terça-feira, 18 de junho de 2019

Brasil polarizado


Bolsonaro toma posse outra vez

Sem mais essa de que o governo é uma zorra, dividido em grupos que disputam o título de quem manda no presidente Jair Bolsonaro e no final acabará por tutelá-lo.

O título já tem dono: Bolsonaro. A zorra parece próxima do fim. Mas como ninguém governa sozinho, ele decidiu compartilhar o poder com um grupo restrito de pessoas de sua inteira confiança.

A saber: seus filhos, o autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho e, vá lá, talvez por enquanto o ministro Paulo Guedes, da Economia, a quem no passado Bolsonaro chamava de “Posto Ipiranga”.


Ainda chama por força do hábito. E porque falta aprovar a reforma da Previdência. Mas com uma reforma desidratada e um chefe voluntarioso, Guedes corre o perigo de se tornar descartável.

Bolsonaro voltou a vestir a faixa presidencial quando demitiu o general Santos Cruz da Secretaria de Governo. Era o único ministro com autoridade para barrar as ideias esdrúxulas do presidente.

Guedes já teve mais autoridade. Aos poucos começou a perdê-la dada as sucessivas invasões de sua área por Bolsonaro. A mais recente, a demissão de Joaquim Levy da presidência do BNDES.

O substituto de Levy, para além de suas credenciais como economista teve o aval dos garotos. E está disposto a abrir a caixa preta do banco, se é que tal coisa existe por lá.

A demissão de Santos Cruz foi o sinal mais convincente de que a chamada ala militar do governo está sendo enquadrada, se já não foi. O general Augusto Heleno poderá ser a próxima peça a ser trocada

Se escapar de uma eventual bala de prata extraída de suas conversas à época em que comandava a Lava Jato, Sérgio Moro continuará no governo. Mas ele já foi ministro. Agora, está ministro.

O dono da voz aparentemente rendeu-se de vez à teoria do “caos criativo” defendida por Olavo e seus semelhantes. É preciso destruir tudo que impeça o surgimento do “novo”. 

Quanto ao “novo”, bem, ficará para mais adiante elaborar melhor o que possa ser. Sem pressa. O primeiro mandato é para destruir. O segundo para construir. Este será um governo de morte. Como se pretende.

Uma ameaça à democracia

Não há projeto político maduro de governo, mas uma incontinência verbal de Bolsonaro que, não raras vezes, é incongruente. Como zagueiro que dá caneladas, na metáfora futebolística a seu gosto, às vezes Bolsonaro se arrepende, mas não perde a viagem. Fala o que lhe passa na cabeça, sem filtros, e, pior, escreve no twitter o que pensa, ampliando um ambiente de insegurança política.

A gravidade de suas palavras, como a de todo presidente da República, parece ser desconhecida por ele. Ou, como já disse o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), faz tudo de modo pensado, como uma estratégia política. Nesse caso, seria mais grave do que simplesmente dizer besteiras.

Besteiras, a ex-presidente Dilma Rousseff também dizia. O perigo é executar as besteiras, como ela fez e perdeu o cargo. De tantas besteiras, a mais grave foi dita no sábado à noite em Santa Maria, interior do Rio Grande do Sul.

Durante evento em memória ao marechal Emilio Mallet, o patrono da Artilharia, Bolsonaro voltou a defender a ditadura militar, mas, desta vez, foi mais longe, e ligou a atuação dos militares na ocasião ao armamento dos cidadãos que propõe hoje.

Para defender a ampliação das licenças para porte de arma, que a Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ) vetou, Bolsonaro disse: “(...) Além das Forças Armadas, defendo o armamento individual para nosso povo, para que tentações não passem na cabeça de governantes para assumir o poder de forma absoluta”.

São frases claramente ameaçadoras da democracia e, ditas pelo presidente da República, mais graves do que, por exemplo, a do presidente da CUT falar em “pegar em armas” para defender Dilma dentro do Palácio do Planalto.

Embora a então presidente não tenha desautorizado o líder sindical, as palavras não saíram de sua boca. Mais grave até que a frase de Lula, que falou na sede da Associação Brasileira de Imprensa em 2017: “Também sabemos brigar. Sobretudo quando o Stédile colocar o exército dele nas ruas”.

Lula já era ex-presidente, embora seu partido estivesse no poder e ele fosse, inegavelmente, seu líder maior.

Além da gravidade em si, a fala de Bolsonaro é incongruente, pois ele defende o governo militar fruto de um golpe para dizer que quer armar o povo para impedir golpes.

Quem quer impedir pelas armas que um governante qualquer tenha a tentação de dar um golpe, pode também ceder à tentação de dar um autogolpe, em nome da maioria armada da população.

É conclamar a uma guerra civil, pois nem todos os cidadãos armados serão a favor de um governo Bolsonaro sem as peias institucionais que tanto o desagradam. A ponto de ele, nesse mesmo discurso, falar que precisa mais do povo a seu lado do que do Parlamento.

A disputa constante entre Parlamento e governo, aliás, vai continuar – eles estão em confronto, e nenhuma das partes dá sinais de querer trégua.

O ministro Paulo Guedes criticou muito o Congresso que, por sua vez, assume cada vez mais o protagonismo político, tentando limitar os poderes do Executivo.

Bolsonaro insiste em desmoralizar o Congresso, e o ministro da Economia afirma que deputados sucumbiram ao lobby dos servidores públicos. Mas Rodrigo Maia está conseguindo convencer os deputados que aprovar a reforma da Previdência é bom para a imagem da Câmara, e para tirar de Bolsonaro e Guedes a primazia dela.

A guerra dos Brasis

Sob os repiniques da bateria em torno dos grampos do Joesley desta véspera de votação da reforma da Previdência (escrevo na 5a feira, 13), agora a cargo dos arrombadores a soldo de um certo The Interceptor, uma das marcas-fantasia de PSOL, PT e cia., está consumado o tombo do costume na última tentativa do País Real de abolir a escravatura.

Com os Benefícios de Prestação Continuada de abre-alas, o velho bloco do Me Engana Que Eu Gosto passou batidos os “jabutis” que realmente lhe interessavam: o regime de capitalizacão, que mataria para todo o sempre o comércio de privilégios previdenciários, a mais produtiva mina de ouro de quem tem o poder de vende-los, e a manutenção da constitucionalidade das normas da Previdência, a garantia vitalícia pela qual cobram caríssimo esses comerciantes. A reforma da previdência já entra na avenida castrada, conforme o prometido, portanto, e com o favelão nacional com todos os “acessos” espetados nas suas veias mantidos para que o País Oficial possa continuar servindo-se na medida da satisfação dos seus luxos.


O apartheid brasileiro tem raízes profundas. O Brasil Real, o Brasil que deu certo, o Brasil que se fez sozinho escondido do outro; este Brasil continua, como sempre esteve, à margem da lei. A lei foi feita pelo País Oficial, o anti-americano, o que sempre viveu das “derramas”, o que enforcou Tiradentes, o que invadiu o Rio de Janeiro em 1808, de modo a não poder ser cumprida jamais. É a continuação do Brasil dos traficantes de escravos que compravam pedaços do estado (feudos) e “títulos de nobreza” ao rei. São as deles as tais instituições que “estão funcionando”.

Só dois pontos desses dois Brasis sempre estiveram conectados; as mãos de um e os bolsos do outro. No mais são antípodas em tudo. Na educação, bola da vez, há os nédios professores das universidades públicas que comem o grosso da verba nacional, aposentam-se na flor da idade e dão aulas nos enclaves privatizados do território brasileiro onde polícia não entra (Coafs e tribunais de contas menos ainda) e formam-se, “de graça” e sem lei, os quadros da elite do País Oficial. E há as professorinhas miseráveis, que não se aposentam nunca, das escolas básicas varejadas de balas perdidas, caindo aos pedaços, creches de quase adultos que vão lá para comer da mão do País Oficial o pão que a “educação” que ele lhes serve não consegue comprar.

O sindicato desses diferentes professores é, no entanto, o mesmo. Com estrutura nacional, vem a ser o núcleo duro da defesa da privilegiatura. Escudados na miséria das professorinhas, são os professorões que organizam aquela rede que sai em passeatas milimetricamente cronometradas com as pautas em tramitação no Congresso Nacional e nas redações que empregam seus parentes, amigos e correligionários, para “provar” a “impopularidade” de acabar com os salários e as aposentadorias 100 vezes, 50 vezes, 30 vezes na média nacional maiores que as do favelão que paga a conta.

Mas não foi a derrota desse Brasil que saiu nas manchetes. Já não é mais nem “o governo” que “perde” ou “ganha” as batalhas entre os dois Brasis. Agora é só “o presidente Jair Bolsonaro” que “sofre derrotas no Legislativo e no Judiciário”, seja na batalha para o favelão nunca mais ter de pagar lagostas e vinhos tetracampeões aos STF’s de sempre, seja para que o estado conceda à plebe a graça de não ser enjaulada quando recusar-se a deixar-se mansamente matar e insistir em defender a própria vida contra quem resolver atentar contra ela.

As redações congregam os últimos brasileiros que ainda não entenderam com quem estão lidando. A bandidagem mata 65 mil. A bandidocracia mata milhões por ano. O conluio entre as duas é aberto a quem interessar possa, do grande tráfico de entorpecentes, hoje privilégio de governos praticantes do tipo de “excesso de democracia” que o lulopetismo prega, para baixo. Mas a imprensa tem mais medo do povo obediente à lei, da polícia, dos promotores e dos juízes que realmente apitam faltas do que deles. Nem a “epidemia de ansiedade” que acomete o povo brasileiro como a nenhum outro do planeta é associada ao que quer que seja de especial. É mais uma daquelas notícias que os âncoras de TV lêm com cara de paisagem. Uma doença sem causa. Nada a ver com os 40 milhões de desempregados e subempregados nem com a montanha de assassinados.

Para a unanimidade da imprensa brasileira essa carnificina só tem a ver com o “acesso a armas” que, advertem, ou nega-se terminantemente à sub-raça tupiniquim, ou ela sairá matando desbragadamente por aí. É como se esse acesso já não estivesse drasticamente proibido há 14 anos, contra a vontade expressa em voto pela população, e não estivesse sendo provado 65 mil vezes por ano, 5.342 vezes por mês, 178 vezes por dia a mentira de associar desarmamento com segurança publica.

No quesito segurança, aliás, o esforço concentrado da ala mais “progressista” do nosso jornalismo é para discriminar cadáveres. Depois de todo o resto a desigualdade em nome da igualdade chega finalmente aos necrotérios. Cadáver de mulher vale mais – e dá pena mais pesada – que cadáver de homem e menos que cadáver de homossexual ou de transgênero. E, em todas essas subcategorias, ganham “peso 2” os que acumulam a qualidade de não brancos.

Tudo isso tem precedência, no jornalismo pátrio, sobre a guerra aberta entre os dois Brasis cuja existência ele sequer reconhece. Ele permanece surdo ao País Real mas sempre pronto a disparar sem pensar uma vez e meia todo e qualquer petardo que a bandidocracia houver por bem enfiar-lhes nas culatras “de acesso”, e a invocar a lei escrita pela bandidocracia para manter eternamente intactas as leis escritas pela bandidocracia, para julgar todo mundo que ousar tratar de alterá-las.

Se o Brasil “é uma democracia”, como parecem crer 9 entre 10 dos nossos jornalistas, qualquer alteração no status quo será “antidemocrática”. Ok, então. E pra onde vamos na sequência da aceitação dessa premissa?

Bolsonaro usa estatais de olho na reeleição

Nos últimos dois meses Jair Bolsonaro fez intervenções em quatro das maiores empresas estatais. Em todos os casos, justificou sua ingerência com razões político-eleitorais.

Mudou a política de preços do diesel da Petrobras para atender eleitores: “Estou preocupado com os caminhoneiros; queremos preço justo”.

Interferiu no Banco do Brasil porque achou uma propaganda questionável aos olhos do seu eleitorado conservador: “A linha mudou, a massa quer respeito à família”.

Anunciou a demissão do chefe dos Correios porque “agiu como sindicalista” e se deixou fotografar com deputados do PT e do PSOL.

Demitiu o presidente do BNDES por contratar um técnico que trabalhara em gestão do PT: “Governo é assim, não pode ter gente suspeita”.


Bolsonaro criticava o uso do governo como palanque. Agora, por razões eleitoreiras se arrisca na ingerência indevida e no abuso de poder, atropelando a Lei das Estatais (nº 13.303) e a das Sociedades Anônimas (6.404).

No Planalto reafirma distância do ideário liberal contra o intervencionismo e o dirigismo na economia, assim como fazem seus adversários.

A “aliança em torno de valores”, lapidada pelo ministro Paulo Guedes, continua a ser miragem para os liberais no governo. O presidente segue coerente com o deputado Bolsonaro que, entre 1999 e 2010, se alinhou ao PT na Câmara na defesa de corporações e na concessão de benesses ao setor privado (incentivos, anistias etc.). Essa dobradinha já foi exumada pelo pesquisador Bruno Carazza.

Já houve dias em que Bolsonaro foi à Câmara para proclamar: “Confesso que votei no Lula.” Chamava-o de “companheiro” e o aconselhava a só escolher ministros depois de consultar “quadros do PT, do PCdoB e de outros partidos.” Em dezembro de 2002, discursou para Lula, enigmático: “Não quero ser oposição. Não serei situação pela situação.”

No palanque do Planalto, Bolsonaro aplaina caminho às urnas de 2022 — embora tenha prometido acabar com “a reeleição, o que no caso começa comigo”. Nunca mais tocou no assunto. Talvez seja caso de amnésia por conveniência política.

Imagem do Dia


O dom de humilhar

A fritura explícita de Joaquim Levy não foi o primeiro nem será o último caso em que o presidente Jair Bolsonaro exibe um quê de prazer sádico na maneira de demitir auxiliares. Fez assim com o então embaixador em Washington, Sérgio Amaral, repetiu com Gustavo Bebiano, insistiu com o general Juarez Cunha, presidente dos Correios, prosseguiu por aí afora no espezinho a vários outros com os quais se mostrou insatisfeito.

Todo subordinado é demissível, mas ninguém precisa ser humilhado. As atitudes do presidente falam muito mais sobre ele, exibem com muito mais eloquência seus desvios de caráter, do que propriamente explicam (e de forma alguma justificam) os eventuais desacertos dos demitidos.

Uma coisa é certa: nada que extrapole os limites da normalidade dá certo. Pode demorar mais ou menos tempo, mas uma hora a exorbitância cai na cabeça do exorbitante. Está aí o PT como o exemplo mais dramático dessa lei não escrita da vida.

Se é a posse do poder absoluto que Bolsonaro quer demonstrar, ignora o fato de que só os fracos precisam do picadeiro para demonstração. Os fortes de verdade dispensam o espetáculo e a exibição dos músculos.

Há vida fora da rede

A tecnologia passa, mas as velhas folhas de papel sempre resistirão ao tempo. É empolgante poder conversar com diferentes pessoas de diferentes países com apenas um clique, mas só quem retornou aos antigos livros sabe a experiência que é poder conversar com aqueles que já se foram. Em uma sociedade on-line, é preciso estar off-line para aprender e experimentar o melhor da vida
Pedro Miquelasso 

Guede entrega BNDES a assessor de 3º escalão

Após a carbonização de Joaquim Levy, o ministro Paulo Guedes contentou-se com uma solução doméstica para o preenchimento da vaga de presidente do BNDES. Acomodou no posto um assessor do terceiro escalão da pasta da Economia. Chama-se Gustavo Montezano. Tem escassos 38 anos. Dava expediente como secretário especial adjunto de Desestatização e Desinvestimento, abaixo do secretário Salim Mattar, que estava cotado para o posto.

Gustavo é filho de Roberto Montezano, um velho amigo do ministro. Os Montezano já residiram no mesmo prédio dos Bolsonaro. O novo presidente do BNDES é conhecido dos filhos do capitão. O deputado Eduardo Bolsonaro festejou a escolha no Twitter. Referiu-se a Gustavo Montezano como "um dos prodígios da ecomomia de sua geração".



A opção caseira foi interpretada como um sinal de que Paulo Guedes planeja exercer ascendência mais direta e efetiva sobre a administração do BNDES. Antes de Jair Bolsonaro declarar em público que Levy estava "com a cabeça a prêmio", o ministro já se queixava dele em privado. Queria pressa no processo de readequação do banco aos propósitos liberais do novo governo.

Diferentemente de Joaquim Levy, Gustavo Montezano não passou pelos bancos da Universidade de Chicago. Graduou-se engenheiro pelo IME (Instituto Militar de Engenharia). Fez mestrado em economia no Ibmec-RJ. Não é um neófito em mercado financeiro. Foi sócio-diretor do banco BTG-Pactual. Trabalhou também como analista do Opportunity.

Aos olhos de Paulo Guedes, a Presidência de Gustavo Montezano no BNDES será como vinho. Tomará a forma do jarro que o ministro providenciar para abrigá-la. De saída, o substituto de Levy terá de satisfazer o desejo de Jair Bolsonaro de "abrir a caixa preta do BNDES". Do contrário, o capitão não demora a chutar o jarro.

Muito além dos 280 caracteres

Na sexta-feira 24 de maio, antevéspera das manifestações em apoio a Jair Bolsonaro, a consultoria Bites, que faz medições de diferentes métricas na internet, constatou que, até as 20 horas daquele dia, a convocação para os atos a favor do presidente tinha um incentivo seis vezes maior do que o dos protestos contra os cortes na Educação, de 15 de maio. Segundo a Bites, foram 1,2 milhão de postagens chamando para as manifestações de domingo, contra 206 mil para os atos da semana anterior. Passado o domingo, entretanto, as ruas mostraram outra realidade. De acordo com o monitoramento feito pelo G1, ao longo do dia 26, até as 20h40, houve protestos apoiando Bolsonaro em 156 cidades de 26 estados, mais o Distrito Federal. No mesmo horário na quarta-feira 15, o dia dos atos em defesa da Educação, foram contabilizadas manifestações em 222 cidades de todos os 26 estados e no DF. O que houve? Por que a força do movimento pró-Bolsonaro foi maior nas redes, mas isso não se traduziu em gente na rua? A resposta talvez vá contra o senso comum da força inequívoca nas redes sociais. Talvez o Brasil seja maior e mais diverso do que os 280 caracteres do Twitter e seus pares sugerem.

Há pouco mais de um ano, foi isso que mostrou a investigação "Todo mundo quem?!", feita pelos pesquisadores Filipe Techera e Luiza Futuro, que traçou um panorama quantitativo e qualitativo sobre o acesso às redes sociais no país. A fase qualitativa estudou o comportamento dos brasileiros nas redes, e a quantitativa, conduzida pelo instituto Gfk, conduziu 11.887 entrevistas, com pessoas das 15 principais regiões metropolitanas. Os números mostraram que, a despeito do discurso dominante sobre o impacto das curtidas e compartilhamentos, há 70 milhões de pessoas que não estão nas redes sociais. São os “nativos sociais”, que estão fora das plataformas, em parte porque não têm acesso, mas também porque, em muitos casos, optaram por desativar seus perfis.

Techera trabalhava na produção do programa "Esquenta", da TV Globo, apresentado por Regina Casé, quando teve a ideia de fazer a pesquisa. Leu uma reportagem na época que dizia que as redes embutiam “as opiniões de todo mundo”. O mergulho nas entrevistas mostrou que, embora a maioria esteja nas redes, há muitas camadas nesse “todo mundo”. Há pessoas que queriam estar, mas não estão, por razões diversas — falta de infraestrutura, incapacidade de interpretação de texto, pouca habilidade digital, falta de dinheiro, entre outras. Há também os que romperam relações da vida real devido à interação virtual, os que buscam mais privacidade, os que sofrem com ansiedade, sensação de urgência, baixa autoestima ou que, por diferentes experiências, saem pior do que estavam quando fizeram o login.

As entrevistas mostraram, por exemplo, casos de impacto do Instagram na saúde emocional de pessoas que optaram por deixar as redes. “A narrativa que se constrói ali da vida das pessoas muitas vezes foge do real. Embora muitos saibam racionalmente disso, a linha do tempo do vizinho sempre parece mais verde do que a sua”, analisou Techera, lembrando que entrevistados diziam não se sentir parte do Instagram por morar num lugar velho, sentir-se feio ou por ter uma vida que consideram chata. “Isso vira uma referência de vida que, na maior parte dos casos, é inalcançável para a maioria das pessoas. O algoritmo mede a exposição dos perfis pelo número de likes obtidos, e isso faz com que eles fiquem mais altos na hierarquia social que é construída ali dentro.”

Mas o impacto vai além. Empresas que tomam decisões de negócios enviesadas pelo que bomba nas redes também erram ao desconsiderar que um terço do país não está lá. Os governos também erram. Há alguns anos, os principais esforços do governo federal na internet têm sido na universalização do acesso à banda larga. Mas, além do acesso, há que se tirar do papel o que já está previsto em lei: que haja educação para esse uso. Sem a educação midiática, não há estímulo para que o acesso à internet tenha bom proveito.

Techera frisou que as companhias telefônicas também têm sua responsabilidade. A publicidade que vende pacotes de dados martela o benefício de WhatsApp, Instagram e Facebook ilimitados, estimulando o uso, mas sem sinalizar com a necessidade de ter controle de quanto tempo é despendido ali. Alguns pacotes já foram além e foram vendidos com o WhatsApp gratuito apenas de madrugada. “Qual é a mensagem que é passada? Não é sobre limitar o acesso. Essa ideia não é boa, nunca dá certo. É sobre ensinar quais são os pontos positivos e quais os possíveis problemas que essas pessoas podem ter estando nesse universo”, cobrou Techera.

A partir dos relatos obtidos pela "Todo mundo quem?!", e também com a observação nos últimos meses, os pesquisadores chamam a atenção para a crescente sensação negativa sobre a internet, que passa a ser mais e mais associada a contextos negativos. Discursos como “Fica muito na internet”, “Não sai de lá”, “Só tem coisa ruim”, “É briga o tempo todo” vão se tornando mais comuns. Techera agora está coletando entrevistas, músicas e posts em redes sociais que relatam o incômodo com o uso da internet e mostram que a ideia de estar sempre conectado, considerada positiva no passado, vem dando lugar a nuances mais negativas. “É ruim alguém que está muito na internet, ou que briga muito na internet, ou que só se relaciona na internet”, comparou.

As entrevistas mostraram que há uma associação direta entre internet e redes sociais, como se fossem a mesma coisa, quando não são. O lado positivo, de estímulo à aproximação entre as pessoas, de ter uma esfera virtual de debates, não é das redes sociais. É da internet. O lado negativo, das brigas, dos ataques virtuais, dos caça-likes, das vidas falsas e perfeitas do Instagram, é das redes. O prejuízo para quem decide se desconectar, alertam os pesquisadores, é jogar fora a água da bacia com a criança dentro.

Pensamento do Dia


Renda do trabalhador mais pobre segue em queda e ricos já ganham mais que antes da crise

A recessão que o Brasil atravessou entre 2015 e 2016 afetou ricos e pobres, mas passados três anos desde o fim da "pior crise do século", como foi batizada à época, fica claro que os efeitos deletérios desse período foram diferentes para os dois grupos. Os brasileiros mais abastados já viraram a página das vacas magras. Os pobres, ainda não. Um estudo do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas revela que depois da tempestade, os 10% mais ricos já acumulam um aumento de 3,3% de renda do trabalho, ou seja, além de superar as perdas, já ganham mais que antes da recessão. Enquanto isso, os brasileiros mais vulneráveis amargam uma queda de mais de 20% da renda acumulada. Se somarmos os últimos sete anos, a renda do estrato mais rico aumentou 8,5% e a dos mais pobres caiu 14%.

A depressão econômica e a tímida recuperação que se seguiu pegou em cheio famílias como a de Gilvan Alves dos Santos, de 44 anos. Assistente de logística de uma empresa há 17 anos, ele viu seu salário se transformar na única renda fixa de uma família de seis pessoas. Três dos seus quatro filhos estão desempregados (a caçula de 15 anos é estudante do ensino médio) e a mulher que trabalhava como estoquista foi demitida. Hoje sua parceira estuda fotografia. Para completar a situação financeira complicada, Santos não conseguiu durante muito tempo pagar um empréstimo e se viu enrolado numa dívida de 10.000 reais. Após renegociar com o banco, logrou pagar um décimo do que devia, e saiu das estatísticas da inadimplência. Uma das filhas também tem ajudado com a renda da casa fazendo bicos de babá. “A situação na família apertou e a renda per capita diminui muito”, lamenta. Com o orçamento apertado, a família de Santos engrossou o grupo dos 50% mais pobres - contabilizando menos de 754 reais por pessoa.


Diferentemente de Santos, Elisa Guimarães Figueiredo, de 33 anos, que também trabalha com logística seguiu um caminho de crescimento nos últimos anos mantendo-se no estrato mais rico da sociedade. “A crise, na verdade, foi uma oportunidade”, conta. Como trabalhava no setor de ferrovia e, depois em um porto, ela abriu mercado oferecendo soluções de redução de custos a pessoas que utilizavam o transporte rodoviário. Entre 2015 e 2017, ela conseguiu dobrar o salário e hoje se tornou consultora de logística em uma importante consultoria global.

O retrocesso de Gilvan e o crescimento de Elisa são os dois lados da moeda da economia brasileira. A retomada da atividade brasileira é bastante desigual entre os trabalhadores. Segundo o levantamento do Ibre/FGV, as oscilações na relação entre a renda média do trabalho dos 10% mais ricos e dos 40% mais pobres mostram que, desde 2015, essa desigualdade vem crescendo, e atingiu em março o maior patamar desde 2012, quando começou a ser feita uma série histórica sobre o assunto. O indicador utilizado pelo levantamento é o índice de Gini, que monitora a desigualdade de renda em uma escala de 0 a 1 - sendo que, quanto mais perto do 1, maior é a desigualdade. O Brasil atingiu o valor de 0,6257 em março.

Para o pesquisador Daniel Duque, os mais pobres sentem muito mais o impacto da crise pela vulnerabilidade social e pela dinâmica do mercado de trabalho. “Há menos empresas contratando e demandando trabalho, ao passo que há mais pessoas procurando. Essa dinâmica reforça a posição social relativa de cada um. Quem tem mais experiência e anos de escolaridade acaba se saindo melhor do que quem não tem”, disse o pesquisador em nota.

Na avaliação do Marcelo Medeiros, vinculado à Universidade de Princeton nos Estados Unidos, a recuperação até agora quase não gera empregos e praticamente só favorece os trabalhadores de renda mais alta. “Os mais pobres estão sendo deixados para trás”, diz.

Medeiros começou a estudar de que forma as oscilações macroeconômicas afetaram a desigualdade de renda do trabalho que cresceu nos últimos anos. Junto com Rogério Barbosa, pesquisador pós-doutor do Centro de Estudos da Metrópole (USP) e visitante da Universidade Columbia, Medeiros detectou que, entre 2014 e 2015, há uma interrupção da queda da desigualdade. “Em boa medida o desemprego é o carro chefe da tendência de aumento da desigualdade recente. Em questão de um ano e meio, o trabalho distributivo passa a ser desfeito na mesma velocidade em que ele tinha sido feito", explica Barbosa. Ele conta que nos anos 2000, o índice Gini caía 7 pontos ao ano, justamente quando o país vivia um boom de empregos.

A desigualdade se acentua em 2016, com a renda menor entre os trabalhadores. "A partir daí temos um aumento de 20 pontos no Gini devido à desigualdade dentro do mercado, instabilidade, e insegurança para quem sobreviveu", diz. No fim de março, 13,4 milhões de pessoas estavam desempregadas no Brasil, segundo dados do IBGE.

Analisando a série dessazonalizada (quando se exclui os efeitos das variações típicas de cada período do ano), é possível observar que, em meados de 2014, os 50% mais pobres se apropriavam de 5,74% de toda renda efetiva do trabalho. No primeiro trimestre de 2019, a fração cai para 3,5%. Para esse grupo que controla uma quantia pequena do montante existente, essa redução de apenas 2.24 pontos percentuais representa, em termos relativos, uma queda de quase 40%.

Enquanto isso, o grupo dos 10% mais ricos da população, na metade de 2014, recebia cerca de 49% do total da renda do trabalho - e vinha apresentando redução nessa parcela, ao longo dos anos anteriores. No início de 2019, sua fração chega a 52%. Para Barbosa, a desigualdade de renda aumenta por dois motivos nos últimos ano. Primeiro, porque muitas das pessoas que conseguem reingressar no mercado vão para o setor informal e inseguro, portanto preocupados em reduzir gastos, inibindo a circulação de dinheiro na economia. E, por outro lado, as pessoas que ficaram no setor formal têm colocações melhores, e, eventualmente, chegam a melhorar seus ganhos. "Desigualdade não é apenas ganhar ou perder, é ganhar mais rápido. Se alguém se distancia do restante da população, aumenta a desigualdade. O topo do mercado formal está se distanciando da base de forma muito rápida, algo que não víamos desde o começo de 1990", explica Barbosa.

A crise e os pinos da tomada

Continuam caindo velozmente as previsões de crescimento econômico para este ano e para 2020. Um enorme fiasco marcará a primeira metade do governo Bolsonaro, se os fatos confirmarem as avaliações do mercado. Na semana passada já estava em 1% a expansão prevista para o Produto Interno Bruto (PIB) em 2019. Agora, nem isso. No meio de muita confusão política e de muita incerteza sobre os negócios, a nova projeção, divulgada ontem, já está em 0,93%. A pesquisa entre economistas do setor financeiro e de grandes consultorias foi fechada na última sexta-feira. Naquele dia, as atenções do Congresso e do mercado estavam centradas no trabalho apresentado pelo relator do projeto de reforma da Previdência, deputado Samuel Moreira. Outras preocupações, no entanto, dominavam o presidente da República e vários de seus principais auxiliares. Uma dessas preocupações era a tomada de três pinos, como foi noticiado no começo daquela noite.

No mercado, as apostas para o próximo ano também continuaram em queda. Pela nova estimativa, o PIB crescerá 2,20% em 2020. Quatro semanas antes a projeção ainda estava em 2,50%, cálculo ainda mantido para 2021 e 2022, segundo a pesquisa Focus do Banco Central (BC).


A visão cada vez mais sombria das condições econômicas nos próximos meses começou a contaminar claramente, há pouco mais de uma semana, as expectativas em relação ao próximo ano. Indústria, varejo e serviços continuam muito mal, pela maior parte dos dados conhecidos até agora, e o comércio externo tem perdido vigor. Há poucas dúvidas sobre a aprovação da reforma da Previdência, mas nem isso estimula empresários a assumir riscos além dos indispensáveis para continuar operando.

Em maio, o índice de confiança do empresário industrial caiu pela quarta vez consecutiva, segundo pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI). A queda se estendeu, portanto, por quase todo o mandato do presidente Jair Bolsonaro.

O desempenho do setor industrial deve continuar muito ruim neste ano e estabilizar-se em nível medíocre nos próximos, segundo as expectativas apontadas pela pesquisa Focus. A produção industrial deve crescer 0,65% em 2019, segundo o boletim publicado ontem. A taxa é maior que a registrada na pesquisa anterior, de 0,47%, mas ainda inferior a metade da publicada quatro semanas antes, 1,47%. Mesmo esta previsão já era muito baixa. As estimativas para os dois anos seguintes também têm caído. Agora se estimam taxas de 2,80% para 2020, 2,75% para 2021 e 2,85% para 2022, num cenário de evidente estagnação.

A mensagem vem sendo transmitida pelos economistas há meses. A reforma da Previdência é indispensável, mas insuficiente para livrar o País do marasmo econômico. Não há sinal claro, no entanto, de providências para tornar os negócios mais dinâmicos.

Além de algumas ações para simplificar a vida empresarial e de uma promessa de reforma tributária, poucas medidas economicamente importantes aparecem na pauta do Executivo. Mesmo sobre a reforma tributária poucas informações claras, organizadas e convincentes foram divulgadas.

Não há, também, sinais de providências para movimentar a economia a curto prazo, nem depois de aprovada a reforma da Previdência. O governo continua agindo como se a prolongada estagnação, os resultados muito ruins deste ano e o desemprego de cerca de 13 milhões de trabalhadores fossem questões secundárias agora nos próximos meses.

Distante das questões mais urgentes para o mercado e para as famílias empenhadas em sobreviver, o presidente se ocupa da tomada de três pinos e do armamento da população. Demite o ministro-chefe da Secretaria de Governo por ter contestado seu guru Olavo de Carvalho. Por motivo ideológico, leva à demissão o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Atropelado, o ministro da Economia se cala, reforçando as dúvidas sobre quem manda em sua área. Pode haver alguma surpresa, se as expectativas econômicas pioram a cada semana?

Nem Jânio (de porre...) conseguiu fazer um governo mais maluco do que Bolsonaro

No Brasil, ser repórter de política virou, ao mesmo tempo, diversão e escravidão. Os jornalistas realmente se divertem com as maluquices da família Bolsonaro e de seu governo, que é o mais enlouquecido da história, pois nem mesmo Jânio Quadros, eternamente de porre, conseguiu mais trapalhadas do que o atual presidente. Mas fazer a cobertura do governo virou também uma escravidão, porque o show é permanente, inclui fins de semana, feriados e viagens ao exterior.

Os repórteres não têm sossego, porque o espetáculo é apimentado pelas participações dos filhos Flávio (o Zero Um), senador pelo PSL-RJ; Carlos (o Zero Dois), que comanda à distância a Comunicação Social do Planalto; e Eduardo (o Zero Três), que se autoproclamou “chanceler informal” e dá ordens ao ministro do Exterior, que é uma espécie de Rainha da Inglaterra e não manda nada.

Além disso, há as sensacionais intervenções do escritor Olavo de Carvalho, o Rasputin virginiano, que saiu de cena, mas ainda manobra nos bastidores.

Analisado com atenção, o chefe do governo demonstra um comportamento bipolar. Muda de opinião com facilidade, é um vaivém incessante. Faria sucesso em qualquer divã, porque nem mesmo Freud explicaria o proceder de Bolsonaro, mesmo ajudado por Jung, Lacan, Pavlov, Pinel etc.

O fato é que Bolsonaro e os três mosqueteiros que eram quatro (seus filhos e o guru virginiano) não têm a menor ideia do que seja democracia. Se comportam como se tivessem inventado um reinado psicodélico, em que Legislativo e Judiciário ficam em segundo plano, mas Padre Quevedo esqueceu de dizer a eles que “isso non ecziste”.

Bolsonaro tenta reagir à influência dos filhos e de Olavo, mas tem recaídas. Às vezes, percebe que errou, como no caso do ministro Gustavo Bebianno. Arrependeu-se e ofereceu-lhe a diretoria de Itaipu ou as embaixadas da Itália e Portugal, a escolher, mas Bebianno recusou. Na semana passada, demitiu Santos Cruz e lhe ofereceu outro cargo no governo, mas o general não aceitou e saiu de fininho, sem dar entrevista.

Os atos administrativos são uma bagunça. O decreto das armas é um exemplo. Teria de ser uma medida provisória. Baixado como decreto, é ilegal, apenas uma peça de ficção. Em sentido inverso, o mesmo fenômeno se registra em relação à medida provisória para acabar com a contribuição sindical obrigatória. Poderia ser um simples decreto e já estaria em vigor, mas como medida provisória corre o risco de rejeição ou alteração pelo Congresso.

O certo é que Bolsonaro seguiu Raul Seixas e se transformou numa metamorfose ambulante. Ninguém sabe qual será a tendência do governo, porque o privatista Guedes está em baixa e as desonrosas demissões de Marcos Pinto e Joaquim Levy demonstram que Guedes não manda mais nada. Os dois eram da sua cota.

Se Guedes tivesse hombridade, seria solidário aos auxiliares e pediria o boné antes deles. Mas esse tipo de comportamento digno parece fora de moda e o ministro fez questão de dar entrevista tentando justificar a grosseria de Bolsonaro, que é injustificável.