O general Charles De Gaulle, presidente da França nos anos 60 do século passado, jamais disse uma frase que lhe atribuíram e que ficou famosa: “O Brasil não é um país sério”. Mas se tivesse dito, não estaria de todo errado. Quem sabe não estaria certo?
Combustíveis são commodities. Assim sendo, como outra qualquer outra commodities, seu preço varia de acordo com o mercado internacional. Isso vale, por exemplo, para o aço, o trigo, o ferro e a soja. Por que não valeria para o petróleo?
O governo fraco, de um presidente encurralado por denúncias de corrupção, deu um subsídio de R$ 0,46 no litro do diesel para beneficiar caminhoneiros autônomos. Legal isso! Escondeu, porém, do distinto público que o subsídio beneficiará quem não precisa.
Beneficiará o poderoso e riquíssimo agronegócio que usa diesel nas suas máquinas. Beneficiará as riquíssimas empresas de transporte de cargas. Beneficiará as lucrativas empresas de ônibus que compram o diesel direto das distribuidoras.
(Por sinal, o “rei dos ônibus” do Rio de Janeiro, o empresário Jacob Barata Filho, transborda felicidade. Primeiro porque foi solto três vezes pelo ministro Gilmar Mendes. Segundo pelo subsídio. Terceiro porque o preço da passagem no Rio aumentou ontem.)
O subsídio beneficiará também os ricos e milionários que tem carro importado a diesel. Porque, aos caminhoneiros, não beneficiará, por mais que o governo diga que multará os postos que não reduzam o preço do diesel. Quer um exemplo disso?
Na semana que antecedeu a greve, um amigo meu, no Rio, comprou duas caixas de morangos por R$ 3,99 cada. Na semana passada, a caixa custava R$ 9,99. Ontem, R$ 7,99. E sabe o que é pior? As pessoas acham que tudo voltará à normalidade.
O economista Pedro Parente reconstruiu a Petrobras – ou pelo menos resgatou sua credibilidade e eficiência. E foi por isso que caiu. Sua queda deve-se a acertos, não a erros. O governo arrombou a porta da Petrobras e isso é um péssimo sinal.
A direita brucutu e a esquerda burra se uniram para exigir a cabeça de Parente, e levaram. Continuarão unidas, desta vez exigindo a cabeça de Temer. Foi isso o que ele conseguiu.
Algo ficou claro depois da greve dos caminhoneiros que colocou o Governo de joelhos e paralisou o país como talvez nunca antes: perderam os que advogavam uma solução militar para a crise política e social do Brasil, já que puderam escutar, pela boca dos mais altos comandantes dos três corpos das Forças Armadas, que eles estão com a Constituição e que só atuarão no marco da democracia.
Os militares nem sequer se sentiram tentados pelo canto de sereia das adulações de uma sociedade que majoritariamente lhes pede que ponham ordem no país, e deixaram claro que os tempos mudaram e que hoje, no Brasil, todos devem ser fiéis à Constituição.
Isso representa um desafio ainda maior, já que os descontentes com o Governo sabem que não podem contar com soluções diferentes das que os próprios militares lhes ofereceram: mudar as coisas nas urnas, com o voto, como em todas as democracias. E o voto está batendo à porta. Se a sociedade acabar escolhendo os que sabidamente traíram a confiança de quem votou neles, insistindo no tosco e perigoso slogan de que “roubam, mas fazem”, terá sido perdida a última possibilidade de regeneração política.
A greve, afinal, revelou que não existem atalhos para a democracia e para o diálogo, e que nenhuma solução autoritária ou violenta tornará mais próspero um país ao qual não faltam recursos materiais nem espirituais para ressurgir das cinzas do seu desalento.
Os caminhoneiros conseguiram o paradoxo de obter o aplauso de 87% dos cidadãos prejudicados pela greve. Como explicar isso? Talvez porque foi mais do que uma greve. Foi uma catarse coletiva, uma válvula de escape para todas as críticas acumuladas pelos cidadãos contra os governantes, contra a corrupção crônica dos políticos, vista como uma peste nacional.
Uma catarse para tentar se livrar, no símbolo do caminhoneiro sacrificado, das insatisfações acumuladas, da agonia cotidiana sofrida com os péssimos serviços públicos, da teimosia do Governo em apertar cada vez mais a carga tributária dos que trabalham, enquanto é incapaz de enfrentar os privilégios dos intocáveis.
Que não se iludam os partidos. Que desistam de capitalizar a greve catalogando-a com velhas etiquetas políticas. Foi só o clamor de uma sociedade que se encontra órfã de líderes confiáveis, após assistir à queda de seus deuses do passado, descobrindo-os nus.
Se alguma conotação política teve esta greve apoiada maciçamente pela sociedade foi a tentação de cair na miragem de que a violência seria capaz de trazer os dias melhores de volta. Daí a atração pelos políticos duros, a paquera com os militares e a simpatia pelos extremistas. O que prevaleceu numa greve de contornos confusos e contraditórios foi o desejo de uma mão de ferro, seja branca, negra ou vermelha, capaz, como dizia um dos manifestantes, “de arrumar este caos de país”.
Que não esqueçam os políticos, às vésperas de eleições que se apresentam a cada dia mais sombrias e incertas. Que não se esqueçam da capacidade de raiva que uma sociedade pode concentrar quando se sente traída. Ainda haverá alguém neste país e neste momento com capacidade de mobilizar o melhor da sua gente, rica em sentimentos e generosidades, mas que exige reconhecimento do seu direito à justa ira social?
Velho, muito velho, terno sempre azul e cabeça toda branca, seu Manuel era uma figura querida e conhecida sobretudo em Teresópolis mas também em Petrópolis: revendedor há muitos anos da Loteria Federal. A sorte só chegava a Teresópolis e às vezes a Petrópolis pelas mãos já mirradas do seu Manuel.
Depois que o presidente Geisel deixou o governo, seu Manuel arranjou mais um freguês permanente para seus bilhetes: Geisel. Toda extração, ele levava um bilhete inteiro para o sítio dos Cinamomos, do ex-presidente. Era venda segura e a comissão certa.
De repente, Geisel passou a receber no Rio, toda semana, diretamente da Loteria, cinco bilhetes inteiros. Como essa era a cota mínima de um revendedor, o ex- presidente ganhava o desconto de revendedor e seu Manuel perdia sua comissão. Mas não se queixava:
– Quem pode, pode. E ele tem sorte. Uma vez ganhou.
Um cliente de Petrópolis lhe perguntou:
– Seu Manuel, por que o senhor não se queixa lá na Caixa?
– Porque tenho medo.
– Mas o homem já não é mais presidente.
– Eu sei. Ele saiu do governo, mas meu medo do governo ficou.
Na saudosa e histórica “Adega dos Frades”, um grupo de políticos, jornalistas, empresários, relembrava os tempos de medo da ditadura. Paulo Antonio Carneiro, diretor do “Diário de Petrópolis”, então jovem dirigente do MDB municipal, revendo seus papeis, encontrou umas laudas escritas à mão.
Candidato em 1974 a deputado federal pelo MDB do antigo Estado do Rio, em dobradinha com o vereador Carlos Portella, candidato a estadual, os dois então bem jovens, com menos de 30 anos, Paulo Antonio pediu sugestões para sua primeira aparição no horário do TRE na TV.
O SNI fazia uma pressão brutal, no Tribunal Regional Eleitoral, contra os candidatos do MDB, censurando-lhes os pronunciamentos, sobretudo dos mais jovens e aguerridos. Era preciso ser rápido no gatilho e aproveitar bem aqueles rápidos instantes, com declarações curtas e fortes.
Paulo Antonio foi para a TV com uma pequena lista delas no bolso. Na sua vez de falar, reviu,memorizou e começou exatamente pela primeira:
– “Democracia não é só ter eleição de quatro em quatro anos. Democracia é viver sem medo”.
Na mesma hora, saíram os três do ar: o programa, Paulo Antonio e a frase. Dias depois, também eram vetadas e saíram da lista eleitoral do MDB fluminense as candidaturas dele e de seu fiel companheiro Portella.
Sebastião Nery
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Ragusa (Itália) |
O Brasil enfrenta a crise dos ‘Três Ds’. Faltam ao país decência, direção e desenvolvimento. No dia 1º de janeiro de 2019, Michel Temer será apenas matéria-prima para a Polícia Federal. Haverá outro inquilino na Presidência da República. Nem por isso a corrupção desaparecerá, a luz surgirá no fim do túnel e 13 milhões de carteiras de trabalho serão assinadas. O Brasil ainda será um país por fazer.
O derretimento do atual governo tornou a satanização de Temer um passatempo inútil. A essa altura, os presidenciáveis deveriam demonstrar ao eleitorado que são capazes de inaugurar um espetáculo novo. Mas a maioria desperdiça a sua hora oferecendo raiva e indefinições. O vácuo conceitual é tão dramático que um pedaço da sociedade começa a considerar a própria democracia desnecessária. É como se o Brasil estivesse condenado a viver sob o domínio da Lei de Murphy.
Abre parêntese: o capitão Edward Murphy, da Força Aérea dos Estados Unidos, enxergou o DNA da urucubaca ao acompanhar os experimentos de seu chefe, o major John Paul Stapp. Cobaia de testes de resistência a grandes acelerações, Stapp desafiava a velocidade num trenó-foguete. Em 1949, bateu o recorde de aceleração. Mas não conseguiu celebrar o feito. Os acelerômetros do veículo não funcionaram.
Engenheiro, Murphy foi investigar o que havia ocorrido. Descobriu que um técnico ligara os circuitos dos aparelhos ao contrário. E concluiu: ''Se há mais de uma forma de fazer um trabalho e uma dessas formas redundará em desastre, então alguém fará o trabalho desta forma''. Em entrevista, Stapp se referiu à frase como ''Lei de Murphy''. Resumiu-a assim: ''Se alguma coisa pode dar errado, dará''. Fecha parêntese.
Quando FHC passou pelo poder, consolidou o Plano Real, um feito econômico notável. Na política, porém, entregou-se a realpolitik que o tornou aliado do rebotalho parlamentar. O PSDB desfigurou-se. Nunca mais retornou ao Planalto. Quando Lula chegou à Presidência, preservou os pilares da econômica e distribuiu renda. Mas comprou com moeda sonante o apoio da mesma banda arcaica que se aninhara sob FHC. Deu em mensalão e petrolão. A certa altura, a verba da arca eleitoral clandestina se confundia com o dinheiro que bancou os conforto$. Deu em cadeia.
Tomados pelo espírito da Lei de Murphy, tucanos e petistas jamais conseguiram se unir. Preferiram se juntar ao atraso. Deu no que está dando. Ao deixar a Presidência, Lula poderia ter levado seus 83% de popularidade para a câmara de descompressão de São Bernardo. Optou por continuar mandando por meio de Dilma Rousseff. E ainda enfiou Michel Temer na vice. Murphy em dose dupla.
Temer talvez não se reelegesse deputado. Mas foi convertido em presidente pelo destino e pelos traidores do petismo. Poderia ter compreendido seu papel histórico, compondo um ministério de notáveis. Preferiu entregar a maioria das pastas a dois tipos de aliados: os capazes de tudo e os incapazes de todo. Chega ao ocaso do seu mandato cercado de auxiliares fora da lei e com quatro fardos sobre os ombros: duas denúncias e dois inquéritos por corrupção. Murphy elevado à última potência.
A Lava Jato dividiu os políticos em dois grupos: os culpados e os cúmplices. Como não consegue enxergar inocentes, o eleitorado também se dividiu em duas alas: a dos pessimistas e dos desesperados. A primeira banda engrossa o bloco dos sem-candidato; a segunda, em vez de aproveitar os escândalos e a ladroagem para qualificar o próprio voto, sonha em resolver a bagunça com ditadura. É a Lei de Murphy em sua versão ''manu militari''.
O descrédito no sistema político é tão devastador que a liberdade democrática produz a fúria dos imbecis —gente que compreende a democracia como um regime em que o sujeito tem ampla e irrestrita liberdade para exercitar sua capacidade de fazer besteiras por conta própria —como trocar ofensas, defender corruptos e pregar a volta dos militares nas redes sociais. É a tecnologia a serviço do efeito Murphy.
A paralisação dos caminhoneiros, uma espécie de junho de 2013 com boleia, expôs o tamanho da indignação dos brasileiros: 87% dos entrevistados do Datafolha disseram apoiar um movimento que impôs à sociedade o desasbastecimento de combustíveis e mantimentos, que reteve medicamentos e retardou cirurgias, que apavorou pacientes dependentes de hemodiálise. É como se as pessoas quisessem produzir o caos que transformará o Brasil num lugar perfeito para a construção de algo inteiramente novo.
O problema é que a fome do “novo” esbarra numa legislação que privilegia a eleição de um Congresso Nacional velho. Muitos se perguntam quem será o próximo presidente da República. Convém formular uma segunda questão: como será governado o país a partir de 2019? Juntando-se o salvacionismo de certos presidenciáveis com o arcaísmo de sempre, perpetua-se o desastre. Ou o Brasil revoga a Lei de Murphy ou ficará mais próximo da Idade Média do que da Renascença.
Pedro Parente deixará o cargo da Petrobras pelo mesmo motivo que Maria Silvia Bastos saiu do BNDES. Ambos tentaram implementar uma gestão empresarial sem interferências políticas, em um país acostumado com o jeitinho e os subsídios setoriais não contabilizados no Orçamento.
A resposta do governo Temer à greve dos caminhoneiros deixou Parente em uma posição insustentável. De salvador da empresa, ele passou a ser o culpado pela alta dos combustíveis, e não é da natureza dele ser parte do problema. No auge da crise, ele não sairia, mas depois era previsível que deixasse o governo à vontade.
O especialista em energia Adriano Pires, do CBIE, lembra que o valor de mercado da Petrobras aumentou quatro vezes desde a chegada de Parente. Agora, acha que o futuro da companhia é incerto, porque será escolhido um nome tampão, para conduzir a empresa até dezembro, quando se encerra o governo Temer.
- O que vimos durante esta crise é que controle de preços no Brasil não é coisa do passado. Achávamos que esse tema estivesse superado depois de tudo que aconteceu no governo Dilma e os prejuízos de US$ 40 bilhões à Petrobras com esses subsídios. Pedro Parente salvou a Petrobras de sua maior crise, e agora está acusado de ser o culpado pela alta do diesel. Voltamos ao passado, é um retrocesso enorme - avalia Pires.
Pires considera inviável a proposta feita pelo governo Temer ao setor de diesel, com tabelamento de preços nos postos de gasolina e cálculos feitos pela ANP para definir a indenização à Petrobras. Por isso, avalia que o executivo foi coerente ao pedir para deixar a empresa.
Aos poucos, a vidinha do País volta ao habitual. Mas o que ficou desses últimos dias, e as consequências que ainda virão, fruto da incapacidade, da fraqueza e da insensatez de quem ocupa os mais altos postos da Nação, essas irromperão no decorrer dos próximos meses, tornando mais difícil ainda esquecer as imagens que vimos na TV.
As que vimos, como aquele caminhoneiro de Betim sendo arrancado da boleia de seu caminhão por um bando de marginais, e as que não vimos, como a pedrada no parabrisa do caminhão de um senhor de 70 anos, José Batistela, que, atingido na cabeça, morreu na hora.
Vimos os pontos de bloqueio ocupados por alucinados com faixas que pediam aquilo que não lhes beneficiaria em nada e que só estavam ali na esperança estúpida de derrubar o governo. São pobres de espírito, isso são. A nossa sorte é que os militares, vacinados por uma triste odisseia que só os enfraqueceu e que nada lhes trouxe de bom, não querem mais saber do Poder, a não ser o conquistado nas urnas. E, pergunto, será que há militares bem preparados dispostos a manejar o leme desta nau à deriva?
A falta de visão vem de longe. Já houve um Brasil em busca de um progresso consistente. Aos 80 anos, posso testemunhar um bocadinho dessa busca. Costumava ir a São Paulo muitas vezes por ano e raramente ia de avião e mais raramente ainda, de carro. Viajávamos mesmo era de trem, uma viagem rápida e muito cômoda.
Tenho amigos que iam e vinham de trem de Porto Alegre ao Rio, ou de Belo Horizonte ao Rio. Em muitas cidades por esse Brasil a fora o trem era a melhor solução para viagens interestaduais. Cadê os trens?
O Brasil é um país extremamente favorecido para a navegação de cabotagem por suas condições naturais e distribuição demográfica. Trata-se de um país com uma costa navegável de 7.500 km de extensão, com mais de 30 portos organizados e inúmeros terminais de uso privativo. Além disso, o país possui uma forte concentração costeira dos setores produtivos e consumidor, com 80% da população vivendo entre as regiões litorâneas e a até 200 km da costa. (Link)
Mas somos modernos, não é mesmo? E temos pressa. Para chegar aonde? Onde estamos? Neste deserto de ideias? Não podemos nos espelhar na Europa, o continente que se pode cruzar de trem, de automóvel, de aviões, de barcos que navegam por seus rios? Na China, aquele gigante, as ferrovias e as hidrovias são muito utilizadas, com carga e passageiros. Na Índia, o trem é o meio de transporte mais usado pela população. No Canadá, na Austrália, nos Estados Unidos, o avião não chegou para matar os outros meios de transporte, como aqui, lá ele chegou para enriquecer o País.
Mas, aqui, no meio do caminho estava a frase terrível, à qual devemos muitos de nossos problemas: Governar é abrir estradas…
Pois é. Abriu estradas e construiu aeroportos e abandonou os trilhos, os rios, o mar e, com isso, travou o progresso.Maria Helena RR de Sousa