sábado, 19 de março de 2022
Educação é desenvolvimento
O Brasil é um país em compasso de espera. Seguimos aquém do nosso potencial, marcados por abissal desigualdade e um racismo que atravessa estruturas e instituições, sem conseguir projetar os caminhos para um desenvolvimento social, ambiental e econômico consistente, justo e adequado aos parâmetros do século XXI. Educação é variável chave para resolver essa equação.
Nesta coluna inaugural cito alguns trabalhos de economistas que se dedicaram a investigar a relação entre educação, desenvolvimento social e o crescimento econômico, sem pretensão de esgotar o debate que atravessa vários campos de saberes.
Em artigo de 2009, Eric Hanushek e Ludger Woessmann apontaram que maiores níveis de escolarização e da qualidade do ensino — medidos no Pisa, exame internacional da OCDE — geram maior crescimento econômico.
Em 2018, quando esteve aqui, Hanushek estimou que se todos os jovens completassem o ensino médio com qualidade, o PIB brasileiro seria elevado em 16%, e os salários médios seriam 30% maiores.
Investimentos que garantam a permanência na escola e uma educação com altas expectativas e qualidade para todos geram retornos além dos mensurados em testes ou indicadores econômicos.
Estudos de James Heckman, Nobel de Economia em 2000, e de vários pesquisadores demonstram que programas bem desenhados e implementados para a primeira infância têm impacto duradouro em toda a vida adulta, reduzindo taxas de criminalidade e gravidez precoce não planejada e aumentando a conclusão do ensino médio, empregabilidade e a renda do trabalho.
Considerando esses impactos mais amplos, Ricardo Paes de Barros e coautores estimam que o Brasil perde R$ 214 bilhões por ano por causa da evasão escolar. Naércio Menezes Filho e Luciano Salomão mostraram que cidades em que mais estudantes completam o ensino médio com melhores notas no Enem apresentam maior redução em homicídios entre jovens, aumento de matrículas no ensino superior e geração de empregos para essa faixa etária.
Mais ainda, a educação tem enorme potencial de redução da pobreza e das desigualdades, como indicam diversos estudos de Esther Duflo e Abhijit Banerjee, Nobel de Economia em 2019.
Vale lembrar que, além dos retornos econômicos e sociais, a garantia de educação de qualidade para todos é um direito constitucional. E na quadra atual — marcada pelo aumento da desigualdade interna e entre países; pela expansão de movimentos e governos autoritários que põem em xeque a democracia; pelo crescimento de movimentos anticiência; e pelos desafios da emergência climática e ambiental — trata-se também de um imperativo ético.
Nesse sentido, Amartya Sen, Nobel de Economia em 1988, vincula a expansão das liberdades substantivas e das capacidades individuais às possibilidades concretas de desenvolvimento. Ao propor uma visão de “desenvolvimento como liberdade” indica caminhos transformadores e opostos aos modelos que percorremos em nossa História, mais marcada pelo que eu denominaria de desenvolvimento como exclusão.
Nossas recorrentes opções pelo crescimento econômico esvaziado de sentido humano e dissociado do compromisso com a equidade, a mobilidade social e a responsabilidade socioambiental colocam a sociedade brasileira em estado de suspensão, na condição de um eterno vir a ser.
Sem uma educação que garanta o desenvolvimento pleno e integral dos estudantes, com as competências cognitivas, socioemocionais, morais e éticas aderentes aos desafios da sociedade contemporânea do conhecimento, consolidaremos uma restrição estrutural das potencialidades não só dos indivíduos, mas também do país.
Não podemos seguir negligenciando a educação, nem permitindo que o Brasil reproduza suas desigualdades, com concentração de oportunidades e a naturalização do abandono dos vulneráveis.
Decidir como será a nossa educação significa decidir também quem queremos ser e aonde queremos chegar. É a partir da garantia de uma educação de qualidade — e qualidade só faz sentido se for para todos — que teremos melhores cidadãos e profissionais, um ambiente politicamente mais estável e maduro, socialmente mais virtuoso e criativo, e economicamente mais dinâmico e produtivo.
A mudança é urgente e só vai acontecer a partir de um grande esforço coletivo pela educação. Iremos nos engajar? Como vamos colocar energia, talento e recursos nessa transformação?
Nesta coluna inaugural cito alguns trabalhos de economistas que se dedicaram a investigar a relação entre educação, desenvolvimento social e o crescimento econômico, sem pretensão de esgotar o debate que atravessa vários campos de saberes.
Em artigo de 2009, Eric Hanushek e Ludger Woessmann apontaram que maiores níveis de escolarização e da qualidade do ensino — medidos no Pisa, exame internacional da OCDE — geram maior crescimento econômico.
Em 2018, quando esteve aqui, Hanushek estimou que se todos os jovens completassem o ensino médio com qualidade, o PIB brasileiro seria elevado em 16%, e os salários médios seriam 30% maiores.
Investimentos que garantam a permanência na escola e uma educação com altas expectativas e qualidade para todos geram retornos além dos mensurados em testes ou indicadores econômicos.
Estudos de James Heckman, Nobel de Economia em 2000, e de vários pesquisadores demonstram que programas bem desenhados e implementados para a primeira infância têm impacto duradouro em toda a vida adulta, reduzindo taxas de criminalidade e gravidez precoce não planejada e aumentando a conclusão do ensino médio, empregabilidade e a renda do trabalho.
Considerando esses impactos mais amplos, Ricardo Paes de Barros e coautores estimam que o Brasil perde R$ 214 bilhões por ano por causa da evasão escolar. Naércio Menezes Filho e Luciano Salomão mostraram que cidades em que mais estudantes completam o ensino médio com melhores notas no Enem apresentam maior redução em homicídios entre jovens, aumento de matrículas no ensino superior e geração de empregos para essa faixa etária.
Mais ainda, a educação tem enorme potencial de redução da pobreza e das desigualdades, como indicam diversos estudos de Esther Duflo e Abhijit Banerjee, Nobel de Economia em 2019.
Vale lembrar que, além dos retornos econômicos e sociais, a garantia de educação de qualidade para todos é um direito constitucional. E na quadra atual — marcada pelo aumento da desigualdade interna e entre países; pela expansão de movimentos e governos autoritários que põem em xeque a democracia; pelo crescimento de movimentos anticiência; e pelos desafios da emergência climática e ambiental — trata-se também de um imperativo ético.
Nesse sentido, Amartya Sen, Nobel de Economia em 1988, vincula a expansão das liberdades substantivas e das capacidades individuais às possibilidades concretas de desenvolvimento. Ao propor uma visão de “desenvolvimento como liberdade” indica caminhos transformadores e opostos aos modelos que percorremos em nossa História, mais marcada pelo que eu denominaria de desenvolvimento como exclusão.
Nossas recorrentes opções pelo crescimento econômico esvaziado de sentido humano e dissociado do compromisso com a equidade, a mobilidade social e a responsabilidade socioambiental colocam a sociedade brasileira em estado de suspensão, na condição de um eterno vir a ser.
Sem uma educação que garanta o desenvolvimento pleno e integral dos estudantes, com as competências cognitivas, socioemocionais, morais e éticas aderentes aos desafios da sociedade contemporânea do conhecimento, consolidaremos uma restrição estrutural das potencialidades não só dos indivíduos, mas também do país.
Não podemos seguir negligenciando a educação, nem permitindo que o Brasil reproduza suas desigualdades, com concentração de oportunidades e a naturalização do abandono dos vulneráveis.
Decidir como será a nossa educação significa decidir também quem queremos ser e aonde queremos chegar. É a partir da garantia de uma educação de qualidade — e qualidade só faz sentido se for para todos — que teremos melhores cidadãos e profissionais, um ambiente politicamente mais estável e maduro, socialmente mais virtuoso e criativo, e economicamente mais dinâmico e produtivo.
A mudança é urgente e só vai acontecer a partir de um grande esforço coletivo pela educação. Iremos nos engajar? Como vamos colocar energia, talento e recursos nessa transformação?
Matar e morrer na Ucrânia por quê
Em meados do século XVI, Étienne de La Boétie escreveu o “Discurso da servidão voluntária”. Sua preocupação dizia respeito às causas da dominação de poucos sobre muitos, e a como estes aceitam: “De onde um só tira o poder para controlar todos?”.
Quando um homem determina que outros milhões caminhem para a guerra, é algo questionável, mas que alcança o paroxismo quando essas pessoas obedecem. A guerra não tem outro significado além de matar e morrer. Matar quem e morrer por que ou por quem? Certamente, soldados são enviados para guerras para eliminar pessoas que jamais viram na vida. Pessoas que têm famílias, paixões, histórias, sentimentos. Nesse ínterim, crianças, mulheres e idosos são assassinados; prédios, esculturas, estradas, construídos por várias gerações, são destruídos instantaneamente por bombas.
As perguntas que devemos fazer são:
1) o que pode justificar uma guerra que tire vidas?
2) como uma guerra pode ser aprovada sem um plebiscito que expresse a vontade da maioria? Regimes que aprovam guerras sem consulta popular podem ser considerados democracias?
3) por que quem declara guerra não vai para o front como parte da infantaria do seu exército? É covarde alguém declarar guerra e ficar num palácio em absoluta segurança? Os filhos das elites servem aos quartéis ou, majoritariamente, jovens pobres, sem perspectiva, seguem a vida militar? Os corpos dos soldados são tidos como sub-humanos e não representam nada para os governantes que impõem a guerra?
O militarismo e a sua lógica não existem apenas na Rússia e na Ucrânia. O colonialismo, como nos ensina Frantz Fanon, foi resultado direto do militarismo. Foram homens armados dos Estados europeus que subjugaram, escravizaram e humilharam milhões de indígenas e africanos que consideravam abaixo da linha da humanidade, como advogam teóricos contra os resquícios do colonialismo (da Teoria Decolonial). Os regimes nazifascistas do século XX tinham o militarismo e o paramilitarismo como pontas de lança, assevera Michel Foucault. Dessa maneira, judeus e todos considerados de esquerda foram perseguidos, presos e enviados para campos de concentração, como se animais fossem para o abate.
Nos dias atuais, milhões do nosso orçamento são destinados para compra e manutenção de armamentos, enquanto em escolas e hospitais falta o básico. É importante destacar que o atual governo incrementou o orçamento para a pasta dos militares.
Nosso presidente declarou neutralidade diante do que vem acontecendo na Ucrânia. É desalentador, mas talvez explique por que nossos militarismo e paramilitarismo matam jovens negros e indígenas, também considerados sub-humanos, nas favelas, periferias e florestas. Passaram-se cinco séculos, porém, infelizmente, ainda não temos respostas à questão de La Boétie.
Wallace de Moraes
Quando um homem determina que outros milhões caminhem para a guerra, é algo questionável, mas que alcança o paroxismo quando essas pessoas obedecem. A guerra não tem outro significado além de matar e morrer. Matar quem e morrer por que ou por quem? Certamente, soldados são enviados para guerras para eliminar pessoas que jamais viram na vida. Pessoas que têm famílias, paixões, histórias, sentimentos. Nesse ínterim, crianças, mulheres e idosos são assassinados; prédios, esculturas, estradas, construídos por várias gerações, são destruídos instantaneamente por bombas.
As perguntas que devemos fazer são:
1) o que pode justificar uma guerra que tire vidas?
2) como uma guerra pode ser aprovada sem um plebiscito que expresse a vontade da maioria? Regimes que aprovam guerras sem consulta popular podem ser considerados democracias?
3) por que quem declara guerra não vai para o front como parte da infantaria do seu exército? É covarde alguém declarar guerra e ficar num palácio em absoluta segurança? Os filhos das elites servem aos quartéis ou, majoritariamente, jovens pobres, sem perspectiva, seguem a vida militar? Os corpos dos soldados são tidos como sub-humanos e não representam nada para os governantes que impõem a guerra?
O militarismo e a sua lógica não existem apenas na Rússia e na Ucrânia. O colonialismo, como nos ensina Frantz Fanon, foi resultado direto do militarismo. Foram homens armados dos Estados europeus que subjugaram, escravizaram e humilharam milhões de indígenas e africanos que consideravam abaixo da linha da humanidade, como advogam teóricos contra os resquícios do colonialismo (da Teoria Decolonial). Os regimes nazifascistas do século XX tinham o militarismo e o paramilitarismo como pontas de lança, assevera Michel Foucault. Dessa maneira, judeus e todos considerados de esquerda foram perseguidos, presos e enviados para campos de concentração, como se animais fossem para o abate.
Nos dias atuais, milhões do nosso orçamento são destinados para compra e manutenção de armamentos, enquanto em escolas e hospitais falta o básico. É importante destacar que o atual governo incrementou o orçamento para a pasta dos militares.
Nosso presidente declarou neutralidade diante do que vem acontecendo na Ucrânia. É desalentador, mas talvez explique por que nossos militarismo e paramilitarismo matam jovens negros e indígenas, também considerados sub-humanos, nas favelas, periferias e florestas. Passaram-se cinco séculos, porém, infelizmente, ainda não temos respostas à questão de La Boétie.
Wallace de Moraes
À beira do céu e do inferno
Para satisfazer otimistas e pessimistas, podemos concluir dizendo que estamos no limiar do céu e do inferno, movendo-nos nervosamente dos portões de um para a antessala do outro. A história ainda não se decidiu sobre nosso destino, e uma série de coincidências ainda pode nos colocar em uma ou outra direção.Yuval Noah Harari, "Sapiens: uma breve história da humanidade"
É por isso que as autocracias falham
Nos últimos anos, as autocracias pareciam ter a vantagem. Na autocracia, o poder é centralizado. Os líderes podem responder aos desafios rapidamente, transferir recursos de forma decisiva. A China mostrou que as autocracias podem produzir prosperidade em massa. A autocracia obteve ganhos globais e a democracia continua a declinar.
Nas democracias, por outro lado, o poder é descentralizado, muitas vezes polarizado e paralítico. O sistema político americano tornou-se desconfiado e disfuncional. Um aspirante a autocrata caseiro ganhou a Casa Branca. Acadêmicos escreveram livros populares com títulos como “Como as democracias morrem”.
No entanto, as últimas semanas foram reveladoras. Ficou claro que quando se trata das funções mais importantes do governo, a autocracia tem graves fraquezas. Esta não é uma ocasião para triunfalismo democrático; é uma ocasião para uma avaliação realista da inépcia autoritária e talvez da instabilidade. Quais são essas fraquezas?
A sabedoria de muitos é melhor do que a sabedoria dos megalomaníacos. Em qualquer sistema, uma característica essencial é: como a informação flui? Nas democracias, a formulação de políticas geralmente é feita mais ou menos em público e há milhares de especialistas oferecendo fatos e opiniões. Muitos economistas no ano passado disseram que a inflação não seria um problema, mas Larry Summers e outros disseram que sim, e eles estavam certos. Ainda cometemos erros, mas o sistema aprende.
Muitas vezes, nas autocracias, as decisões são tomadas dentro de um círculo pequeno e fechado. Os fluxos de informação são distorcidos pelo poder. Ninguém diz ao homem superior o que ele não quer ouvir. A falha de inteligência russa sobre a Ucrânia foi surpreendente. Vladimir Putin não entendia nada sobre o que o povo ucraniano queria, como eles iriam lutar ou como seu próprio exército havia sido arruinado pela corrupção e cleptocratas.
As pessoas querem sua maior vida. Os seres humanos hoje em dia querem ter uma vida plena e rica e aproveitar ao máximo seu potencial. O ideal liberal é que as pessoas sejam deixadas tão livres quanto possível para construir seu próprio ideal. As autocracias restringem a liberdade em nome da ordem. Muitos dos melhores e mais brilhantes estão fugindo da Rússia. O embaixador americano no Japão, Rahm Emanuel, destaca que Hong Kong está sofrendo uma devastadora fuga de cérebros. Bloomberg relata : “Os efeitos da fuga de cérebros em setores como educação, saúde e até finanças provavelmente serão sentidos pelos moradores nos próximos anos”. As instituições americanas agora têm quase tantos pesquisadores de IA de primeira linha da China e dos Estados Unidos. Dada a chance, as pessoas talentosas irão para onde está a realização.
O homem da organização se transforma em homem gângster. As pessoas ascendem através das autocracias servindo impiedosamente à organização, à burocracia. Essa crueldade os torna conscientes de que os outros podem ser mais cruéis e manipuladores, então eles se tornam paranoicos e despóticos. Eles geralmente personalizam o poder para que sejam o Estado, e o Estado são eles. Qualquer dissidência é considerada uma afronta pessoal. Eles podem praticar o que os estudiosos chamam de “seleção negativa”. Eles não contratam as pessoas mais inteligentes e melhores. Essas pessoas podem ser ameaçadoras. Eles contratam os mais fracos e os mais medíocres. Você obtém um governo de terceiros (veja os líderes das forças armadas russas).
O etnonacionalismo embriaga-se. Todo mundo adora alguma coisa. Em uma democracia liberal, o culto à nação (que é particular) é equilibrado pelo amor aos ideais liberais (que são universais). Com o fim do comunismo, o autoritarismo perdeu uma importante fonte de valores universais. A glória nacional é perseguida com fundamentalismo inebriante.
“Acredito na passionaridade, na teoria da passionaridade”, declarou Putin no ano passado. Ele continuou: “Temos um código genético infinito”. A passionaridade é uma teoria criada pelo etnólogo russo Lev Gumilyov que sustenta que cada nação tem seu próprio nível de energia mental e ideológica, seu próprio espírito expansionista. Putin parece acreditar que a Rússia é excepcional em frente após frente e “em marcha”. Esse tipo de nacionalismo maluco ilude as pessoas a perseguirem ambições muito além de sua capacidade.
Governo contra o povo é receita para o declínio . Líderes democratas, pelo menos em teoria, servem a seus eleitores. Líderes autocráticos, na prática, servem ao seu próprio regime e longevidade, mesmo que isso signifique negligenciar seu povo. Thomas J. Bollyky, Tara Templin e Simon Wigley ilustram como as melhorias na expectativa de vida diminuíram em países que recentemente fizeram a transição para autocracias. Um estudo com mais de 400 ditadores em 76 países por Richard Jong-A-Pin e Jochen O. Mierau descobriu que um aumento de um ano na idade de um ditador diminui o crescimento econômico de seu país em 0,12 pontos percentuais.
Quando a União Soviética caiu, soubemos que a CIA havia exagerado na economia soviética e no poderio militar soviético. É muito difícil administrar com sucesso uma grande sociedade por meio do poder centralizado.
Para mim, a lição é que, mesmo quando enfrentamos autocracias até agora bem-sucedidas como a China, devemos aprender a ser pacientes e confiar em nosso sistema democrático liberal. Quando enfrentamos agressores imperiais como Putin, devemos confiar nas maneiras como estamos respondendo agora. Se aumentarmos de forma constante, paciente e implacável a pressão econômica, tecnológica e política, as fraquezas inerentes ao regime crescerão cada vez mais.
Nas democracias, por outro lado, o poder é descentralizado, muitas vezes polarizado e paralítico. O sistema político americano tornou-se desconfiado e disfuncional. Um aspirante a autocrata caseiro ganhou a Casa Branca. Acadêmicos escreveram livros populares com títulos como “Como as democracias morrem”.
No entanto, as últimas semanas foram reveladoras. Ficou claro que quando se trata das funções mais importantes do governo, a autocracia tem graves fraquezas. Esta não é uma ocasião para triunfalismo democrático; é uma ocasião para uma avaliação realista da inépcia autoritária e talvez da instabilidade. Quais são essas fraquezas?
A sabedoria de muitos é melhor do que a sabedoria dos megalomaníacos. Em qualquer sistema, uma característica essencial é: como a informação flui? Nas democracias, a formulação de políticas geralmente é feita mais ou menos em público e há milhares de especialistas oferecendo fatos e opiniões. Muitos economistas no ano passado disseram que a inflação não seria um problema, mas Larry Summers e outros disseram que sim, e eles estavam certos. Ainda cometemos erros, mas o sistema aprende.
Muitas vezes, nas autocracias, as decisões são tomadas dentro de um círculo pequeno e fechado. Os fluxos de informação são distorcidos pelo poder. Ninguém diz ao homem superior o que ele não quer ouvir. A falha de inteligência russa sobre a Ucrânia foi surpreendente. Vladimir Putin não entendia nada sobre o que o povo ucraniano queria, como eles iriam lutar ou como seu próprio exército havia sido arruinado pela corrupção e cleptocratas.
As pessoas querem sua maior vida. Os seres humanos hoje em dia querem ter uma vida plena e rica e aproveitar ao máximo seu potencial. O ideal liberal é que as pessoas sejam deixadas tão livres quanto possível para construir seu próprio ideal. As autocracias restringem a liberdade em nome da ordem. Muitos dos melhores e mais brilhantes estão fugindo da Rússia. O embaixador americano no Japão, Rahm Emanuel, destaca que Hong Kong está sofrendo uma devastadora fuga de cérebros. Bloomberg relata : “Os efeitos da fuga de cérebros em setores como educação, saúde e até finanças provavelmente serão sentidos pelos moradores nos próximos anos”. As instituições americanas agora têm quase tantos pesquisadores de IA de primeira linha da China e dos Estados Unidos. Dada a chance, as pessoas talentosas irão para onde está a realização.
O homem da organização se transforma em homem gângster. As pessoas ascendem através das autocracias servindo impiedosamente à organização, à burocracia. Essa crueldade os torna conscientes de que os outros podem ser mais cruéis e manipuladores, então eles se tornam paranoicos e despóticos. Eles geralmente personalizam o poder para que sejam o Estado, e o Estado são eles. Qualquer dissidência é considerada uma afronta pessoal. Eles podem praticar o que os estudiosos chamam de “seleção negativa”. Eles não contratam as pessoas mais inteligentes e melhores. Essas pessoas podem ser ameaçadoras. Eles contratam os mais fracos e os mais medíocres. Você obtém um governo de terceiros (veja os líderes das forças armadas russas).
O etnonacionalismo embriaga-se. Todo mundo adora alguma coisa. Em uma democracia liberal, o culto à nação (que é particular) é equilibrado pelo amor aos ideais liberais (que são universais). Com o fim do comunismo, o autoritarismo perdeu uma importante fonte de valores universais. A glória nacional é perseguida com fundamentalismo inebriante.
“Acredito na passionaridade, na teoria da passionaridade”, declarou Putin no ano passado. Ele continuou: “Temos um código genético infinito”. A passionaridade é uma teoria criada pelo etnólogo russo Lev Gumilyov que sustenta que cada nação tem seu próprio nível de energia mental e ideológica, seu próprio espírito expansionista. Putin parece acreditar que a Rússia é excepcional em frente após frente e “em marcha”. Esse tipo de nacionalismo maluco ilude as pessoas a perseguirem ambições muito além de sua capacidade.
Governo contra o povo é receita para o declínio . Líderes democratas, pelo menos em teoria, servem a seus eleitores. Líderes autocráticos, na prática, servem ao seu próprio regime e longevidade, mesmo que isso signifique negligenciar seu povo. Thomas J. Bollyky, Tara Templin e Simon Wigley ilustram como as melhorias na expectativa de vida diminuíram em países que recentemente fizeram a transição para autocracias. Um estudo com mais de 400 ditadores em 76 países por Richard Jong-A-Pin e Jochen O. Mierau descobriu que um aumento de um ano na idade de um ditador diminui o crescimento econômico de seu país em 0,12 pontos percentuais.
Quando a União Soviética caiu, soubemos que a CIA havia exagerado na economia soviética e no poderio militar soviético. É muito difícil administrar com sucesso uma grande sociedade por meio do poder centralizado.
Para mim, a lição é que, mesmo quando enfrentamos autocracias até agora bem-sucedidas como a China, devemos aprender a ser pacientes e confiar em nosso sistema democrático liberal. Quando enfrentamos agressores imperiais como Putin, devemos confiar nas maneiras como estamos respondendo agora. Se aumentarmos de forma constante, paciente e implacável a pressão econômica, tecnológica e política, as fraquezas inerentes ao regime crescerão cada vez mais.
David Brooks, The New York Times
Queremos liberdade! Por que então defender ditadores?
É assustador ver regimes autoritários como os da Nicarágua ou da Rússia serem defendidos. A democracia não era um valor universal, principalmente para a esquerda?
Cresci na Europa ocidental durante os anos 80, no auge da Guerra Fria. Na escola, os professores passavam vídeos em que se explicava como se comportar durante um ataque com bombas atômicas. Vindo da União Soviética. E no cinema passavam filmes que falavam sobre um mundo pós-destruição nuclear. Tudo muito assustador para uma criança como eu.
A única coisa que nos salvaria eram as bombas atômicas dos Estados Unidos, ou melhor: a "promessa" de que os EUA iriam responder a um ataque russo na mesma moeda. E funcionou: a Guerra Fria nunca esquentou.
Com meu pai, eu ia até a fronteira das duas Alemanhas, observando de longe os soldados da Alemanha Oriental que vigiavam aquele corredor da morte, a fim de não deixar ninguém passar do lado "comunista" para o lado "capitalista". Cada família tinha amigos ou parentes no outro lado, e todos sabiam de histórias de compatriotas tentando fugir da ditadura "comunista". Poucos conseguiam.
Para aos do outro lado, a história vinha sendo cruel: depois de 12 anos de ditadura de Hitler, tiveram que engolir ainda mais 40 anos de ditadura soviética. Lembro-me de um amigo da minha avó, preso durante o Terceiro Reich, depois prisioneiro de guerra na Rússia, para então ser preso na Alemanha Oriental. Uma vida destruída pelo cruel caminho da história.
Para muitos europeus que conheço, como amigos poloneses e búlgaros, a queda da União Soviética foi um alívio, a melhor coisa que poderia acontecer. A partir de então conseguiam estudar e trabalhar em outros países da União Europeia, viajando pelo mundo, matando toda aquela vontade que se acumulara durante a Guerra Fria. Liberdade, ar para respirar! Finalmente.
Não cresci na América Latina ou no Brasil. Só cheguei aqui quando já tinha 26 anos, no final dos anos 90. Mas fiz muitas entrevistas com pessoas que lutavam contra as ditaduras latino-americanas. E a maioria dessas cruéis ditaduras foi apoiada pelos Estados Unidos, durante a Guerra Fria. Os Estados Unidos que libertaram os alemães do monstro Hitler e que salvaram a gente de um ataque russo, aqui causaram muito sofrimento. Entendo que muitos latino-americanos desconfiem dos Estados Unidos.
Mas isso não os abstém da obrigação de refletir e de se atualizar. Havia muitos argumentos para derrubar ditadores como Fulgencio Batista em Cuba, em 1959, ou Anastasio Somoza na Nicarágua, em 1979. Mas nada justifica defender, em pleno 2022, a falta de liberdades impostas pelos regimes que sucederam àqueles ditadores. Hoje em dia, falo com ex-combatentes sandinistas que me dizem que Daniel Ortega se transformou num ditador tão cruel - ou até mais cruel - que o próprio Somoza.
Não entendo como parte da esquerda latino-americana pode defender esses regimes. Como, também não entendo como defendem o regime russo de Vladimir Putin. Um regime que cala a oposição, envenenando ou prendendo-na, botando ativistas gays na prisão e desrespeitando direitos fundamentais dos seus próprios cidadãos. Além de achar ter o direito de ditar o modo de vida de povos que habitam países vizinhos.
Entendo o desejo de pessoas do Leste Europeu de levar uma vida de liberdade de escolher, liberdade de viajar, de viver em paz onde quiser, ou melhor dizendo, de se tornar um cidadão da União Europeia. Voltar para o colo esmagador da Rússia seria inaceitável!
Mas é difícil encontrar pessoas aqui no Brasil que levem em conta a vontade dos povos e países do Leste Europeu sobre como viver a própria vida. São brasileiros que defendem a própria liberdade - e com toda a razão -, mas não dão o mesmo direito às pessoas no Leste Europeu.
Não espero nada do campo da extrema direita bolsonarista. Bolsonaro gosta automaticamente de líderes tipo macho alfa que topam tirar foto com ele, como Donald Trump ou Vladimir Putin. No tabuleiro das ideologias, ele não sabe se é para jogar com as figuras brancas ou pretas. Não tem bússola ideológica ou norte moral nenhum.
Mas da esquerda eu esperava mais. Mais capacidade de refletir e abstrair. De se colocar no lugar do outro. Vladimir Putin mudou a Constituição russa para ficar no poder até 2036. Seriam 37 anos no poder, pois assumiu em 1999. E o líder da oposição Alexei Navalny corre o risco de passar o resto da vida na prisão, depois de sobreviver a uma tentativa de envenenamento.
Na Nicarágua, Daniel Ortega está no poder desde 2006 e agora tem mandato até 2026. Mandou condenar os políticos da oposição para que fiquem uma eternidade na prisão.
Até quando haverá apoio a esses regimes? Aqueles que reclamam para si direitos democráticos têm de defender os direitos democráticos em outras partes do mundo. Afinal de contas, não existia um compromisso com uma democracia universal? Cadê?
Cresci na Europa ocidental durante os anos 80, no auge da Guerra Fria. Na escola, os professores passavam vídeos em que se explicava como se comportar durante um ataque com bombas atômicas. Vindo da União Soviética. E no cinema passavam filmes que falavam sobre um mundo pós-destruição nuclear. Tudo muito assustador para uma criança como eu.
A única coisa que nos salvaria eram as bombas atômicas dos Estados Unidos, ou melhor: a "promessa" de que os EUA iriam responder a um ataque russo na mesma moeda. E funcionou: a Guerra Fria nunca esquentou.
Com meu pai, eu ia até a fronteira das duas Alemanhas, observando de longe os soldados da Alemanha Oriental que vigiavam aquele corredor da morte, a fim de não deixar ninguém passar do lado "comunista" para o lado "capitalista". Cada família tinha amigos ou parentes no outro lado, e todos sabiam de histórias de compatriotas tentando fugir da ditadura "comunista". Poucos conseguiam.
Para aos do outro lado, a história vinha sendo cruel: depois de 12 anos de ditadura de Hitler, tiveram que engolir ainda mais 40 anos de ditadura soviética. Lembro-me de um amigo da minha avó, preso durante o Terceiro Reich, depois prisioneiro de guerra na Rússia, para então ser preso na Alemanha Oriental. Uma vida destruída pelo cruel caminho da história.
Para muitos europeus que conheço, como amigos poloneses e búlgaros, a queda da União Soviética foi um alívio, a melhor coisa que poderia acontecer. A partir de então conseguiam estudar e trabalhar em outros países da União Europeia, viajando pelo mundo, matando toda aquela vontade que se acumulara durante a Guerra Fria. Liberdade, ar para respirar! Finalmente.
Não cresci na América Latina ou no Brasil. Só cheguei aqui quando já tinha 26 anos, no final dos anos 90. Mas fiz muitas entrevistas com pessoas que lutavam contra as ditaduras latino-americanas. E a maioria dessas cruéis ditaduras foi apoiada pelos Estados Unidos, durante a Guerra Fria. Os Estados Unidos que libertaram os alemães do monstro Hitler e que salvaram a gente de um ataque russo, aqui causaram muito sofrimento. Entendo que muitos latino-americanos desconfiem dos Estados Unidos.
Mas isso não os abstém da obrigação de refletir e de se atualizar. Havia muitos argumentos para derrubar ditadores como Fulgencio Batista em Cuba, em 1959, ou Anastasio Somoza na Nicarágua, em 1979. Mas nada justifica defender, em pleno 2022, a falta de liberdades impostas pelos regimes que sucederam àqueles ditadores. Hoje em dia, falo com ex-combatentes sandinistas que me dizem que Daniel Ortega se transformou num ditador tão cruel - ou até mais cruel - que o próprio Somoza.
Não entendo como parte da esquerda latino-americana pode defender esses regimes. Como, também não entendo como defendem o regime russo de Vladimir Putin. Um regime que cala a oposição, envenenando ou prendendo-na, botando ativistas gays na prisão e desrespeitando direitos fundamentais dos seus próprios cidadãos. Além de achar ter o direito de ditar o modo de vida de povos que habitam países vizinhos.
Entendo o desejo de pessoas do Leste Europeu de levar uma vida de liberdade de escolher, liberdade de viajar, de viver em paz onde quiser, ou melhor dizendo, de se tornar um cidadão da União Europeia. Voltar para o colo esmagador da Rússia seria inaceitável!
Mas é difícil encontrar pessoas aqui no Brasil que levem em conta a vontade dos povos e países do Leste Europeu sobre como viver a própria vida. São brasileiros que defendem a própria liberdade - e com toda a razão -, mas não dão o mesmo direito às pessoas no Leste Europeu.
Não espero nada do campo da extrema direita bolsonarista. Bolsonaro gosta automaticamente de líderes tipo macho alfa que topam tirar foto com ele, como Donald Trump ou Vladimir Putin. No tabuleiro das ideologias, ele não sabe se é para jogar com as figuras brancas ou pretas. Não tem bússola ideológica ou norte moral nenhum.
Mas da esquerda eu esperava mais. Mais capacidade de refletir e abstrair. De se colocar no lugar do outro. Vladimir Putin mudou a Constituição russa para ficar no poder até 2036. Seriam 37 anos no poder, pois assumiu em 1999. E o líder da oposição Alexei Navalny corre o risco de passar o resto da vida na prisão, depois de sobreviver a uma tentativa de envenenamento.
Na Nicarágua, Daniel Ortega está no poder desde 2006 e agora tem mandato até 2026. Mandou condenar os políticos da oposição para que fiquem uma eternidade na prisão.
Até quando haverá apoio a esses regimes? Aqueles que reclamam para si direitos democráticos têm de defender os direitos democráticos em outras partes do mundo. Afinal de contas, não existia um compromisso com uma democracia universal? Cadê?
Assinar:
Postagens (Atom)