terça-feira, 20 de abril de 2021

Tempos sombrios

Realmente, vivemos tempos sombrios!
A inocência é loucura.
Uma fronte sem rugas
denota insensibilidade.
Aquele que ri
ainda não recebeu a terrível noticia
que está para chegar.
Que tempos são estes, em que
é quase um delito
falar de coisas inocentes
pois implica em silenciar
sobre tantos horrores
Bertold Brecht

Os Evangelhos, segundo Jair Messsias Bolsonaro

A Bíblia não é o forte de Jair Bolsonaro. De resto, quase nada é o forte de quem nunca leu um livro. Talvez por isso, Bolsonaro enrolou-se ao citar a Bíblia em uma das pregações diárias que faz aos seus devotos nos jardins do Palácio da Alvorada.

Dessa vez, entre os devotos, havia um pastor evangélico e um padre da Igreja Católica que na ocasião rezou por ele e o abençoou. Os dois foram depois embora sem entender o que o presidente quis dizer quando a certa altura de sua pregação afirmou:

" Tem uma passagem bíblica quando Jesus dividiu o pão. Depois ele deu uma desaparecidinha, né?. Daí o povo foi atrás. Foi atrás para quê? Para mais benefícios pessoais. Fizeram a ligação com o PT dando bolsa isso, bolsa aquilo? É o ser humano que tá aí."

Se consultasse pelo menos a Wikipédia antes de falar, Bolsonaro ficaria sabendo que “A divisão dos pães e peixes” é o termo utilizado nos Evangelhos para referir-se a dois milagres de Jesus. No primeiro, ele teria alimentado 5 mil pessoas, no segundo 4 mil.

Não há relato de uma “desaparecidinha” depois dos milagres. Quanto a irem atrás de Jesus, as pessoas buscavam conforto espiritual e ensinamentos de um profeta que se dizia filho de Deus, não “benefícios pessoais” como pão e peixe de graça.

Daí porque ficou difícil para os que escutaram Bolsonaro fazer qualquer ligação com programas do tipo Bolsa Família, do PT. Quanto ao que ele disse sobre “é o ser humano que tá aí”, desmereceu os mais pobres que carecem de ajuda para sobreviver.

Dos pobres, Bolsonaro quer votos, apertos de mão, fotos e distância segura.

Brasil presidencial

 

Marian Kamensky (Áustria)

É desta que os ricos vão pagar a crise?

Pela primeira vez, de forma generalizada, os Estados começam a perceber (finalmente…) que são mais pequenos dos que as grandes empresas e corporações globais. E sentem-no da pior forma possível: quando estão todos a endividar-se quase sem freio e a sofrer a pressão crescente de empresários e trabalhadores para impedir o colapso de empresas e da economia dos seus países. Tudo isto no preciso momento em que as grandes empresas globais aumentam os seus lucros e poder, à boleia da pandemia, da crise e dos sucessivos estados de emergência que encerraram milhões de pessoas em casa, mais dependentes da tecnologia e da transmissão de dados.

Só isto explica que, de um momento para outro, tenha começado a surgir uma certa unanimidade face à necessidade de criar taxas para os mais ricos, de forma a financiar a recuperação económica. Para o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, a solução passa por criar um “imposto de solidariedade ou sobre a riqueza, para aqueles que lucraram durante a pandemia, para reduzir as desigualdades extremas”.


A proposta de Guterres surgiu poucos dias depois do apelo feito pela secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, para um acordo global sobre uma taxa mínima de imposto para as empresas, independentemente do país em que têm a sua sede, como forma de financiar os Estados. Uma ideia que foi também imediatamente aplaudida pelo FMI que, através da sua economista-chefe, Gita Gopinath, salientou a necessidade de se criar mecanismos que evitem a diminuição crescente das receitas fiscais, num momento em que os Estados aumentam a despesa pública para responder ao desafio sanitário e, ao mesmo tempo, endividam-se para responder ao apoio social a todos os setores atingidos pela pandemia.

Percebe-se a preocupação que, em certos momentos, começa a tomar já proporções de quase pânico: segundo os cálculos de três reputados economistas (Joseph E. Stiglitz, Todd N. Tucker e Gabriel Zucman), não só as multinacionais transferem, hoje, cerca de 40% dos seus lucros para países com impostos baixos em todo o mundo como a própria receita fiscal encolheu quase 4% nos EUA, nas últimas duas décadas – “um declínio único na História moderna das nações ricas”.

A pandemia veio demonstrar, de forma clara e trágica, os riscos de Estados fracos ou fragilizados: os serviços básicos não conseguem dar resposta, a ausência de infraestruturas torna-se gritante e a pressão social conduz, inevitavelmente, à revolta e ao desespero. Só há uma maneira de o evitar: com mais dinheiro. Agora só é preciso ir buscá-lo a quem o tem de sobra. Parece que já ninguém tem dúvidas sobre isso.

Faixa de irresponsável


Por mim, (Bolsonaro) tem fracassado em assumir a responsabilidade necessária para salvaguardar as condições presentes e futuras de vida para a humanidade
Greta Thunberg

A nobreza, o povo e a plebe

A palavra isogênese — no dicionário, igualdade ou semelhança de origem ou desenvolvimento — é a linha que separa a democracia moderna das antigas, que se baseavam na participação direta apenas de uma elite de proprietários, como na República de Platão. É o fundamento ideal do regime democrático, que se baseia na concepção enraizada no Ocidente de que a natureza humana faz os homens originalmente iguais, não importa a condição social. Para que essa compreensão se tornasse hegemônica, muito contribuiu o fundamento cristão de que todos os homens são irmãos, porque são filhos de Deus.

Essa ideia-força foi um dos pilares da Revolução Francesa (1789-1799), que secularizou a fraternidade e ancorou o jusnaturalismo, ou seja, a doutrina de que os indivíduos são pessoas dotadas de moral e direitos inalienáveis e invioláveis, que lhes pertencem por natureza. Assim, a ideia de soberania popular se contrapõe à soberania do príncipe. Para se ter uma ideia de como as coisas avançaram neste terreno, basta lembrar que Nicolau Maquiavel, nas Histórias florentinas, dizia: “Em Florença se distinguem os nobres entre si, os nobres e o povo, e por último o povo e a plebe.”


Um pouco de filosofia e teoria política não faz mal a ninguém: o povo é uma abstração conceitual, consagrada em nossa Constituição de 1988 como fonte de todo o poder — que emana do povo, para o povo e em seu nome é exercido. A sutileza do enunciado está no fato de que a democracia moderna não é direta, é representativa, e os indivíduos, com seus defeitos e interesses, são de carne e osso. Não por acaso o respeito aos direitos humanos está no centro da dinâmica de funcionamento e das disputas dos regimes representativos. No Brasil, em razão do grande número de eleitores e do caráter direto e universal do nosso
sistema eleitoral, vivemos numa democracia de massas. Além disso, o Estado brasileiro é ampliado, em razão da separação entre os Poderes, do regime federativo, da existência de uma burocracia profissional e de agências autárquicas. Os governantes eleitos não fazem o que querem e bem entendem; precisam governar com base na Lei e no compartilhamento de responsabilidades. A “moral política” é subordinada à ética.

Alguém já disse que o passado é como um diamante, ninguém joga fora. O nosso nos garantiu instituições políticas seculares – como o Senado e o Supremo Tribunal Federal, por exemplo, pilares do Estado nacional, da integridade territorial e da conciliação entre as elites —; de outro, uma ordem social iníqua, em que a herança da escravidão até hoje se faz presente. Temos o regime de votação mais moderno e eficiente do mundo, o voto direto, secreto e universal na urna eletrônica, ao lado de uma sociedade extremamente desigual, na qual as distâncias abissais entre os ricos, a classe média e os pobres somente não são as da antiga república florentina — entre a nobreza, o povo e plebe — porque as eleições igualam todo mundo na hora do voto.

O que conseguimos de progresso e redução de diferenças sociais ao longo de nossa República se deve a isso. Durante o regime militar, o milagre econômico alavancou o poder aquisitivo de nossa classe média, mas houve muita concentração de renda e foi exatamente isso, com o achatamento dos salários, que provocou a entrada em cena dos operários e seus sindicatos na luta pela democracia. Entretanto, nossa democracia nunca esteve tão ameaçada, desde a eleição de Tancredo Neves, em 1985.

Isso ocorre em todo o mundo, em razão das mudanças de regras de comportamento nas sociedades secularizadas; da não-integração plena dos estratos sociais de mais baixa renda; e dos avanços tecnológicos. Mas aqui a situação é mais grave. O presidente Jair Bolsonaro sonha com uma “ditadura do Executivo”. Vive fazendo ameaças aos demais Poderes e energiza grupos radicais, alguns verdadeiras milícias políticas armadas, dispostos a defendê-lo a qualquer preço contra a oposição. O agravamento da crise social pela pandemia é um terreno fértil para a violência social e política, por causa do desespero das famílias que passam por necessidades, daí a importância da solidariedade com os menos favorecidos, os “invisíveis”, para mitigar suas dificuldades nessa crise sanitária, sobretudo a fome.

O inferno astral dele

O presidente Bolsonaro tem sérias razões para estar perdendo noites de sono. A primeira é, sem dúvida, a CPI da Covid. Além dela, há a Cúpula do Clima, quando será pressionado pelo presidente Biden por resultados concretos para a preservação da Amazônia e explicações sobre a denúncia do MPF de que há “violações sem precedentes na política indigenista”.

E há mais. Até a volta do Lula elegível está balançando o coreto de Bolsonaro, pois ela representa a ameaça de uma possível derrota numa eventual disputa eleitoral em 2022. Se os dois fossem para um segundo turno, o petista obteria 52% dos votos contra 34% do capitão, prevê uma pesquisa.

Em outra, o sonho da “pátria armada”, tão caro ao belicoso presidente, cai por terra, porque 72% dos brasileiros são contra a flexibilização da compra e do uso das armas. Com certeza, não querem estimular mais mortes — devem achar suficientes as 375 mil causadas por coronavírus e as 40 mil vítimas fatais de homicídio. Por via das dúvidas, a ministra Rosa Weber, do STF, suspendeu os decretos presidenciais com o mesmo objetivo.

“Por que o governo teme a CPI?”, queria saber em 2007 o então deputado federal Jair Bolsonaro, com a mesma pergunta que se faz hoje a ele, presidente. Ontem, como hoje, não houve resposta — talvez por não ser necessária: os fatos e as evidências respondem por si.

Bolsonaro fez o possível para impedir a instalação da CPI. Depois, tentou sabotá-la; em seguida, se movimentou para conseguir a maioria dos membros. O resultado é que, dos 11, quatro são governistas, três oposicionistas e quatro independentes. No domingo à noite, a GloboNews reuniu os senadores Omar Aziz e Renan Calheiros com os jornalistas Cecilia Flesch, Natuza Nery e Valdo Cruz para um debate inédito. Pela primeira vez, os membros de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (eles são os prováveis presidente e relator da CPI da Covid) vêm a público se comprometer que “tudo será investigado com absoluta isenção”. Eles pretendem convocar 15 nomes da cúpula do governo, entre os quais o ministro Paulo Guedes, além dos ex da Saúde, como Pazuello, os que o precederam e o atual. “Queremos também saber do ministro das Relações Exteriores por que Putin já se vacinou e nós ainda não temos a Sputnik. Assim como queremos descobrir quem lançou a tese da imunidade de rebanho.” Aziz, que é considerado independente, afirma que o governo “não fez absolutamente nada para impedir a entrada do vírus”. Ele deu como reforço de seu empenho em investigar tudo desde o começo o fato de ser do Amazonas, tendo vivenciado o sofrimento de seus conterrâneos.

Quando um deles disse que deixariam um “protocolo”, Natuza interrompeu, expondo sua “desconfiança”, porque a tarefa da CPI é sobretudo “passar a limpo”, descobrir e responsabilizar os culpados. Os senadores tentaram tranquilizar a jornalista, prometendo que não fariam apenas um “diagnóstico”, mas, sim, uma investigação completa.

Por fim, garantiram que não há a possibilidade de tudo acabar em pizza, como em tantas outras CPIs. É o que todos nós esperamos.

A guerra geoestratégica vacinal

É hoje consensual que a atual pandemia vai ficar conosco muito tempo. Vamos entrar num período de pandemia intermitente, cujas características precisas ainda estão por definir. O jogo entre o nosso sistema imunitário e as mutações do vírus não tem regras muito claras. Teremos de viver com a insegurança, por mais dramáticos que sejam os avanços das ciências biomédicas contemporâneas. Sabemos poucas coisas com alguma certeza.

Sabemos que a recorrência de pandemias está relacionada com o modelo de desenvolvimento e de consumo dominantes, com as mudanças climáticas que lhe estão associadas, com a contaminação dos mares e dos rios e com o desmatamento das florestas. Sabemos que a fase aguda desta pandemia (possibilidade de contaminação grave) só terminará quando entre 60% e 70% da população mundial estiver imunizada. Sabemos que esta tarefa é dificultada pelo agravamento das desigualdades sociais dentro de cada país e entre países, combinado com o fato de a grande indústria farmacêutica (Big Pharma) não querer abdicar dos direitos de patente sobre as vacinas. As vacinas são já hoje consideradas o novo ouro líquido, sucedendo ao ouro líquido do século XX, o petróleo.


Sabemos que as políticas de Estado, a coesão política em torno da pandemia e o comportamento dos cidadãos são decisivos. O maior ou menor êxito depende da combinação entre vigilância epidemiológica, redução do contágio por via de confinamentos, eficácia da retaguarda hospitalar, melhor conhecimento público sobre a pandemia e atenção às vulnerabilidades especiais. Os erros, as negligências e até os propósitos necrofílicos por parte de alguns dirigentes políticos têm resultado em formas de políticas de morte por via sanitária que designamos por darwinismo social: a eliminação de grupos sociais descartáveis por serem velhos, por serem pobres ou discriminados por razões étnico-raciais ou religiosas.

Sabemos, finalmente, que o mundo europeu (e norte-americano) mostrou nesta pandemia a mesma arrogância com que tratou o mundo não-europeu durante os últimos cinco séculos. Como imagina que o melhor conhecimento técnico-científico provém do mundo ocidental, não quis aprender com o modo como outros países do Sul Global têm lidado com epidemias e, especificamente, com este vírus. Muito antes que os europeus se dessem conta da importância da máscara já os chineses a consideravam de uso obrigatório. Por outro lado, devido a uma mistura tóxica de preconceito e de pressão por parte dos lobistas ao serviço das grandes empresas farmacêuticas ocidentais, a União Europeia (UE), os EUA e o Canadá recorreram exclusivamente às vacinas produzidas por estas empresas, com consequências que por agora são imprevisíveis.

Para além de tudo isto, sabemos que está instalada uma guerra geoestratégica vacinal muito mal disfarçada por apelos vazios ao bem-estar e à saúde da população mundial. Segundo a revista Nature de 30 de Março passado, o mundo precisa de onze bilhões de doses de vacina (na base de duas doses por pessoa) para atingir a imunidade de grupo a nível global. Até fins de fevereiro, estavam confirmadas encomendas de 8,6 bilhões de doses, das quais seis bilhões eram destinadas aos países ricos do Norte Global. Isto significa que os países empobrecidos, que constituem 80% da população mundial, terão acesso a menos de um terço das vacinas disponíveis. Essa injustiça vacinal é particularmente perversa porque, dada a comunicação global que caracteriza o nosso tempo, ninguém estará verdadeiramente protegido enquanto o mundo todo não estiver protegido. Acresce que, quanto mais tempo se demorar a atingir a imunidade de grupo global, maior é a probabilidade de as mutações do vírus se tornarem mais perigosas para a saúde e mais resistentes às vacinas disponíveis. Um estudo recente, que reuniu 77 cientistas de vários países do mundo, concluiu que dentro de um ano ou menos as mutações do vírus tornarão ineficaz a primeira geração de vacinas. Isso será tanto mais provável quanto mais tempo levar a vacinar a população do mundo. Ora, segundo os cálculos da People’s Vaccine Alliance, ao ritmo actual, apenas 10% da população dos países mais pobres estará vacinada até ao fim do próximo ano. Mais atrasos irão se traduzir em maior proliferação de notícias falsas, a “infodemia”, como lhe chama a OMS, que tem sido particularmente destrutiva em África.

É hoje consensual que uma das medidas mais eficazes será a suspensão temporária dos direitos de propriedade intelectual sobre as patentes da vacina para a covid por parte das grandes empresas farmacêuticas. Esta suspensão tornaria a produção de vacinas mais global, mais rápida e mais barata. E assim mais rapidamente se atingiria a imunidade de grupo global. Para além da justiça sanitária que essa suspensão permitiria, há outras boas razões para a defender. Por um lado, os direitos de patente foram criados para estimular a concorrência em tempos normais. Os tempos de pandemia são tempos excepcionais que, em vez de concorrência e rivalidade, exigem convergência e solidariedade. Por outro lado, as empresas farmacêuticas já embolsaram bilhões de euros de dinheiros públicos a título de financiamento para fomentar a pesquisa e o desenvolvimento mais rápido das vacinas. Acresce que há precedentes de suspensão das patentes, não só no caso dos retrovirais para controle do HIV, como no caso da penicilina durante a Segunda Guerra Mundial. Se estivéssemos numa guerra convencional, certamente a produção a distribuição de armas não estaria entregue ao controle das empresas privadas que as produzem. O Estado certamente interviria. Não estamos numa guerra convencional, mas os danos que ela causa na vida e no bem-estar das populações podem vir a ser similares (quase três milhões de mortos até hoje).

Não admira, pois, que exista hoje uma vasta coligação global de organizações não-governamentais, Estados e agências da ONU em favor do reconhecimento da saúde como um bem público e não como um negócio, e a consequente suspensão temporária dos direitos de patentes. Muito além das vacinas, este movimento global incide na luta pelo acesso de todos à saúde, pela transparência e controle público dos fundos públicos envolvidos na produção de medicamentos e de vacinas. Por sua vez, cerca de 100 países, liderados pela Índia e pela África do Sul, já solicitaram à Organização Mundial do Comércio a suspensão dos direitos de patente referentes às vacinas. Entre estes países não se encontram os países do Norte Global. Por essa razão, a iniciativa da Organização Mundial de Saúde para garantir o acesso global à vacina (COVAX) está destinada a fracassar.

Não esqueçamos que, segundo dados do Corporate Europe Observatory, a Big Pharma gasta por ano entre 15 e 17 milhões de euros para pressionar as decisões da União Europeia, e que o conjunto da indústria farmacêutica tem 175 lobistas em Bruxelas a trabalhar com o mesmo propósito. A escandalosa falta de transparência dos contratos sobre as vacinas é o resultado desta pressão. Se Portugal quisesse conferir distinção e verdadeira solidariedade cosmopolita à presidência atual do Conselho da União Europeia teria aqui um bom tema para protagonismo. Tanto mais que outro português, o secretário-geral da ONU, acaba de fazer um apelo no sentido de se considerar a saúde como um bem público mundial.

Tudo leva a crer que, neste domínio como noutros, a União Europeia continuará a abdicar de qualquer responsabilidade mundial. Com a pretensão de se manter colada às políticas globais dos EUA, pode neste caso vir a ser ultrapassada pelos próprios EUA. O governo Biden considera suspender a patente sobre uma tecnologia relevante para as vacinas desenvolvida em 2016 pelo Instituto Nacional da Alergia e Doenças Infecciosas.
 Boaventura de Sousa Santos