), mas pela complexa interação e interdependência de processos, ciclos, e fluxos de matéria e energia, deu origem a um sofisticado modelo, e em permanente atualização. A Terra, modelada desse modo, compreende os seguintes campos e respetivos limites: 1) Alterações climáticas; 2) Taxa de perda de biodiversidade; 3) Ciclo do azoto/ciclo do fósforo – que compreende conjuntamente o limite do fluxo biogeoquímico; 4) Depleção do ozono estratosférico; 5) Acidificação oceânica; 6) Utilização global da água doce; 7) Alteração do uso do solo; 8) Carga atmosférica de aerossóis; 9) Poluição química (Rockström, J., Steffen, W., Noone, K. et al. 2009; Steffen, W., Richardson, K., Rockström, J., et al., 2015).
Trata-se de um autêntico painel de controlo, identificando os “limites planetários” (planetary boundaries) que não devem ser ultrapassados numa gestão prudente da nossa habitação histórica neste planeta. Um instrumento precioso para a sobrevivência, tanto mais quando é factual que em seis desses nove campos a luz vermelha do perigo já se acendeu. Parece-me desprovido de ambiguidade o desafio que a ciência do Sistema-Terra lança à política, à economia, ao direito, às relações internacionais, à ética: só conseguiremos evitar um colapso da civilização – que erguemos na base de uma fictícia visão da Terra (que considerámos, e continuamos na prática a considerar, como uma estrutura solidamente permanente e à nossa disposição para necessidades e caprichos) – se trabalharmos em conjunto, numa cooperação compulsória, imposta pela brutal realidade da encruzilhada existencial em que nos encontramos.
Que em vez disso, sejam os demónios da guerra e da discórdia, a falar mais alto, diz-nos bem, da distância gigantesca entre aquilo que é e o que deveria ser.
Assinar:
Postagens (Atom)