Se quiséssemos aqui, no Brasil, na América Latina e até na velha Europa, descrever o panorama político atual, poderíamos escolher a semelhança do que está acontecendo no cosmos, onde especialistas explicam que “o centro da nossa galáxia está cheio de estrelas jovens e velhas, buracos negros e outras variedades de cadáveres estelares, um enxame inteiro ao redor de um buraco negro supermassivo chamado Sagitário A.”
Além disso, muitas dessas estrelas, como entre os políticos, apesar de estarem mortas, poderiam “estar uivando” e se alimentando de estrelas companheiras, dizem os astrofísicos. Uivos metafóricos que assustam igualmente.
O Brasil vive, de fato, neste momento, um cataclismo estelar no qual se ouvem ecos de autoritarismo e nostalgias de ditaduras passadas que nem sequer são dissimulados. Na segunda-feira, Carlos, um dos três filhos políticos do presidente Bolsonaro, vereador da importante Câmara Municipal do Rio de Janeiro, provocou um terremoto ao escrever nas redes: “a transformação que o Brasil quer não acontecerá pelas vias democráticas”. A alusão à necessidade de usar métodos ditatoriais era evidente. O vereador continuou escrevendo: “Só vejo todo dia a roda girando em torno do próprio eixo e os que sempre nos dominaram continuam nos dominando de jeitos diferentes”.
Felipe Santa Cruz, atual presidente da OAB, cujo pai é um dos desaparecidos durante a ditadura militar, declarou: “Não podemos aceitar uma família de ditadores”, e acrescentou: “A família Bolsonaro tem uma história de declarações a favor da ditadura militar de 64 a 85”. Da ditadura e da tortura, sempre exaltada por Bolsonaro.
E é verdade que a gravidade das declarações de Carlos Bolsonaro não pode ser vista como um deslize pessoal do jovem político que já era vereador aos 17 anos. O mais grave é que seu pai, o presidente do Brasil, que estava se recuperando naquele momento em um hospital em São Paulo de uma operação de hérnia e postava fotos andando pelo corredor do hospital, não teve uma única palavra de repreensão às declarações do filho, a quem chama de pit bull, seu cão de guarda. O vereador ficou famoso quando o protocolo lhe permitiu acompanhar, no banco traseiro do Rolls Royce presidencial, as duas vezes que Bolsonaro o usou junto com a esposa, Michelle, a primeira-dama: no dia do desfile da posse como presidente e dias atrás, durante o desfile solene do aniversário da Independência.
O grave é que hoje no Brasil todos sabem que quem governa não é apenas o capitão da reserva, Jair Bolsonaro, mas também seus três filhos: o senador Flavio, o deputado federal Eduardo e o dinâmico vereador, Carlos, considerado o gênio da Internet e quem organizou a campanha das eleições presidenciais nas redes sociais. Acaba de pedir afastamento como vereador para se dedicar, certamente, de novo a adestrar nas redes os seguidores mais fanáticos e fiéis que estavam diminuindo com a queda vertical na popularidade do presidente, que chegou a 29%, algo que nunca aconteceu nos primeiros oito meses de Governo com nenhum dos ex-presidentes da democracia.
Há quem defenda hoje que os poetas deveriam parar de usar palavras como estrelas, lua ou sóis em suas composições. Esquecem-se de que poucas realidades evocam, até na política, tantas imagens e tantas metáforas quanto o mistério do cosmos. Não por acaso são os cientistas que nos lembram que nós, humanos, “somos feitos do mesmo pó das estrelas”. Somos pedaços do universo.
E se o céu estelar, que tanto fascina grandes e pequenos, nunca poderá abandonar as imagens da criação poética, tampouco deveria fazê-lo o complexo e confuso mundo da política que também está povoado, por exemplo, de estrelas que já não existem embora acreditamos que estão vivas. E o pior é que mesmo mortas continuam uivando ameaçadoras e se alimentando dos vivos.
É verdade, de acordo com a ciência, que existem estrelas que fascinam com seu brilho e, no entanto, já não existem. Já estão, como acontece com muitos políticos em todos os níveis de poder, mortas, embora ainda vorazes. E esses políticos são hoje o centro do nosso pessimismo. Eles acreditam que estão vivos, querem comer o mundo, fazê-lo retroceder aos tempos dos extermínios e dos escravos, e ainda uivam nas noites das longas facas de traições e conspirações.
E se é o pessimismo da razão e do coração que nos arrasta até desprezar a nobre arte da política que sempre governou o planeta, também existe não digo o otimismo, que é uma palavra de que não gosto, mas a esperança de que, também ao contrário, existam estrelas no cosmos que já nasceram e estão vivas, embora sua luz distante ainda não tenha chegado a nós. É a esperança de que algo novo esteja vindo, sem uivos e traições, mas com cantos de paz e de diálogo, e com a vontade de criar um mundo menos desumano para que as estrelas que um dia chegarão, em vez de uivar gritos de velhas guerras, nos cantem versos de vida.
Penso que hoje aqui no Brasil, um país que vive um momento mais de uivos de estrelas mortas e ainda vorazes do que de hinos de liberdade, vejo com alegria que os vivos, de todas as vertentes, estão se reunindo em um grande abraço contra a barbárie que lhes querem impor. Vimos isso na reação maciça e nacional, especialmente dos mais jovens, contra a arbitrariedade do prefeito evangélico do Rio, Marcelo Crivella, que mandou policiais à grande festa da Bienal do Livro, visitada por milhares de crianças, para recolher um livro de literatura infanto-juvenil, de história em quadrinhos, em que dois jovens se beijam.
E estamos vendo essa reação contra os políticos estrelas mortas seguidores do violento e autoritário capitão, que gostaria de transformar o país em uma teocracia presidida pela Bíblia e não pela Constituição e em um país armado com licença para matar. Um país sem liberdade de expressão no qual ele zomba abertamente da defesa dos direitos humanos que sonharia abolir.
Justamente, as perigosas afirmações do filho de Bolsonaro insinuando que seu pai não poderá transformar este país “por vias democráticas” aconteceram quando jornalistas e intelectuais de todas as formações políticas e de todos os grandes jornais se reuniram na importante Universidade de São Paulo (USP) para reafirmar o direito à liberdade de expressão e contra qualquer tipo de censura ou ameaça à imprensa. Carla Jiménez, diretora do EL PAÍS Brasil, insistiu, por exemplo, na necessidade de que os jornalistas se tornem “uma caixa de ressonância”, já que acrescentou: “Não temos o direito de claudicar”.
O Brasil, que de repente se viu golpeado por medidas autoritárias e ilegais que pressagiam um perigo para as liberdades, começou a acordar. A responsabilidade é grande. A História nos ensinou no passado como é fácil, de escorregão em escorregão, sem capacidade de reagir, acabarmos afundados no abismo.
O NÃO às feridas contra as liberdades conquistadas democraticamente e contra a Constituição, que de laica se deseja transformar em confessional, tem de ser claro e vigoroso se não quisermos chorar amanhã, ou que o façam aqueles que nos seguirão, por nossa cumplicidade com a política vista mais como um conjunto de estrelas mortas do que como um cosmos que se move nesse maravilhoso equilíbrio cujo milagre nos surpreende quanto mais o conhecemos.
O cosmos fascina porque seu mistério e sua grandeza nos emocionam. Nada nele, dizem os astrofísicos, é banal. Transpondo para o nosso mundo político, poderíamos dizer que aqui estamos nos antípodas dessa grandeza. Hoje, nela, como o filósofo Alain Deneault acaba de denunciar, o que prima é a “mediocracia” e “o que realmente importa não é evitar a estupidez, mas adorná-la com a aparência de poder”. São as alucinações das estrelas mortas que ainda se permitem nos assustar com seus uivos.
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