O movimento não surpreende ninguém. O Centrão é formado por partidos cuja vocação é o governismo, qualquer que seja a orientação ideológica e programática do governo de turno. O único interesse dessas agremiações é ter acesso a verbas e nomeações que lhes assegurem poder, recursos e força eleitoral. Em troca, votam com o Palácio do Planalto – o velho “toma lá dá cá”.
Não é preciso um grande esforço de memória para lembrar que Bolsonaro fez toda a sua campanha eleitoral prometendo reduzir o número de Ministérios para no máximo 15 e escolher ministros segundo critérios técnicos, sem favorecer este ou aquele partido aliado. De fato, Bolsonaro vinha cumprindo parcialmente essa promessa: se o número de Ministérios está em 23, bem longe dos 15 anunciados, o preenchimento das vagas não seguiu o figurino fisiológico a que o País se acostumou.
Mas nada como um dia após o outro – com as muitas vicissitudes do poder entre eles. Depois de sentir na pele a ameaça, real ou não, de se ver prematuramente destituído da Presidência e de ter a Justiça nos seus calcanhares e no de seus filhos, deu um cavalo de pau no seu governo e no seu comportamento.
Trocou as bravatas diárias contra os demais Poderes e contra a democracia pelo silêncio. Ao mesmo tempo, livrou-se aos poucos dos áulicos amadores e acercou-se de operadores profissionais. O primeiro indício disso já havia se revelado em junho, quando Bolsonaro recriou o Ministério das Comunicações para entregá-lo a um indicado pelo Centrão. Foi o começo do fim do tonitruante Bolsonaro que venceu a eleição – e que prometia enterrar a velha política – e sua reconversão, discreta, mas irresistível, ao varejo oportunista que ele, afinal, conhece há décadas.
O “novo” Bolsonaro de “novo”, portanto, não tem nada. Na ânsia do presidente de se manter no poder e de se proteger da Justiça, não há vaca sagrada que não possa ser sacrificada – o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro que o diga.
Assim, não será surpresa se, de acordo com a necessidade, o Ministério “enxuto” e “técnico” de Bolsonaro alcance em algum momento no futuro as inacreditáveis 39 pastas de Dilma Rousseff – que as criava na exata proporção de seu galopante enfraquecimento político. No desespero de se manter no poder, Dilma e os operadores petistas lotearam praticamente todo o governo – o ex-presidente Lula da Silva chegou a transformar um quarto de hotel em Brasília em um escritório para negociar cargos com políticos e partidos a poucos dias da votação do impeachment. Como se sabe, debalde.
O fato é que o faro do Centrão para presidentes encrencados continua apurado. E a aposta, desta vez, é alta: consta que o alvo desses partidos agora é a seara do ministro Paulo Guedes. Querem a recriação dos Ministérios da Indústria e Comércio e do Trabalho e Previdência, que haviam sido absorvidos pelo “superministério” da Economia.
O avanço do Centrão sobre a Economia, se consumado, concluirá o passamento do “superministro” Paulo Guedes, reduzido cada vez mais à categoria de mero consultor do presidente para assuntos econômicos. Tudo isso no momento em que o presidente está sendo pressionado pelas terríveis circunstâncias – a pandemia de covid-19 e a perda de renda de milhões de brasileiros – a tomar decisões que, se mal concebidas, podem ameaçar o já bastante frágil estado das contas nacionais.
Na prática, a política econômica corre o sério risco de se converter em instrumento do populismo do Centrão e de seu novo melhor amigo, o presidente Bolsonaro, cujas juras de responsabilidade fiscal são, na melhor hipótese, duvidosas. Esse desfecho pode ser ótimo para as pretensões eleitorais imediatas de todos eles, mas sem dúvida será péssimo para o País.
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