domingo, 1 de maio de 2022
Consciência
Convém não confundir as coisas — enquanto o cérebro nos é dado pela biologia, é a vida que transforma esse cérebro em mente. Há mais de 5 mil anos poetas e filósofos, sumidades religiosas e Prêmios Nobel de Medicina tentam desvendar os mistérios dessa dualidade. Avançou-se relativamente pouco. Embora o conhecimento científico dos atributos físicos e do comportamento do cérebro tenha dado saltos triunfais, a composição metafísica da mente humana continua fugidia. Isso porque ela pode ser definida como essência, não substância. A mente reflete tudo o que o corpo inteiro percebe e sente. Em suma, é o universo privado e subjetivo com que respondemos a emoções, medicamentos, enzimas, poluição, genes, hormônios, percepções e tudo o mais. Na mente de cada um também mora a consciência, que por vezes vem acompanhada de busca do saber, coragem de ver e ouvir. E de reagir.
Esta semana foi infame para a História do Brasil, pois não reagimos.
“Eles chegaram de surpresa, só estavam as três (uma criança de 4 anos, uma menina de 12 e uma adulta, todas da tribo ianomâmi). O restante da comunidade estava no mato, trabalhando na roça e caçando. Então elas estavam sozinhas, e os garimpeiros se aproveitaram...” Assim começava o relato em rede social do presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Ianomâmi e Yek’wana (Condisi YY) , Júnior Hekurari. Teriam sido levadas até o acampamento ilegal dos garimpeiros, onde a menina foi estuprada e morta. A criança? Arremessada para o rio e engolida pelas águas, segundo a denúncia. A mulher, única sobrevivente, teria conseguido nadar de volta à tribo.
Pelos caminhos tortuosos da mente, essa nova denúncia de crimes contra a aldeia de Aracaçá, no norte de Roraima, bateu forte na consciência coletiva. Ricocheteou nos noticiários, fez chorar grandes jornalistas exaustos de tanto horror nacional e recebeu dura cobrança e opróbrio por parte da ministra Cármen Lúcia em sessão do Supremo Tribunal Federal. Se os fatos puderem ser comprovados, algum dossiê acabará chegando a mãos internacionais, robustecendo o caudaloso dossiê Brasil de violação de todo tipo de direitos — humanos, ambientais, animais, sociais e raciais.
Desde a publicação do Relatório “Yanomami Sob Ataque”, de 2015, já era sabido que aquela comunidade indígena apresentava o maior índice (92%) de contaminação por mercúrio. Desestruturação social, ataques a tiros com mortes de crianças, oferta de comida em troca de sexo com meninas vinham sendo denunciados no rastro do garimpo ilegal na Terra Ianomâmi. Os responsáveis quase sempre continuam impunes e livres, quando não são incentivados obliquamente pelo governo. Não foi diferente desta vez. Equipes da Polícia Federal, da Funai e do Ministério Público Federal despachadas para Aracaçá informam não ter encontrado indícios do crime. E nós, apesar de dotados de cérebro e mente, toleramos como sempre. Assim chegamos a 2022.
Corte a seco para uma entrevista exibida na quarta-feira pela TV Bahia. Madalena Silva é negra e traz na pele seus 62 anos de idade — 54 dos quais dentro de uma “casa de família”, onde era submetida a condições análogas à escravidão. Não tinha salário, não tinha folga, não sabia o que era ser gente. Resgatada um ano atrás por auditores do Ministério do Trabalho, Madalena talvez pensasse estar preparada para falar do passado. Mas não se preparou para o presente de sentar-se à mesa com uma jornalista branca, Adriana Oliveira. Quando a repórter lhe estendeu as mãos para confraternizar, tudo veio à tona — e com força. O que se viu foi um ser humano desumanizado, arrancado da liberdade de ser negro. O diálogo entre essas duas mulheres é um registro histórico do Brasil de 2022. Deixa exposta, sem filtro, a brutalidade e crueza do racismo nacional:
—Fico com receio de pegar na sua mão branca — diz Madalena na cena, retraindo-se em choro e medo.
— Mas por quê? Tem medo de quê? — pergunta a repórter, com vagar e empatia.
—Porque ver a sua mão branca... eu pego e boto a minha em cima da sua e acho feio isso — responde a entrevistada, sacudida por emoções e temores ancestrais. Vimos uma vida negra em frangalhos.
Cenas assim não se ensaiam, elas simplesmente explodem, e delas brota uma consciência. Em momento tão desconcertante a jornalista encontrou o caminho da humanidade e conseguiu abrigar a mão negra entre as suas. E o Brasil pôde sentir-se confortado, enternecido, aliviado com o abraço final dessas duas mulheres.
Só que continuamos covardes. O mesmo Brasil que ostenta aspirações democráticas e logo mais se engalanará para as comemorações pelo Bicentenário da Independência nunca foi capaz de proclamar coletivamente — na rua e no trabalho, em casa, nas instituições, nas esferas pública e privada — que temos vergonha do racismo e não queremos mais extinguir a vida indígena. Sem essa pauta mínima de construção da sociedade brasileira, não há eleição que resolva esse horror. Questão de consciência.
Esta semana foi infame para a História do Brasil, pois não reagimos.
Seis pessoas libertadas de trabalho análogo ao da escravidão em Lassance (MG) |
“Eles chegaram de surpresa, só estavam as três (uma criança de 4 anos, uma menina de 12 e uma adulta, todas da tribo ianomâmi). O restante da comunidade estava no mato, trabalhando na roça e caçando. Então elas estavam sozinhas, e os garimpeiros se aproveitaram...” Assim começava o relato em rede social do presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Ianomâmi e Yek’wana (Condisi YY) , Júnior Hekurari. Teriam sido levadas até o acampamento ilegal dos garimpeiros, onde a menina foi estuprada e morta. A criança? Arremessada para o rio e engolida pelas águas, segundo a denúncia. A mulher, única sobrevivente, teria conseguido nadar de volta à tribo.
Pelos caminhos tortuosos da mente, essa nova denúncia de crimes contra a aldeia de Aracaçá, no norte de Roraima, bateu forte na consciência coletiva. Ricocheteou nos noticiários, fez chorar grandes jornalistas exaustos de tanto horror nacional e recebeu dura cobrança e opróbrio por parte da ministra Cármen Lúcia em sessão do Supremo Tribunal Federal. Se os fatos puderem ser comprovados, algum dossiê acabará chegando a mãos internacionais, robustecendo o caudaloso dossiê Brasil de violação de todo tipo de direitos — humanos, ambientais, animais, sociais e raciais.
Desde a publicação do Relatório “Yanomami Sob Ataque”, de 2015, já era sabido que aquela comunidade indígena apresentava o maior índice (92%) de contaminação por mercúrio. Desestruturação social, ataques a tiros com mortes de crianças, oferta de comida em troca de sexo com meninas vinham sendo denunciados no rastro do garimpo ilegal na Terra Ianomâmi. Os responsáveis quase sempre continuam impunes e livres, quando não são incentivados obliquamente pelo governo. Não foi diferente desta vez. Equipes da Polícia Federal, da Funai e do Ministério Público Federal despachadas para Aracaçá informam não ter encontrado indícios do crime. E nós, apesar de dotados de cérebro e mente, toleramos como sempre. Assim chegamos a 2022.
Corte a seco para uma entrevista exibida na quarta-feira pela TV Bahia. Madalena Silva é negra e traz na pele seus 62 anos de idade — 54 dos quais dentro de uma “casa de família”, onde era submetida a condições análogas à escravidão. Não tinha salário, não tinha folga, não sabia o que era ser gente. Resgatada um ano atrás por auditores do Ministério do Trabalho, Madalena talvez pensasse estar preparada para falar do passado. Mas não se preparou para o presente de sentar-se à mesa com uma jornalista branca, Adriana Oliveira. Quando a repórter lhe estendeu as mãos para confraternizar, tudo veio à tona — e com força. O que se viu foi um ser humano desumanizado, arrancado da liberdade de ser negro. O diálogo entre essas duas mulheres é um registro histórico do Brasil de 2022. Deixa exposta, sem filtro, a brutalidade e crueza do racismo nacional:
—Fico com receio de pegar na sua mão branca — diz Madalena na cena, retraindo-se em choro e medo.
— Mas por quê? Tem medo de quê? — pergunta a repórter, com vagar e empatia.
—Porque ver a sua mão branca... eu pego e boto a minha em cima da sua e acho feio isso — responde a entrevistada, sacudida por emoções e temores ancestrais. Vimos uma vida negra em frangalhos.
Cenas assim não se ensaiam, elas simplesmente explodem, e delas brota uma consciência. Em momento tão desconcertante a jornalista encontrou o caminho da humanidade e conseguiu abrigar a mão negra entre as suas. E o Brasil pôde sentir-se confortado, enternecido, aliviado com o abraço final dessas duas mulheres.
Só que continuamos covardes. O mesmo Brasil que ostenta aspirações democráticas e logo mais se engalanará para as comemorações pelo Bicentenário da Independência nunca foi capaz de proclamar coletivamente — na rua e no trabalho, em casa, nas instituições, nas esferas pública e privada — que temos vergonha do racismo e não queremos mais extinguir a vida indígena. Sem essa pauta mínima de construção da sociedade brasileira, não há eleição que resolva esse horror. Questão de consciência.
Os novos senhores do mundo
Uma das experiências mais surreais da minha vida foi entrevistar, em 2014, Will Cathcart, na sede do Facebook, em Silicon Valley. Hoje, Will é o líder do WhatsApp, mas na altura era vice-presidente responsável pelos produtos da rede social de Mark Zuckerberg, nomeadamente pela equipa de centenas de engenheiros que todos os dias desenhavam e afinavam o secreto algoritmo EdgeRank. À minha frente, entre paredes grafitadas com a palavra “hack” e máquinas de distribuição de gomas e chocolates, estava um rapaz simpático, que beberricava uma bebida e atirava piadas enquanto me explicava levemente o incomensurável poder que tinha nas mãos: definir o que viam milhares de milhões de pessoas em todo o mundo nas suas cronologias quando abriam a aplicação.
Ainda estávamos longe do escândalo do Cambridge Analytica, mas fiquei aterrada com a ideia de que, com um microtoque do seu dedo aqui ou acolá num código, toda esta gente (por comparação, a maior nação do planeta) podia passar a ter uma experiência distinta – e uma noção da realidade e do mundo completamente diferente. Estava pois, à minha frente, a nova divindade do século XXI: alguém que podia, com relativa facilidade, tanto catapultar marcas como mudar humores das pessoas e amplificar estados de alma e tendências sociais e políticas. Dono e senhor de um bonito espaço de ligação entre pessoas, mas também de uma potencialmente perigosa máquina de manipulação massiva.
Lembro-me desta conversa amiúde, sempre que se fala de redes sociais, dos seus líderes ou proprietários, e se discute a necessidade de regulamentação para que a internet não seja um faroeste onde vale tudo. Voltei a lembrar-me dela quando veio a público o interesse de Elon Musk, apontado como o homem mais rico do mundo, pelo Twitter. Musk, um empresário de sucesso, o novo herói dos empreendedores e liberais, ligado a marcas como a Paypal, a Tesla e a SpaceX, tem tanto de genial e visionário como de louco, caprichoso e irrefletido. Num dia, dispõe-se a vender ações para acabar com a fome no mundo; noutros, quer atirar carros para o Espaço, implantar chips nos cérebros humanos ou atingir Marte com armas termonucleares para o poder colonizar.
É este o homem que vai gastar 44 mil milhões de dólares (para referência, mais de metade do que Portugal recebeu de empréstimo da Troika) numa empresa que está longe de ser um bom negócio, para pôr ordem na casa e, como alega, “acabar com a censura” na plataforma conhecida por ter uma política de moderação de conteúdos mais apertada (e, na minha opinião, não isenta de críticas) – e que, por exemplo, fechou a conta de Donald Trump. Uma compra 38% acima do valor que Wall Street lhe atribuía e “hands on” na política de gestão da empresa e nos algoritmos que são a sua essência. Tudo isto faz temer mudanças significativas na plataforma que, não sendo a maior, é uma das mais influentes. Usará este poder com consciência ou como brinquedo? Eis a legítima questão.
Na mesma semana, por feliz coincidência, depois de uma longa e dura ronda negocial, o Conselho e o Parlamento Europeu chegaram a acordo sobre a “Lei de Serviços Digitais”, que, completando a “Lei dos Mercados Digitais”, vem estabelecer novos padrões para um espaço digital mais seguro e aberto para os utilizadores, e também mais responsabilidade para as plataformas em relação aos conteúdos, bens e serviços ilegais que albergam e amplificam.
A transparência dos algoritmos, por exemplo, é uma das medidas contempladas, de forma a evitar manipulação e padrões obscuros. Quanto a mim, um passo essencial. Outro objetivo é proteger melhor online os direitos fundamentais, com garantias mais fortes de que as notificações são processadas de modo não arbitrário e não discriminatório e com respeito pelos valores fundamentais da liberdade de expressão e proteção de dados. Há ainda normas sobre proteção das crianças, ciberviolência, discurso de ódio, publicidade online ou desinformação, e multas que efetivamente fazem doer – podem ir até 6% do volume de negócios global. Estas novas regras só começarão a ser aplicadas 15 meses após a sua publicação, mas está à vista que este é um caminho que tem de ser feito, e onde a Europa é – e bem – pioneira.
Ainda estávamos longe do escândalo do Cambridge Analytica, mas fiquei aterrada com a ideia de que, com um microtoque do seu dedo aqui ou acolá num código, toda esta gente (por comparação, a maior nação do planeta) podia passar a ter uma experiência distinta – e uma noção da realidade e do mundo completamente diferente. Estava pois, à minha frente, a nova divindade do século XXI: alguém que podia, com relativa facilidade, tanto catapultar marcas como mudar humores das pessoas e amplificar estados de alma e tendências sociais e políticas. Dono e senhor de um bonito espaço de ligação entre pessoas, mas também de uma potencialmente perigosa máquina de manipulação massiva.
Lembro-me desta conversa amiúde, sempre que se fala de redes sociais, dos seus líderes ou proprietários, e se discute a necessidade de regulamentação para que a internet não seja um faroeste onde vale tudo. Voltei a lembrar-me dela quando veio a público o interesse de Elon Musk, apontado como o homem mais rico do mundo, pelo Twitter. Musk, um empresário de sucesso, o novo herói dos empreendedores e liberais, ligado a marcas como a Paypal, a Tesla e a SpaceX, tem tanto de genial e visionário como de louco, caprichoso e irrefletido. Num dia, dispõe-se a vender ações para acabar com a fome no mundo; noutros, quer atirar carros para o Espaço, implantar chips nos cérebros humanos ou atingir Marte com armas termonucleares para o poder colonizar.
É este o homem que vai gastar 44 mil milhões de dólares (para referência, mais de metade do que Portugal recebeu de empréstimo da Troika) numa empresa que está longe de ser um bom negócio, para pôr ordem na casa e, como alega, “acabar com a censura” na plataforma conhecida por ter uma política de moderação de conteúdos mais apertada (e, na minha opinião, não isenta de críticas) – e que, por exemplo, fechou a conta de Donald Trump. Uma compra 38% acima do valor que Wall Street lhe atribuía e “hands on” na política de gestão da empresa e nos algoritmos que são a sua essência. Tudo isto faz temer mudanças significativas na plataforma que, não sendo a maior, é uma das mais influentes. Usará este poder com consciência ou como brinquedo? Eis a legítima questão.
Na mesma semana, por feliz coincidência, depois de uma longa e dura ronda negocial, o Conselho e o Parlamento Europeu chegaram a acordo sobre a “Lei de Serviços Digitais”, que, completando a “Lei dos Mercados Digitais”, vem estabelecer novos padrões para um espaço digital mais seguro e aberto para os utilizadores, e também mais responsabilidade para as plataformas em relação aos conteúdos, bens e serviços ilegais que albergam e amplificam.
A transparência dos algoritmos, por exemplo, é uma das medidas contempladas, de forma a evitar manipulação e padrões obscuros. Quanto a mim, um passo essencial. Outro objetivo é proteger melhor online os direitos fundamentais, com garantias mais fortes de que as notificações são processadas de modo não arbitrário e não discriminatório e com respeito pelos valores fundamentais da liberdade de expressão e proteção de dados. Há ainda normas sobre proteção das crianças, ciberviolência, discurso de ódio, publicidade online ou desinformação, e multas que efetivamente fazem doer – podem ir até 6% do volume de negócios global. Estas novas regras só começarão a ser aplicadas 15 meses após a sua publicação, mas está à vista que este é um caminho que tem de ser feito, e onde a Europa é – e bem – pioneira.
Quem é teu inimigo?
O que tem fome e te roubao último pedaço de pão chama-o teu inimigo.Mas não saltas ao pescoçode teu ladrão que nunca teve fome.Bertolt Brecht
Tanto chão, cara
Há 47 anos, o povo português deu exemplo ao mundo: como sair de regime autoritário e obscurantista para construir uma sociedade moderna, com coesão e rumo. Na época, nosso Chico Buarque compôs uma poesia engajada politicamente sem abrir mão da qualidade estética. Com “Tanto Mar, Pá”, Chico uniu a graça da arte com a força da política. Com a imagem do mar nos passou a imensa distância a percorrer para sair da ditadura reacionária brasileira, até construir a democracia progressista nos moldes de Portugal.
Dez anos depois, conquistamos nossa democracia, mas ainda não encontramos a coesão social e o rumo histórico “para fazer do Brasil um imenso Portugal”. Já não cabe sonhar com o outro lado do Atlântico, mas caminhar em frente: não mais o “tanto mar, pá”, mas “tanto chão, cara”.
Tanto chão para fazer no Brasil uma democracia, onde as urnas não temam ameaça das armas, uma democracia justa, sustentável, eficiente, coesa. Tanto chão para fazer as reformas que nossa economia precisa e competir no mundo global, tanto chão para realizar as reformas sociais e a eficiência servir a todos, não apenas a uma minoria privilegiada; tanto chão para eliminar os resquícios da escravidão que até hoje beneficia os descendentes sociais dos senhores e oprime com desigualdade e racismo aos descendentes sociais ou raciais dos escravos.
Tanto chão para a política se livrar do populismo de direita que se nega a distribuir os resultados da economia, e do populismo de esquerda que promete distribuir riqueza sem se preocupar em criá-la. Tanto chão para acabar com a prática da corrupção e escolher políticos com compromisso público e visão de futuro acima dos interesses privados, pessoais ou de grupos: todos com sensibilidade e responsabilidade. Tanto chão falta para que nossos intelectuais, políticos e povo percebam a importância da educação de base como vetor do progresso e saiam da demagogia de oferecer universidade para todos, sem compromisso com o analfabetismo e com a garantia de educação de base com a mesma qualidade; para que entendam que o caminho exige um sistema educacional com a qualidade dos melhores do mundo, e a mesma qualidade para cada criança, independente da renda e do endereço de sua família.
Tanto chão em frente: maior que o mar ao lado que o Chico nos mostrou.
Dez anos depois, conquistamos nossa democracia, mas ainda não encontramos a coesão social e o rumo histórico “para fazer do Brasil um imenso Portugal”. Já não cabe sonhar com o outro lado do Atlântico, mas caminhar em frente: não mais o “tanto mar, pá”, mas “tanto chão, cara”.
Tanto chão para fazer no Brasil uma democracia, onde as urnas não temam ameaça das armas, uma democracia justa, sustentável, eficiente, coesa. Tanto chão para fazer as reformas que nossa economia precisa e competir no mundo global, tanto chão para realizar as reformas sociais e a eficiência servir a todos, não apenas a uma minoria privilegiada; tanto chão para eliminar os resquícios da escravidão que até hoje beneficia os descendentes sociais dos senhores e oprime com desigualdade e racismo aos descendentes sociais ou raciais dos escravos.
Tanto chão para a política se livrar do populismo de direita que se nega a distribuir os resultados da economia, e do populismo de esquerda que promete distribuir riqueza sem se preocupar em criá-la. Tanto chão para acabar com a prática da corrupção e escolher políticos com compromisso público e visão de futuro acima dos interesses privados, pessoais ou de grupos: todos com sensibilidade e responsabilidade. Tanto chão falta para que nossos intelectuais, políticos e povo percebam a importância da educação de base como vetor do progresso e saiam da demagogia de oferecer universidade para todos, sem compromisso com o analfabetismo e com a garantia de educação de base com a mesma qualidade; para que entendam que o caminho exige um sistema educacional com a qualidade dos melhores do mundo, e a mesma qualidade para cada criança, independente da renda e do endereço de sua família.
Tanto chão em frente: maior que o mar ao lado que o Chico nos mostrou.
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