domingo, 11 de outubro de 2020

Brasil do futuro desmatado

 


A construção de bunkers

Bastou se aproximar do Centrão, da ala fisiológica do MDB e dos ministros antilavajatistas do Supremo Tribunal Federal que Jair Bolsonaro, logo quem, passou a ser visto por setores da política (os mesmos acima, diga-se) e até da imprensa como alguém imbuído da disposição de construir pontes.

Trata-se de uma leitura entre cínica e ingênua de uma realidade bastante clara aos olhos de quem quiser ver. Bolsonaro continua onde sempre esteve: avesso à ideia de qualquer composição a não ser as de ocasião, que lhe permitam lograr seus intentos na política e proteger a si e aos filhos da perigosa aproximação das garras da lei quando esticaram demais a corda da ruptura institucional e/ou foram com sede ao pote demais nos recursos públicos a que tiveram acesso nas suas longas carreiras políticas dotadas de todos os vícios de um clã tradicional brasileiro.

Eduardo Bolsonaro, o “03”, conhecido por ser dos menos brilhantes da família, deixou claro o jogo nas redes sociais, com direito a erro de português: “Não é arrependimento, é espertise (sic) de mudar de estratégia pois o plano original fracassou”.

Não precisa desenhar. O plano original era fazer as instituições se curvarem diante de uma tropa golpista, “antiestablishment”, como adorava se gabar o “estrategista” Filipe G. Martins. A pandemia foi o gatilho para colocar o plano original em marcha, com direito a uso de terroristas como Sara Winter, que agora se diz decepcionada, e seus 30 gatos-pingados.

O fracasso constatado pelo ex-quase-embaixador veio do próprio STF, que colocou freio aos delírios autoritários de Bolsonaro.



A “espertise”, assim com “s”, talvez, além de desconhecimento da língua, aponte um ato falho: o filhote quis provavelmente fazer menção à esperteza de mudar de time para evitar o tão temido impeachment e frear as investigações que chegavam perto de Flávio (rachadinhas e aumento de patrimônio), do próprio Eduardo (gabinetes do ódio, aumento de patrimônio), Michele (depósitos em dinheiro da família Queiroz e dinheiro de doações desviado para programa assistencial da primeira-dama), Carlos (rachadinha, aumento de patrimônio, fomento a atos golpistas, gabinetes do ódio) e de si próprio (aparelhamento da Polícia Federal, responsabilização pelo agravamento do enfrentamento da pandemia e participação em atos antidemocráticos).

Construção de pontes? Faz-me rir, faz-me engasgar, pedindo licença a Chico Buarque para usar seus versos tão precisos.

Bolsonaro tem por figuras como Renan Calheiros, Toffoli, Gilmar Mendes, Kassio Nunes e Ciro Nogueira o mesmo apreço que por Sérgio Moro, Gustavo Bebianno, general Santos Cruz, Luciano Bivar, Joice Hasselmann, Alexandre Frota, Paulo Guedes, Bia Kicis, Carla Zambelli ou Jorge Oliveira: nenhum. Assim como já fez com vários desta lista, pode descartar os demais se disso depender sua sobrevivência e a dos seus.

O presidente tem na covardia e na insegurança alguns de seus traços de caráter mais notórios, bem como o pouco apreço à gestão e o instinto destruidor de tudo aquilo que signifique construção de marcos institucionais, conquistas de minorias e legados civilizatórios.

O que Bolsonaro constrói com afinco, além de um robusto patrimônio na forma de imóveis comprados com farto uso de dinheiro vivo oriundo de gabinetes, é um bunker no qual se abrigar e abrigar mulher e filhos.

Disso decorrem a indicação de Augusto Aras para a Procuradoria-Geral da República, a troca de Moro por André Mendonça, as mudanças no Coaf, a tentativa de interferir também na Receita e, agora, a escolha de Kassio Nunes para o STF.

A ponte (pinguela, no caso) pode bem ser implodida depois que por ela passar o último Bolsonaro, pouco importando quem for deixado para trás.

Bolsonaro, Ustra e a 'direita burra'

Depois de apanhar nas redes por uma semana, Jair Bolsonaro se irritou com as milícias digitais que costumavam agir a seu favor. Numa transmissão ao vivo, ele disse que os ataques à sua primeira indicação ao STF partiam de "uma direita burra". "Não é infiltrado de esquerda! Não é petista, não!", reclamou.

Em 2018, o candidato extremista que explorou uma agenda ultraconservadora conseguiu se vender como o verdadeiro representante da direita naquela campanha. Hoje, o presidente se sente confortável para questionar a inteligência dos ex-apoiadores que criticam os acordos políticos que ele fechou em busca de proteção para sua família.

Qual seria a tal direita iluminada com que Bolsonaro se identifica? O presidente pode estar pensando na turba que perseguiu uma menina de 10 anos que buscava um aborto legal depois de ser estuprada pelo tio. Ou na ministra de Estado que defendeu que ela levasse a gravidez adiante.

Ainda é possível que a referência destra do chefe de governo sejam os torturadores da ditadura militar. O próprio Bolsonaro, afinal, já usou o cargo para enaltecer o coronel Brilhante Ustra, condenado por sua atuação no regime. Na última semana, o vice Hamilton Mourão disse que aquele era “um homem de honra”.

O presidente também deve atirar na vala da "direita burra" os liberais que veem nele uma desconexão com os princípios econômicos que distinguem governos desse lado do espectro político. O líder ilustrado, por outro lado, já propôs taxar desempregados e reduzir benefícios pagos a idosos miseráveis.

Bolsonaro é um direitista esperto. Embora muitos eleitores desse campo possam estar decepcionados com algumas de suas atitudes, ele sabe que pode contar sempre com o velho apelo ao medo da esquerda para conquistá-los de volta.

"O que o pessoal fez com o Macri?", perguntou, naquela transmissão ao vivo, em referência ao ex-presidente argentino. "Porrada nele o dia todo. E o que aconteceu? Voltou a esquerdalha da Cristina Kirchner!"

Como seria um Brasil governado sem necessidade de mitos?

As grandes empresas do mundo, as mais prósperas, não procuram mitos ou celebridades para serem seus presidentes, e sim pessoas capazes das fazê-las prosperarem. Normalmente esses chefes nem são conhecidos pelas pessoas comuns.

Por que o Brasil não poderia ser governado por políticos capazes de entender o país e fazê-lo prosperar sem necessidade de ir em busca de ídolos ou messias?

E, entretanto, o Brasil não terá o lugar que lhe cabe no mundo enquanto não for capaz de ser governado por líderes conscientes de que a maior parte do país está excluída do banquete do qual se apropriam de 10% de suas riquezas. A imagem da pirâmide do Brasil formada por suas diferentes classes sociais hoje é lamentável.

Só no dia em que a base da sua pirâmide formada por todos os excluídos for reformulada para reduzir o escândalo atual, o Brasil poderá ser capaz de ocupar o lugar que lhe cabe no mundo e de influenciá-lo. E isso por suas dimensões geográficas, sendo o quinto maior país do mundo, por sua potência agrícola e ambiental e por sua dimensão de população, maior que vários países europeus juntos.

O Brasil precisa de líderes que entendam este potencial do Brasil em vez de se enredarem na mesquinha política de compra de votos e acumulação de privilégios, enquanto desmoralizam as instituições do Estado com suas relações pouco ortodoxas que chegam às vezes ao grotesco e recordam o realismo mágico de García Márquez.

O trem descarrilado política e socialmente que é o Brasil só poderá voltar a se movimentar quando tiver líderes capazes de observar o mundo e fazer reformas fundamentais.

Como pode funcionar um país com mais de 30 partidos no Congresso que mais parecem clubes esportivos do que faróis com luz própria?

Por que o Brasil não pode ser governado por quatro ou cinco partidos com ideias próprias, como nas outras democracias importantes do mundo?

Os eleitores brasileiros necessitam de um Congresso que realmente represente a todos e que dedique seus esforços a dialogar com as pessoas. Em países de democracias mais maduras, como a Suíça, grande parte das decisões é tomada por plebiscito.

O mundo vive um momento de mudanças globais que exigem cada vez mais líderes capazes de governar olhando para o mundo globalmente em vez de se paralisarem olhando o próprio umbigo.


Fala-se no Brasil hoje em reformar suas desgastadas instituições, mas todos os poderes ficam mudos quando se fala de reformar a fundo as instituições de Governo.

Continuar acreditando no novo mundo em que estamos entrando — no qual, sem acesso à cultura, a grande massa de pobres fica mais fácil de ser manipulada —ofende a inteligência.

Por que não criar a oportunidade, como já acontece em alguns países sérios, de poder destituir governantes que após vencerem as eleições ignoram solenemente as promessas feitas em campanha?

É possível que um político ao chegar ao poder não seja capaz de fazer tudo o que prometeu, mas trair os eleitores a ponto de fazer uma política oposta à oferecida, como está fazendo o presidente Bolsonaro, é iníquo.

Pois onde estão as bandeiras com as quais o líder de extrema direita se elegeu, como acabar com a velha política e apoiar as forças que combatem a corrupção? Talvez por isso o presidente apareça hoje no exterior como um dos políticos mais rançosos, que depois de dois anos no poder nem sequer saiu para dialogar com as grandes democracias do mundo.

Onde está sua fúria iconoclasta contra a corrupção quando acaba de afirmar que pretende acabar com a Lava Jato?

Como, depois de ter ameaçado destruir as instituições e flertar com um golpe de Estado, hoje aparece abraçado de forma descarada aos velhos políticos e aos magistrados?

A política do Brasil aparece hoje perante o mundo como a de uma republiqueta incapaz de estar à altura do que lhe corresponde.

Às vezes os detalhes na política são os mais significativos. Por que os políticos brasileiros, seus líderes, precisam, para dialogar entre si, fazê-lo sempre em cafés da manhã, almoços e jantares, às vezes até com música, em vez de nas suas horas de trabalho e sempre com caráter institucional? Será que esses líderes não têm seus gabinetes para se encontrarem?

Essa familiaridade dos líderes políticos em torno de um banquete dá a impressão de líderes que criam laços mais fraternais do que os exigidos por um diálogo aberto e respeitoso entre as instituições.

Não parece coisa de uma república séria que o presidente, tendo em curso uma investigação no Supremo, apareça em jantares na casa de um dos magistrados enquanto se abraçam amigavelmente, quando esse mesmo magistrado deverá decidir sobre os supostos processos dele e de sua família.

Não era ele quem há poucos meses ameaçava sequestrar o Supremo com o Exército e dar um golpe de Estado? Há quem prefira explicar tudo isso pela repentina conversão de Bolsonaro à democracia, mas, e se isso retratar mais um lobo com pele de cordeiro, que o que pretende é poder se reeleger dentro de dois anos à custa de aparecer como um Paulo convertido no caminho de Damasco?

Um Bolsonaro convertido repentinamente de todo um passado autoritário, nostálgico das ditaduras, pode ser mais perigoso amanhã do que já é hoje.

Não, não é com governantes mitos de direita ou de esquerda que o Brasil poderá contar mundialmente com a força que lhe cabe. Os mitos acabam desgastados, os problemas reais das pessoas ficam estacionados, os pobres continuam crescendo, e a dor, multiplicando-se.

Ecocídio

Aqui,
junto e nas vizinhanças
da Linha do Equador,
há uma conta que não fecha:
o ecocídio como forma de governo.
A liberdade da natureza foi programada para morrer queimada.
H. Ricken

Pensamento do Dia

 


Declaração de Mourão sobre Ustra presta um serviço ao esclarecer como o Exército pensa

Os generais Hamilton Mourão e Eduardo Pazuello, vice de Bolsonaro e ministro da Saúde, prestaram serviço muito apropriado à sociedade em geral, e à imprensa em particular, com suas mais recentes revelações.

Ao mesmo tempo pessoais e funcionais, as palavras de ambos despencam, talvez inadvertidas, sobre a assimilação de Bolsonaro e do bolsonarismo pelos meios de comunicação, outros setores antes eriçados como os atores e escritores, e muitas eminências, a ponto de no recuo a ombudsman da Folha, Flavia Lima, apontar também “amarelamento”.

A intervenção do vice consistiu em repentino elogio ao coronel Brilhante Ustra, que passou das masmorras da ditadura para a memória nacional como símbolo da criminalidade militar em torturas e assassinatos. Mourão sempre provocou interrupções na escalada da sua imagem de mais lúcido dos centuriões de Bolsonaro. O general dialogável, o general alternativo. Agora foi mais decisivo.

O elogio a Ustra foi como Mourão dizendo-nos: Não se iludam. Nunca ouviram falar em pensamento único? É o nosso no Exército. Como vocês diziam “somos todos Marielle”, nós podemos dizer “somos todos Ustra”. E é assim que estamos aqui, para nossos objetivos, não para os de vocês.

O general Pazuello fez, na verdade, um complemento ao que comunicou quando interino na Saúde: “Eu não entendo nada disso aqui”. Agora reconhece que, “até esse [aquele] momento da vida, desconhecia o que era SUS”. A frase mostra tanto do próprio Pazuello quanto de quem o nomeou e dos generais que sugeriram ou apoiaram a nomeação. Iguais todos, iguais no pensamento e sobretudo na falta de, como Mourão levou a entender.

Mas por que e como é possível chegar ao generalato sem saber sequer o que é um serviço nacional, tão falado, com duas décadas e reconhecimento internacional de sistema exemplar? O que se pode esperar dessa formação é só o alto custo e as deformações impostas à vida nacional.

Hamilton Mourão e Eduardo Pazuello falaram para não serem esquecidos.

Dias Toffoli e Gilmar Mendes, convém ressalvar, não estão no segmento dos que não devem esquecer. O seu é o dos que não devem ser esquecidos no Judiciário. São aqueles incapazes de resistir à atração do poder.

Sucedem-se seus almoços e jantares nas residências oficiais, os abraços, as confabulações nessas oportunidades com Bolsonaro e outros políticos e militares-políticos. Mas não suscitam dúvidas sobre o decoro pessoal e a circunspecção funcional dos dois: em vez disso, lançam certezas sobre a suspeição que, em julgamentos honestos, deve dispensá-los de votar em causas do interesse de Bolsonaro.

Dias Toffoli e Gilmar Mendes tornaram-se tão políticos, por ação atual , quanto ministros do Supremo, por velhas circunstâncias.

Cavalo de pau

O presidente Jair Bolsonaro diz que é fake news. O ministro da Economia, Paulo Guedes, jura que é “conversa fiada”. Mas o fato é que não se fala de outra coisa em Brasília: o Centrão quer que Bolsonaro recrie alguns Ministérios, inclusive na área econômica, para acomodar aliados e reforçar a base governista.

O movimento não surpreende ninguém. O Centrão é formado por partidos cuja vocação é o governismo, qualquer que seja a orientação ideológica e programática do governo de turno. O único interesse dessas agremiações é ter acesso a verbas e nomeações que lhes assegurem poder, recursos e força eleitoral. Em troca, votam com o Palácio do Planalto – o velho “toma lá dá cá”.

Não é preciso um grande esforço de memória para lembrar que Bolsonaro fez toda a sua campanha eleitoral prometendo reduzir o número de Ministérios para no máximo 15 e escolher ministros segundo critérios técnicos, sem favorecer este ou aquele partido aliado. De fato, Bolsonaro vinha cumprindo parcialmente essa promessa: se o número de Ministérios está em 23, bem longe dos 15 anunciados, o preenchimento das vagas não seguiu o figurino fisiológico a que o País se acostumou.

Mas nada como um dia após o outro – com as muitas vicissitudes do poder entre eles. Depois de sentir na pele a ameaça, real ou não, de se ver prematuramente destituído da Presidência e de ter a Justiça nos seus calcanhares e no de seus filhos, deu um cavalo de pau no seu governo e no seu comportamento.


Trocou as bravatas diárias contra os demais Poderes e contra a democracia pelo silêncio. Ao mesmo tempo, livrou-se aos poucos dos áulicos amadores e acercou-se de operadores profissionais. O primeiro indício disso já havia se revelado em junho, quando Bolsonaro recriou o Ministério das Comunicações para entregá-lo a um indicado pelo Centrão. Foi o começo do fim do tonitruante Bolsonaro que venceu a eleição – e que prometia enterrar a velha política – e sua reconversão, discreta, mas irresistível, ao varejo oportunista que ele, afinal, conhece há décadas.

O “novo” Bolsonaro de “novo”, portanto, não tem nada. Na ânsia do presidente de se manter no poder e de se proteger da Justiça, não há vaca sagrada que não possa ser sacrificada – o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro que o diga.

Assim, não será surpresa se, de acordo com a necessidade, o Ministério “enxuto” e “técnico” de Bolsonaro alcance em algum momento no futuro as inacreditáveis 39 pastas de Dilma Rousseff – que as criava na exata proporção de seu galopante enfraquecimento político. No desespero de se manter no poder, Dilma e os operadores petistas lotearam praticamente todo o governo – o ex-presidente Lula da Silva chegou a transformar um quarto de hotel em Brasília em um escritório para negociar cargos com políticos e partidos a poucos dias da votação do impeachment. Como se sabe, debalde.

O fato é que o faro do Centrão para presidentes encrencados continua apurado. E a aposta, desta vez, é alta: consta que o alvo desses partidos agora é a seara do ministro Paulo Guedes. Querem a recriação dos Ministérios da Indústria e Comércio e do Trabalho e Previdência, que haviam sido absorvidos pelo “superministério” da Economia.

O avanço do Centrão sobre a Economia, se consumado, concluirá o passamento do “superministro” Paulo Guedes, reduzido cada vez mais à categoria de mero consultor do presidente para assuntos econômicos. Tudo isso no momento em que o presidente está sendo pressionado pelas terríveis circunstâncias – a pandemia de covid-19 e a perda de renda de milhões de brasileiros – a tomar decisões que, se mal concebidas, podem ameaçar o já bastante frágil estado das contas nacionais.

Na prática, a política econômica corre o sério risco de se converter em instrumento do populismo do Centrão e de seu novo melhor amigo, o presidente Bolsonaro, cujas juras de responsabilidade fiscal são, na melhor hipótese, duvidosas. Esse desfecho pode ser ótimo para as pretensões eleitorais imediatas de todos eles, mas sem dúvida será péssimo para o País.

'Gado' governamental


O boi? Ele ajuda, é o bombeiro do Pantanal. Ele come aquela mata seca e impede queimadas
Tereza Cristina, ministra da Agricultura

Delírios amazônicos

A placa descerrada na cerimônia anunciava o início de uma “arrancada histórica”. De terno e gravata na selva, o presidente Emilio Garrastazu Medici se empolgou ao testemunhar a derrubada de uma árvore de 50 metros de altura. A queda da castanheira foi “aplaudida entusiasticamente” pelo general, relatou o enviado 

Medici havia pousado em Altamira para inaugurar a construção da Transamazônica, que se estenderia por mais de cinco mil quilômetros, cortando sete estados. A visita completou 50 anos na sexta-feira, mas a rodovia nunca ficou pronta. Alguns trechos foram engolidos pela floresta, outros jamais saíram do papel.

A obra faraônica fazia parte do Programa de Integração Nacional, lançado em 1970. A ditadura embalou o plano com o lema “Integrar para não entregar”. Nas palavras de Medici, era preciso “colonizar” a região para combater o “interesse estrangeiro”. O general prometia tirar o “relógio amazônico” do passado. Sua visão de futuro se resumia a fumaça, asfalto e motosserra.

A pretexto de povoar a Amazônia, os militares promoveram a exploração predatória da floresta. A ditadura estimulou a derrubada da mata para a criação de gado e o cultivo de soja. Garimpeiros e madeireiros também receberam subsídio para desmatar. Tudo em nome da “soberania nacional”.




Meio século depois, as teorias conspiratórias voltaram a ser úteis ao governo. Jair Bolsonaro e seus aliados apelam ao velho nacionalismo para rebater as críticas pelas queimadas. “Usam argumentos falsos, números fabricados e acusações infundadas para prejudicar o Brasil”, vitimizou-se o general Augusto Heleno, em audiência recente no Supremo.

No último dia 30, Bolsonaro aproveitou uma reunião das Nações Unidas para retomar os ataques ao movimento ambientalista. Em mais um discurso delirante, ele acusou ONGs de incentivarem a devastação para desestabilizar seu governo. “Rechaço, de forma veemente, a cobiça internacional sobre a nossa Amazônia”, afirmou.

A hostilidade aos povos indígenas também une a ditadura ao bolsonarismo. Na campanha, o capitão avisou que não demarcaria “um centímetro quadrado a mais”. Entre a eleição e a posse, ele ameaçou rever a Raposa Serra do Sol, a pretexto de permitir a exploração de riquezas minerais.

Os delírios amazônicos se parecem, mas há diferenças. No diálogo com Al Gore reproduzido pelo documentário “O Fórum”, o capitão é explícito: “Temos muita riqueza na Amazônia, e eu adoraria explorar essa riqueza com os Estados Unidos”. Os generais ainda se preocupavam com as aparências.