quinta-feira, 30 de junho de 2016

A saída possível

Muitas vezes somos assolados por um sentimento de impotência em relação ao futuro do Brasil. Afinal, por mais que caminhemos, parece-nos sempre que voltamos ao mesmo ponto em que a realidade de violência, corrupção e desinteresse pelo bem comum impõe-se como uma fatalidade. No entanto, há saídas e uma delas, a mais óbvia e mais duradoura, seria uma profunda mudança no nosso sistema de ensino. Não há país no mundo que tenha conseguido superar suas mazelas sem investir prioritariamente em educação. E o resultado aparece não apenas no aumento do nível cultural da população, mas reflete-se de maneira imediata nos índices econômicos. País educado é sinônimo de nação rica e socialmente mais equilibrada.

Para resolver nossos problemas devemos, antes de tudo, reconhecer que temos problemas. O Brasil mantém-se nos últimos lugares do ranking elaborado pelo Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA) que, desde sua criação em 2000, examina os conhecimentos de estudantes de 15 anos de 64 países nos campos da ciência, matemática e leitura. Segundo dados da ONG Todos pela Educação, 78,5% dos brasileiros terminam o ensino médio sem dominar minimamente a língua portuguesa. O Instituto Paulo Montenegro, em conjunto com a ONG Ação Educativa, encontrou 38% de analfabetos funcionais – pessoas que não conseguem interpretar textos simples – entre nossos universitários, e concluiu que 73% da população adulta – de 15 a 64 anos – não é plenamente alfabetizada. No ano passado, o Brasil destinou 6,6% do Produto Interno Bruto (PIB) à educação, maior que a média dos países filiados à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que é de 5,6%. No entanto, nosso gasto por aluno é três vezes menor - 2.900 contra 8.900 dólares. Então, o problema não é tanto o total de dinheiro destinado ao ensino público, mas a maneira como ele é gerido.


De acordo com a Pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem (Talis, na sigla inglesa), patrocinada pela OCDE, 90% dos professores brasileiros dos anos finais do ensino fundamental concluíram o curso superior, mas cerca de 25% não estão habilitados a dar aulas. Apenas 40% são empregados em tempo integral (contra 82% na média dos países da OCDE) e cada um administra 34 alunos em sala (contra 24 nos países da OCDE). Além disso, nossos professores dedicam 25 horas por semana às aulas, seis horas a mais que a média dos outros países, mas, deste total, 12% são gastos em tarefas burocráticas e 20% na tentativa de impor ordem à classe.

E aqui nos deparamos com o dado mais alarmante. Pesquisa da Talis mostra que o Brasil lidera os casos de violência nas escolas: 12,5% dos professores ouvidos relatou ser vítima de agressões verbais ou de intimidação de alunos pelo menos uma vez por semana, uma frequência quatro vezes maior que a média global. Segundo dados do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial de São Paulo (Apeoesp), 44% dos professores da rede pública do estado mais rico da União já sofreram algum tipo de violência em sala de aula. A hostilidade verbal é a forma mais comum (atingindo 39% dos docentes), seguida de assédio moral (10%), bullying (6%) e agressão física (5%). O estudo mostra também que quem mais sofre com a violência são os professores do sexo masculino que lecionam no ensino médio: 65% deles afirmam já terem sido agredidos.

Além de ter de conviver com a falta de infraestrutura adequada (prédios, móveis, bibliotecas, computadores), os professores ainda não contam com o apoio daqueles que deveriam ser seus principais aliados, os pais dos alunos. A educação válida, aquela que nos capacita para o exercício da cidadania, única garantia para uma sociedade democrática, tem que necessariamente ser compartilhada entre a família e o Estado. Em casa, adquirimos conhecimentos gerais e recebemos noções morais e éticas, valores que, introjetados, constituirão nosso ser pelo resto da vida. Na escola, espaço privilegiado de socialização, recebemos instrução, ou seja, somos alfabetizados, organizamos os conhecimentos gerais e exercitamos as noções morais e éticas. Apenas 12,6% dos professores acredita que sua profissão é valorizada pela sociedade, contra a média global de 31%. Esse desinteresse pelos educadores transparece no valor da remuneração de seu trabalho. A média salarial é de 2.181,00 reais para professor de ensino fundamental e 2.476,00 reais para o ensino médio por 40 horas semanais. O piso nacional, que nem todos os estados respeitam, é de 2.135,64 reais – salário quase 70% menor que o praticado nos países desenvolvidos.

O sonho da TV pública acabou?

A manchete do GLOBO desta segunda-feira mostra que as estatais contrataram 56 mil servidores em quatro anos e revela um dado estarrecedor sobre a Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Seu número de funcionários cresceu nada menos que 180%; foi de 913 para 2.564.

A EBC é a controladora da TV Brasil, também conhecida por TV Lula, que, desde sua criação, há nove anos, não apenas não conquistou um ponto sequer de audiência, como deixou de cumprir ou mesmo de estabelecer metas artísticas, criativas ou de qualquer natureza televisiva.

A título de comparação, vale a pena lembrar que a Rede Bandeirantes, uma das mais modernas do país, tem menos de quatro mil funcionários. E que a Rede Globo, uma das cinco maiores do mundo, tem cerca de 18 mil.

O governo Temer, que vem ameaçando extinguir a empresa desde que o presidente interino se viu impedido de substituir um diretor, ganha agora forte munição para isso. Os opositores do atual governo despejam na opinião pública frases de efeito como “Temer quer destruir a TV pública”, quando, na verdade, o quadro é o oposto.

Charge O Tempo 29.6.2016

Logo no início do primeiro governo Lula, o PT criou inéditas condições políticas para que o país investisse meio bilhão de reais na formação de uma rede pública de TV. O governo acenava para algo que era verdadeiro: a necessidade de se construir uma televisão pública forte, que trafegasse lado a lado com a poderosa estrutura da TV privada do país. Alavancou para isso pelo menos dois grandes seminários nacionais — um no Rio, outro em Brasília — onde especialistas do Brasil e do mundo debateram os valores de uma televisão gerida pela sociedade e a conveniência da medida.

A criação da EBC foi uma bela conquista política, mas, no momento seguinte, ficou claro que não havia a mínima intenção de colocar em prática tudo o que havia sido prometido. Seminários e o desfile de nobres intenções eram apenas a máscara para a construção de mais uma estatal voltada para o aparelhamento, o empreguismo e o desperdício de dinheiro público.

Tudo isso é quase nada em comparação com a ética desse engodo; com o que representou a mobilização da consciência da sociedade brasileira em torno da necessidade de se criar uma TV pública, imediatamente derrubada pela revelação do que efetivamente se estava fazendo. Foi, portanto, o PT, e não o governo Temer, que destruiu a televisão pública no Brasil — e não há dinheiro que pague isso.

Dos quase três mil funcionários que hoje são pagos pelo contribuinte, contam-se nos dedos os que foram instruídos para moldar uma TV capaz de criar, ousar, retornar de alguma forma à sociedade aquilo que ela está gastando. A uma televisão privada que é respeitada em todo o mundo, a TV pública brasileira sequer procurou agregar um frame de inovação. E se tivesse agregado, isso não seria percebido. A TV Brasil até hoje não entra em São Paulo e, no Rio, o sinal para as operadoras de cabo ainda é enviado por VHF — razão pela qual é provavelmente a única emissora do mundo que chega aos usuários de TV por assinatura com fantasmas, ruídos e outras imperfeições típicas da TV aberta dos anos 80.

Por ironia, o bom exemplo está na porta do vizinho. Em São Paulo, a TV Cultura desenvolve hoje uma das melhores programações do país, com um jornalismo — através de programas como o “Jornal da Cultura” e o “Roda Viva”, por exemplo — que nada deixa a dever às melhores televisões públicas do mundo.

Ainda assim, a virtual extinção da EBC não representaria apenas o fechamento de mais uma empresa corrompida. Poderia ser o sepultamento de um sonho bom que, ainda com más intenções, foi propagado quando o primeiro governo petista ainda tinha um imenso aval popular. Este é um ativo que o governo tem como preservar. O desafio agora consiste em apagar o que foi feito e, ainda assim, manter a ideia de uma TV pública de verdade — o que é muito maior que simples políticas viciosas. Empresas podem morrer; utopias, não.

Nelson Hoineff

Brasil no pau-de-arara

Por força desse comportamento reiterado das autoridades - "Eu sou autoridade, você não é ninguém, portanto,cale-se", é que o país está desse jeito.
Não me calo. diante do autoritarismo, diante da injustiça, diante dos comportamentos ditatoriais que nós temos verificado neste País
Janaína Paschoal 

Um jovem universitário, em São Paulo, foi executado militarmente pela política depois de furar uma blitz policial. Os policiais envolvidos foram afastados e cumprem funções internas enquanto se investiga a participação deles.

O ex-ministro Paulo Bernardo teve revogada sua prisão. Sem foro privilegiado, apesar de todos os indicativos de seu connhecimento e participação no assalto a funcionários e pensionistas públicos com o crédito consignado, ainda assim o ministro do STF, Dias Toffoli, considerou a prisão um "constrangimento ilegal".

O Brasil continua  o paraíso que privilegia a autoridade, seja ela da polícia ou da política, em detrimento do cidadão. Um país de duas caras. A primeira concede a liberdade e a liberalidade sob os risos de felicidade; a outra, uma carranca de desprezo, autoritária, espalhando choro e ranger de dentes. O cidadão sem farda vai logo para o xilindró; sem amizade política, paga como pena multas injustificáveis quando não, se pobre, em presídios dos mais desumanos do mundo.

Se o mundo mudou, o Brasil sobrevive socialmente entre a casa-grande e a senzala sob os holofotes edulcorados da auto-propaganda. Mudança, como se espera, haverá compulsoriamente quando talvez daqui a 100 anos o planeta estiver mudado. Mas não no momento enquanto se cultivar tanto o privilégio da "autoridade" sobre a cidadania.

Tão perto! Tão longe!

Desde que a Lava-Jato demonstrou que o PT é o Eduardo Cunha e vice-versa, e que há muito pouca coisa entre os dois que se diferencie radicalmente de ambos, o Brasil está paralisado na sua perplexidade.

Seriam, de fato, os R$ 0,85 de cada mensalidade embolsados pelo ministro Paulo Bernardo o maior escândalo desses “empréstimos consignados” com juros subsidiados que já montam a R$ 281 bi (4,5% do PIB) para a casta dos “com tudo” ao lado dos mais de 400% ao ano de juros do cartão do desespero dos “sem nada” de quem o Estado já toma outros 46% do PIB (36% de carga + 10% de déficit)? Pense bem: o Bolsa Família, sempre aventado como desculpa para manter os ladrões onde estão, custa 0,3% do PIB…

Este país de avessos, onde as escolas é que estão “ocupadas” e estudar passou a ser uma atividade clandestina que a polícia reprime de preferência a quem trata de impedi-la, teve tempo de sobra para acostumar-se com isto em que se transformou. Os sindicatos-impostos de Getulio Vargas evoluíram do primeiro e único ao 15º milésimo de hoje e a metástese prossegue sem combate ao ritmo de 280 novos por ano. E daí saltamos com toda a naturalidade para os nossos por enquanto 35 partidos-impostos a quem pagamos horários-impostos para que nos ofendam e humilhem diariamente na TV, tudo sob a proteção dos “movimentos-sociais-impostos” recheados de militantes-impostos que nos cobram hora-extra para viajar em ônibus-impostos para onde quer que sejam convocados para defender a intocabilidade dos “seus” impostos. Passados 80 anos eis-nos bancando festas nos palácios com impostos diretamente arrancados às favelas…

Com toda a barreira de silêncio que ainda protege da exposição à execração pública que merece o mundo da côrte movida a impostos onde “demissão” não consta do dicionário, “auxílio” não é renda e os salários continuam subindo 60 bilhões por ano em meio ao pânico aqui fora, bate na cara do país inteiro o verdadeiro divisor de águas – contribuíntes x “contribuidos” – que separa os dois Brasis e não se encaixa nem a murro no repertório “esquerda-direita” dos nossos ditadores de “correção política”.

Agora temos o ciclo completo. Do imperador ao proletário, todos que estiveram no comando do “Sistema” colheram variações do desastre que é só o que ele pode produzir ou, no máximo, suspenderam temporariamente seus efeitos. Caiu finalmente a ficha. É tudo uma fraude. Tudo tem sido uma fraude. E o país que não se assume como desonesto calou-se…

Tão perto! Tão longe!

O buraco é de dar vertigem mas o tamanho do nosso atraso é o nosso maior trunfo. O mundo está todo numa encruzilhada mas é uma encruzilhada lá na frente. Tudo que diferencia o 1º do Último Mundo é, hoje, estrada batida. Para percorrê-la basta se dispor a tanto. Você saberá que o Brasil tem cura quando se começar a afirmar em voz alta, por aí, as duas balizas mais elementares da democracia plantadas ha mais de 300 anos. Apoiar o discurso do ajuste das contas públicas no princípio da igualdade perante a lei colocando na linha de cortes todos os “direitos” e isenções que não sejam comuns a todos os brasileiros é a única maneira de desarmar o torneio entre padrinhos de privilégios à custa do aprofundamento da corrupção e da miséria em que ele, mais uma vez, se vai transformando. Redefinir o direito de representação confirmando exclusivamente o dos sindicatos, partidos políticos e entidades que forem capazes de conquistá-lo e mante-lo por livre eleição e financiamento dos seus representados é o único modo objetivo de sairmos do feudalismo e começarmos a nos beneficiar do processo de depuração recorrente inerente aos sistemas democráticos. A “cláusula de barreira” que o STF matou não era mesmo a melhor solução pois cuidava só de represar a lama incessantemente produzida por um sistema torto e corrupto que acabará sempre, inevitavelmente, em “desastres da Samarco” com “danos ambientais” permanentes.

Para que “as instituições funcionem” de fato não é a letra, é a essência democrática da Constituição, definida nos seus artigos iniciais, que tem de ser imposta acima de tudo e de todos, começando pelo desafio jurídico de toda a vasta massa de exceções e penduricalhos esboçados nos que lhe foram acrescentados na sequência e estão em conflito insanável com eles.

Quando não foram diretamente protagonizadas pelo Poder Judiciário, como as da Inglaterra do século 17 que criaram a democracia moderna, as poucas revoluções verdadeiras que a história da humanidade registra – não confundir com os banhos de sangue recorrentes para troca de comandantes de monarquias ou ditaduras das culturas latinas – consolidaram-se (ou não) nas reformas jurídicas que foram empurrando a humanidade para fora do padrão geral do privilégio institucionalizado e para dentro da igualdade perante a lei cujo corolário obrigatório é sair do “a cada um segundo o seu grau de cumplicidade para com os crimes do rei” e enveredar pelo muito menos venenoso “a cada um segundo o esforço investido na obra coletiva”.

O que houve de empolgante no atual processo brasileiro foi exatamente o fato de ter ele partido do Poder Judiciário. Com as condenações do “mensalão” o Brasil acordou para o fato de que não é obrigatório, afinal, que o crime vença sempre, e foi às ruas para comemorar esse quase milagre e empurrar para adiante a “marolinha” que, a partir de Curitiba, assumiu ares de tsunami e ameaça fazer escola.

O Brasil Velho está vivo como prova o fato de todos os ladrões estarem presos e continuarem soltos os seus chefes. Mas o Novo não dá sinal de abandonar a arena. Seria uma excelente bandeira para essa OAB reconciliada com sua tradição histórica de alinhamento com o que é justo tomar a si, junto com os movimentos de rua, esse “Mutirão pela Igualdade Perante a Lei”, de modo a forçar o país inteiro a tomar posição em relação ao que ha de mais essencial numa ordem realmente democrática.

Dois presidentes são nenhum

Caso não tenha mudado de ideia, a presidente afastada Dilma Rousseff estará viajando hoje para Belém às custas de donativos da direção do PT para ressarcir a viagem aérea, possivelmente num avião da Força Aérea. Depois de muito meditar, Madame e sua turma desistiram de utilizar uma aeronave particular. Preferiram os meios oficiais, por questões de segurança, mas como só tinham autorização para voar de graça no trajeto Brasília-Porto Alegre-Brasília, optaram por arcar com as despesas. Organizaram uma célebre “vaquinha”, reunindo doações dos companheiros. Ignora-se quanto custará o périplo, muito menos como os recursos chegarão à FAB.

Mais uma trapalhada da presidente afastada. Primeiro porque não deveria estar viajando pelo país inteiro, prerrogativa incompatível com sua quarentena. Depois, porque o PT não existe para custear despesas particulares. Acresce que se fosse imprescindível seu deslocamento à capital do Pará, deveria ter apelado para suas reservas privadas.

De qualquer forma, lá se vai a presidente para mais uma de suas múltiplas incursões fora de hora, quando deveria estar cuidado de sua defesa, procurando anular o afastamento quando se esgotarem os 180 dias fora do poder. Pelo jeito, parece perto da saída definitiva.

Enquanto isso, o país parou. Michel Temer esforça-se inutilmente para governar. Teria essa condição caso estivesse no exercício pleno de suas funções. Dois presidentes da República são nenhum, mais ou menos como no final de sua vida Luiz Carlos Prestes definia o Partido Comunista: “Não é partido e não tem comunistas”.

Acabou a espera de João por uma vaga na UTI em Brasília. Ele

João Rosa do Nascimento, 55 anos, peão de obra desempregado, esperou por 84 horas para ser transferido a uma Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) que vagasse em qualquer hospital de Brasília.

Estava em coma induzido por conta de um derrame. Seus filhos conseguiram três ordens judiciais para obrigar o Governo do Distrito Federal a acomodá-lo em um quarto de UTI. Tudo em vão.

Ontem, pouco antes de 22h, João sofreu a quarta parada cardíaca desde que deu entrada no hospital do Paranoá, a menos de 20 minutos de carro do prédio do Ministério da Saúde.

Aparelhos hospitalares defeituosos, essenciais no tratamento de pacientes em estado grave, estão encostados em uma sala no hospital do Paranoá a espera de reparos (Foto: Guga Noblat)
Foto: Guga Noblat
Morreu numa cama de uma das salas do pronto socorro do hospital. Em outras dependências do hospital, amontoam-se aparelhos de UTI sucateados

João chegou ao hospital no domingo depois de sentir tonteira e formigamentos no momento em que tomava o café da manhã. Era um Acidente Vascular Cerebral (AVC), comumente chamado de derrame.

Ontem à tarde, o secretário de Saúde, Humberto Fonseca, disse a este blog que a condição dele era estável, apesar de demandar cuidados de uma UTI.

Como havia casos mais urgentes, João teria que continuar esperando a abertura de uma vaga, avisou Fonseca. São 800 quartos de UTI em Brasília, 80 vagos por falta de médicos e de enfermeiras.

O drama de João com o sistema público de Saúde do Distrito Federal começou no ano passado quando ele quebrou a mão e não recebeu o tratamento adequado.

João precisava passar por uma cirurgia que nunca aconteceu. Por isso, acabou demitido do emprego. Trabalhava com construção civil.

Sua maior paixão era construir casas. Outra paixão era pescar.

Na semana que antecedeu ao derrame, ele foi todos os dias as hospital do Paranoá para tentar marcar a cirurgia da mão que deveria ter sido feita há oito meses.

“Só que a burocracia do Estado não permitiu que ele se operasse”, queixa-se Vando, um dos sete filhos de João.

João chegou a Brasília há 40 anos. Veio da pequena Itumbiara, em Goiás. Na capital, apaixonou-se por Aparecida de Jesus do Nascimento com quem logo se casou.

A família dependia do seu trabalho para se manter. E assim foi por pouco mais de 20 anos.

O funeral de João será hoje na cidade de Planaltina.

Quem tem pena do cidadão comum?

Desde que a reputação de herói começou a forjar a armadura com a qual a opinião pública nacional protege a condição incólume da ação do juiz federal paranaense Sergio Moro, a inveja, o ciúme e o instinto de sobrevivência de alguns colegas de ofício dele passaram a maldizê-la com fervor. A primeira arma dessa luta vã é retórica: o comandante da Operação Lava Jato “não é nem pode ser o único juiz honesto do Brasil”. Isso não basta para convencer o cidadão comum a abrir mão da “república de Curitiba”, amada pelos representados e temida pelos representantes de nossa democracia cabocla, pois esta preserva um raro resquício do conceito basilar do Estado Democrático de Direito, até segunda ordem vigente entre nós: a igualdade de todos perante a lei. Em seguida a esse desafio, a esperança de mantê-la, ressurgida nos dois mensalões, o tucano e o petista, começou a plantar êmulos de Moro pelo País afora. Colegas menos expostos à luz dos holofotes se dispuseram a mostrar que há juízes em Berlim. E até mesmo fora do Paraná.

Na semana passada, emergiu do noticiário outro desses exemplos de que nem tudo é procrastinação no Judiciário pátrio. Chama-se Pedro Bueno de Azevedo, tem 38 anos e chefia a 6.ª Vara Criminal em São Paulo. De suas decisões emergiu a Operação Custo Brasil, que revela uma das maiores ignomínias perpetradas por criminosos de colarinho branco na História de nossa República: o pagamento de propinas ao partido político que capitaneia o time que governou o Brasil durante 13 anos, quatro meses e 12 dias, até o impeachment de Dilma Rousseff. Não é o maior no volume de furto. Mas o mais indecente na natureza do butim: o pagamento de propina para políticos fiéis a esse desgoverno e a seu partido, o PT, tungando sem anuência da folha de pagamento de um ministério, o do Planejamento, a cada mês e em taxas módicas, o suficiente para passar em brancas nuvens e “sair na urina”. Paulo Bernardo, duas vezes ex-ministro, despontou no alto da ponta desse iceberg.

O fio da meada da devassa, feita pela Polícia Federal (PF) e pelo Ministério Público Federal (MPF) sob a égide de um juiz isento e insuspeito, foi puxado do depoimento do vereador Alexandre Romano, de Americana, na Operação Lava Jato. Não há, contudo, como estabelecer conexão com um laivo de perseguição do implacável Moro e seus intocáveis. Tornada notória na mesma ocasião em que o coordenador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, cunhou o lema do caráter devastador do roubo generalizado do dinheiro público no Brasil – “a corrupção é um serial killer sorrateiro” –, a operação jurídico-policial carrega a denominação mais exata do que qualquer outra antes empreendida. Custo Brasil diz tudo.

Os funcionários que tomaram empréstimos consignados de 2010 a 2015 pagaram R$ 1,25 pelos serviços da consultoria Consist, que, na verdade, custaram R$ 0,30, ou seja, um quarto. Do restante foram originados os R$ 100 milhões entregues aos ex-tesoureiros do Partido dos Trabalhadores João Vaccari Neto e Paulo Ferreira. Ex-deputado federal pelo PT do Paraná, o ministro do Planejamento de Lula e de Comunicações de Dilma ficou, segundo os investigadores, com R$ 7 milhões. Isso parece lana-caprina se comparado com os bilhões furtados de Petrobrás, BNDES e fundos de pensão.

Mas o procurador Andrey Borges de Mendonça, ao descrever o furto, lembrou que “a corrupção não é um privilégio da Petrobrás”, ela “está espraiada como um câncer”, e “o coração do governo estava agindo por esse mal”. Esse vício maligno, descrito por Dallagnol como “uma assassina sorrateira, invisível e de massa… que se disfarça de buracos de estradas, de falta de medicamentos, de crimes de rua e de pobreza”, acabou flagrado ao sair do bolso dos contribuintes para rechear contas bancárias de bandidos, passando pela folha de pagamento de servidores enganados de forma fria e cruel.

A Custo Brasil desnuda ainda uma expressão funesta da representatividade de nossa democracia: o corporativismo nefasto de “representantes” dos cidadãos, que mimam parceiros da corporação política e esquecem os representados. O PT, fundado para pôr fim à politicagem e à corrupção, não se solidarizou com os servidores, dos quais 46% dos sindicatos são filiados à CUT, nem com os mutuários de “sua” Bancoop ou os acionistas de “nossa” Petrobrás. Mas, sim, com ex-tesoureiros e mandatários vassalos do desgoverno afastado.

O Senado, por decisão do presidente, Renan Calheiros (PMDB-AL), exigiu do Supremo Tribunal Federal (STF) a anulação da busca e apreensão na casa de Bernardo, pedida pelos promotores, autorizada pelo juiz e efetuada pelos policiais. Motivo: o preso é casado com uma ex-chefe da Casa Civil de Dilma, Gleisi Hoffmann, que, senadora, tem direito a impunidade seletiva, vulgo foro privilegiado. Assim, o “direito alagoano” reescreve o romano e o anglo-saxônico ao instituir o puxadinho do privilégio, garantido no foro de Murici, em que os dois gozam o benefício de um pelo tálamo de ambos

Essa comiseração corporativista inspirou a desfaçatez dos maganões. Com o tom exaltado com que execra Dilma, mas sem mais autoridade para manter a exaltação ao impeachment, o líder tucano na Casa, Cássio Cunha Lima, vociferou contra a violência de juiz, promotores e policiais, que “humilharam” a coleguinha casada com o indigitado. Sem levar em conta que o juiz tinha vedado na busca a coleta de quaisquer pertences ou documentos da esposa do procurado. O insigne líder do partido, que jura fazer oposição, não fez justiça aos funcionários furtados, mas aderiu ao coro mudo dos omissos, em que petroleiros calam quanto à bancarrota da Petrobrás, bancários ignoram o uso desavergonhado do BNDES e sindicalistas, o arrombamento dos fundos de pensão.

Na algaravia geral brasileira não se ouve uma só voz que se apiede do cidadão comum ou zele pela Pátria, mãe gentil.

José Nêumanne

Delação coletiva

A ideia é maluca, mas a solução talvez possa estar numa delação premiada coletiva, tanto por parte dos políticos quanto dos empresários, mesmo no caso dos que cometeram apenas pecado venial. Todos nós, na verdade (como disse o papa Francisco em relação aos gays), deveríamos pedir perdão ao país (e ao mundo) no qual vivemos. É da palavra “perdão” que estamos necessitados. É esse o termo que todos – nós, políticos e empresários – precisamos incorporar. E ela só não basta. Ajamos, sem medo, em favor de reformas profundas já. E antes que os injustiçados se rebelem
Ou estamos à espera de uma rebelião fratricida?!

Acílio Lara Resende, 'Que este desabafo sirva, pelo menos, como mais um alerta"

Brasil lidera índice de número de partidos

PP, PTB, PSC, PMDB, PEN, PT, PSDB, PR, PSB, PSD, DEM, PRB, PDT, PTN, PTdoB, PSL, SD, PCdoB, PPS, PHS, PV, PSOL, PROS, REDE, PMB, PRP e PRTB. Essa é a sopa de letrinhas dos 27 partidos que integram nossa Câmara de Deputados, a mais fragmentada do mundo.

A anormalidade brasileira é um dos fatores que explicam a enorme turbulência que se abateu sobre o sistema presidencialista brasileiro. Dezenas de partidos para negociar no Congresso e uma presidente com pouco traquejo político, junte-se a isso uma recessão econômica profunda e um gigantesco escândalo de corrupção, eis a receita para a maior crise em décadas.


Segundo levantamento publicado neste ano pela Universidade de Gotemburgo, na Suécia, o Brasil tem o maior número de partidos com força política na Câmara em um conjunto de 110 países monitorados.

A comparação internacional usou dados de 2011. Naquele ano, o número de partidos políticos efetivos do país era 11, segundo o Instituto de Qualidade de Governo da universidade. A média mundial era 4,1.

Para efeitos de comparação, considerando números arredondados, Índia tinha 8; Argentina, 7; Alemanha, 6; México, 4; e Estados Unidos, 2, os conhecidos partidos Democrata e Republicano.

Esse índice é o mais usado para fazer comparações internacionais. A partir de uma fórmula que leva em conta o número total de cadeiras na Câmara dos Deputados e a quantidade de parlamentares por legenda, calcula-se o número de partidos que têm votos suficientes para influenciar o resultado das votações.

Há consenso de que esse número subiu ainda mais nos últimos anos no país. Segundo cálculo do cientista político Michael Gallagher, especialista no tema da Universidade Trinity, na Irlanda, a quantidade de partidos políticos efetivos no Brasil deu um salto na última eleição, tendo passado de 11 em 2010 para 14 em 2014.

Segundo o cientista político Sérgio Abranches, o índice costuma ser um bom parâmetro do que se observa na prática sobre quantos partidos têm, de fato, poder de influenciar e bloquear discussões no Congresso.

Um número muito baixo de partidos pode indicar um problema de representação em países como grupos sociais diversificados. Já um índice alto indica maior dificuldade para o presidente formar uma base parlamentar que lhe dê governabilidade.

Abranches foi quem cunhou, no fim dos anos 1980, o termo "presidencialismo de coalizão" para classificar o sistema político brasileiro que nascia com a redemocratização. Ele previa que as grandes desigualdades sociais e regionais do país levariam ao crescimento do número de partidos, o que obrigaria à legenda vencedora das eleições presidenciais a se aliar com outras para poder governar.

O problema, nota ele, é que as regras eleitorais do país acabaram criando incentivos para a multiplicação dos partidos, levando a uma hiperfragmentação que torna "mais cara" a gestão da coalizão.

"Digo mais cara no sentido técnico da palavra, sem levar em consideração qualquer aspecto de corrupção. Exigem-se mais concessões do presidente, tanto no sentido de compartilhar o governo (com cargos), como no sentido de abrir mão de posições programáticas para encontrar uma mediana entre os partidos e implementar um conjunto de políticas públicas", explica ele.