quinta-feira, 12 de setembro de 2019
Política ambiental de Bolsonaro pode queimar acordo Mercosul-UE
A disputa sobre como reagir à política ambiental de Bolsonaro apenas começou, mas já causou divisões públicas entre ministros do Governo, algo raro na política alemã. Quando o ministro de Cooperação Internacional da Alemanha, Gerd Müller, visitou o Brasil em julho e se reuniu com Ricardo Salles para debater a demanda brasileira de alterar a estrutura de governança do Fundo Amazônia, o alemão demonstrou preocupação, mas também otimismo quanto à superação das divergências entre os dois países. Reagindo à pressão de movimentos ambientalistas, porém, a ministra alemã do Meio Ambiente, Svenja Schulze, anunciou paralelamente que congelaria o financiamento de projetos ambientais no Brasil. Apesar de eles não terem relação com o Fundo Amazônia, criou-se a percepção de que o Governo alemão não tem uma posição unificada sobre o tema. Não ajudou em nada o fato de a ministra alemã da Agricultura, Julia Klöckner, parecer apoiar uma postura mais dura, ao afirmar que, nas atuais condições, se oporia à ratificação do acordo. Müller publicamente respondeu, afirmando que ameaças públicas contra Bolsonaro não levariam ao resultado desejado. Afinal, o objetivo não era punir o Brasil, mas proteger a Amazônia.
Tanto associações de indústria alemã, de olho no grande mercado do Mercosul, quanto o Ministério das Relações Exteriores alemão têm trabalhado assiduamente para evitar o descarrilamento do acordo. Além dos ganhos econômicos, as implicações geopolíticas do pacto são vistas como ainda mais importantes, e a diplomacia alemã enxerga na América Latina um parceiro importante na defesa do multilateralismo. Entre diplomatas alemães, a conclusão do acordo foi comemorada como um sinal de repúdio à política protecionista de Donald Trump. Em maio, o ministro alemão das Relações Exteriores, Heiko Maas, convidou mais de vinte chanceleres latino-americanos a Berlim para acelerar a aproximação entre as duas regiões. Na ocasião, explicou que tanto Europa quanto a América Latina enfrentam o mesmo desafio: como operar em um mundo cada vez mais imprevisível, marcado por tensões crescentes entre Washington e Pequim.
Em conversas em off, porém, diplomatas, deputados e representantes da indústria alemã a favor do acordo expressam frustração com as declarações do presidente brasileiro. “Ele precisa entender que essa retórica radical é um presente para aqueles que buscam inviabilizar a ratificação", lamenta um diplomata alemão. “Bolsonaro realmente não nos ajuda. Não o entendo”, afirma, lembrando que não seria a primeira vez que a sociedade alemã se mobiliza contra um acordo comercial. Preocupados com segurança alimentar, mais de 250.000 alemães tomaram as ruas em 2015 para protestar contra um acordo entre a União Europeia e os Estados Unidos, apesar dos ganhos econômicos enormes que teria produzido para a Alemanha. Petições públicas já estão circulando na internet, pedindo a não-ratificação do acordo com o Mercosul e até mesmo sanções econômicas contra o Brasil. “Uma vez que começa, é difícil conter”, diz um diplomata em tom de resignação e cita os casos da H&M e da VFcorp, proprietária da Timberland, Vans e The North Face, que anunciaram a suspensão de compras do couro brasileiro.
Conscientes do risco, líderes do agronegócio brasileiro começaram a pressionar o Governo Bolsonaro para que modere seu discurso e adote postura ambiental mais pragmática. As dificuldades de coordenação entre os apoiadores alemães e brasileiros do acordo se devem, em parte, ao desconhecimento dos alemães sobre a profunda preocupação de Bolsonaro e dos militares com a soberania brasileira sobre a Amazônia. Eleitores e políticos na Alemanha estranham a retórica nacionalista do ex-capitão em resposta às críticas internacionais. A acusação de que a preocupação com a Amazônia seria uma tentativa de questionar o controle brasileiro sobre a floresta gera perplexidade. “Nossa, não fazia ideia”, declarou incrédulo o chefe de gabinete de um deputado alemão. A campanha do Governo Bolsonaro para resgatar a imagem do Brasil no exterior, carbonizada por causa dos incêndios na Amazônia, enfatizou o tema da soberania brasileira sobre a maior floresta tropical do mundo e, portanto, não fez nenhum sentido para os alemães.
Ao avaliarem como pouco provável uma mudança fundamental na política ambiental do Governo brasileiro, os defensores da ratificação do acordo Mercosul-União Europeia torcem por um processo célere de aprovação. Se ele ultrapassar a data prevista (entre 2020 e 2021), ampliam-se as chances de maior resistência contra o pacto entre as duas regiões. “Até lá, quanto menos Bolsonaro aparecer na mídia europeia, melhor”, avalia um jornalista alemão. Parafraseando o ditado popular, o silêncio é a alma do negócio.
Oliver Stuenkel
Todo dia é dia de falar sobre George Orwell
Voltei a pensar em George Orwell com uma notícia recente: a versão em quadrinhos de sua Revolução dos Bichos , feita pelo artista Odyr, ganhou o HQMix de Melhor Adaptação para Quadrinhos . Ainda não tive a chance de conferir o trabalho, mas qualquer iniciativa que nos faça falar de George Orwell é válida — trata-se de um dos escritores mais urgentes do momento, para todo o espectro político e todas as latitudes.
Antes de tudo, devido à sua obra. Não apenas Revolução dos Bichos e 1984 , tão clássicos que já correm o risco de ossificação, pisados e repisados a cada sinal de fechamento e escalada autoritária mundo afora, como na última semana no Brasil; também os ensaios de Orwell merecem leitura. Há, por exemplo, a coletânea O que é fascismo? , da Companhia das Letras (que publica a obra do escritor no Brasil), lançado em 2017 quase como um prenúncio do país de hoje, cujos poderes falam de recolhimento de livros ou esgotamento das vias democráticas.
Quem já estiver um pouco cansado de política, da face institucional dela, também encontra boas opções, que nutrem o pensamento e revigoram o espírito, em livros como Na Pior em Paris e Londres e Como Morrem os Pobres e outros ensaios. O primeiro traz um relato das vivências de Orwell nas capitais francesa e inglesa, sem muito mais que uns poucos tostões e a necessidade de não sucumbir ao frio, à fome, à fadiga. Embora na superfície pareça tão diferente da ficção especulativa de 1984 ou da sátira política de Revolução dos Bichos , o livro tem tudo a ver com a obra orwelliana, já que é seu ponto de partida, seu Big Bang: nele o autor elaborou seu olhar crítico, meio à margem, e sua vontade de concretude, seja na linguagem, seja nas situações retratadas. Encontrou sua voz e seu ponto de vista.
Mais diversa e por vezes ainda mais direta, a coletânea de ensaios Como Morrem os Pobres mostra Orwell em grande forma, com textos potentes e de uma atualidade impressionante. Desde uma frase pontual (“Em nosso tempo, o discurso e a escrita política são, em grande medida, a defesa do indefensável”, como se lê em “A política e a língua inglesa”) até raciocínios mais gerais, o livro corre o risco de acabar todo rabiscado, páginas e páginas sublinhadas, anotadas e comentadas, como se o movimento incessante do lápis pudesse reverter as letras em voz, em busca de alguma luz, de alguma clareza para entender o mundo de Orwell, que ainda é o nosso em muitos aspectos decisivos.
Nem tudo é perfeito em Orwell, obviamente. Há comentários e pontos de vista que podem nos parecer problemáticos, ainda mais se não considerarmos o contexto. Em Como Morrem os Pobres , por exemplo, seu ensaio em defesa das lareiras a carvão soa questionável se o lermos de modo anacrônico, com as preocupações ecológicas de hoje, quando combustíveis fósseis se tornaram um fator evidente do colapso climático. Há outro aspecto problemático no ensaio: Orwell faz uma defesa tradicionalista, de um idílio familiar, com pai, mãe e crianças em torno da lareira, que parece meio piegas, ou acrítica, à beira de um saudosismo potencialmente nocivo.
Mas é um problema menor, muito menor. Em questões bem mais espinhosas, e nas quais seus contemporâneos com frequência destilaram preconceitos, barbaridades e mentiras, Orwell demonstrou um exame preciso e uma crítica aguda. O autor inglês olhou a fundo três das maiores mazelas do século XX – o colonialismo europeu, o nazifascismo e o stalinismo – e as denunciou de modo aberto e incisivo, quando isso estava longe de ser o óbvio (chegou a pegar em armas, quando foi lutar na Guerra Civil Espanhola contra as tropas de Franco). Criticou essas tiranias com escritos que tampouco aliviaram a barra da exploração econômica sob o capitalismo, conforme se lê em Na Pior em Paris e Londres . Mais do que isso, Orwell estava atento aos elos entre as várias espécies de tirania, como elas se entrelaçavam e podiam se sustentar mutuamente: a penúria indiana, por exemplo, tinha tudo a ver com a pujança inglesa, e vice-versa. Soa atual?
É por isso e por outras razões que penso em Orwell várias vezes ao dia, em geral na forma de uma interrogação. Não me pergunto o que ele faria ou o que diria; seus textos estão aí, basta relê-los e ficar atento à coerência para extrair conclusões. Penso em Orwell, mas penso em especial nas suas circunstâncias: que escritor ele teria sido em outra época? Se tivesse vivido tempos menos turbulentos, menos cindidos, menos incendiários, ele teria escrito de outra forma? Penso em Orwell e percebo que sua figura embaralha essas perguntas e as deixa de lado, abrindo espaço para a que realmente interessa: como viver e agir à altura dos desafios do tempo em que nascemos? Com que princípios, com que ferramentas?
Silêncio do capitão sobre Carluxo diz muita coisa
A essa altura, bem mais desconcertante do que o barulho que se formou em torno da declaração golpista de Carlos Bolsonaro é o silêncio do presidente da República. "Por vias democráticas", escreveu Carluxo, "a transformação que o Brasil quer não acontecerá na velocidade que almejamos." Diante do despautério do filho, Jair Bolsonaro decidiu que o melhor a fazer é não comentar. Até os surdos conseguem ouvir a eloquência da mudez de Bolsonaro.
Há concordância no silêncio do presidente. Se subisse no caixote das redes sociais para desautorizar o filho Zero Dois, Bolsonaro teria de realçar meia dúzia de virtudes da democracia. Mas ele já deu inúmeras demonstrações de apreço pela ditadura e pelos ditadores.
Há pragmatismo no silêncio de Bolsonaro. Com a popularidade em declínio, convém à sua imagem a desculpa verbalizada pelo filho de que "a transformação que o Brasil quer" não chega "na velocidade que almejamos", porque a roda da democracia está com defeito e os que sempre nos dominaram "continuam nos dominando de jeitos diferentes".
O que falta a Bolsonaro é perceber que há também no seu silêncio uma boa dose de estupidez. Ninguém imaginaria que, eleito, o capitão abandonaria do dia para a noite o hábito de virar a mesa para sentar-se em torno dela. Mas é preciso notar que há sobre a mesa três problemas: uma crise econômica, uma falência moral e uma sociedade estilhaçada. O flerte com a ruptura institucional, além de não fazer sucesso no Brasil de hoje, não trará de volta os empregos, não restaurará a moralidade e não pacificará o país. Alguma sensatez não faria mal a ninguém.
Reforma política: reformar o quê, quando, para quê?
Entre as reformas positivas, eu começaria por mencionar a própria Constituição de 1824, muitas vezes debatida em tom de chacota, mas que teve o mérito, nem mais nem menos, de encaminhar nossa evolução política na direção do moderno Estado constitucional, devendo-se também observar que os órgãos legislativos e judiciários que tal evolução pressupõe foram imediatamente instalados.
Outra alteração notável foi a de 1840, que muitos historiadores, incorrendo mais uma vez no pecado do anacronismo, denominam “o golpe da maioridade”. Ao autorizar a ascensão ao trono de um adolescente de 15 anos, o referido “golpe” teve o condão de encerrar quase instantaneamente a onda de rebeliões e pequenas guerras civis regionais que se configurara durante o período regencial (1831-1840), cujo prosseguimento poderia pôr em risco nossa unidade territorial.
Entre as mudanças negativas, a pior foi, sem dúvida, o autogolpe desfechado por Getúlio Vargas no dia 10 de novembro de 1937, o famigerado Estado Novo, a única vez em que o regime representativo e os mecanismos institucionais que o legitimam foram inteiramente erradicados em nossa história.
No passado recente, a tentativa mais ambiciosa foi a do Congresso Constituinte de 1987-1988, precedida pelos estudos levados a cabo durante quase um ano pela Comissão Afonso Arinos (Comissão Provisória de Estudos Constitucionais), nomeada pelo presidente José Sarney. Tratava-se, na ocasião, de reorganizar constitucionalmente o País após 21 anos de governos militares, convocando toda a sociedade a participar do processo a fim de lhe conferir o máximo possível de legitimidade.
Natural, portanto, que todo o leque de questões pertinentes fosse aberto, dando ensejo a um debate público que equivalia praticamente a um reexame de toda a experiência histórica iniciada em 1824. Do ponto de vista institucional, no entanto, uma preocupação – a da estabilidade do novo regime democrático – destacava-se claramente sobre as demais, e nem poderia ser diferente, uma vez que Brasil, Argentina e Chile mal saíam de interregnos autoritários. E que outras experiências desse tipo se insinuavam no cenário latino-americano – poucos anos depois, o Peru sucumbiria ao fujimorismo e a Venezuela, ao chavismo.
Esta breve evocação das preocupações daquela época se afigura imperativa neste momento, dado o sentimento generalizado de que cedo ou tarde teremos de encarar novamente o desafio da reforma política. Dados, também, os cenários doméstico e internacional que ora se descortinam, com referências quase diárias a um suposto “fim da democracia representativa” e com tendências de fato preocupantes em diversos países. Nos Estados Unidos, por exemplo, a disputa entre Donald Trump e Hilary Clinton configurou-se como um enfrentamento raivoso, bem o oposto da garantia que os estudiosos políticos daquele país sempre nos deram: a de que a eleição presidencial sempre favoreceria a moderação e a convergência, forçando os radicais e furibundos a se contentarem com o apoio de faixas minoritárias da sociedade.
No quadro atual, é indispensável considerar que uma reforma política que se preze deve levar em conta pelo menos três critérios, ou perspectivas, examinando meticulosamente as interligações e eventuais contradições que entre eles se estabelecem. Refiro-me, em primeiro lugar, ao já referido critério da estabilidade, vale dizer, ao imperativo de reduzir ao mínimo possível as chances de ruptura da ordem constitucional e a consequente imposição de fórmulas ditatoriais.
Segundo, o critério da governabilidade, vale dizer, o da eficácia do sistema político em seu conjunto na produção das políticas públicas e, principalmente, na efetivação de reformas estruturais, que de tempos em tempos se faz necessária.
Terceiro, o critério da representatividade, da identificação ou não do eleitorado com seus representantes, questão que remete invariavelmente ao debate sobre o voto distrital e à desproporcionalidade entre as populações de certos Estados e as respectivas bancadas na Câmara dos Deputados (agravada pela representação igual de três parlamentares por Estado no Senado Federal).
Retrocessos ditatoriais geralmente decorrem de uma combinação de fatores, como crises econômicas, acirramento do embate entre partidos ou grupos ideológicos, personalidades destemperadas ocupando posições elevadas na estrutura de poder e, por último, mas não menos importante, sistemas de governo propícios à instabilidade, como o é o sistema presidencial.
Nesse aspecto, a situação brasileira atual é profundamente diferente daquela que vivenciamos nos anos 80 do século passado. Hoje, o que nos preocupa não é apenas a memória de retrocessos passados, mas a alta probabilidade de que possamos sucumbir a situações ainda mais graves num futuro não muito distante. Somos, como é de conhecimento geral, um país enredado na “armadilha do baixo crescimento”, incapaz de elevar sua renda anual por habitante a um nível compatível com a assustadora acumulação de problemas na sociedade. Direta ou indiretamente, tudo isso tem que ver com a governabilidade, vale dizer, com a constatação de que o sistema político tem grande parte de seu potencial travado por acoplamentos disfuncionais de mecanismos institucionais específicos.
Nesse aspecto, como ninguém ignora, o Brasil é um caso de alto risco, na medida em que associa o regime presidencial, com sua característica rigidez, a um sistema de partidos que é sabidamente o mais fragmentado do mundo.
Riso mostra os dentes
O riso é uma grande rasteira, e é poder. Infelizmente, não destitui governos, mas é muito eficaz a demonstrar os erros do poderMaria Rueff
O uivo das estrelas mortas
Se quiséssemos aqui, no Brasil, na América Latina e até na velha Europa, descrever o panorama político atual, poderíamos escolher a semelhança do que está acontecendo no cosmos, onde especialistas explicam que “o centro da nossa galáxia está cheio de estrelas jovens e velhas, buracos negros e outras variedades de cadáveres estelares, um enxame inteiro ao redor de um buraco negro supermassivo chamado Sagitário A.”
Além disso, muitas dessas estrelas, como entre os políticos, apesar de estarem mortas, poderiam “estar uivando” e se alimentando de estrelas companheiras, dizem os astrofísicos. Uivos metafóricos que assustam igualmente.
O Brasil vive, de fato, neste momento, um cataclismo estelar no qual se ouvem ecos de autoritarismo e nostalgias de ditaduras passadas que nem sequer são dissimulados. Na segunda-feira, Carlos, um dos três filhos políticos do presidente Bolsonaro, vereador da importante Câmara Municipal do Rio de Janeiro, provocou um terremoto ao escrever nas redes: “a transformação que o Brasil quer não acontecerá pelas vias democráticas”. A alusão à necessidade de usar métodos ditatoriais era evidente. O vereador continuou escrevendo: “Só vejo todo dia a roda girando em torno do próprio eixo e os que sempre nos dominaram continuam nos dominando de jeitos diferentes”.
Felipe Santa Cruz, atual presidente da OAB, cujo pai é um dos desaparecidos durante a ditadura militar, declarou: “Não podemos aceitar uma família de ditadores”, e acrescentou: “A família Bolsonaro tem uma história de declarações a favor da ditadura militar de 64 a 85”. Da ditadura e da tortura, sempre exaltada por Bolsonaro.
E é verdade que a gravidade das declarações de Carlos Bolsonaro não pode ser vista como um deslize pessoal do jovem político que já era vereador aos 17 anos. O mais grave é que seu pai, o presidente do Brasil, que estava se recuperando naquele momento em um hospital em São Paulo de uma operação de hérnia e postava fotos andando pelo corredor do hospital, não teve uma única palavra de repreensão às declarações do filho, a quem chama de pit bull, seu cão de guarda. O vereador ficou famoso quando o protocolo lhe permitiu acompanhar, no banco traseiro do Rolls Royce presidencial, as duas vezes que Bolsonaro o usou junto com a esposa, Michelle, a primeira-dama: no dia do desfile da posse como presidente e dias atrás, durante o desfile solene do aniversário da Independência.
O grave é que hoje no Brasil todos sabem que quem governa não é apenas o capitão da reserva, Jair Bolsonaro, mas também seus três filhos: o senador Flavio, o deputado federal Eduardo e o dinâmico vereador, Carlos, considerado o gênio da Internet e quem organizou a campanha das eleições presidenciais nas redes sociais. Acaba de pedir afastamento como vereador para se dedicar, certamente, de novo a adestrar nas redes os seguidores mais fanáticos e fiéis que estavam diminuindo com a queda vertical na popularidade do presidente, que chegou a 29%, algo que nunca aconteceu nos primeiros oito meses de Governo com nenhum dos ex-presidentes da democracia.
Há quem defenda hoje que os poetas deveriam parar de usar palavras como estrelas, lua ou sóis em suas composições. Esquecem-se de que poucas realidades evocam, até na política, tantas imagens e tantas metáforas quanto o mistério do cosmos. Não por acaso são os cientistas que nos lembram que nós, humanos, “somos feitos do mesmo pó das estrelas”. Somos pedaços do universo.
E se o céu estelar, que tanto fascina grandes e pequenos, nunca poderá abandonar as imagens da criação poética, tampouco deveria fazê-lo o complexo e confuso mundo da política que também está povoado, por exemplo, de estrelas que já não existem embora acreditamos que estão vivas. E o pior é que mesmo mortas continuam uivando ameaçadoras e se alimentando dos vivos.
É verdade, de acordo com a ciência, que existem estrelas que fascinam com seu brilho e, no entanto, já não existem. Já estão, como acontece com muitos políticos em todos os níveis de poder, mortas, embora ainda vorazes. E esses políticos são hoje o centro do nosso pessimismo. Eles acreditam que estão vivos, querem comer o mundo, fazê-lo retroceder aos tempos dos extermínios e dos escravos, e ainda uivam nas noites das longas facas de traições e conspirações.
E se é o pessimismo da razão e do coração que nos arrasta até desprezar a nobre arte da política que sempre governou o planeta, também existe não digo o otimismo, que é uma palavra de que não gosto, mas a esperança de que, também ao contrário, existam estrelas no cosmos que já nasceram e estão vivas, embora sua luz distante ainda não tenha chegado a nós. É a esperança de que algo novo esteja vindo, sem uivos e traições, mas com cantos de paz e de diálogo, e com a vontade de criar um mundo menos desumano para que as estrelas que um dia chegarão, em vez de uivar gritos de velhas guerras, nos cantem versos de vida.
Penso que hoje aqui no Brasil, um país que vive um momento mais de uivos de estrelas mortas e ainda vorazes do que de hinos de liberdade, vejo com alegria que os vivos, de todas as vertentes, estão se reunindo em um grande abraço contra a barbárie que lhes querem impor. Vimos isso na reação maciça e nacional, especialmente dos mais jovens, contra a arbitrariedade do prefeito evangélico do Rio, Marcelo Crivella, que mandou policiais à grande festa da Bienal do Livro, visitada por milhares de crianças, para recolher um livro de literatura infanto-juvenil, de história em quadrinhos, em que dois jovens se beijam.
E estamos vendo essa reação contra os políticos estrelas mortas seguidores do violento e autoritário capitão, que gostaria de transformar o país em uma teocracia presidida pela Bíblia e não pela Constituição e em um país armado com licença para matar. Um país sem liberdade de expressão no qual ele zomba abertamente da defesa dos direitos humanos que sonharia abolir.
Justamente, as perigosas afirmações do filho de Bolsonaro insinuando que seu pai não poderá transformar este país “por vias democráticas” aconteceram quando jornalistas e intelectuais de todas as formações políticas e de todos os grandes jornais se reuniram na importante Universidade de São Paulo (USP) para reafirmar o direito à liberdade de expressão e contra qualquer tipo de censura ou ameaça à imprensa. Carla Jiménez, diretora do EL PAÍS Brasil, insistiu, por exemplo, na necessidade de que os jornalistas se tornem “uma caixa de ressonância”, já que acrescentou: “Não temos o direito de claudicar”.
O Brasil, que de repente se viu golpeado por medidas autoritárias e ilegais que pressagiam um perigo para as liberdades, começou a acordar. A responsabilidade é grande. A História nos ensinou no passado como é fácil, de escorregão em escorregão, sem capacidade de reagir, acabarmos afundados no abismo.
O NÃO às feridas contra as liberdades conquistadas democraticamente e contra a Constituição, que de laica se deseja transformar em confessional, tem de ser claro e vigoroso se não quisermos chorar amanhã, ou que o façam aqueles que nos seguirão, por nossa cumplicidade com a política vista mais como um conjunto de estrelas mortas do que como um cosmos que se move nesse maravilhoso equilíbrio cujo milagre nos surpreende quanto mais o conhecemos.
O cosmos fascina porque seu mistério e sua grandeza nos emocionam. Nada nele, dizem os astrofísicos, é banal. Transpondo para o nosso mundo político, poderíamos dizer que aqui estamos nos antípodas dessa grandeza. Hoje, nela, como o filósofo Alain Deneault acaba de denunciar, o que prima é a “mediocracia” e “o que realmente importa não é evitar a estupidez, mas adorná-la com a aparência de poder”. São as alucinações das estrelas mortas que ainda se permitem nos assustar com seus uivos.
Brasileiros estão menos felizes em 2019
No Brasil, 61% dos entrevistados consideram-se muito felizes ou felizes – uma queda de 12 pontos percentuais em relação à última edição, feita em 2018, quando o resultado foi de 73%. No mundo, o índice de felicidade também caiu de 70% para 64%.
"Toda vez que há uma eleição presidencial, vemos uma renovação dos ânimos, então 2019 começou com expectativas e depois houve uma frustração.", explica Sandra Pessini, diretora da Ipsos. "Existe uma correlação bem forte entre a confiança na economia e a percepção de felicidade. E a demora na retomada econômica impacta muito a vida e o dia a dia das pessoas."
"Mas há frustração não só com o governo e com a economia em si. Sabemos que tragédias e a polarização política também impactam essa percepção."
A pesquisa, chamada Global Happiness Study ou Estudo Global da Felicidade, foi divulgada nesta quarta. Foi feita online com 20,3 mil entrevistados em 28 países, entre 24 de maio e 7 de junho de 2019. Foram mais de 1.000 entrevistados no Brasil e a margem de erro no país é de 3,5 pontos para mais ou para menos.
Por se tratar de uma pesquisa online, o estudo da Ipsos é representativo da população conectada, que no Brasil é 70% do total.
A Austrália e o Canadá são as nações com o melhor índice, onde 86% dos entrevistados se consideram felizes.
Em seguida vêm a China e o Reino Unido, onde o índice de felicidade é 83% – no caso britânico, o número parece estar desconectado do contexto político conturbado, em meio às negociações sobre a saída da União Europeia, o chamado Brexit.
Pessini explica que peso da questão política para os britânicos é menor para a felicidade pessoal (52%) do que para os brasileiros (67%). A pesquisa foi feita entre meio e junho deste ano, antes de Boris Johnson assumir o cargo de primeiro-ministro.
O país analisado com o menor índice de felicidade é a Argentina, com 34%. Por lá, o índice caiu 22 pontos desde o ano passado.
Quase todos os países estudados nas Américas registraram queda na porcentagem de adultos felizes. Além dos brasileiros e argentinos, também estão mais infelizes os chilenos, os americanos e os mexicanos. Somente as pessoas no Canadá e no Peru estão mais felizes – o aumento foi de 5 e 4 pontos, respectivamente.
A saúde e o bem-estar físico são considerados muito importantes como fonte de felicidade para 65% dos brasileiros, ocupando o primeiro lugar entre as 29 fontes de felicidade citadas na pesquisa.
Em segundo lugar está ter um emprego que faça sentido (62%), seguido por sentir que a vida faça sentido (59%).
Depois estão segurança pessoal, sentir que estou no controle da minha vida, minha condição de vida, ter mais dinheiro, minha situação financeira pessoal, e meu bem-estar religioso ou espiritual, todos empatados com 57%.
Esse ranking brasileiro é um pouco diferente do global, onde filhos (48%) e a relação com o parceiro (48)% aparecem entre entre as cinco principais fontes de felicidade para a maioria dos entrevistados.
A saúde é o fator principal de felicidade no mundo todo, explica Pessini. Ela afirma que, entre as diferenças no ranking de fontes de felicidade apontadas pelos brasileiros, se destaca o fato de "ter um emprego que faça sentido" estar em segundo lugar entre as fontes mais importantes.
"No resto do mundo essa fonte só aparece em sexta ou décima posição. No momento atual, em que sabemos que desemprego é alto, em que muitas pessoas aceitaram um emprego que não era o que sonhavam ou com condições que não eram as ideais, é bem significativo que os brasileiros coloquem esse fator como tão importante."
Positivismo tosco
O mesmo pensamento teve papel marcante nos primórdios da República, por meio do coronel e professor da Academia militar, Benjamin Constant. Seu positivismo se contrapunha a visão liberal de Rui Barbosa, também membro do governo de Deodoro da Fonseca.
Inspirados nas concepções de Augusto Comte – pai do positivismo - Benjamin e seus seguidores defendiam abertamente uma ditadura como condição necessária para o desenvolvimento do país. A força desta corrente está presente no lema de nossa bandeira: ordem e progresso.
O tenentismo dos anos 20, o Estado Novo de Getúlio Vargas e os governos militares dos anos de chumbo se atribuíram a missão de regenerar a sociedade e de promover o progresso, inspirados na cartilha do positivismo.
Em seu twitter, Carlos Bolsonaro mergulhou nessas águas, ao afirmar que “por vias democráticas a transformação que o Brasil quer não acontecerá na velocidade que almejamos”. Ora, se não é pela via democrática, só pode ser pela vida autoritária e ditatorial. O “zero dois” não tem a sofisticação intelectual nem a envergadura de um Benjamin Constant ou de um Julio de Castilhos, mas a matriz autoritária e antidemocrática é a mesma. Com o agravante de talvez vocalizar aquilo que seu pai pensa.
O Bolsonarismo faz tábula rasa sobre o período da Nova República, reduzindo-o a 30 anos de degradação moral, de fracassos econômicos e degeneração política. Isso realmente ocorreu, sobretudo no período lulopetista que deturpou princípios caros à democracia e resultou na eleição do atual presidente. Bolsonaro ignora os avanços ocorridos tanto na economia como na política e no terreno social, muitos deles consagrados na Constituinte de 1988, esse “estorvo” que para os Bolsonaro limita seus passos.
O presidente julga-se predestinado a regenerar o Estado e a sociedade por meio de sua “revolução conservadora” como prega seu Rasputin, Olavo de Carvalho. Por enquanto adota a estratégia de testar as instituições e os outros poderes para saber até onde pode esticar a corda.
Na essência a estratégia é a mesma de Victor Orban, Matteo Salvini, Boris Johnson, Donald Trump e outros expoentes da onda nacional-populista que varre o mundo. Nela os ritos democráticos são mantidos, mas os fundamentos da democracia e suas instituições são implodidos por dentro.
A frase lançada no ar pelo “zero dois” não se deveu à ingenuidade, é um movimento calculado. Espelha-se no que aconteceu na Itália há poucos dias quando Matteo Salvini, líder da extrema-direita, tentou forçar novas eleições para obter pleno poderes, algo que só Mussolini obteve na história moderna da Itália. Indiretamente, Carlos Bolsonaro passou a mensagem: as transformações só virão na velocidade desejada se seu pai, presidente da República, tiver plenos poderes.
A ideia de alavancar o progresso por meio de ditaduras redundou em grandes tragédias. Hitler, Mussolini, Pinochet, Stalin, deixando uma pesada herança para as gerações futuras. Isto quando não perpetuaram o atraso, como aconteceu na Espanha de Franco e no Portugal de Salazar. No Brasil, sabemos todos o preço dos anos de chumbo.
Não se nega que a democracia tem seus problemas. Mas a solução não se dará pelas vias tortuosas do autoritarismo e sim com mais democracia.
Quem é o primeiro a parar as máquinas?
Os sinais são claros: as máquinas do aquecimento global estão ligadas e o navio das alterações climáticas está em marcha – e, ainda por cima, já numa espécie de velocidade de cruzeiro. Os indicadores da temperatura média global, medidos pelos principais organismos científicos mundiais, mostram um aumento ritmado e constante, ano após ano, em especial desde o início deste século. É uma marcha que, até ao momento, ainda não deu qualquer sinal de abrandamento, antes pelo contrário.
Há uma constatação que, por causa disto tudo, vale sempre a pena repetir: temos feito mais mal ao planeta desde que estamos informados sobre as consequências das nossas ações do que em todo o resto da História da Humanidade. As contas são claras: emitimos, nos últimos 30 anos, mais gases com efeito de estufa para a atmosfera do que em todo o resto da existência humana na Terra. E conhecemos também, com atualizações permanentes, os cenários que podem ocorrer no planeta no prazo de poucas décadas, caso a temperatura média global aumente 1,5 ou 2 graus face ao período pré-industrial.
Estamos informados, mais bem informados do que nunca, mas não aprendemos nada – é essa a verdade. Sabemos tudo o que pode acontecer, mas andamos há anos a pensar que a subida do nível das águas, os furacões de grau 6, o degelo das calotes polares e tantos outros cenários previstos pela Ciência só irão ocorrer daqui a muitos anos, já não nas nossas vidas. Só que, começamos agora a perceber, esse era o cenário mais otimista, aquele que os últimos acontecimentos demonstram que já perdeu o seu prazo de validade. As previsões, nos últimos tempos, têm sido atualizadas de forma repetida e sempre para pior: fenómenos que se esperavam só ocorrer daqui a quatro ou a cinco décadas – como o degelo da maior parte da superfície da Gronelândia – estão a acontecer já nos dias de hoje. Muito mais cedo do que se pensava. Ou seja, as vítimas de algumas das maiores catástrofes previstas não serão já as gerações futuras, mas os adolescentes e jovens de hoje, que serão confrontados com os piores cenários ainda durante o seu ciclo normal de vida.
Só há uma maneira de evitar a catástrofe: desligar as máquinas e tentar fazer diminuir a velocidade de cruzeiro do navio do aquecimento global. Literalmente: todas as máquinas que trabalham com combustíveis fósseis. Mas sempre com a consciência de que, mesmo depois de desligadas as máquinas, o planeta vai continuar a sua marcha de aquecimento e que demorará muitos anos até a tendência se inverter.
E, quando isso suceder, nada será igual ao que era. Quem desliga as máquinas primeiro? É essa a pergunta que precisa de ser feita. Sabe-se que, para evitar males maiores, precisamos de ter um mundo com zero emissões de gases com efeito de estufa em 2050. Para atingir essa meta, será necessário começar a desligar as máquinas muito mais cedo, substituindo o carvão e o petróleo por energias limpas, alternativas.
Se quiser continuar a manter a sua influência num mundo mais fragmentado e dividido entre duas superpotências, a Europa tem aqui uma oportunidade que não devia perder: dar o exemplo e ser o primeiro bloco a desligar as máquinas e a conseguir a neutralidade carbónica, ainda antes de 2050. Em nome dos seus valores do passado e, acima de tudo, como projeto de futuro.
Difícil escapar das bolsonarices
Ao dizer que a transformação que julga necessária para o Brasil não virá pela via democrática na velocidade almejada, Carlos Bolsonaro exerceu no limite a tolerância da democracia. Em qualquer outro regime, ele seria preso ou no mínimo teria seu mandato cassado se atacasse a base desse regime. O filho do presidente mais uma vez falou com o intestino, o que não surpreende mais. Se houvesse no Brasil força para interromper a democracia, o que não há, o primeiro a perder seria o próprio Jair Bolsonaro. Ou será que Carlos imagina que se daria um golpe antidemocrático para entregar ao capitão mais poder? Uma ruptura institucional só ocorreria com a deposição do presidente, deste presidente.
De resto, a declaração apenas reitera o desapreço que o Zero Dois e seus irmãos têm pelo contraditório (um deles sugeriu, antes da eleição, que o STF poderia ser fechado por um cabo e um soldado). Tão logo Carlos proferiu a asneira, as redes trovejaram sobre o filhote presidencial, e ele então voltou suas baterias contra quem? Contra os jornalistas. E tentou se explicar. Ficou ridículo. Nas suas palavras: “O que falei: por via democrática as coisas não mudam rapidamente. É um fato (...) O que os jornalistas espalharam: Carlos Bolsonaro defende a ditadura. Canalhas!”. Essa é a beleza da democracia. Até mesmo vilipêndios proferidos contra ela são por ela tolerados.
Todo mundo, à exceção dos que estão incondicionalmente com os Bolsonaro e não enxergam muito mais do que um palmo adiante do nariz, reagiu ao insulto proferido contra a democracia. Desnecessário, portanto, listar os que lamentaram a declaração desprezível. Mas vale a pena anotar o que disse um general, o vice-presidente Hamilton Mourão. Para ele, democracia, com capitalismo e sociedade civil forte, é pilar da civilização. “Temos que negociar com a rapaziada do outro lado da praça (referindo-se ao Congresso e à Praça dos Três Poderes), e com paciência”, disse Mourão ao responder sobre a infâmia de Carlos Bolsonaro.
No mesmo dia, outro filho, o Eduardo, foi visitar o pai no hospital. E o que fez o engraçadinho? Publicou um post em que está ao lado da cama do pai com uma pistola na cintura. Nossa, que medo. O filhote Zero Três estava lá para defender o patriarca… do que mesmo? Talvez de um outro ataque, imagino que imaginou. Além de sinalizar que a segurança oferecida pelo GSI não vale nada, ele parecia querer mostrar quem manda no pedaço. Nesse caso, estamos mesmo encrencados e em breve poderemos ter um outro problema. Se Eduardo passar pela sabatina do Senado e virar embaixador nos Estados Unidos, quem vai tomar conta de daddy ?
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